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Teoria da Literatura I - Conteúdo Online

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TEORIA DA LITERATURA I 
AULA 1 – O QUE É LITERATURA? 
Certa vez, o poeta Manuel Bandeira afirmou: ―A Literatura é a arte da palavra‖. 
A afirmativa cheia de lirismo abre espaço para questionamentos. A partir dela, podemos 
perguntar: o que pode ser considerado como a arte da palavra? Haveria algum modo de 
definirmos o quão artístico um texto pode ser? Seria possível traçar uma conceituação estável 
e segura acerca do que seria Literatura? 
Observe as obras a seguir: 
Se alguma pessoa perguntasse se você considera tais obras como literárias, provavelmente a 
sua resposta seria afirmativa. É relativamente fácil reconhecer a produção poética de Carlos 
Drummond de Andrade e de Fernando Pessoa, assim como os romances de José de Alencar e 
de Machado de Assis como produções literárias. Mas como conceituar Literatura? 
Entre o saber empírico e a teoria, a construção do conceito de Literatura torna-se complexo. 
Definir o que é Literatura é um desafio que já inquietou muitos pensadores. Haveria a 
possibilidade de definir o que seria o literário? E tal definição poderia ser feita de um modo 
fixo e inquestionável? 
Literatura é Ficção? 
Como afirmou o crítico literário Terry Eagleton, em seu livro Teoria da Literatura: uma 
introdução, uma das primeiras respostas dadas à pergunta ―O que é literatura?‖ conecta o 
conceito de literatura ao ficcional, ou seja, à escrita imaginativa. Estaríamos, assim, em um 
caminho tranquilo para acharmos uma definição sobre o literário: todo texto considerado 
como ficção. 
Se refletirmos mais um pouco sobre essa definição, veremos a tranquilidade dissolver-se. Os 
quatro livros apresentados anteriormente são ficcionais e são considerados como literários. 
Entretanto, a ficção não se configura como regra para a definição do literário sempre. Isso 
porque existem determinadas obras que, apesar de não ficcionais, podem ser consideradas 
como literárias. 
O que consideramos como Literatura pode abarcar não apenas obras consideradas ficcionais, 
mas ensaios, sermões, autobiografias, entre outros tipos de textos. 
Por exemplo, a obra Os sertões, de Euclides da Cunha, não surgiu como obra de ficção. O 
escritor, jornalista e engenheiro Euclides foi escolhido para cobrir uma expedição a Canudos. 
Escreveu o livro em duas partes. A primeira realiza o mapeamento da geografia física e 
humana de Canudos, em uma linguagem objetiva e com tom científico. A segunda reporta os 
episódios da Guerra de Canudos, em uma dicção épica, com uma linguagem diferente da 
primeira, mais refinada e ornada, mas que, entretanto, não se pretendeu classificá-la como 
ficção. 
E, ainda que não tenha se assumido como literatura imaginativa, Os sertões é considerado 
como manifestação literária, por conta de sua linguagem e de sua importância documental e 
filosófica. 
Um dado válido de se pensar a categorização de textos não ficcionais como literários é a 
própria distinção entre a ideia de fato e a ideia de ficção, que inexistia, pelo menos, até o 
século XVII. Isso significa que, em muitos textos, ainda não havia uma diferença clara entre o 
que seria ficcional e o que seria factual. 
A Carta a El-Rey Dom Manuel, de Pero Vaz de Caminha, é bom exemplo do que foi dito 
anteriormente. 
Caminha era escrivão oficial do rei de Portugal e escreveu a carta com a pretensão de cumprir 
o seu dever: informar ao rei notícias da terra encontrada, durante a viagem empreendida 
pelos navegadores portugueses, a caminho da Índia. 
Escreveu o seu relato ao rei em obediência às convenções de sua época e da literatura de 
informação. Não escrevia ficção, ao menos de modo consciente: a diferença entre o factual e 
o fictício não era concebida como em nossos dias, como já dissemos. 
Tampouco sonhava com a importância a ser obtida posteriormente por seu relato, 
considerado, a partir da visão dos românticos do século XIX, como uma certidão de 
nascimento do Brasil. 
Entretanto, a Carta de Caminha é considerada uma manifestação da Literatura Brasileira. 
Como dito, não se trata de literatura ficcional, mas de literatura de informação. Considera-se a 
carta como manifestação literária, principalmente por seu valor histórico. 
Em contrapartida, podemos pensar que existem textos ficcionais considerados como não 
literários. É o caso, por exemplo, de muitas histórias em quadrinhos: A turma da Mônica e Tio 
Patinhas são textos ficcionais, mas dificilmente seriam considerados como literários. 
Se o critério ficcional não se mostra adequado para uma conceituação fixa do literário, qual 
outro critério poderia ser usado para tentarmos definir de modo objetivo o conceito de 
Literatura? 
Seria a Literatura um Tipo Especial de Linguagem 
Podemos continuar a busca por uma resposta a partir das propostas de um grupo de 
linguistas: os formalistas russos. No começo do século XX, esse grupo propôs-se a construir 
uma Ciência da Literatura e tiveram como uma preocupação fundamental determinar o que 
denominavam Literariedade. 
LITERARIEDADE: é a qualidade inerente ao texto literário. 
Os formalistas russos relacionaram a Literariedade ao tipo de linguagem empregado nos 
textos. O texto portador de Literariedade e, consequentemente, literário é aquele cuja 
linguagem difere radicalmente da fala utilizada em nosso cotidiano: possui linguagem literária, 
também denominada linguagem poética. 
A linguagem literária é um desvio da fala comum. Roman Jakobson, pesquisador formalista, 
afirmou ser a linguagem poética uma violência contra a fala comum, tamanha a sua diferença 
em relação ao emprego de nossa linguagem diária. 
A linguagem poética opõe-se de modo tão intenso à fala comum por várias razões: por ser 
experimental e plurissignificativa, por colocar a linguagem em primeiro plano, podendo ser 
ornada e conotativa, empregar figuras de linguagem e apresentar paralelismos, musicalidade, 
ritmo, rimas, desvios da norma e neologismo. 
Segundo os critérios citados, poderíamos considerar o poema a seguir, de Vinícius de Moraes, 
como um texto literário, por organizar-se em torno da combinação das características 
referidas, como a experimentação da linguagem, a conotação e a plurissignificância, presença 
de ritmo e o emprego da assonância, da aliteração, de linguagem metafórica e antitética: 
―Poética (I)‖ 
De manhã escureço 
De dia tardo 
De tarde anoiteço 
De noite ardo 
A oeste a morte 
Contra quem vivo 
Do sul cativo 
O este é meu norte 
Outros que contem 
Passo por passo: 
Eu morro ontem 
Nasço amanhã 
Ando onde há espaço 
-Meu tempo é quando. 
Assim, os formalistas russos identificaram o texto literário como aquele dotado de 
Literariedade e a relacionaram ao emprego de um tipo especial de Linguagem: a linguagem 
literária, extremamente diversa da linguagem cotidiana. O modo como a linguagem literária 
estaria estruturada derivou o conceito de Estranhamento: sua peculiar construção linguística 
provocaria no receptor uma sensação de estranheza e o levaria a uma atenção especial, capaz 
de despertá-lo de uma percepção automática da realidade. 
A aparente tranquilidade advinda da proposta formalista para definir a condição do literário 
esbarra em alguns questionamentos, entretanto, podemos pensar em como a ideia de uma 
―fala comum‖ é uma convenção. Uma linguagem considerada cotidiana em uma dada região 
e/ou em certo grupo pode soar absolutamente estranha para outras pessoas e/ou em um local 
diverso. 
A linguagem utilizada por universitários cariocas, provavelmente, soaria estranha à população 
ribeirinha, às margens do Amazonas e vice-versa. 
Do mesmo modo, um texto escrito há trezentos anos pode empregar uma linguagem da 
época, considerada como cotidiana, embora, por conta da lacunatemporal, hoje soe como 
elaborado, poético e sofisticado. O afastamento da linguagem comum e o estranhamento 
causado pela linguagem do texto literário são, portanto, elementos relativos. 
Outro ponto a problematizar é a presença de elementos associados à linguagem literária em 
textos que dificilmente seriam considerados como literários. Um hino de torcida de futebol 
pode apresentar ritmo, musicalidade e linguagem conotativa, repleta de metáforas, por 
exemplo, e não ser considerado como manifestação literária. 
Em contraposição, um texto não necessariamente tão afastado da linguagem cotidiana pode 
vir a ser considerado como literário, como podemos perceber ao lermos boa parte dos 
romances da chamada segunda fase modernista, a ―Geração de 30‖. São textos literários 
elaborados em torno de uma linguagem literária propositalmente próxima à cotidiana. Essa 
opção foi proposital e estava em consonância com a percepção da obra literária como um 
elemento de reflexão social e denúncia das fraturas da sociedade. 
Os próprios formalistas russos estavam cientes das limitações acerca da definição da 
literariedade. Em nenhum momento desejaram definir o que fosse a Literatura, mas os 
mecanismos capazes de tornar um texto literário, configuradores da Literariedade. Mesmo 
esse conceito revelou-se lábil, como o próprio Roman Jakobson assumiria algumas décadas 
mais tarde, ao comparar a definição da linguagem poética à instabilidade das fronteiras 
chinesas. 
A partir de nossa discussão, podemos inferir a impossibilidade de circunscrever o conceito de 
Literatura a uma definição limitada e fixa. O critério ficcional e linguístico revelam-se 
insuficientes para a delimitação objetiva do conceito. Os elementos aludidos por ambos para a 
definição do literário combinam-se de modo plural, como um caleidoscópio, sem que haja uma 
indicação pontual e rígida de caracteres definidores. 
De fato, não há uma fórmula pronta, capaz de designar o que é Literatura, tampouco de aferir 
o índice de literariedade de um texto. As características indicadas pelo critério ficcional e 
linguístico podem ser combinadas de modo diferentes. 
Isso se dá porque a definição do literário não ocorre de modo estável e ontológico, como em 
outros campos do saber, mas de modo funcional. 
Podemos definir de modo ontológico o conceito de mamífero, pois este tem uma essência, 
uma designação clara, ―da coisa em si‖. É possível afirmar, sem receio, a condição da baleia 
como um animal mamífero, por exemplo. 
A definição de Literatura não é ontológica, pois, como vimos, não há como objetivar de modo 
determinante elementos que caracterizem um texto como literário. Trata-se de uma definição 
funcional, pois não se refere a características e estados estáveis. É uma definição atrelada às 
funções desempenhadas por um dado texto em certo momento e /ou sociedade e às práticas 
e discursos conformados em torno dele. 
Ao considerarmos a Literatura como um conceito funcional, verificamos o seu caráter 
histórico, dinâmico e social. 
O conceito de Literatura é social, pois a obra literária é um objeto de interação estética e que 
prevê a integração entre autor, obra e público leitor. A sua concepção como literária depende 
de circulação, pois o estatuto de literário é conferido a um texto por juízos de valores emitidos 
por uma sociedade. 
Esses juízos de valores revelam determinadas concepções sobre a Arte, que tendem a 
valorizar obras que vão ao encontro de tais percepções. Destaquemos, aqui, a ideia de valor 
como: 
Tudo aquilo que é considerado como valioso por certas pessoas específicas, de acordo com 
critérios específicos e à luz de determinados objetivos. (EAGLETON, 2001, p.16) 
Portanto, os valores são mutáveis, de acordo com o grupo, com os critérios e os objetivos que 
os envolvam. Logo, o valor de literário atribuído a um texto pode ser modificado ao longo dos 
anos, o que explica a dimensão histórica e dinâmica do conceito de Literatura. Na verdade, a 
leitura de uma obra em tempos e/ou espaços diversos imprime também apreensões variadas 
de seus significados. 
Para ilustrar o que dissemos, podemos apontar o caso da obra do escritor Coelho Neto, hoje 
praticamente no ostracismo, mas considerada como literatura de altíssima qualidade, durante 
a virada do século XIX para o século XX. O mesmo grupo social que incensava a obra desse 
autor não valorizou tanto a obra de Lima Barreto, pois, à época, esta não se adequava aos 
códigos e discursos vigentes acerca do literário. 
Atualmente, a obra de Lima Barreto é vista como de extrema qualidade literária. Mas, como os 
juízos de valores elaborados pelos grupos sociais são dinâmicos, nada nos garante a 
permanência desse olhar valorativo sobre ela, pois um autor pouco valorizado em nosso 
tempo pode vir a ser percebido como um produtor de alta literatura, posteriormente. 
Os Juízos de Valores e a Formação dos Cânones Literários 
O modo como uma sociedade julga o valor de uma obra dinamiza um processo seletivo: a 
formação do cânone. 
Cânone literário é o conjunto de obras literárias consideradas como de alta relevância e 
qualidade por um grupo social. 
A formação do cânone implica em um processo de inclusão e de exclusão, pautado nas 
percepções estéticas de determinados grupos e instituições vistos como canais competentes, 
como associações literárias, escolas, universidades, conselhos de premiação, a crítica 
especializada e a própria mídia. Trata-se de um processo dinâmico, em permanente 
reconstrução. 
O conceito de clássico dialoga com a ideia de cânone. Um texto clássico é considerado como 
de excelência reconhecida. Para o escritor Ítalo Calvino, autor de Por que ler os clássicos, ―os 
clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que 
precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que 
atravessaram‖. 
Definição de clássico: 
Relativo à arte, à literatura ou à cultura dos antigos gregos e romanos. 
Que segue, em matéria de artes, letras, cultura, o padrão desses povos. 
Da mais alta qualidade; modelar, exemplar. 
Cujo valor foi posto à prova do tempo; tradicional; antigo. 
Que segue ou está de acordo com os cânones ou usos estabelecidos ou que é conforme com 
um ideal; tradicional. Famoso por se repetir ao longo do tempo; tradicional. 
Usado nas aulas ou classes. 
Diz-se da obra ou autor que, pela originalidade, pureza de língua e forma perfeita, se tornou 
modelo digno de imitação. 
O clássico remete à ideia de classe, de sala de aula. Em sua dinâmica, o cânone literário 
possui como instrumento potente de validação o estudo, a recomendação e a discussão dos 
seus textos pelas instituições de educação formal. 
Podemos citar Machado de Assis, Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto como autores 
de obras clássicas e consideradas como parte do cânone literário brasileiro. Vale lembrar que 
escritores não considerados canônicos, em certa época, podem ser integrados ao cânone 
literário muito tempo depois, como ocorreu com a obra do poeta seiscentista Gregório de 
Matos: recuperada pelos românticos brasileiros e considerada, até os nossos dias, clássica. 
A Literatura e o Conceito de Mimese: Uma Introdução 
Um conceito fundamental para começarmos a conhecer o objeto literário é o de mimese (ou 
mímesis). 
A mimese diz respeito ao modo como o texto literário representa a realidade. 
O texto literário carrega consigo dias dimensões importantes: é polissêmico (possui múltiplos 
significados) e é dotado de liberdade ficcional. 
A presença da polissemia no texto literário torna-o latente de significações emergentes no 
olhar do leitor que, ao ler, recria a obra em suas expectativas e possibilidadesde 
compreensão. A obra literária não aponta para um sentido único e inquestionável, e sim para 
um universo de significações plurais. Por sua vez, a liberdade ficcional dota o autor de 
autonomia para a arquitetura de um microcosmo criativo literário, sem a necessidade de 
comprometimento com aspectos externos. 
Por ser polissêmico e ter liberdade ficcional, a obra literária não representa a realidade como 
uma cópia fiel. A representação do real no texto literário não se dá como um espelho 
tranqüilo. 
A obra literária fissura a realidade e constrói a sua reelaboração em um universo com 
liberdade imaginativa, a partir da organização criativa do autor. É nesse sentido que o crítico 
literário Antonio Candido afirmou, em seu livro Literatura e sociedade ―toda mimese é uma 
forma de poiese‖. Isto é, toda representação da realidade no texto literário elabora-se como 
um exercício de criação artística, no qual se permite a imaginação. 
O poeta Manoel de Barros refletiu sobre os processos de mimese em alguns de seus poemas. 
O eu lírico de ―As lições de R.Q.‖ postula o afastamento da racionalidade no processo poético, 
presente na gradação ―o olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê‖. 
Caberia ao artista ―transver‖ o mundo, ultrapassando com a sua imaginação os limites 
impostos pela realidade, pela natureza. É função do artista ―desformar o mundo‖ em suas 
construções criativas e, ao afirmá-lo, o próprio poema descaracteriza o verbo deformar, 
marcando com o desvio a liberdade criativa. 
No universo criado pela palavra imaginativa, o artista pode tornar possível o uso de elementos 
excepcionais, marcando a sua independência com os referenciais da realidade externa, como 
fez Marc Chagall em suas telas, citadas no poema. Ou o escritor Franz Kafka, em seu romance 
A metamorfose, ao iniciá-lo com a transformação do pacato personagem Gregor Samsa em 
um pavoroso inseto. 
AULA 2 – TEORIA DA LITERATURA 
Teoria da Literatura: O Que É? 
Do que se trata a Teoria da Literatura? E qual a sua função? 
Antes de indagarmos sobre a Teoria da Literatura, convém refletirmos sobre a própria 
noção de Teoria. Não é incomum encontrarmos no discurso do senso comum o emprego do 
termo ―teoria‖. 
Geralmente, esse termo designa um palpite, uma hipótese, uma ideia, que pode ser ou não 
confirmada. 
Em seu livro Teoria Literária: uma introdução, Jonathan Culler defende que o sentido dado 
pelo senso comum à ideia de teoria não se sustenta, pois: 
- A teoria é uma especulação: demonstrar a falsidade ou a verdade de uma ideia teórica é 
difícil. Ao contrário, a noção empregada pelo senso comum é a de uma hipótese que pode ser 
ou não confirmada. 
- a teoria é mais do que uma hipótese: não é óbvia e envolve um considerável grau de 
complexidade. 
Portanto, o que estamos chamando de teoria não envolve o sentido dado pelo senso comum e 
que costumamos ouvir em nosso cotidiano. O que chamamos de teoria é um conhecimento 
especializado, consistente e profundo. O conhecimento teórico modifica o sujeito, pois 
redimensiona a visão de mundo daquele que o procura, já que é instigante e provocador. 
Como vimos, a teoria não pode ser confundida com o senso comum, pois é um saber 
questionador, sistemático e complexo e de forma contrária, problematiza e põe em xeque o 
conhecimento gerado pelo senso comum. 
O senso comum tende a tomar como verdade construções artificiais: por vezes, uma ideia 
torna-se tão recorrente que as pessoas tendem a não percebê-la como um pensamento 
construído, mas como algo ―natural‖ e ―inquestionável‖. 
Concepções vindas do senso comum: ―Homem não chora‖; ―Longe dos olhos, longe do 
coração‖; ―A mulher nasce para ser mãe‖; ―A primeira impressão é a que fica‖; ―Quem é bom 
nasce pronto‖. 
Para Culler, a teoria iria justamente contra tal noção ao tentar mostrar o que conhecemos por 
senso comum como uma construção histórica. 
O discurso da teoria tem como objetivo questionar as ideias tomadas como verdades e trazer 
à tona as suas contradições e lacunas. 
A Teoria e o Estudo da Literatura 
Como crítica ao senso comum, a teoria investiga nos estudos de literatura uma série de 
considerações. Culler cita algumas em seu referido livro: 
- O que é um autor? 
- O que é ler? 
- Como os textos relacionam-se às circunstâncias de sua produção? 
As respostas para perguntas como essas não são óbvias, como poderiam parecer à primeira 
vista.Também não operam em torno de critérios de verdadeiro ou falso; são reflexões 
elaboradas e consistentes, que não buscam a verdade, mas a validade, como disse o crítico 
Roland Barthes, em sua obra Crítica e verdade. 
A teoria, portanto, duvida de qualquer afirmação tranquila e tomada como verdadeira. Se 
voltarmos a uma das perguntas elencadas por Culler, ―o que é um autor?‖, por exemplo, 
perceberemos como os estudos de teoria podem desestabilizar convicções e respostas 
padronizadas. 
No lugar de uma resposta ingênua, como ―O autor é o sujeito que escreveu a obra‖, os 
estudos teóricos forneceram elementos a diversos pensadorese críticos para uma 
problematização mais complexa. 
Assistimos, no início do século XX, à emergência de correntes da crítica literária que 
esvaziaram o papel preponderante do autor nos processos de significação e análise da obra: 
as correntes formalistas. Elas propunham uma análise imanente do texto literário: 
desprezavam os elementos externos às obras em seus estudos e, consequentemente, 
esvaziavam a figura do autor. 
Conheça um pouco sobre as primeiras correntes formalistas da crítica literária, na primeira 
metade do século XX, que propuseram a análise imanente da obra literária, ou seja, a análise 
crítica literária apenas dos elementos internos do texto. Os principais grupos foram: 
Formalismo Russo: formado por pesquisadores de Linguística e surgido na década de 10 do 
século XX, na Rússia. Objetivaram a criação de uma Ciência da Literatura. Não se 
interessavam pela Literatura, mas pela literariedade, a característica inerente ao texto 
literário. O elemento definidor da literariedade era o modo como a linguagem era empregada 
em um texto, e quando possuía essa característica, era designado como possuidor de uma 
linguagem radicalmente diferente da fala comum: a linguagem poética. 
O New Criticism (Nova Crítica): corrente americana surgida durante as décadas de 20 e 30. 
Exigia uma postura profissional do crítico, a partir do banimento da crítica biográfica e 
impressionista. Orientava para a análise particularizada, minuciosa e imanente da obra 
literária, através da close reading (leitura microscópica). Postulou a independência do trabalho 
do crítico literário através da ―falácia intencional‖, orientação metodológica que afirmava a 
legitimidade da leitura da obra, independente do desejo ou da orientação impressa pelo autor 
em relação aos seus sentidos. 
Na segunda metade do século XX, o Estruturalismo e o Pós- Estruturalismo reafirmaram 
a falta de importância da figura autoral. 
Saiba um pouco mais sobre o Estruturalismo e o Pós-Estruturalismo: o Estruturalismo foi um 
movimento surgido na Europa entre as décadas de cinquenta e sessenta do século XX, a partir 
da abordagem proposta por Ferdinand de Saussure, de uma linguística estrutural. 
No campo dos estudos literários, o Estruturalismo toma a obra como uma estrutura e 
interessa-se pela análise das relações de seus elementos internos e dos consequentes modos 
de produção de sentidos advindos de tais relações. 
O Pós-Estruturalismo questionou a abordagem estável do Estruturalismo, a partir da 
problematização do conceito de linguagem, vista pelos pós-estruturalistas como oblíqua e 
instável. Trabalharam sobre a desconstrução de discursos e conceitos consideradoscomo 
centrais, questionando noções como a subjetividade, a família, o Estado, Deus, a vida, a 
morte, o feminino e o masculino. 
O crítico Roland Barthes defendeu em seu artigo ―A morte do autor‖, do livro O rumor da 
língua, o desaparecimento do autor, frente à autonomia do texto compreendido como 
potência significativa, para além do desejo autoral. 
Para o autor, a escritura seria a destruição de toda voz e origem. Ao fim do processo de 
escritura, toda marca de pertencimento é rasurada e o apagamento do autor abre caminho 
para o nascimento do leitor. 
Nesse sentido, o leitor assume a tarefa de cocriador, ao imprimir e organizar novos 
significados ao texto literário, com o afastamento do autor, pois: ―o nascimento do leitor tem 
de pagar-se com a morte do autor‖. 
O discurso teórico, portanto, não age como um instrumento de solidificação de saberes ou 
como um semeador de certezas. Ao contrário, funciona como uma via de incessante 
questionamento. 
Muitas vezes, a teoria tem como característica a interdisciplinaridade, isto é, a teoria dialoga 
com outras áreas do saber e, assim, instaura uma abordagem relativa, capaz de trazer à tona 
novos objetos e elementos de análise. Ela é auto-reflexiva e metareflexiva, pois pensa sobre si 
mesma, mas em diálogo com outros campos de questionamento. É inquietante, pois está 
fundada em uma indagação incessante. 
O trecho a seguir, retirado do texto já citado de Jonathan Culler, resume os principais pontos 
a considerar sobre o conceito de teoria. 
―A teoria é interdisciplinar – um discurso com efeitos fora de uma disciplina original. A teoria é 
analítica e especulativa – uma tentativa de entender o que está envolvido naquilo que 
chamemos de sexo ou linguagem escrita ou sentido ou ainda sujeito. A teoria é uma crítica do 
senso comum, de conceitos considerados como naturais. A teoria é reflexiva, é reflexão, 
investigação das categorias que utilizamos ao fazer sentido das coisas na literatura e em 
outras práticas discursivas.‖ 
Jonathan Culler 
O estudo da Teoria da Literatura é muito importante e como você já aprendeu algumas coisas, 
vamos fazer algumas reflexões! 
A Teoria da Literatura 
Após as nossas reflexões, podemos inferir que a Teoria da Literatura é reflexiva, sistemática, 
interdisciplinar, analítica e questionadora do senso comum. Além desses elementos, volta-se 
para um objeto específico: o fenômeno literário. 
Cabe ressaltar o fato do caráter interdisciplinar da Teoria da Literatura não significar a sua 
dependência de outras áreas. Se há a possibilidade dos estudos de Teoria da Literatura 
abrangerem o diálogo com campos disciplinares como a Linguística, a Filosofia, a Psicanálise e 
a Antropologia, dentre outros, a sua autonomia permanece, mesmo porque o diálogo não 
pressupõe a dependência, mas a conservação da diferença. 
Ao estudar o objeto literário e os seus desdobramentos, os estudos em Teoria da Literatura 
investigam as ideias sobre os fatos essenciais do fenômeno literário, formulam teorias sobre 
os seus fatos e as sistematizam. 
Os primeiros questionamentos sobre os fatos literários datam dos séculos V e VI a. C., na 
Grécia Antiga. Platão já escreveu sobre a poesia, em A República e, depois, Aristóteles 
redigiu as suas obras Arte Retórica e Arte Poética, nas quais sistematizou suas reflexões 
sobre o objeto literário. Posteriormente, com base nas reflexões aristotélicas, Horácio também 
criou a sua obra Arte Poética. 
Vamos Conhecer um Pouco Mais Sobre a Teoria da Literatura. 
A perspectiva clássica e o respeito às convenções poéticas da Antiguidade, de modo geral, 
permaneceram até o século XIX, com a refutação dos ideais universais clássicos em prol da 
reivindicação da liberdade subjetiva e das especificidades nacionais. Um momento inovador 
surgiu a partir do século XX nos estudos teóricos de literatura, sob a perspectiva da tessitura 
de um repertório conceitual e reflexivo específico para o objeto literário e da autonomia e 
sistematização de uma ciência da literatura. Sobre a fundamentação de uma teoria da 
literatura, Vítor Manuel de Aguiar estabelece uma reflexão interessante, que leremos agora: 
―Acreditamos, pois, que é possível fundamentar uma teoria da literatura, uma poética ou 
ciência geral da literatura que estude as estruturas genéricas da obra literária, as categorias 
estético-literárias que condicionam a obra e permitem a sua compreensão, que estabeleça um 
conjunto de métodos suscetível de assegurar a análise rigorosa do fenômeno literário. Negar a 
possibilidade de instaurar este saber no mundo profuso e desbordante da literatura equivale a 
transformar os estudos literários em desconexos esforços que jamais podem adquirir o caráter 
de conhecimento sistematizado. 
Desta forma, a teoria da literatura, sem deixar de constituir um saber válido em si mesmo, 
torna-se uma disciplina propedêutica largamente frutuosa para os diversos estudos 
particulares e estes estudos de história e crítica literária – hão de contribuir cada vez mais 
para corrigir e fecundar os princípios e as conclusões da Teoria da Literatura. Parece-nos, com 
efeito, que a teoria da literatura, para alcançar resultados válidos, não pode transformar-se 
em disciplina de especulação apriorística, mas tem de recorrer contínua e demoradamente às 
obras literárias em si: exige um conhecimento exato, vivífico do fenômeno literário.‖ 
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. Coimbra: Almeidina, 1967. 
A Teoria da Literatura pode ser percebida, portanto, como a organização de reflexões, 
conceitos e metodologias acerca da natureza do literário, empregada na interpretação, nos 
questionamentos e nas análises de seus objetos. 
A Teoria da Literatura e os Demais Campos dos Estudos Literários 
A teoria da literatura, ao eleger como seu objeto principal a reflexão sobre o fato literário, 
dialoga com as duas outras áreas dos estudos literários. 
As três áreas dos estudos literários, a Teoria da Literatura, a Crítica Literária e a História da 
Literatura são interdependentes, porém, possuem características específicas. 
Como visto, a Teoria da Literatura reflete sobre a natureza do literário. Não se preocupa, de 
um modo profundo e específico, com o significado de uma obra determinada, mas com os 
pressupostos que podem levar a questionamentos sobre o fato literário, sobre a compreensão 
da Literatura. 
A Crítica Literária tem como objeto a análise específica da obra literária. Com o arcabouço 
reflexivo permitido pela Teoria da Literatura, constrói-se a atividade crítica cujas modulações 
analíticas ocorrem de forma plural. Não há verdades em Crítica Literária, mas visões válidas, 
apoiadas em elementos teóricos consistentes e desenvolvidas com coerência. 
Com base nos estudos teóricos e críticos são desenvolvidos os estudos de história literária 
cujo interesse reside no estudo dos fenômenos literários de uma dada sociedade e/ou época, 
em uma perspectiva diacrônica e analisando as transformações ocorridas ao logo dos tempos 
e os possíveis diálogos entre texto e contexto. 
O ato de interpretação, muitas vezes, integra os três campos de estudo. Podemos mesmo 
afirmar que não há possibilidade de uma crítica literária séria sem embasamento teórico, 
assim como para analisar o fato literário, é necessário ao teórico da área de Literatura ler o 
trabalho do crítico. 
AULA 3 – MORFOLOGIA DOS GÊNEROS LITERÁRIOS: A VISÃO CLÁSSICA I 
Gêneros Literários: O Que São? 
O termo gêneros literários diz respeito aos modos de classificação dos textos literários. Esta 
estratégia classificatória não é fixa, mas dinâmica: houve várias mudanças nas visões acerca 
dos gêneros e de suas ordenações, através dos tempos. 
A organização dos modos pelosquais os gêneros literários são sistematizados liga-se às 
formas pelas quais as obras representam a realidade e às suas semelhanças estruturais. 
As primeiras tentativas de sistematização dos gêneros literários remontam à idade antiga e 
estão presentes nos discursos dos filósofos gregos e romanos. 
A denominação de gêneros literários, para os diferentes grupamentos das obras literárias, fica 
mais clara se lembrarmos que gênero (do latim genus-eris) significa tempo de nascimento, 
origem, classe, espécie, geração. E o que se vem fazendo, através dos tempos, é filiar cada 
obra literária a uma classe ou espécie ou ainda, é mostrar como certo tempo de nascimento e 
certa origem geram uma nova modalidade literária. 
Em uma perspectiva diacrônica, partiremos da análise em torno das discussões estabelecidas 
sobre o assunto, na obra do filósofo grego Platão. 
(Platão nasceu em Atenas em 428-7 a.C. e morreu em 348-7 a.C.) 
Essas datas são bastante significativas: seu nascimento ocorreu no ano seguinte ao da morte 
de Péricles; seu falecimento deu-se dez anos antes da batalha de Queroneia, que assegurou a 
Filipe da Macedônia a conquista do mundo grego. 
A vida de Platão transcorreu, portanto, entre a fase áurea da democracia ateniense e o final 
do período helênico: sua obra filosófica representará, em vários aspectos, a expansão de um 
pensamento alimentado pelo clima de liberdade e de apogeu político. 
Filho de Ariston e de Perictione, Platão pertencia a tradicionais famílias de Atenas e estava 
ligado, sobretudo, pelo lado materno, a figuras eminentes do mundo político. Sua mãe 
descendia de Sólon, o grande legislador, e era irmã de Cármides e prima de Crítias, dois dos 
trinta tiranos que dominaram a cidade durante algum tempo. 
Além disso, em segundas núpcias, Perictione casara-se com Pirilampo, personagem de 
destaque na época de Péricles. 
Desse modo, se Platão em geral manifesta desapreço pelos políticos de seu tempo, ele o faz 
como alguém que viveu nos bastidores das encenações políticas desde a infância. Suas críticas 
à democracia ateniense pressupunham um conhecimento direto das manobras políticas e de 
seus verdadeiros motivos. 
(...) O grande acontecimento da mocidade de Platão foi o encontro com Sócrates. Na época 
da oligarquia dos Trinta (entre os quais estavam Cármides e Crítias), os governantes haviam 
tentado fazer de Sócrates cúmplice na execução de Leon de Salamina cujos bens desejavam 
confiscar. Sócrates recusou-se a participar da trama indigna e, evidentemente, deixou de ser 
visto com simpatia pelos tiranos. 
Mais tarde, já reinstaurado o regime democrático em Atenas, Sócrates foi acusado de 
corromper a juventude, por difundir ideias contrárias à religião tradicional e condenado a 
morrer bebendo cicuta. 
Platão, que seguira os debates de Sócrates e que o considerava — como escreverá no Fédon 
— "o mais sábio e o mais justo dos homens", pôde acompanhar de perto o tratamento que 
seu mestre recebera de ambas as facções políticas. 
Parecia não existir em Atenas um partido no qual um homem que não quisesse abrir mão de 
princípios éticos pudesse se integrar Diante da injustiça sofrida por Sócrates, aprofunda-se o 
desencanto de Platão com aquela política e com aquela democracia: "Vendo isso e vendo os 
homens que conduziam a política, quanto mais considerava as leis e os costumes, quanto 
mais avançava em idade, tanto mais difícil me pareceu administrar os negócios de Estado" 
(Carta VII). 
Mas o impacto causado por Sócrates no pensamento e na vida de Platão teve também outro 
significado, este de repercussões ainda mais duradouras: com Sócrates, o jovem Platão 
pudera sentir a necessidade de fundamentar qualquer atividade em conceitos claros e 
seguros. Por intermédio de Sócrates e de sua incessante ação como perquiridor de 
consciências e de crítico de ideias vagas ou preconcebidas, o primado da política torna-se, 
para Platão, o primado da verdade, da ciência. 
Se o interesse de Platão foi inicialmente dirigido para a política, através da influência de 
Sócrates, ele reconhece que o importante não era fazer política, qualquer política, mas a 
política. Por isso, é que justamente se recusa a participar, na mocidade, de atividades 
políticas: primeiro tem de encontrar os fundamentos teóricos da ação política — e de toda 
ação — para orientá-la retamente. 
A filosofia para Platão representou, assim, de início, a ação entravada, a que se renuncia 
apenas para poder vir a ser realizada com plenitude de consciência. 
Depois da morte de Sócrates, disperso o núcleo que se congregara em torno do mestre, 
Platão viaja. Visita Megara, onde Euclides, que também pertencera ao grupo socrático, 
fundara uma escola filosófica, vinculando socratismo e eleatismo. 
(...) aproximadamente Em 387 a.C., Platão funda em Atenas a Academia, sua própria escola 
de investigação científica e filosófica. 
O acontecimento é de máxima importância para a história do pensamento ocidental. Platão 
torna-se o primeiro dirigente de uma instituição permanente, voltada para a pesquisa original 
e concebida como conjugação de esforços de um grupo que vê no conhecimento algo vivo e 
dinâmico e não um corpo de doutrinas a serem simplesmente resguardadas e transmitidas. 
O que se sabe das atividades da Academia, bem como a obra escrita de Platão e as notícias 
sobre seu ensinamento oral, é que testemunham sobre essa concepção da atividade 
intelectual: antes de tudo busca a inquietação, reformulação permanente e multiplicação das 
vias de abordagem dos problemas, a filosofia sendo fundamentalmente filosofar — esforço 
para pensar mais profunda e claramente. 
Fonte: PESSANHA, José Américo Motta. In: PLATÃO. Platão. Coleção Os pensadores. São 
Paulo: Editora Abril, s.d.). 
Platão e a Morfologia dos Gêneros Literários 
Para Platão, a compreensão da poesia passava pelo entendimento da ideia de mimese. 
O conceito de mimese não surgiu no discurso de Platão. Já estava presente em outros textos 
da filosofia clássica e distanciava-se, já naquele momento, da ideia de uma imitação simples. 
A ideia de mimese foi fundamental para a percepção de Platão acerca do fenômeno da poesia, 
concebido pelo filósofo como um fato moralizante. 
Mas, para entendermos o posicionamento de Platão acerca dos fenômenos literários, é 
importante, em primeiro lugar, compreendermos a visão de mundo postulada por seu discurso 
filosófico, pois será perante ela que se dará a sua concepção sobre a poesia mimética. 
O ―mito da caverna‖ é uma alegoria representada no livro VII de A República, de Platão. Este 
livro difunde várias idéias da filosofia platônica, através dos diálogos entre Sócrates e jovens, 
como Glauco, fundamentados na dialética socrática. 
Para Sócrates, o sujeito seria capaz de construir o conhecimento ao cair em contradição e, 
assim, ter ciência de sua própria ignorância. Tal fato provocaria a maiêutica, ou seja, 
permitiria ao indivíduo dar a luz ao conhecimento. Para que maiêutica ocorresse, era preciso 
ao interlocutor usar da ironia, questionando o sujeito e mostrando a insuficiência de seus 
argumentos para fazê-lo cair em contradição e desfazer-se de suas ilusões. 
O mito da caverna refere-se à visão de mundo platônica: cindido em um mundo inteligível, 
ideal e acessível pela razão e um mundo de aparências, sensível, perceptível através de 
nossos sentidos. O mundo apreendido através de nossos sentidos seria, na verdade, uma 
cópia, uma imitação do mundo ideal. 
Os seres que tomassem o mundo sensível como verdadeiro teriam a compreensão da 
realidade fundada em uma ilusão. 
Presos, realmente, às correntes e, metaforicamente, à sua ignorância, os homens da caverna 
tomam por realidade a ilusão, a aparência da realidade.Quando liberto, o sujeito que passou toda a vida a reconhecer nas sombras a realidade fica 
confuso, não consegue enxergar frente à claridade e é incapaz de compreender, em um 
primeiro momento, o que ocorre. 
O mito da caverna tornou-se uma alegoria seminal no pensamento ocidental. Há várias 
releituras atuais. 
Mas o Que o Mito da Caverna Tem a Ver Com a Poesia? 
Platão e a discussão sobre a poesia 
O conhecimento do mito da caverna nos ajudou a compreender o sistema de representação 
criado pela filosofia platônica para o mundo. Esse entendimento é fundamental para 
compreendermos a concepção de mimese platônica. 
Para Platão, a mimese é um conceito primordial. Não se trata de uma mera imitação da 
realidade. Platão não toma a realidade aparente como verdade, mas como uma aparência, 
uma imitação dos conceitos presentes no mundo ideal. Logo, ao imitar a realidade aparente, 
ou seja, imitar o que já seria uma imitação, a poesia afastaria três graus da ideia pura, da 
verdade. 
Assim, por exemplo, o conceito puro de cama existe no mundo inteligível, como uma ideia 
absoluta e perfeita. A cama construída por um artesão é uma imitação da ideia de cama. E a 
cama pintada por um pintor ou representada em um poema seria a imitação dessa imitação. 
Logo: 
IDEIA PURA (MUNDO INTELIGÍVEL) - CAMA (CRIAÇÃO ESPIRITUAL): Verdade em primeiro 
grau. 
IDEIA PURA (MUNDO INTELIGÍVEL) - CAMA (CRIAÇÃO ESPIRITUAL): Verdade em primeiro 
grau. 
IMITAÇÃO DA IMITAÇÃO DA IDEIA – CAMA (CRIADA PELO ARTISTA - POETA OU PINTOR): 
Afastada três graus da verdade. 
Mimese 
A mimese poética, portanto, produziria cópias (eikones) muito afastadas da realidade e da 
verdade. 
A poesia, em sua condição de mimética, seria incapaz de acessar a essência dos objetos, 
sendo figurada como um jogo infantil: 
―o imitador não tem nenhum conhecimento válido do que imita, e a imitação é apenas uma 
espécie de jogo infantil‖, diz Sócrates, no livro X. 
Por conduzir o homem as ideias falsas, a poesia precisa ser banida da república idealizada por 
Sócrates. 
Platão atribuiu um caráter moral à poesia; foi por esse motivo que propôs a expulsão dos 
poetas da república idealizada, ao classificar os gêneros literários através da mimese, 
condenada por levar o homem ao engano e à desmedida. 
A visão do poeta também passa pelo crivo desse olhar moralizador: o poeta e o pintor são 
vistos como elementos medíocres. 
Platão, apesar de condenar a arte poética, legou o primeiro texto que chegou até o nosso 
tempo sobre os gêneros literários. Com argumentação consistente, aponta distinções entre o 
drama, a poesia ditirâmbica e a épica. 
AULA 4 – MORFOLOGIA DOS GÊNEROS LITERÁRIOS: A VISÃO CLÁSSICA 
II 
Aristóteles e a Superação do Mestre 
Aristóteles viveu na Grécia Antiga, durante o século IV antes de Cristo. Foi um dos melhores 
discípulos de Platão e chegou a lecionar durante anos na Academia fundada por seu mestre, 
antes de fundar a sua própria. 
Aristóteles afirmou: ―O verdadeiro discípulo é aquele que supera o mestre‖. 
Esta frase poderia ser exemplificada pela própria relação intelectual entre esse filósofo e 
Platão, pois Aristóteles refutou a teoria das Ideias de seu mestre. O discípulo recusou-se a 
concordar com uma percepção de mundo na qual a ideia viria antes da experiência. 
Para Aristóteles, justamente o contrário ocorreria: a experiência e a percepção do mundo, 
através dos sentidos, tornariam o homem capaz de elaborar conceitos. 
Para Aristóteles, o conceito é criado pela observação e pelo sensível. 
A partir dessa premissa, Aristóteles tomou para si a tarefa de observar e classificar os 
fenômenos múltiplos do mundo ao seu redor. Em um trabalho de sistematização, ele 
organizou de modo crítico e fundamentado diversas classificações, a partir do agrupamento de 
semelhanças e diferenças dos objetos estudados. 
A Arte Poética 
A criação de sistemas de classificação agrupados por critérios de semelhanças e diferenças 
também diz respeito ao pensamento aristotélico sobre a poética. 
Poética é a dimensão originária e essencial de realização de qualquer linguagem. 
A palavra poética se diz no grego antigo poíesis e é originada no verbo poiéo, que quer dizer 
produzir, fazer, construir, construir uma morada para cada um dos deuses, fazer algo de 
material, manufaturado como obras de arte, fazer-se causa, assim, o poietikós é aquele que é 
capaz de fazer, de causar. (JARDIM, Antonio. Música: vigência do pensar poético. Rio de 
Janeiro: 7 Letras, 2005). 
O desejo de sistematização crítica orientou a criação de dois tratados aristotélicos: a Arte 
Retórica e Arte Poética. 
Poética e Retórica eram consideradas classicamente como disciplinas correlatas, mas 
Aristóteles separou-as em dois tratados distintos, embora de modo relativo. 
Retórica → Oratória, persuasão e raciocínio. 
Poética → Estudos sobre a Poesia 
Em Arte Poética, Aristóteles pensou de modo seminal sobre conceitos, como a mimese e a 
catarse. 
Dicionário: 
Leia o verbete do E-dicionário de termos literários referente a esse tratado aristotélico: 
―Arte poética é expressão que remete, em primeiro lugar, para Aristóteles (384-322 a.C.) e 
para o seu conhecimento tratado sobre a poesia. Ao que se pensa e julga saber, este tratado, 
composto na parte final da vida ao autor, revela do carácer acromático de importante parte do 
corpo textual aristotélico. Recorre, contudo, a um texto anterior, produzido em contexto muito 
mais aberto, o diálogo Dos Poetas, onde alguns dos motivos estruturadores da arte poética 
aristotélica, como a ―imitação‖ ou a ―catarse‖, tinham sido já, ao que parece, visto que o 
diálogo se perdeu e só muito posteriormente foi reconstruído, expostos e desenvolvidos. A 
Arte Poética de Aristóteles era, na sua origem, constituída por dois livros e não apenas por 
aquele que hoje conhecemos e a tradição nos legou e que passa por ser o primeiro dos dois.‖ 
A Questão da Mimese 
O que nos foi legado da Arte Poética, de Aristóteles, divide-se em duas partes. 
Arte Poética (tal como chegou até a atualidade) 
Parte I- Discussão sobre a mimese e a natureza do poético. 
Parte II – Estudos sobre a poesia trágica. Comparação entre a poesia trágica e a poesia épica. 
Em sua primeira parte, a discussão sobre o conceito de poesia dá-se em torno da reflexão 
sobre os processos de mimese, afastada de Platão, pois: 
 A discussão de Aristóteles é estética; a de Platão, moralizante, como diz Angélica 
Soares, em Gêneros Literários (capítulo 1); 
 Aristóteles percebe a arte poética como representação independente da experiência 
real; 
 a poesia imitativa é um elemento cognitivo, pois o imitar seria inerente ao processo de 
construção do conhecimento do Homem (―A tendência para a imitação é instintiva no homem, 
desde a infância. Neste ponto distinguem-se os humanos de todos os outros seres vivos: por 
sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquirimos nossos primeiros 
conhecimentos, e nela todos experimentamos prazer‖). 
 a Arte está no domínio do possível, pois o poeta fala das coisas ―não como são, mas 
como poderiam ser‖. Aristóteles, portanto, não vê a mimese como reprodução da realidade. 
Ele a funda no critério da possibilidade: o poético fala sobre o que é possível e não sobre o 
verdadeiro. Fala sobre o verossímil. É a verossimilhança que garante a fruição artística, pois 
há a ciência da cisão entre a empiria da realidade e o discurso poético. É nesse sentido que 
Aristóteles afirma: 
―Objetos reais que não conseguimos olhar sem custo, contemplamo-los com satisfação em 
suas representações mais exatas. Tal é, por exemplo, o caso dos mais repugnantes animais e 
dos cadáveres.‖ 
A verossimilhança é um conceitofundamental para entender visão aristotélica sobre a 
mimese. A verossimilhança distinguirá a obra do poeta da obra do historiador (ou do médico) 
e revelará o processo de mimese como poiese, como criação ficcional. Dessa forma, 
Aristóteles postula: 
―Não se chama de poeta alguém que expôs em verso um assunto de medicina ou de física! 
Entretanto nada de comum existe entre Homero e Empédocles salvo a presença do verso. 
Mais acertado é chamar poeta ao primeiro e, ao segundo, fisiólogo.‖ 
―O historiador e o poeta não se distinguem um do outro, pelo fato de o primeiro escrevem em 
prosa e o segundo em verso (pois, se a obra de Heródoto (30) fora composta em verso, nem 
por isso deixaria de ser obra de história, figurando ou não o metro nela). Diferem entre si, 
porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido.‖ 
Aristóteles não marca, assim, somente o discurso poético para além dos critérios formais, mas 
também o seu objeto e, principalmente, a presença da verossimilhança: 
―De igual modo, se acontece que um autor, empregando todos os metros, produz uma obra 
de imitação, como fez Querémon no Centauro, rapsódia em que entram todos os metros, 
convém que se lhe atribua o nome de poeta. É assim que se devem estabelecer as definições 
nestas matérias.‖ 
A Tripartição dos Gêneros Literários 
Aristóteles valoriza a poesia, pois separa o real do universo poético e percebe a mimese com 
autonomia, como expressão criativa do possível. 
Será justamente a mimese o critério de classificação dos gêneros literários na filosofia 
aristotélica. Sua organização dos tipos de poesia é baseada nos modos de imitar, mais 
especificamente, pelo meio, pelo objeto e pelo modo como a mimese é realizada. 
Leia a explicação dos critérios da classificação aristotélica, citados por Angélica Soares, no 
capítulo 1 de seu livro Gêneros Literários: 
―a) Segundo o meio com que se realiza a mímesis, distinguindo-se a poesia ditirâmbica por 
um lado e a tragédia e a comédia por outro, pois, se todas elas usam o ritmo, a melodia e o 
verso, utilizam-nos de forma diferente: a poesia ditirâmbica emprega todos eles 
simultaneamente, enquanto a tragédia e a comédia os empregam alternadamente‖. 
―b) Segundo o objeto da mímesis, distinguindo-se, por exemplo, a tragédia que apresentava 
homens melhores do que nós (de mais elevada psique, portadores de possibilidades de 
transformação do mundo) e a comédia, ocupando-se de homens "piores" do que nós (de 
menos elevada psique, portadores de vícios, isto é, de limitações).‖ 
―c) Segundo o modo da mímesis, distinguindo-se o processo narrativo, característico do 
poema épico, e o processo dramático, característico, por exemplo, da tragédia e da comédia. 
No primeiro caso, o poeta narra em seu nome ou assumindo diferentes personalidades; no 
segundo caso, os atores agem como se fossem independentes do Autor.‖ 
Podemos afirmar que a divisão dos gêneros literários, na poética de Aristóteles, é feita de 
acordo com as semelhanças e diferenças geradas pelos processos de mimese, considerando 
tanto a forma, o assunto e como os textos são desenvolvidos. 
Frente a essa classificação, os gêneros literários dividir-se-iam em três: 
 Lírico 
 Épico 
 Dramático, do qual participam a tragédia e a comédia 
A tripartição aristotélica foi a primeira proposta de leitura fundamentada e sistemática sobre 
os gêneros literários. Porém, a obra Arte Poética discute a épica e o drama, sobretudo. 
A Tragédia e a Comédia 
A tragédia e a comédia são expressões do drama, palavra que em grego significa ação – o 
texto dramático põe em cena a ação. Distinguem-se quanto ao meio, por não serem narradas, 
como a epopeia, mas representadas por atores. Também diferem na extensão, por ter o 
drama duração limitada e a epopeia ilimitada. 
A tragédia empenha-se, na medida do possível, em não exceder o tempo de uma revolução 
solar, ou pouco mais. A epopeia não é tão limitada em sua duração; e esta é outra diferença. 
Aristóteles defende a superioridade da tragédia sobre a epopeia. 
A tragédia e a comédia nasceriam como improvisos. Diferenciam-se de modo marcante, pois a 
comédia imitaria homens de caráter inferior e a tragédia, homens moralmente elevados. 
A comédia é, como já dissemos, imitação de maus costumes, mas não de todos os vícios; ela 
só imita aquela parte do ignominioso, que é o ridículo. 
Tanto o herói épico quanto o herói trágico seriam homens de caráter superior, mas, ao 
contrário do último, o herói épico aceita o seu destino. 
Apesar de moralmente superior, o herói trágico incorreria em um erro inconsciente, que o 
colocaria em uma posição de grande infortúnio. Ao ver a ação representada, o espectador 
seria tomado por sentimentos de profunda piedade e horror, que o levariam a um choque 
emocional profundo. 
Tanto a epopeia quanto a tragédia deveriam ser figuradas por um princípio de unidade, a 
partir de uma ação integral. Como narrativa, a epopeia deve mimetizar as ações heróicas de 
um povo, mas de modo peculiar, afastado do discurso da História. 
AULA 5 – MORFOLOGIA DOS GÊNEROS LITERÁRIOS: DA VISÃO 
ROMÂNTICA À CONTEMPORÂNEA 
Nas aulas três e quatro, nós estudamos as primeiras orientações deixadas pela filosofia 
clássica acerca dos gêneros literários. 
Vimos como Platão, em A República, foi o primeiro a nos legar um estudo sobre a questão dos 
gêneros, reconhecendo a poesia como poesia mimética, o que, segundo a sua Teoria das 
Ideias, levaria o Homem à ignorância e à desmedida, afastando-o a três graus da verdade. 
No terceiro livro de A República, Platão determina três categorias literárias possíveis a partir 
das interações entre o poeta e as personagens. 
A poesia e a mitologia podem constar inteiramente de imitação, tal como se dá na tragédia e 
na comédia (...), ou apenas da exposição do poeta. 
―Os melhores exemplos desse tipo de composição encontrarás nos ditirambos, há uma terceira 
modalidade, em que se dá a combinação dos dois processos: é o que se verifica na epopeia e 
muitas outras formas de poesia‖ (Rep. III, 394 c). 
Assim, a integração entre o poeta e as personagens geraria: 
Uma poesia inteiramente imitativa: Gênero Dramático (Tragédia e Comédia): 
Aristóteles aponta o gênero dramático como poesia produzida para ser encenada. A história é 
contada por atores que usam suas ações, gestos e voz para desenvolvê-la. 
O gênero dramático englobaria a tragédia e a comédia. 
A tragédia conta a história de um homem de caráter elevado e posto pelo destino em uma 
situação de grande infortúnio, por um erro inconsciente. 
A comédia imitaria homens de caráter inferior. Através do riso e da indicação do que seria o 
ridículo, a comédia apresentava a sua condição moralizante. 
Uma poesia baseada apenas na exposição do poeta: Poesia ditirâmbica (pertencente ao 
gênero lírico): 
Ramo da poesia lírica, acompanhada por cantos, a poesia ditirâmbica celebrava os prazeres da 
mesa e da vida. Mais tarde, segundo Aristóteles, seria um dos elementos a dar origem à 
tragédia. 
A poesia lírica expressa os sentimentos, as emoções e as sensações do poeta. Por isso, 
afirma-se o seu caráter confessional. Na Antiguidade, o poeta declamava. 
Uma poesia que combina a imitação à exposição do poeta: Poesia épica e outras formas 
de poesia: 
A poesia épica é narrativa. Conta a história dos grandes feitos heróicos de um povo, na forma 
de um poema dividido em cantos. Cada canto narra um episódio, que se integra aos demais, 
formando uma unidade de ação. 
O herói épico é um indivíduo de qualidades excepcionais e caráter elevado. Aceita o seu 
destino. Sua vida só tem sentido dentro da coletividade. 
A epopeia (narrativa épica) conta com a presença do sobrenatural, principalmente,através da 
intervenção dos deuses na vida dos personagens e resgata lendas e histórias, mesclando-as à 
criatividade do autor. 
O narrador da epopeia é o chamado narrador clássico: com foco narrativo em terceira pessoa, 
distanciado e observador, além de onisciente. 
Aristóteles, discípulo de Platão, esforçou-se em ordenar e classificar não só a poesia, como 
outros elementos, conceitos e ideias do mundo: a política, a retórica, a lógica, a natureza, etc. 
No que toca especificamente ao discurso poético, escreveu o seu tratado, Arte Poética, que 
não sobreviveu integralmente ao tempo. 
As partes que alcançaram o nosso tempo revelam uma reflexão consistente e sistematizada 
acerca da poesia, principalmente da tragédia e da epopeia, embora também cite a comédia e 
formas líricas como a poesia ditirâmbica, a citarística (poesia declamada ao som da cítara) e a 
aulética (poesia declamada ao som da flauta) – que não são objetos de uma análise maior na 
parte de Arte Poética conhecida por nós. 
 Aristóteles questionou a teoria das ideias de Platão. 
 Discordava da existência de um mundo bipartido em ideal e sensível. 
 Ao superar esta ideia, passa a superar também a própria concepção platônica de 
poesia mimética. 
Para Aristóteles, a poesia não afastava o Homem da verdade, ao contrário: a poesia como 
mimese, como imitação do mundo, levava o Homem ao conhecimento, pois o imitar seria 
inerente a ele, em seu processo de cognição do mundo. 
Poesia mimética - Homem ao conhecimento 
Aristóteles resgata a poesia da condição de indigna e confere-lhe grandeza em sua análise. 
Ele mostra a mimese desligada da tarefa de representar a realidade externa. 
Como vimos, Aristóteles funda a mimese na possibilidade. Isto é, ao imitar, o poeta não 
precisa falar do que realmente tenha acontecido, mas do que poderia acontecer, como disse o 
filósofo: ―o poeta fala das coisas não como são, mas como poderiam ser‖. 
É o critério da mimese o eixo de organização da classificação dos gêneros literários, que se 
dividem de acordo: 
Com o meio de realização da mimese: ou seja, o modo como o gênero imita, de acordo com o 
emprego do ritmo, o verso, a melodia. Para Aristóteles, as distintas formas dos gêneros 
literários eram conexas aos seus conteúdos. Por exemplo, a epopeia, por narrar fatos 
grandiosos, também haveria de ser narrada em uma linguagem poética magnânima, 
elaborada. 
Como o que é imitado: ou seja, o objeto da mimese: quais tipos de homens são imitados, por 
exemplo. 
Como o modo de imitar: o que pode ser percebido pela voz que fala no gênero. Na epopeia, 
há um processo narrativo – quem fala é o narrador, que conta uma história, obviamente. No 
drama, tanto trágico quanto cômico, a história não é narrada, mas representada pelas ações e 
falas dos atores. Lembre-se: drama = ação. O drama é uma encenação, ele põe em cena a 
ação. Poderíamos acrescentar: na poesia lírica, quem fala é o eu lírico, a voz que expressa, no 
poema, as suas emoções e sentimentos. 
Ainda a poética clássica: as contribuições de Horácio 
O filósofo romano Horácio viveu durante o século I A.C. na Roma antiga. Em suas reflexões 
sobre a arte poética, desenvolvidas na ―Carta aos Pisões‖, defende a poesia como um 
instrumento de educação e de moralização do Homem. Mas não um instrumento qualquer: 
segundo Horácio, a poesia era docere cum delectare, ou seja, educação com prazer. 
Aut. prodesse volunt aut delectare poetae, aut simul et iucunda et idonea dicere vitae. A frase 
de Horácio significa: os poetas querem ser úteis ou deleitarem-se, ou ainda dizer coisas, ao 
mesmo tempo, agradáveis e úteis para a vida. 
Os conhecidos versos de Horácio, que assinalam com finalidade a poesia aut prodesse aut 
delectare, não implicam um conceito de poesia autônoma, de uma poesia exclusivamente fiel 
a valores poéticos, ao lado de uma poesia pedagógica. 
O prazer, o dulce referido por Horácio e mencionado por uma longa tradição literária europeia 
de raiz horaciana, conduz, antes, a uma concepção hedonista da poesia, o que constitui ainda 
um meio de tornar dependente, e quantas vezes de subalternizar lastimavelmente, a obra 
poética. SILVA, Vítor Manuel. Teoria da Literatura. Coimbra: Almedina, 2000. 
Horácio também refletiu sobre os gêneros literários. Suas ideias concordavam com os 
preceitos de adequação entre forma e conteúdo defendidos por Aristóteles, em sua Arte 
Poética. Para Horácio, só mereceriam o título de poeta aqueles que em suas criações 
escolhessem a forma (ritmo, métrica) e o tom corretos aos gêneros que escrevessem. Isto 
significa que uma comédia fosse escrita usando a métrica empregada tradicionalmente na 
tragédia, como diz Angélica Soares, em seu livro Gêneros Literários. 
A defesa de Aristóteles e, depois, de Horácio de uma forma e um tom adequado a cada 
gênero continuará por muito tempo, como veremos. 
Os Gêneros Literários: da Idade Média ao Século XVIII 
A tripartição clássica dos gêneros literários – poesia lírica, épica e dramática (tragédia e 
comédia), ganhou releituras durante o período medieval. 
Uma das principais foi estabelecida pelo poeta florentino Dante Alighieri. Dante categorizou a 
epopeia e a tragédia como estilos nobres; a comédia como um estilo médio; e a elegia 
(poema lírico, de tom pessimista, de luto e melancolia) como um estilo humilde. 
Outros gêneros surgiram e foram classificados durante a Idade Média, como a poesia 
trovadoresca e as novelas de cavalaria. 
Durante o Renascimento, a poética clássica é valorizada e tomada como modelo, a partir da 
fusão das reflexões de Aristóteles e de Horácio. 
Isto é, os gêneros literários obedeceriam a uma classificação baseada em critérios rígidos, em 
relação à forma, ao estilo e ao tema. 
As obras seriam avaliadas de acordo com tais critérios. Além disso, concorda-se com a 
superioridade da tragédia e da epopeia. 
A categoria ―poesia lírica‖ foi fundamentada por Pietro Bembo e percebida como poemas 
compostos a partir da expressão subjetiva. 
No século XVI, o espanhol Francisco Cascales propões a categorização do gênero lírico, ao 
lado do gênero narrativo e do dramático. 
No século XVII, destacaram-se as reflexões sobre a poética realizadas por Nicolas Boileau. 
Para o autor, era necessário manter as indicações da poética clássica e perceber o poema 
como uma criação racional. 
A defesa da poética classicista, entretanto, não foi unanimidade no século XVII. Houve, no 
final desse século, um embate conhecido como ―querela entre os antigos e os modernos‖. 
Os chamados modernos seriam autores maneiristas e barrocos que se contrapunham à 
estética classicista, pois compreendiam os gêneros literários como uma construção histórica e, 
portanto, passível de admitir novos modos de produção. 
Os Gêneros Literários no Romantismo 
No final do século XVIII, surgiu um movimento alemão denominado sturm und drang, em 
português, tempestade e ímpeto. 
Esse movimento contrapôs-se ao pensamento clássico e questionou a divisão rígida dos 
gêneros literários. 
Tal questionamento relacionava-se a uma nova percepção: 
A percepção do poeta como um ser especial, como um gênio, capaz de exercitar a sua arte de 
um modo pessoal e inovador. 
A individualidade e a independência do autor-gênio quebram a classificação rígida dos gêneros 
e abre espaço para a liberdade de criação. 
A obra de arte passa a ser vista como uma expressão em múltiplas formas, que não se 
submeteria a normas pré-estabelecidas e a limites determinados por convenções. 
Ainda no fim do século XVIII, o poeta pré-romântico Friedrich Schlegel escreveu um tratado 
de poética, no qual recuperou a tripartição clássica dos gêneros literários. 
Neste e em outros estudos posteriores, Schlegel postulauma classificação rígida entre os 
gêneros, não admitindo o hibridismo. Tal classificação dava-se por critérios de 
subjetividade/objetividade. 
O poeta compreendia a lírica como uma poesia subjetiva, em oposição à objetividade da 
épica. O drama seria uma espécie de síntese dos dois gêneros, pois apresentaria tanto a 
subjetividade quanto a objetividade. 
Já no Romantismo, surgiram mudanças muito profundas acerca das questões de gêneros, que 
concordavam com a reivindicação pela liberdade criativa, tão cara ao momento. 
O escritor romântico Victor Hugo escreveu um texto chamado ―Do grotesco e do sublime‖, 
prefácio ao livro Cromwell. Nele, defendia uma nova proposta sobre os gêneros literários. 
Hugo afirmou que a vida não se apresentava de modo compartimentado: nela estariam 
misturados o grotesco e o sublime, a dor e o prazer... Portanto, a arte também deveria 
assumir-se como híbrida. 
Notre-Dame de Paris, romance posteriormente conhecido como O corcunda de Notre-Dame 
por conta de traduções, foi publicado por Victor Hugo, em 1831. Nesse romance, Hugo 
representa as tensões entre os fracassos e as elevações da alma humana, em uma leitura da 
Paris medieval. Sua personagem mais famosa, o corcunda Quasímodo, entretanto, não é o 
protagonista. Apesar disso, representa a simbiose entre o sublime e o grotesco. 
A partir dessa ideia, Hugo propõe um novo gênero literário, o drama, que mesclaria elementos 
da tragédia e da comédia. O drama romântico comportaria elementos tragicômicos, líricos e 
épicos. A fusão desses elementos proporcionaria a exposição, na literatura, das grandezas e 
dos limites humanos. 
O hibridismo dos gêneros literários permaneceu e muitas obras passaram (e passam) a 
apresentar uma mistura de índices, como textos narrativos com elementos dramáticos e 
líricos, por exemplo. 
A aceitação do hibridismo será um elemento relevante para a inserção do romance no rol dos 
gêneros literários e demonstra como estes estão em permanente processo de transformação. 
A partir do século XIX, cada vez mais torna-se comum encontrar elementos de gêneros 
literários diversos em uma mesma obra. 
O romance é um gênero literário e não diz respeito a um estilo literário específico. Há 
romances românticos, realistas, modernistas, pós-modernistas. Como gênero literário, surge 
no fim do século XVIII. Trata-se de uma narrativa extensa, escrita em forma de prosa e 
dividida em capítulos. Mescla elementos épicos e líricos, sendo um gênero híbrido por 
excelência. Segundo Jacinto do Prado Coelho, em seu Dicionário de Literatura Portuguesa e 
Brasileira, ―O romance configura um mundo de personagens mais denso e complexo, 
aproxima-nos do acontecer cotidiano, e daí um ritmo temporal mais lento―. 
Teoria Naturalista e Evolucionista dos Gêneros Literários 
A partir do final do século XIX, surgiram teorias sobre os gêneros literários, apoiadas nas 
filosofias materialistas, especialmente na corrente naturalista e na evolucionista. 
Tais correntes defendiam a analogia entre os gêneros literários e os organismos vivos. Assim, 
os gêneros literários passariam por uma espécie de ciclo vital, com o seu nascimento, auge 
(maturidade), envelhecimento e morte, dando lugar ao surgimento de outros gêneros. 
Como ocorreria a um ser humano, as obras de arte passariam por um processo evolutivo, 
sofrendo transformações, nos moldes propostos pelo evolucionismo de Darwin. 
Como oposição a essa visão materialista dos gêneros, surgiram discussões pautadas em 
correntes de pensamento espiritualistas. 
Um desses pensadores foi Benedetto Croce, que se contrapôs às teorias materialistas ao 
afirmar que a arte não é científica, mas intuitiva. Como fruto da intuição, a obra não poderia 
ser categorizada de forma rígida, por conta de critérios de composição, uma vez que é 
expressão subjetiva e livre. 
Propostas do Século XX 
Ao pensarem sobre os gêneros literários, os formalistas russos retomam a ideia dos gêneros 
literários como instâncias em mutação contínua. Atentaram para a condição histórica dos 
gêneros literários, o que impediria qualquer categorização estanque. 
Roman Jakobson percebe os gêneros literários através de sua teoria das funções da 
linguagem. A linguagem poética é dominante nos três gêneros. Além desse predomínio, 
poderíamos identificar: 
 Gênero lírico: função emotiva (foco na primeira pessoa). 
 Gênero épico: função conotativa (foco na 2ª pessoa). 
 Gênero dramático: função referencial (foco na 3ª pessoa). 
Mikhail Bakhtin, pensador russo, postulou a caracterização formal como insuficiente para a 
classificação dos gêneros, pois o contexto de recepção também seria um elemento 
importante. Veja: 
Em primeiro lugar, a obra é orientada para o ouvinte/receptor e para as condições definidas 
de execução e percepção. Em segundo lugar, a obra é orientada na vida, a partir de dentro, 
poder-se-ia dizer, por seu conteúdo temático. Cada gênero possui sua própria orientação na 
vida, com referência a seus eventos, problemas etc. (BAKHTIN, apud LIMA, 2002). 
Posteriormente, o crítico canadense Northrop Frye sugeriu a existência de quatro gêneros 
literários fundamentais: o drama, o épos, a lírica e a ficção. A caracterização de cada gênero 
conecta-se à maneira como o autor apresentaria a obra e os modos de organização da 
mimese. Veja o quadro: 
 Drama: relação direta entre personagens e público; o autor está oculto. Mimese 
externa. 
 Épos: narrativa episódica. O autor relaciona-se com o leitor; as personagens estão 
ocultas. Escrita assertiva. 
 Lírica: a apresentação acontece pela relação ―Eu-tu‖. Mimese interna. 
 Ficção: narrativa contínua. 
Outra análise fundamental para a discussão dos gêneros literários foi proposta por Emil 
Staiger. Ele defende o hibridismo dos gêneros literários e demonstra como um texto pode 
conter características líricas, épicas e/ou dramáticas, independente do gênero ao qual 
pertença. Essa mescla pode acontecer a partir das mais variadas associações, de modo óbvio 
ou mais implícito. Para Staiger, não existem categorias literárias absolutamente puras. 
Na década de 70, a Estética da Recepção empreendeu estudos igualmente importantes sobre 
os gêneros literários. 
Nesses estudos, o gênero aparece como indissociavelmente conexo aos modos como a obra 
literária é percebida pelo leitor. Esta percepção é marcada pelo conhecimento do leitor e pelo 
horizonte de expectativas que guiará a sua leitura. 
Como a leitura da obra depende desse conjunto de percepções, a compreensão sobre um 
gênero literário sempre será relativa e histórica, pois se modifica de acordo com o modo como 
as obras são produzidas e recebidas pelo público leitor. 
É importante lembrar: modernamente, os gêneros literários não podem ser designados a 
partir de critérios estritamente relacionados à sua forma e à sua configuração. 
A recepção do leitor é um dado fundamental na compreensão dos gêneros, como lembrou o 
crítico Luiz Costa Lima, em seu livro Teoria da Literatura em suas fontes. 
Em vez, portanto, de tomar-se o gênero como uma entidade fechada, i.e., com um número 
determinado de traços, de que se pode ter consciência e a partir dos quais são possíveis 
julgamentos de valor, o gênero apresenta uma junção instável de marcas, nunca plenamente 
conscientes, que orientam a leitura e produção – sem que, entretanto se presuma que as 
marcas orientadoras sejam as mesmas. (LIMA,2002). 
Os gêneros literários estão em permanente transformação. Surgem, desaparecem, mesclam-
se e transformam-se. Conheça a obra híbrida ―Morte e Vida Severina‖ de João Cabral de Melo 
Neto. 
Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, poema dramático, com traços líricos e 
épicos. 
Veja outro exemplo de obrahíbrida,―A morte do leiteiro‖, de Carlos Drummond de Andrade, 
poema lírico, com traços dramáticos. 
Há pouco leite no país, 
é preciso entregá-lo cedo. 
Há muita sede no país, 
é preciso entregá-lo cedo. 
Há no país uma legenda, 
que ladrão se mata com tiro. 
 
Então o moço que é leiteiro 
de madrugada com sua lata 
sai correndo e distribuindo 
leite bom para gente ruim. 
Sua lata, suas garrafas 
e seus sapatos de borracha 
vão dizendo aos homens no sono 
que alguém acordou cedinho 
e veio do último subúrbio 
trazer o leite mais frio 
e mais alvo da melhor vaca 
para todos criarem força 
na luta brava da cidade. 
 
Na mão a garrafa branca 
não tem tempo de dizer 
as coisas que lhe atribuo 
nem o moço leiteiro ignaro. 
morador na Rua Namur, 
empregado no entreposto 
Com 21 anos de idade, 
sabe lá o que seja impulso 
de humana compreensão. 
E já que tem pressa, o corpo 
vai deixando à beira das casas 
uma apenas mercadoria. 
 
E como a porta dos fundos 
também escondesse gente 
que aspira ao pouco de leite 
disponível em nosso tempo, 
avancemos por esse beco, 
peguemos o corredor, 
depositemos o litro… 
Sem fazer barulho, é claro, 
que barulho nada resolve. 
 
Meu leiteiro tão sutil 
de passo maneiro e leve, 
antes desliza que marcha. 
É certo que algum rumor 
sempre se faz: passo errado, 
vaso de flor no caminho, 
cão latindo por princípio, 
ou um gato quizilento. 
E há sempre um senhor que acorda, 
resmunga e torna a dormir. 
Mas este entrou em pânico 
(ladrões infestam o bairro), 
não quis saber de mais nada. 
O revólver da gaveta 
saltou para sua mão. 
Ladrão? se pega com tiro. 
Os tiros na madrugada 
liquidaram meu leiteiro. 
Se era noivo, se era virgem, 
se era alegre, se era bom, 
não sei, 
é tarde para saber. 
Mas o homem perdeu o sono 
de todo, e foge pra rua. 
Meu Deus, matei um inocente. 
Bala que mata gatuno 
também serve pra furtar 
a vida de nosso irmão. 
Quem quiser que chame médico, 
polícia não bota a mão 
neste filho de meu pai. 
Está salva a propriedade. 
A noite geral prossegue, 
a manhã custa a chegar, 
mas o leiteiro 
estatelado, ao relento, 
perdeu a pressa que tinha. 
 
Da garrafa estilhaçada. 
no ladrilho já sereno 
escorre uma coisa espessa 
que é leite, sangue… não sei 
Por entre objetos confusos, 
mal redimidos da noite, 
duas cores se procuram, 
suavemente se tocam, 
amorosamente se enlaçam, 
formando um terceiro tom 
a que chamamos aurora. 
Uma obra pode apresentar elementos de gêneros diferentes. É muito raro, aliás, 
encontrarmos obras com características de um só gênero. 
A designação de uma obra não se dá a priori, mas depende dos processos de recepção aos 
quais é submetida. 
AULA 6 – ESTUDOS SOBRE A POESIA LÍRICA 
O Que é Poesia Lírica? 
Entre os gêneros reportados pela poética clássica, o lírico e o épico são os mais antigos. 
Enquanto a epopeia conectava-se à celebração dos grandes feitos coletivos, ressaltando os 
laços do grupo social, os cantos líricos expressavam outro tipo de situação. Referiam-se a uma 
percepção subjetiva do poeta, que cantava os seus sentimentos perante as situações 
apresentadas em sua vida, como a alegria por um nascimento, a tristeza diante da morte de 
um amigo, a insegurança frente a um amor duvidoso. 
Desde muito remotamente, o gênero lírico foi identificado à musicalidade: o termo ―lírico‖ é 
oriundo de lira, o instrumento musical que acompanhava o poeta, enquanto o poema era 
declamado. Outros instrumentos também acompanhavam o poeta lírico, como a flauta e a 
cítara, citadas por Aristóteles, em Arte Poética. 
Entre a Idade Média e o Renascimento, a poesia lírica depurou-se da forma cantada e passou 
a ser escrita. Ainda assim permaneceram nos poemas líricos traços da musicalidade, como o 
refrão, a repetição de sons consonantais (aliteração) e de sons vocálicos (assonância), as 
rimas e o ritmo. 
Na Antiguidade, a declamação do poema era feita com o poeta de costas para o público, para 
simular uma conversa consigo: o lírico, em suas origens, liga-se a uma poesia íntima, a uma 
confissão das emoções e dos sentimentos. Não narra uma história, mas expressa o que o 
sujeito sente. É, portanto, um gênero que tende à subjetividade, classicamente. 
Outra questão importante no lirismo é o fato de que, ainda muito remotamente, desdobrou-se 
em várias formas, como: elegia, écloga, ode, soneto, hino... 
Dos três gêneros da tripartição clássica, só o lírico manteve a escrita em versos. Por isso, o 
que é chamado pelo senso comum, atualmente, de ―poesia‖, vem a ser a poesia lírica. 
A poesia lírica possui algumas características específicas. 
Ela é polissêmica, isto é, não aponta para um sentido, mas é uma potência de significados. 
Não existe um sentido verdadeiro para o poema, mas leituras adequadas, frente aos seus 
múltiplos significados. A plurissignificação liga-se ao caráter simbólico, à ambiguidade e aos 
sentidos implícitos presentes no texto literário. 
Uma outra característica da linguagem literária é o seu poder de síntese. Ela é capaz de 
sintetizar na estrutura do poema imagens e pensamentos extremamente complexos. 
A linguagem lírica tende à subjetividade, à expressão de sentimentos internos, em um tom de 
confissão. Na verdade, havia na Grécia Antiga, um tipo de lirismo chamado ―lirismo coral‖, que 
cantava fatos relacionados ao grupo social. Mas, apesar do tom social, mantinham a 
expressão emotiva. E, como veremos séculos depois, a modernidade trouxe à tona um lirismo 
social, não necessariamente carregado de subjetividade. 
Outro dado fundamental na linguagem lírica reporta à elisão da distância entre o eu lírico e o 
objeto do qual ele fala. Há uma espécie de simbiose entre a voz lírica e o objeto cantado, 
como se os dois entrassem em um processo de fusão. De modo frequente, o eu lírico projeta 
no objeto os seus sentimentos e a sua visão de mundo. Como no poema ―4º. Motivo da rosa‖, 
de Cecília Meireles, no qual o eu lírico identifica-se com a imagem da rosa: 
―4o. Motivo da rosa‖ 
Não te aflija com a pétala que voa: 
também é ser, deixar de ser assim. 
 
Rosas verá, só de cinzas franzida, 
mortas, intactas pelo teu jardim. 
 
Eu deixo aroma até nos meus espinhos 
ao longe, o vento vai falando de mim. 
 
E por perder-me é que vão me lembrando, 
por desfolhar-me é que não tenho fim. 
Em termos de estrutura, o poema lírico é tradicionalmente escrito na forma de versos, 
apresentando ritmo e sonoridade. A linguagem empregada na forma lírica é, por excelência, 
experimental e neológica, muitas vezes. 
Alguns conceitos básicos para o estudo da poesia lírica 
Poesia e poema 
Começaremos com dois conceitos básicos. Você saberia diferenciar as ideias de poesia e de 
poema? 
Poesia – Refere-se tanto ao gênero lírico, como à obra de um poeta específico. 
Poema - O texto de poesia, propriamente dito. 
Como texto de poesia, o poema apresenta certos elementos específicos. 
Três deles são: os versos, as estrofes e as rimas. 
Verso, Estrofe, Rima 
Cada linha do poema é chamada de verso. Cada conjunto de versos do poema é chamado de 
estrofe. 
Há poemas que apresentam rimas, que podem ser definidos como a repetição regular de sons 
similares ou idênticos. Geralmente, as rimas ocorrem entre as palavras finais dos versos, o 
que chamamos de rima externa. Existem, ainda, rimas entre a palavra final e outras palavras 
de um verso, o que denominamos de rima interna. A rima foi, durante séculos, um elemento 
fundamental da poesia. 
Mallarmé, por exemplo, escreveu um poema chamado ―Nenhum lance de dados abolirá o

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