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Literatura II

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Concepções, Estrutura e Fundamentos do Texto Literário - 300 horas
Introdução
As discussões deste tópico concentram-se no tema Teoria Literária ou Teoria da Literatura. São reflexões que têm preocupado o ser humano desde que houve consciência do processo criativo a que chamamos “literatura”. A pergunta que abre esta discussão – o que é literatura? – vem sendo feita há mais de 2.500 anos. Os gregos antigos, por exemplo, já se dedicavam a pensar sobre aquelas manifestações do “espírito” que não tinham uma função muito clara, como as narrativas contadas de uns para os outros, ou as declamações com temas alegres ou tristes que emocionam os ouvintes, ou ainda as encenações teatrais que tanto interessavam ao público da época.
Platão e Aristóteles foram os primeiros a querer organizar toda essa produção humana a que hoje damos o nome de literatura. É preciso lembrar que no momento em que os gregos viviam e pensavam a literatura, as coisas não eram como nós as conhecemos hoje. Obviamente, não existia o livro impresso e as manifestações literárias se davam oralmente; as narrativas e os poemas eram declamados por homens conhecidos como aedos ou rapsodos, cuja função era a de fazer circular oralmente – por meio de declamações públicas – essas composições entre o maior número possível de pessoas. O registro que temos dos textos daquela época é bastante posterior ao momento em que eles foram compostos.
As noções sobre o que é literatura variam bastante de acordo com a época, mas não podemos negar que boa parte das ideias de Platão e Aristóteles ainda vale e nos fornece as bases para responder a essa pergunta.
Como já deve ter ficado claro, estabelecer o conceito de literatura não é nada simples: dependemos de contextos históricos, referências culturais e esforço teórico.
Além disso, fica claro de início que a noção de literatura está diretamente relacionada à arte. Pois a literatura é compreendida, de modo geral, como o exercício artístico da linguagem. Muito mais coerente é falar em conceitos de literatura, no plural. Pois assim podemos pensar em toda a diversidade de produção artística que se utiliza da linguagem verbal sem deixar nada de fora.
Sendo assim vamos a eles, aos conceitos de literatura.
Os Muitos Conceitos de Literatura
As noções sobre o que é literatura variam bastante de acordo com a época, mas não podemos negar que boa parte das ideias de Platão e Aristóteles ainda vale e nos fornece as bases para responder a essa pergunta.
Como já deve ter ficado claro, estabelecer o conceito de literatura não é nada simples: dependemos de contextos históricos, referências culturais e esforço teórico.
Além disso, fica claro de início que a noção de literatura está diretamente relacionada à arte. Pois a literatura é compreendida, de modo geral, como o exercício artístico da linguagem. Muito mais coerente é falar em conceitos de literatura, no plural. Pois assim podemos pensar em toda a diversidade de produção artística que se utiliza da linguagem verbal sem deixar nada de fora.
Sendo assim vamos a eles, aos conceitos de literatura.
Na Era Clássica, primeiramente há uma preocupação em estabelecer um conceito relacionado à forma com que a linguagem é utilizada para se dizer que determinada composição é arte literária ou não. Em segundo lugar, os antigos falam no conteúdo quando se estabelece que a arte literária é a arte que cria, pela palavra, uma imitação da realidade.
Disso podemos concluir que, para os clássicos, ou seja, para os gregos antigos, a literatura é um uso especial da linguagem com o objetivo de criar uma imitação da realidade.
Aqui temos três aspectos que merecem destaque:
· Observe que se trata de um uso da linguagem, ou seja, é preciso que uma determinada língua seja o suporte para a composição desta obra que será considerada literatura.
· Esse uso especial da linguagem é direcionado para a criação, ou seja, a literatura não é como a História que tem a pretensão de registrar a verdade dos fatos. A literatura cria ficção, não está interessada no registro da verdade imediata.
· Essa criação se dá na medida em que imita a realidade. Aqui temos a ideia de imitação (ou mimese, estudada por Aristóteles) que estabelece que a literatura tenha como referência a imitação da realidade. Isso quer dizer que, mesmo sendo criação, a literatura precisa se referenciar na realidade, imitando-a.
Para os clássicos, ou seja, para os gregos antigos, a literatura é um uso especial da linguagem com o objetivo de criar uma imitação da realidade.
Na Era Moderna, a literatura passa a ser compreendida de maneira mais ampla como o conjunto da produção escrita. Isso se deve, principalmente, ao advento da imprensa (Johann Gensfleish Gutenberg – 13971468 – provavelmente inventou as primeiras técnicas de impressão em papel em 1442).
Funções da Literatura
Além do aspecto relacionado ao texto impresso, nessa época a literatura passa a ter uma relação mais direta com a ideia de ficção, de criação e se afasta um pouco da noção clássica de imitação da realidade.
A figura do artista criador tornasse muito importante nesse período; é da sua mente e da sua intuição que nasce a criação de uma realidade que não precisa estar tão presa à realidade empírica, isto é, a realidade que o “senso comum” admite como sendo a única. Podemos dizer que nessa época acreditasse que ao artista cabe a visão das coisas como ainda não foram vistas e como são verdadeiramente.
O aspecto mais importante dessa noção de literatura é o fato de que a realidade passa a ser considerada de múltiplas formas. Não é mais possível falar em uma única realidade. Cada artista concebe o mundo a partir da sua subjetividade, da sua intuição e sua obra é um retrato livre dessa interioridade.
Segundo Antoine Compagnon , no seu livro O Demônio da Teoria  (2003, p. 31), “no sentido mais amplo, literatura é tudo o que é impresso (ou mesmo manuscrito), são todos os livros que a biblioteca contém”. O mesmo autor diz ainda que “o sentido moderno de literatura (romance, teatro e poesia) é inseparável do romantismo, isto é, da afirmação da relatividade histórica e geográfica do bom gosto, em oposição à doutrina clássica da eternidade e da universalidade do cânone estético” (p. 32).
Trocando em miúdos, podemos dizer que hoje em dia a noção de literatura está diretamente ligada à época em que essa mesma literatura foi produzida. O que não foi considerado literatura há 200 anos, hoje pode muito bem ser considerado como obra literária, e assim por diante. Não há mais a crença como havia na concepção clássica, de que a literatura abrangia obras eternas e de valor universal.
Podemos dizer que a literatura existe em relação à época em que foi produzida e em relação ao país em que apareceu.
Antoine Compagnon, um dos teóricos mais respeitados hoje em dia, nos lembra que as definições de literatura segundo sua função parecem relativamente estáveis, quer essa função seja compreendida como individual ou social, privada ou pública. Aristóteles falava de katharsis (“catarse”), ou de purgação, ou de purificação de emoções como o temor e a piedade. É uma noção difícil de determinar, mas ela diz respeito a uma experiência especial das paixões ligada à arte poética. Aristóteles, além disso, colocava o prazer de aprender na origem da arte poética: instruir ou agradar, ou ainda instruir agradando, serão as duas finalidades, ou a dupla finalidade, que também Horácio reconhecerá na poesia, qualificada de dulce et utile.
Devemos concordar que, quanto à função, as definições de literatura são mesmo bastante estáveis. Quando pensamos em para que serve a literatura ainda recuperamos as ideias de Aristóteles e elas nos servem bastante bem para compreender o fenômeno da arte da palavra.
Entretanto, quanto à sua diversidade, nos nossos dias, o conceito de literatura tornou-se bastante problemático, já que temos uma variedade tão grande de produção escrita que qualquer um de nós fica confuso diante do último romance do Paulo Coelho, da sequência de aventuras de Harry Potter ou da biografia de Elvis Presley. Issotudo é literatura?
Seria mais fácil se só os livros consagrados, os ditos clássicos, fossem considerados como literatura, mas não podemos ignorar toda a variedade de produção escrita que circula em ambiente literário. A questão da qualidade dessas obras tornase, então, urgente. Como saberemos quais são as obras que atendem ao bom uso da linguagem, como rezaram os gregos? Como saberemos quais obras têm valor estético, ou seja, têm beleza artística?
A reflexão teórica sobre a realização da obra literária poderá nos apontar um “norte” no sentido de estabelecer valores: valores estéticos, valores morais, valores de permanência, de ruptura, valores que possam nos autorizar a reconhecer tais obras como manifestações artísticas do humano na palavra.
Funções da Teoria Literária
Para falar de Teoria Literária temos que antes compreender o que é teoria. Podemos concordar também que para grande parte dos problemas do dia-a-dia existe uma série de soluções já testadas e aprovadas por uma maioria de pessoas. Então, o conjunto de soluções testadas e aprovadas para os problemas vividos em uma sociedade é o que podemos chamar de senso comum.
Mas alguém pode querer pensar um pouco mais sobre diferentes formas de resolver problemas na sua vida e aí essa pessoa estará se transformando num teórico. A partir desse momento, a pessoa pode não aceitar mais tão facilmente as soluções ditadas pelo senso comum. Ela estará muito interessada em pensar por si mesma e, quem sabe, inventar modos muito originais de enfrentar a realidade.
Um exercício livre do pensamento pode nos transformar em teóricos e pensar sobre a realidade criando teorias sobre ela. Uma teoria como resultada do exercício de pensar sobre a realidade, contestando as ideias já prontas e as soluções já dadas para os problemas que enfrentamos nas várias esferas da vida, precisa ser verificada na realidade.
Quando nos interessamos por pensar e criar teorias, estamos, de várias formas, combatendo preconceitos, pois passaremos a criar conceitos novos, sobre os quais teremos pensado bastante.
Para o teórico Antoine Compagnon, algumas distinções são necessárias: primeiramente, quem diz teoria pressupõe uma prática, diante da qual uma teoria se coloca ou a qual elabora uma teoria. A teoria é, pois, o código da direção.
Diante disso, podemos perguntar: Qual é a prática que a Teoria da Literatura codifica, isto é, organiza mais do que regulamente? A Teoria da Literatura não ensina a escrever romances ou poemas; na verdade a Teoria Literária estabelece os modos pelos quais os estudos literários podem organizar-se. Pode-se dizer, enfim, que a Teoria Literária instrui os estudos literários, ou estudos da literatura.
A Teoria Literária é um discurso, ou melhor, uma construção discursiva da qual participam muitos agentes, dentre os quais se destacam os autores e os leitores. Ela se configura como uma proposta de interpretação do fenômeno literário. Assim é que temos diversos movimentos teóricos importantes que buscam dar conta da produção literária. É comum dizer que a Teoria Literária “corre atrás” da produção literária para compreender seus mecanismos de realização do modo mais eficiente possível.
Vamos iniciar este tópico sugerindo a você que assista o vídeo “O papel da crítica literária”.
A crítica literária utilizasse da Teoria Literária. Isso significa dizer que a crítica literária precisa da teoria; vimos que a teoria se configura como uma proposta de interpretação da obra literária; a crítica, por outro lado, dirá se essa interpretação é válida, ou seja, se o que a obra diz e o modo como diz são válidos como expressão artística.
A crítica literária divide com a escola e com a universidade a função de julgar a produção literária de seu tempo. Ao realizar esse julgamento, a crítica estabelece, simultaneamente, o que cada época julga importante em termos artísticos e culturais.
O Papel do Crítico Literário
Segundo Machado de Assis (1999, p. 4041), no seu famoso ensaio “O ideal do crítico”, a ciência e a consciência são as duas condições principais para se exercer a crítica. Na perspectiva de Machado de Assis, o crítico literário é uma espécie de missionário que dirá a verdade, nada mais do que a verdade, sobre determinada obra literária. O papel do crítico é portar-se como um juiz, ou seja, ele deve julgar o valor da obra literária.
Para um outro crítico literário importante, Antonio Candido (2000, p. 31), o papel do crítico pode ser compreendido da seguinte forma: o crítico deve ser um “árbitro objetivo” capaz de julgar o valor da obra artística por meio de dois mecanismos básicos – a impressão e o juízo. Enquanto Machado de Assis fala em “ciência”, Antonio Candido fala em “impressão”; mas precisamos entender que a “impressão” adequada sobre determinada obra necessita do conhecimento, ou seja, da ciência.
Temos, então, que o papel do crítico literário é julgar – por meio dos conhecimentos que a Teoria Literária estabelece – o valor da obra de literatura.
O Valor na Literatura
Há uma expectativa e uma esperança sempre presentes quando um leitor entra numa livraria para comprar um livro ou mesmo quando abre um jornal para consultar a lista dos mais vendidos. O leitor espera que o livro que ele vai escolher a partir desses dois cenários – a livraria e o jornal – sejam bons.
Ora, quem dirá a ele qual o livro que deve ser escolhido? Os especialistas. No caso do livro literário, esperase que os especialistas da crítica literária sejam capazes de dizer quais são os bons livros, ou seja, aqueles que merecem ser lidos.
A discussão sobre o valor na literatura envolve, pelo menos, dois princípios: o valor da literatura, de modo geral, e o valor da obra, de modo específico.
A Crítica Literária e as Outras Instituições
Quando nos referimos aos especialistas da área de literatura, estamos pensando em professores e pesquisadores de literatura e também nos críticos literários. Esses profissionais atuam, principalmente, em três instituições sociais que, a rigor, definem e creditam o valor de uma obra literária: a escola, a universidade (ou academia) e a imprensa.
A escola representa aqui a instituição responsável pela formação básica do cidadão, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. É na escola que a criança e o jovem entendem o que é o livro e como ele funciona socialmente; os livros que a escola acolhe em suas classes é valorado a priori, ou seja, o livro que chega à classe escolar carrega consigo um valor formativo; ele é, literalmente, um clássico – o livro das classes escolares.
A universidade (ou academia) representa o ambiente em que o conhecimento é produzido e avaliado sem as determinações externas, sejam de ordem social ou econômica. Embora não possamos dizer que as universidades são ilhas isoladas do resto do mundo, é lá que o estudioso encontra o ambiente propício para produzir conhecimento e valor protegido das imposições e interesses de outra ordem. Dentro das universidades se produz a avaliação teórica dos textos literários e, simultaneamente, a sistematização daquilo que se produz em literatura. A avaliação e a sistematização da literatura, produzidas dentro da universidade, orientam a ação de professores e especialistas que atuam na escola. Assim é que as duas instituições – escola e universidade – devem estar em constante diálogo e mútua colaboração.
A imprensa acolhe o discurso crítico sobre a literatura. As revistas, os jornais, os programas de televisão e a internet são suportes em que o discurso crítico se apoia para chegar ao grande público. O processo para alcançar cada um desses meios é bastante diverso; sabemos que, para escrever em uma revista especializada em literatura, o crítico literário precisa ser reconhecido como profissional, e em jornais de importante circulação se dá o mesmo. Já na internet, qualquer um de nós pode postar a sua avaliação crítica de qualquer obra sem nenhuma restrição. A diversidade dos meios em que a crítica literária circula amplia seu alcance e seu poder de avaliação. Ao pensarmos em determinado livro é comum que a basepara o julgamento do seu valor seja a opinião expressa de determinado crítico em uma revista, um jornal, programa de televisão ou mesmo na internet.
O Julgamento Crítico
Antoine Compagnon afirma que o público espera que os profissionais da literatura lhe digam quais são os bons e quais são os maus livros; que os julguem, separem o joio do trigo, fixem o cânone.
Cânone literário é o conjunto das grandes obras clássicas, aquelas cujo valor não pode ser questionado, pois já está consolidado na cultura de determinada sociedade. Um exemplo para a literatura brasileira é Machado de Assis; ele já pertence ao cânone literário brasileiro, ou seja, o valor da sua obra não pode, ou pelo menos não deve ser questionado. O mesmo não acontece com a obra de um autor como Paulo Coelho, cuja avaliação especializada ainda não se consolidou; há aqueles que julgam mal a obra do autor, mas há também aqueles que querem ver nela algum valor.
Os leitores, de modo geral, confiam na avaliação crítica que resulta dos discursos produzidos na escola, na universidade e na imprensa; entretanto, o público espera também que se diga por que este livro é bom e este outro é ruim. Será possível para as instituições julgarem o valor de uma obra sem limitarem-se às noções de gosto?
Por muito tempo, a ideia do bom e do belo como critérios absolutos para a valoração de uma obra artística funcionaram exclusivamente. Por outro lado, houve, em vários momentos da história da literatura, a produção de obras em que o belo e o bom foram substituídos pelo horror. O Romantismo, por exemplo, quando passa a encenar a morte em todas as suas possibilidades, traz para a discussão do valor literário a questão do horror.
Obras como Frankestein, de Mary Shelley, ou Drácula, de Bram Stocker, não podem ser julgadas pelo critério do bom e do belo. O Romantismo trouxe outros elementos para a análise do valor da obra literária e tornou mais problemático o julgamento crítico de tal obra.
O Valor da Literatura em Si Mesmo
A literatura é um conceito que se estabeleceu como tal a partir do século XVII; até então literatura era entendida como tudo aquilo que congregava o conhecimento, sem separação entre o que era criação e o que era ciência. É preciso entender, sobretudo, que literatura, desde sempre, esteve associada à civilização; conhecimento e arte para civilizar.
A partir do momento que literatura passa a designar os textos criativos, seja poesia ou prosa, há a associação com a arte e com a humanização do ser. Nesse sentido, literatura guarda um valor em si mesma, ou seja, é por meio da literatura e dos valores éticos e morais que ela veicula que nós nos reconhecemos como humanos, no prazer e no sofrimento.
Quando nos referimos a uma literatura nacional, por exemplo, estamos falando de um conjunto de obras que congrega o pensamento e os valores produzidos e cultivados por determinado grupo social. Por mais que o conceito de literatura nacional possa ser problemático, não há como negar que ele funciona para espelhar o ideário de um grupo social e cultural. É só pensarmos em obras como Iracema, de José de Alencar; Os Lusíadas, de Camões; ou Macunaíma, de Mário de Andrade, para concordarmos que a literatura carrega os valores que determinado grupo social, em determinado tempo, julga necessários para que um povo se reconheça e possa dizer-se a si mesmo frente ao grande conjunto do mundo.
O Valor Específico De Uma Obra
Para que uma obra possa receber a atenção especial das instituições que promovem o julgamento crítico, ela precisa da abordagem da Teoria Literária.
Em cada tempo, a teoria elabora proposições de análise que se encarregarão da tarefa do julgamento crítico. É claro que as teorias também estão submetidas às determinações históricas e aos movimentos da cultura. Nesse sentido é que não se pode afirmar que esta teoria é melhor que aquela. A teoria é, antes de tudo, reflexiva, e ela mesma pode ser questionada.
Uma obra abordada por determinada corrente teórica pode ser julgada como de pouco valor, mas uma outra corrente pode atribuir-lhe valor baseada em critérios diferentes e surpreender o especialista com pontos de vista bastante variados.
A obra literária, no limite, deve suportar diferentes abordagens. Esse seria o valor mais permanente de uma obra, ou seja, sua capacidade de suportar e sustentar diferentes abordagens.
Os Critérios de Valoração da Obra Literária
Para que um texto passe a ter o status de literatura, é preciso que haja um consenso de algumas instituições importantes dentro de uma sociedade. Se pensarmos no mundo clássico, ou seja, nos gregos antigos, percebemos que, para que uma obra daquele período passasse para a história como literatura, foi preciso que houvesse uma apreciação generalizada que envolveu público e especialistas.
Podemos dizer que isso acontece hoje também. Quando uma obra é apresentada numa sociedade, ela é apreciada pelo público leitor, pela crítica especializada, pela escola (como instituição social) e pela academia (universidades). Só depois dessa apreciação – que pode levar muito tempo – é que uma obra ganha status de literatura.
Os critérios são, portanto, historicamente construídos. Pensemos no romance, por exemplo. Quando essa modalidade literária apareceu formalmente em fins do século XVIII, houve muita resistência em considerar aquelas produções narrativas tão próximas da oralidade como literatura. Os romances eram narrativas cujos temas se afastavam dos temas nobres e provocavam certo desconforto em um mundo em que apenas aquilo que se considerava grandioso merecia ser chamado de arte ou literatura.
A produção do romance romântico é muito variada; desde romances de horror até romances eróticos foram produzidos nesse período e todos circulavam de modo a receberem atenção especial do público leitor e dos especialistas. Foi preciso muito tempo para que obras como Werther, de Goethe, ganhassem o status de clássico.
Compagnon (2003, p. 227) nos lembra que: A avaliação dos textos literários (sua comparação, sua classificação, sua hierarquização) deve ser diferenciada do valor da literatura em si mesmo. Mas é claro que os dois problemas não são independentes: um mesmo critério de valor (por exemplo, o estranhamento, ou a complexidade, ou a obscuridade, ou a pureza) preside, em geral, à distinção entre textos literários e não literários, e à classificação dos textos literários entre si.
Como vimos, Compagnon relaciona os critérios de valor para o texto literário como operacionais tanto para se dizer o que é literatura quanto para se estabelecer o grau de valor entre as obras literárias.
Isso significa dizer que se pode julgar um texto em comparação com outro. Podemos dizer, então, que o romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, é mais literário do que o romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo? A resposta para essa questão é: sim, podemos, desde que deixemos claro qual foi o critério que nos autorizou a esse julgamento. Se tomarmos o critério da complexidade, veremos que, no caso do primeiro romance, há um processo mais elaborado na composição dos elementos da narrativa; portanto, se demonstrarmos essa complexidade satisfatoriamente, estaremos autorizados a dizer que Grande Sertão: Veredas é um romance melhor realizado do que A Moreninha.
Segundo Zaponne e Wielewicki (2005), até o século XVIII, o público leitor era claramente definido: havia a “sociedade polida” – intelectualizada e interessada, tanto pelas artes, quanto pela manutenção de valores morais –, e os incapazes de ler, dedicados ao trabalho braçal, com os quais a produção literária, grosso modo, não precisava se preocupar. A partir daí, entretanto, vai surgindo uma classe de leitores intermediária, que não é mais formada de “pessoas influentes”, bem versadas nas discussões culturais e intelectuais, nem pelos analfabetos que não conseguem ler coisa alguma. Os autores apontam para o fato de que essa nova classe de leitores é alfabetizada, mas não faz o mesmo sentido da leitura feita pelas “pessoas influentes”, intelectualizadas. Assim,o crítico literário dirige-se a um público que, como ele, trabalha para viver, mas não está inserido nas formas de diálogo intelectualizado polido das elites. O crítico então precisa se preocupar com questões mais próximas da realidade social dos novos leitores e, também, explicar porque determinadas obras devem e merecem ser lidas.
A crítica literária, como qualquer esforço em busca do conhecimento, é também a busca de uma verdade. E também como a ciência, a crítica é constantemente revista e reformulada; todos veem ao nosso redor obras que não recebiam nenhuma atenção no passado sendo agora abordadas seriamente pela crítica. O estudo dos textos de autoria feminina é um exemplo claro do movimento constante que o discurso crítico realiza em direção à produção e também sobre si mesmo.
Voltando a Zaponne e Wielewicki (2005), vemos que textos considerados não literários no passado são estudados como literatura hoje, e autores menores, ou que produzem gêneros menos respeitados, podem vir a ser valorizados pela academia. Assim, a crítica e a Teoria Literária estudadas nos meios acadêmicos têm papel fundamental na definição de literatura e nas possibilidades e restrições das leituras literárias.
Isso quer dizer que, ao tomar uma determinada teoria ou corrente da crítica para abordar uma obra literária, é preciso também perceber quais os aspectos daquela obra que aquela teoria não pode esclarecer suficientemente. Dessa maneira, é possível perceber que qualquer coisa pode ser objeto de reflexão teórica, inclusive o próprio discurso crítico. Só a partir dessa percepção da realidade é que venceremos os “dogmas” de verdade que tanto prejudicam o avanço do conhecimento e o próprio processo de aprendizagem.
Só que isso não significa que não nos exercitaremos teoricamente por meio dos textos teóricos já existentes. Isso quer dizer que ao lermos um texto teórico não precisamos aceitar o que ele diz como verdade absoluta. Estamos nos tornando teóricos também e ao ler teoria temos de nos posicionar criticamente, de modo a operacionalizar o que lemos para elaborar nossas próprias teorias, com a ajuda daqueles que nos precederam, mas com a força do nosso pensamento também.
O que é um Clássico?
Para responder a esse questionamento, Compagnon retoma um texto de SainteBeuve, “Qu ‘Estce qu’um Classique” (O que é um clássico?), de 1850:
Um verdadeiro clássico [...] é um autor que enriqueceu o espírito humano, que realmente aumentou seu tesouro, que lhe fez dar um passo a mais, que descobriu uma verdade moral não equívoca ou apreendeu alguma paixão eterna nesse coração em que tudo já parecia conhecido e explorado; que manifestou seu pensamento, sua observação e sua invenção, não importa de que forma, mas que é uma forma ampla e grande, fina e sensata, saudável e bela em si; que falou a todos num estilo próprio, mas que é também o de todos, num estilo novo sem neologismo, novo e antigo, facilmente contemporâneo de todas as idades.
Para SainteBeuve, o clássico transcende todas as tensões e todas as contradições. Seria uma obra absoluta, entre o individual e o universal, entre o atual e o eterno, entre o local e o global, entre a tradição e a originalidade, entre a forma e o conteúdo. Seria a obra perfeita, a dicção absoluta do ser. Tal proposição, embora belíssima, traz uma problemática explícita, pois, sendo assim, muitas obras que vemos circular com o rótulo de clássicas deveriam ser banidas imediatamente.
Já se viu que o termo clássico se emprega o mais das vezes para obras que têm circulação garantida nas escolas, universidades e meios críticos reconhecidos. Essas instituições operam a um julgamento crítico que delega valor e prestígio às obras por meio de um complexo processo histórico e cultural.
Para Compagnon, a definição de clássico apresentada por SainteBeuve é romântica e antiacadêmica. Para ele, a associação entre criação e tradição é a garantia mais imediata para que determinada obra ganhe status de clássica, da mesma forma que é muito perigoso tornar-se um clássico rápido demais. Daí a importância do processo histórico que consolida e avalia – pela ação das instituições autorizadas – o clássico.
Embora possamos falar de certo relativismo no estabelecimento dos clássicos contemporâneos, é sempre bom lembrar que é preciso confiança no discurso elaborado e consolidado pelas instituições responsáveis por alguma estabilidade nesse campo, da mesma forma que é preciso trabalhar no sentido de garantir a confiabilidade dessas instituições.
Natureza do Fenômeno Literário
Para tratar da natureza do fenômeno literário, convém lembrar que ele é uma criação histórica, ideológica e mutante. Isso se deve a vários fatores: o primeiro deles diz respeito à ideia que se faz sobre a constituição do que seja um texto literário, que resulta em uma unidade completa e polissêmica. Para tanto, convém analisar a natureza do texto literário para que seja possível estabelecer alguns parâmetros de avaliação e julgamento.
Os Conceitos do Discurso Literário
Os sentidos atribuídos ao termo literatura variaram ao longo da história e apresentam variáveis em cada leitor. As diferentes acepções do termo não se referem apenas ao caráter singular de cada indivíduo ou de cada época histórica. São inerentes à natureza do objeto que estudamos.
O texto literário se qualifica muito mais pelas diferenças que apresenta quando comparado aos não literários do que por seu próprio e mutável modo de ser. Portanto, tratar de textos literários implica conhecer as infinitas nuances que eles vão assumindo na obra de um mesmo autor, nos autores de uma mesma geração, na sucessão de autores, obras e épocas literárias e artísticas.
Apesar da dificuldade decorrente dessa mutabilidade, é possível verificar que algumas características permanecem ao longo do tempo. É sobre essas qualidades permanentes que este capítulo vai discorrer.
Mais concretamente, a literatura se apoia necessariamente em cinco elementos indispensáveis: um autor, um leitor, um texto, uma língua e um referente (COMPAGNON, 1999). Essa associação é a base de qualquer reflexão teórica, que pode tratar do todo ou de partes específicas de cada um desses elementos.
Do ponto de vista da autoria, é cada vez mais frequente a separação entre a biografia do autor e o texto literário que escreveu. Para Barthes (“La mort de l’auteur” (A morte do autor), 1968), deve-se levar em consideração a linguagem, impessoal e anônima, portanto valorizando mais a transformação do escritor em discurso, isto é, numa organização textual histórica e ideologicamente marcada na linguagem. É com linguagem que o leitor conhece o autor. Portanto, o que ele viveu e pensou na sua realidade pessoal pode não ter originado ou aparecer na íntegra naquilo que escreveu e no assunto ou tema de que tratou. Cabe ao leitor compreender no texto o que ele diz, independentemente das intenções do autor.
O new cristicism norteamericano considerava a relação texto–intenção do autor como intentional fallacy, ou “ilusão intencional” ou “erro intencional”. Em 1969, o filósofo Michel Foucault na conferência “Qu’estce qu’un auteur?” (O que é um autor?) também tratou dessa questão e concluiu que a atividade do leitor pode acontecer mesmo que ele nada saiba sobre o autor e suas intenções. O foco principal da literatura é o texto: dele sairão os sentidos, as relações do interior do texto e do texto com os demais textos da realidade.
Quanto ao leitor, seu lugar é o da compreensão e da interpretação do discurso literário. A evolução histórica da importância atribuída ao papel do leitor demonstra que houve, a partir da segunda metade do século XX, a valorização cada vez mais intensa de sua atividade. Surge em 1967, no discurso de Hans Robert Jauss, na abertura do ano letivo da Universidade de Constança, na Alemanha, a “estética da recepção”, uma corrente da teoria que reavalia a história da literatura a partir dos modos de ler e do desempenho interpretativo do leitor. O aspecto mais significativo dessa teoria é o de que o texto já contém, na sua organização verbal,a pressuposição do trabalho do leitor.
Em outras palavras, ao escrever a obra o autor já visualiza sua recepção, já compõe no próprio texto literário uma figura de leitor, prevê as reações dele no modo como descreve, por exemplo, uma cena romântica, ou de suspense, ou de humor. Há, quando se considera a organização verbal da obra, um certo controle sobre o modo como o leitor entenderá o texto e reagirá a ele. Esses componentes de previsão da recepção do texto, outro teórico da “estética da recepção”, Wolfgang Iser (1996), denominará “leitor implícito”.
A Linguagem como Distinção entre Discurso Literário e Não-Literário
Quanto ao componente “língua” de uma obra literária, Compagnon explica que, mesmo em se tratando de neologismos, o texto literário somente será compreensível se houver um conhecimento linguístico mais ou menos comum aos dois sujeitos do diálogo literário: o autor e o leitor. Mais do que uma compreensão linguística do texto (sintaxe, léxico, morfologia, semântica), o discurso literário fará uso subversivo das normas da língua, buscando a expressão que melhor se ajuste à rede de sentidos que o texto quer criar. Rede que terá como objetivo a recriação da língua cotidiana, o estabelecimento de patamares poéticos, que criam uma camada mais densa de significados e, principalmente, coloca esses significados em uma proposital rede de relações semânticas hipersignificativa.
A linguagem cotidiana visa mais a ação e a informação, para atingir o nível da compreensão, mas dificilmente pede atitude interpretativa, como o faz sempre a literatura.
Vejamos como isso ocorre em textos concretos.
A mesma engenharia que encurtou assombrosamente as distâncias entulhou o mundo com automóveis que atravancam as vias expressas e cuja fumaça promete esturricar o planeta. Na tentativa de compreender os mistérios que permeiam uma estranha economia na qual mais e menos não se anulam, muitos se puseram a analisar seus eventos capitais – especialmente a Segunda Guerra Mundial, aquele que talvez seja o mais importante dos acontecimentos do século XX. (CASTRO, 2007)
As informações fornecidas são o objetivo principal do texto: as consequências negativas do avanço tecnológico, a existência de pesquisadores que tentam compreender o fenômeno, a Segunda Guerra Mundial, como acontecimento histórico importante.
Outra é a intenção de Carlos Drummond de Andrade ao enfocar o mesmo momento histórico quando escreve “Carta a Stalingrado”, sobre um dos episódios épicos, heroicos da Segunda Grande Guerra: a resistência extrema, até a total destruição da cidade de Stalingrado (hoje Volgogrado), para não se render ao exército alemão nazista.
STALINGRADO... DEPOIS DE MADRI E DE LONDRES, AINDA HÁ GRANDES CIDADES! O MUNDO NÃO ACABOU, POIS QUE ENTRE AS RUÍNAS OUTROS HOMENS SURGEM, A FACE NEGRA DE PÓ E DE PÓLVORA, E O HÁLITO SELVAGEM DA LIBERDADE DILATA OS SEUS PEITOS QUE ESTALAM E CAEM ENQUANTO OUTROS, VINGADORES, SE ELEVAM. A POESIA FUGIU DOS LIVROS, AGORA ESTÁ NOS JORNAIS. OS TELEGRAMAS DE MOSCOU REPETEM HOMERO. MAS HOMERO É VELHO. OS TELEGRAMAS CANTAM UM MUNDO NOVO QUE NÓS, NA ESCURIDÃO, IGNORÁVAMOS. [...] 
ANDRADE, 1971, P. 130
Mais do que o assunto, o que sobressai é a sequência de imagens com intenção de exaltar o foco de resistência (“homens, a face negra de pó e de pólvora”), a poética metáfora (“o hálito selvagem da liberdade”), o conflito em imagens de morte e vida, contraditórias e humanas (“seus peitos que estalam e caem” opostos a “outros, vingadores, se elevam”), a sonoridade do jogo de palavras (pó e pólvora) e a sequência de verbos que dinamiza o verso (estalam, caem, elevam). Esses procedimentos comprovam que o texto busca outros efeitos que não são apenas os de informar o leitor.
Além dessas qualidades, a percepção de que a literatura de teor lírico e estético recua ante o horror da guerra, substituída pelo texto não literário do jornal, mais objetivo e informativo.
Vemos, portanto, na comparação entre os dois textos, aparecerem características e funções diferentes que permitem compreender que a literatura tem uma natureza própria e uma função que ultrapassa a notícia ou fato, obrigando o leitor a interpretar o que lê, não apenas a conhecer o assunto de que o texto trata. Essa diferença exemplifica bem a afirmação de que a “literatura é tradicionalmente uma arte verbal”.
Pode-se concluir que uma das distinções entre o discurso literário e o não literário é que o primeiro, enquanto objeto linguístico está apoiado na conotação, na plurissignificação (em que os sentidos se multiplicam pela força da interpretação do leitor), enquanto o texto nãoliterário é monossignificativo, de sentido mais fixo e comum a todos os leitores.
A Literatura Enquanto Criação: O Autor e o Leitor
A partir do século XIX, o critério de valoração do texto literário recebeu impulso com a defesa da ideia de que a busca do novo era um padrão indispensável aos textos denominados literários. As noções de criatividade, individualidade e subjetividade introduzem o pensamento de que o texto literário somente mereceria valor se apresentasse qualidades de inovação.
O Autor
O caráter criativo do texto literário decorre do exercício de liberdade do artista, seja na questão da linguagem e da multiplicação dos sentidos, seja porque, por estar inserida em uma cultura, a literatura realiza um movimento duplo de respeito à tradição cultural dos povos e a busca de romper com essa tradição, instaurando o novo, o diferente, o incomum.
Essa perspectiva dialética pode ser conferida na sucessão dos estilos de época – ou períodos literários ou tendências estéticas – ao longo da história. Eles correspondem às respostas que a arte literária foi atribuindo ao modo diferente de interpretar o mundo, próprio de cada época histórica. Esse movimento contínuo e motivado pela necessidade e pela urgência de dar respostas aos desafios do cotidiano, às manifestações do pensamento e aos impulsos do inconsciente e do imaginário, produz o aparecimento de diferentes gêneros literários, de diferentes modos de expressão narrativa e poética, de diferente entendimento das funções da literatura, de alterações substanciais dos modos de escrita e organização dos textos literários.
A criação literária não é, portanto, apenas um desejo individual do escritor, mas está relacionada à ideologia, às condições de produção, às mudanças nas expectativas do público leitor, ao papel do escritor na cultura, às necessidades humanas de expressão, à capacidade reflexiva dos criadores.
No início do século XIX, o movimento artístico do Romantismo opôs-se ao Neoclassicismo do período anterior, não pela necessidade de renovação simplesmente, mas porque o Neoclassicismo não conseguiu mais responder aos anseios da sociedade industrial nascente, à nova percepção da natureza – seja física, seja emocional – da sociedade burguesa, que ascendia ao poder. O Romantismo não apenas reage a essas alterações externas, como também cria uma nova sensibilidade, mais emotiva, mais questionadora, menos acomodada à tradição, como ficou comprovado na influência exercida pelo romance As Aventuras do Jovem Werther, de Goethe (1785), que incentivou, sem o querer, uma sequência trágica de suicídio de jovens, identificados e se reconhecendo no personagem Werther. O Romantismo criou uma literatura que, por força da repetição de padrões ao longo dos anos em que teve vigência, formou a sensibilidade emotiva e rebelde que passou a identificar artistas, leitores e escritores no século XIX. Tome-se o exemplo de Byron, Victor Hugo, Musset, Álvares de Azevedo e Castro Alves.
O Leitor
A literatura considerada fenômeno artístico de criação não afeta exclusivamente o artista criador, mas estabelece exigências também quanto ao processo de sua recepção pelo leitor. Devido à associação necessária entre autor e leitor, qualquer alteração inovadora nos padrões tradicionais da escrita literária acaba se refletindo na mudança de sua forma de recepção. A quebras das normas da tragédia clássica francesa do século XVII com a representação do “Le Cid” (1636),de Pierre Corneille, deu origem à longa “Querela dos Antigos e dos Modernos”(16531715), uma polêmica travada entre os intelectuais franceses partidários da escrita clássica e os que acreditavam na alteração dos padrões dessa escrita, defendendo a modernidade.
Da mesma maneira, o século XX foi pródigo em manifestos e explicações sobre novas maneiras de escrever e ler a literatura; entre eles, o Futurismo (1910), o Cubismo (1924), a Poesia PauBrasil (1924), a Poesia Concreta (1956).
A quebra dos padrões tradicionais da leitura afeta o que a estética da recepção, corrente da Teoria Literária que estuda a leitura e os modos de ler, denomina “horizonte de expectativas”, isto é, modos de ler aprendidos ao longo de experiências anteriores de leitura formam um modo pessoal de ler. Em cada novo texto, o leitor pretende aplicar seus conhecimentos e ser bem-sucedido na tarefa, aplicando padrões de leitura conhecidos. Quando o texto é inovador, o leitor reage com desconfiança, insegurança, curiosidade ou recusa. Há, portanto, da parte do leitor, a necessidade de ajustes do “horizonte de expectativas” diante dos textos criativos.
Características do Discurso Literário
Para Domício Proença Filho (1986), a distinção entre discurso literário e não literário passa por um conjunto de características interdependentes. Para esse pesquisador, a literatura se manifesta como tal por agregar complexidade, multissignificação, predomínio da conotação, liberdade na criação, ênfase no significante e variabilidade.
A Complexidade
Por complexidade, Proença Filho entende a capacidade da literatura ultrapassar a reprodução da realidade e atingir “espaços de universalidade”. Para tal, a literatura obedece a um duplo movimento: debruça-se sobre si mesma, pensando e expressando seu modo de fazer e criando essencialmente um “puro objeto de linguagem”. Nesse caso, o mundo e sua realidade são traduzidos em forma de palavras e papel, formando uma outra realidade com leis e regulamentos próprios, os da poética.
O segundo movimento se relaciona com a capacidade da literatura expressar e questionar o mundo exterior. Esse poder de representação, denominado mimese, demonstra a ligação do artistaescritor com a realidade do mundo exterior e da interioridade das pessoas. Essa ligação tende a ser representada pelo discurso literário, que funciona como resposta às grandes questões, dúvidas e perturbações da vida.
Multissignificação
Também denominada em alguns outros estudos como plurissignificação. Domício Proença entende como a força da literatura para criar e amplificar tanto os significantes (por exemplo, a palavra enquanto letras e sons) e os significados (isto é, as ideias que as palavras expressam). A literatura proporciona desvios “mais ou menos acentuados em relação ao uso linguístico comum”.
Para a potencialização do caráter multissignificativo do discurso literário contribuem as relações estabelecidas pelo texto com o âmbito sociocultural, o momento histórico, a relação com “espaços míticos e arquetípicos” da tradição da língua e da arte. Essa intervenção no status da língua produz uma desacomodação dos sentidos e permite que sejam várias e múltiplas as interpretações para um mesmo texto.
Predomínio da Conotação
Quanto ao predomínio da conotação, a reflexão de Proença Filho se detém a expor o quanto a linguagem literária transcende o sentido informativo para atingir o nível poético e estético da linguagem, sem que a informação ou a poeticidade existam separadamente. O escritor simultaneamente trata da realidade e a ultrapassa para mostrar o quanto a linguagem pode criar sentidos superiores de significação e beleza.
A Liberdade de Criação
Essa qualidade diz respeito à ruptura de normas historicamente estabelecidas pelo discurso literário. A inserção de novas formas de dizer, muito mais do que a introdução de novos assuntos, desloca os marcos da história da literatura. Cada escritor que renova a literatura, faz com que o todo do sistema seja repensado e realocado.
O novo também desacomoda o leitor e traz a possibilidade de alterações posteriores na literatura de uma época, quando os seguidores do criador original se põem a imitar, no todo ou em partes, a arte do mestre.
A Ênfase no Significante
Novamente, retorna a discussão sobre a importância da linguagem no texto literário. A criação verbal está relacionada diretamente à potencialização dos recursos linguísticos colocados à disposição do escritor: o som, o desenho da letra, a musicalidade da frase, a ambiguidade e multissignificação de palavras e frases, as relações semânticas estabelecidas pela rede de palavras em correspondência e entre partes diferentes do texto, a exploração semântica de alterações sintáticas e outros mais. A poesia, mais do que as narrativas, explora esses recursos linguísticos.
Variabilidade
A noção de variabilidade integra indissociavelmente o modo de ser da literatura e diz respeito às mutações que o discurso literário e seu entendimento sofreram e sofrem em diferentes culturas e épocas, e na mesma cultura em diferentes épocas da História. A noção de literatura como discurso com características específicas e próprias somente surge no século XIX. Até essa época, poesias e narrativas integravam os escritos culturais, indistintamente. “Antes de 1800, literatura e termos análogos em outras línguas européias significavam ’textos escritos’ ou ’conhecimento de livros’. (...) Eram exemplos de uma categoria mais ampla de práticas exemplares de escrita e pensamento, que incluía discursos, sermões, história e filosofia” (CULLER, 1999).
A variação do conceito de literatura se apóia tanto nas mudanças formais quanto na sua representatividade dentro da(s) cultura(s).
Gêneros Literários
Conceituação Histórica
O estudo dos gêneros literários é fonte de permanente reflexão porque implica o convívio com diferentes formas de escrever a literatura e de compreender as nuances dos diferentes gêneros ao longo da história, bem como com a mudança e transformação da escrita literária. Na contemporaneidade, a questão dos gêneros literários desperta muita polêmica, porque, após as sucessivas alterações e experimentos, a literatura, hoje, admite uma pluralidade de formas e, sobretudo, uma intensa e múltipla mescla de gêneros, que resulta em mudanças profundas na clássica divisão em três gêneros (o lírico, o épico ou narrativo, e o dramático).
Diante disso, apresentaremos a evolução dos gêneros, a partir da visão clássica da Antiguidade, chegando até a conceituação contemporânea.
O que é Gênero Literário?
As obras literárias apresentam semelhanças no modo como se apresentam discursivamente. Quatro aspectos, discurso, estrutura, finalidade e efeitos no leitor, concorrem para que os textos literários pertençam a agrupamentos distintos que os explicam e, simultaneamente, normatizam-nos e restringem-nos. Assim, pode-se verificar como os poemas se assemelham formalmente, seja por conter rimas, por se dividir em estrofes, ou por sua extensão. Também os textos corridos, em prosa, podem ser agrupados por suas qualidades formais evidentes, como a extensão, o modo de narrar, a construção dos diálogos. São características observáveis de imediato. No entanto, outras podem ser de mais difícil localização. O estudo que verifica e classifica essas diferenças é o dos gêneros literários.
Em 1962, Wellek e Warren, no seu Teoria da Literatura, defendiam que uma definição de gênero poderia ser “ [...] um agrupamento de obras literárias, teoricamente baseado tanto na forma exterior, como também na forma interior[...]”. Existiriam, para eles, três gêneros: o lírico, o épico e o dramático. Cada um deles seria dividido em formas fixas, como a ode, o romance, a crônica, o soneto e outros mais.
Outro aspecto diz respeito ao caráter histórico desses agrupamentos. Isso quer dizer que, ao longo dos séculos, houve alteração na composição dos gêneros, nasceram novos e desapareceram alguns deles. O que indica uma natureza ligada à evolução do homem e da sociedade.
Deschamps afirmava que, “[...] para julgar a prosa, é precisoespírito, razão e erudição [...]; enquanto que, para julgar a poesia é preciso o sentimento das artes e da imaginação e são duas qualidades raras entre leitores e romancistas.[...]” (apud CHASSANGSENNINGER, 1958). Essa concepção de exigências diferentes para formas diferentes de expressão literária – a prosa e a poesia – já indica que há diferenças de natureza entre elas: a primeira propõe um texto com maior racionalidade e a segunda usa preferencialmente a imaginação. No entanto, há exceções a essa visão generalista.
Os estudos críticos e também os valorativos se servem dessas categorias ou espécies da literatura para avaliar e distinguir os textos. Um escritor também se reporta a essas espécies no momento de compor e as normas que as regem funcionam como marcas de direcionamento para o texto que está sendo criado. Há escritores e obras que, ao contrário, conhecendo as diferentes espécies, procuram desfazê-las, contradizê-las, renová-las ou rejeitá-las.
 É o caso, por exemplo, da criação do drama romântico, quando Victor Hugo, no “Prefácio” da peça Cromwell, em 1827, recusa os modelos da dramaturgia dos períodos históricos anteriores (Neoclassicismo e Barroco) e propõe uma reformulação da tragédia clássica, defendendo o surgimento do drama, uma peça teatral autônoma que incluiria elementos da tragédia e da comédia. Também é o caso da estética pós-moderna, a partir dos anos 1950, que defende a maior autonomia das formas literárias, podendo haver, inclusive, em uma mesma obra a existência de dois ou mais gêneros.
O Conceito na Antiguidade Clássica e na Idade Média
A primeira informação sobre a existência de gêneros literários vem do filósofo grego Platão (428 a.C 347 a.C), que registrou no livro II da obra República (394 a.C.) a diferença entre o modo de construir a comédia e a tragédia – por imitação; os ditirambos, pela exposição do poeta, e a poesia épica e textos afins, que apresentaria uma mistura das duas composições anteriores. Dessa tripartição, surgiriam mais tarde, respectivamente, o gênero dramático, o lírico e o épico, assim apresentados provavelmente no período do Romantismo no século XIX.
No entender de Angélica Soares (1989, p. 9): Como Platão atribuísse às artes uma função moralizante, a classificação das obras literárias através de seu conceito de imitação (o poeta, como o pintor, operava um terceiro grau de imitação, pois imitava a obra do artesão que, por sua vez, já era imitação das formas singulares, imperecíveis e imutáveis, que compunham o Mundo das Ideias) serviria de base à condenação que faz aos poetas que, ao concederem autonomia à voz das personagens, em nada contribuíam para o projeto político de edificação de uma polis ideal.
Os diferentes tipos e modos de representar a realidade através da arte nascem, portanto, sob o signo da exclusão e da marginalização social. Os gêneros literários nesse momento da história da humanidade são vistos apenas como critérios formais, já que a expressão artística é de pouco valor e fica reduzida a um exercício de imitação em terceiro grau, sem qualidade artística ou expressiva.
Um pouco desse preconceito foi combatido por Aristóteles (384 a.C. 322 a.C.) que procurou atender a critérios mais apropriados ao objeto artístico e sistematizou melhor as formas literárias. Em sua obra Poética (que não chegou a concluir), ele se refere às seguintes formas: a epopeia, a tragédia, a comédia, o ditirambo, a aulética e a citarística, privilegiando, porém, as três primeiras.
No entender de Angélica Soares (1989, p. 9): Como Platão atribuísse às artes uma função moralizante, a classificação das obras literárias através de seu conceito de imitação (o poeta, como o pintor, operava um terceiro grau de imitação, pois imitava a obra do artesão que, por sua vez, já era imitação das formas singulares, imperecíveis e imutáveis, que compunham o Mundo das Ideias) serviria de base à condenação que faz aos poetas que, ao concederem autonomia à voz das personagens, em nada contribuíam para o projeto político de edificação de uma polis ideal. Os diferentes tipos e modos de representar a realidade através da arte nascem, portanto, sob o signo da exclusão e da marginalização social. Os gêneros literários nesse momento da história da humanidade são vistos apenas como critérios formais, já que a expressão artística é de pouco valor e fica reduzida a um exercício de imitação em terceiro grau, sem qualidade artística ou expressiva. Um pouco desse preconceito foi combatido por Aristóteles (384 a.C. 322 a.C.) que procurou atender a critérios mais apropriados ao objeto artístico e sistematizou melhor as formas literárias. Em sua obra Poética (que não chegou a concluir), ele se refere às seguintes formas: a epopeia, a tragédia, a comédia, o ditirambo, a aulética e a citarística, privilegiando, porém, as três primeiras.
Além disso, Aristóteles retoma a ideia de que a arte consiste na imitação (mímesis ou mimese) e o prazer do leitor e do espectador está em reconhecer como o artista consegue representar bem até mesmo o feio, o repugnante, o horrível. Aristóteles estabeleceu a diferença entre os gêneros baseadas nos meios com que imitam, nos objetos que imitam e na maneira com a qual imitam a realidade. Em relação aos meios, aponta o ritmo, o metro e o canto, empregados isolada ou conjuntamente. O teatro pode contê-los todos, mas não a epopeia ou a narrativa. Nesta, predomina o metro e o ritmo.
Em relação ao objeto imitado, a comédia “propõe-se imitar os homens, representando-os piores, a outra [a tragédia] melhores do que são na realidade.” Para o filósofo, a comédia se preocupa em apresentar os vícios, e a tragédia, as virtudes. Quanto à maneira de imitar, afirma que é possível imitar os mesmos objetos nas mesmas situações, numa simples narrativa ou pela introdução de um terceiro [o narrador], como faz Homero, ou insinuando-se a própria pessoa sem que intervenha outra personagem, ou ainda apresentando a imitação com a ajuda de personagens que vemos agirem e executarem elas próprias. (ARISTÓTELES, 1964).
Vemos aí descrita a classificação que atualmente fazemos em narrador de terceira pessoa, narrador em primeira pessoa e texto dramático dialogado.
Esse filósofo grego estudou a extensão da ação dramática: “a tragédia é a imitação de uma ação completa formando um todo e de certa extensão” (ARISTÓTELES, 1964). Para constituir um todo, é necessário que a peça tenha começo, meio e fim. O que determina a extensão é a natureza do assunto e o grau de atenção de que o espectador é suscetível. Isso significa a indeterminação do tempo ou do volume do texto, substituídos pela atenção do leitor e o tipo de assunto escolhido. Essa compreensão terá vigor na história da literatura até o século XX.
Também tratou da unidade da ação e da diferença entre ação simples – “aquela cujo desenvolvimento permanece uno e contínuo e na qual a mudança não resulta nem de peripécia, nem de reconhecimento” (ARISTÓTELES, 1964) – e complexa – a que tem na peripécia e no reconhecimento a alteração no destino do protagonista.
E, além disso, tratou da relação entre o gênero literário e o personagem: os princípios estruturais das narrativas e das peças de teatro conservam até hoje a conceituação estabelecida por Aristóteles no quarto século antes da era cristã.
Para o escritor latino Horácio (65 a.C. 8 a.C.), na Carta aos Pisões, é importante que os poetas (palavra empregada indistintamente para poesia, narrativa ou teatro, à época todos escritos em versos) respeitem “o domínio e o tom de cada gênero literário” e que “guarde cada gênero o lugar que lhe coube e lhe assenta” (Horácio, 1981). Também é nessa carta que Horácio admite a possibilidade de transposição dos gêneros. Há em seu argumento mais do que a recusa de assuntos novos: a possibilidade de transpor do gênero épico (Ilíada) para o teatro abre a possibilidade de alterações significativas na concepção normativa de gênero literário. Também é dele a concepção da função específica da literatura: “Os poetas desejam ou ser úteis, ou deleitar, ou dizer coisasao mesmo tempo agradáveis e proveitosas para a vida.” (HORÁCIO, 1981). A visão utilitária da arte soma-se à de entreter (deleitar) e considerase até a possibilidade de fundir as duas, com resultados importantes para o leitor.
A herança clássica na Idade Média recebe poucas complementações de relevância, à exceção de Dante Alighieri, que, na “Epistola a Can Grande Della Scala, classifica o estilo em nobre, médio e humilde, situando-se no primeiro a epopeia e a tragédia, no segundo a comédia e no último a elegia” (SOARES, 1989, p. 12). Percebe-se a permanência da epopeia e da tragédia em nível elevado, como em Aristóteles. A elegia, entretanto, faz sua entrada entre os gêneros literários, anunciando a inclusão futura do gênero lírico, não necessariamente acompanhado de música (como a lira, a flauta e a cítara), mas como texto verbal. Massaud Moisés (1997), ao comentar a pequena quantidade de estudos sobre os gêneros na Idade Média, informa que, na prática literária, há um surto criativo de “variedades formais novas”: na poesia lírica, novas organizações das estrofes, a rima e a metrificação ganham em variedade, surge o romance em prosa e o teatro se moderniza. Esse movimento criador desmente antigas interpretações do período histórico medieval como uma idade de trevas, sem avanços ou alterações.
O Conceito no Renascimento
O Renascimento, a partir do século XVI, ao contrário do período medieval, trouxe contribuições muito relevantes à consolidação dos gêneros literários e, sobretudo, à quantidade e qualidade dos estudos teóricos. Seus representantes, denominados humanistas, foram pródigos em normatizar as ideias da Antiguidade Clássica, retomando e reafirmando os conceitos expressos principalmente por Aristóteles e Horácio. Não ficaram, porém, apenas nos aspectos reprodutivos da teoria, agregando reflexões próprias e as novidades criadas na Idade Média.
Esses teóricos adotaram estritamente o conceito de mímesis e passaram a legislar a produção literária, considerando que a imitação da natureza é o objeto da arte, e não a sua reapresentação através da recriação em linguagem artística. Estabeleceram um critério de valoração em que, quanto mais a obra se aproximasse dessa cópia da natureza, mais perfeita ela seria. É de se imaginar, portanto, que a criação literária se submete a normas que garantam essa reprodução fiel.
Em relação aos gêneros literários, o resultado foi a retomada da divisão tripartite de Platão e os valores a ela atribuídos por Aristóteles: tragédia e epopeia como gêneros elevados e a comédia como gênero inferior: “entendiam os gêneros como fórmulas fixas, sustentadas por doutrinas e regras inflexíveis, às quais os criadores de arte deveriam obedecer cegamente. Entretanto, devese às teorias poéticas italianas a inclusão da lírica como o terceiro gênero ao lado da épica e do teatro.” (MOISÉS, 1997, p. 42). A lírica, substituindo o ditirambo, apresenta algumas formas fixas, como o soneto, a ode, a canzone, o rondó e a balada.
Um dos nomes mais importantes nesse momento da história dos gêneros literários é Nicolas Boileau (16361711), que, em 1674, escreve Arte Poética, espécie de compêndio de normas do pensamento neoclássico a respeito dos gêneros. Ele “localiza [...] o valor da arte na razão, pela qual acreditava que se alcançassem o bomsenso, o equilíbrio, a adequação e a clareza: condições necessárias à poesia.” (SOARES, 1989, p.13). Em 1693, esses postulados normativos são questionados pela Querela dos Antigos e dos Modernos (Querelle des Anciens et des Modernes), em que escritores ditos modernos defendem sua maior liberdade de criação, fugindo às regras e normas.
O Conceito no Romantismo
A reação ao período racional e normativo do Renascimento se consolidou a partir do século XVIII com os pré-românticos alemães do movimento de Tempestade e Ímpeto (Sturm und Drang), que, insistindo no caráter mutável dos gêneros nos sucessivos períodos históricos e no desaparecimento dos “esquemas estruturais repetitivos” (WELLEK; WARREN, 1971), defenderão a necessidade de inovação nas obras literárias.
A mudança dos públicos leitores, a valorização da individualidade e as rápidas modificações na preferência de formas literárias levam à elasticidade das classificações e ao rápido aparecimento de novas espécies de textos. Sobretudo, verifica-se o desenvolvimento e multiplicação de narrativas, em especial do romance, que mantém as características básicas do antigo gênero épico e o substitui. O Romantismo favorecerá o aparecimento do romance histórico (devido ao forte acento nacionalista que pode conter) e do romance gótico, como “um conjunto de estereótipos (descritivoacessórios e narrativos, por exemplo, castelos em ruínas, horrores católico-romanos, retratos misteriosos [...])” (WELLEK; WARREN, 1971, p. 294). No gênero dramático, a principal contribuição é o aparecimento do drama, conforme foi anunciado e caracterizado pelo escritor francês Victor Hugo no prefácio de Cromwell, de 1827. O drama vem a ser, portanto, a expressão no teatro da nova classe burguesa, com personagens saídas da realidade presente, com linguagem coloquial e com a liberdade de apresentação de situações dramáticas, muito ao gosto do período estético do Romantismo.
A moderna teoria dos gêneros é claramente descritiva. Não limita o número das espécies possíveis e não prescreve regras aos autores. Admite que as espécies tradicionais possam “misturar-se” e produzir uma espécie nova (como a tragicomédia). Reconhece que os gêneros podem ser construídos tanto numa base de englobamento ou “enriquecimento” como de “pureza” (isto é, gênero tanto por acréscimo como por redução). Em lugar de sublinhar a distinção entre as várias espécies, interessa-se em descobrir o denominador comum de uma espécie, os seus processos e objetivos literários.
Esse foi um importante passo para a discussão a respeito da concepção e das classificações dos gêneros literários porque instaurou a possibilidade de revisão dos conceitos, da introdução no painel das diferentes espécies literárias de novas formas e de questionamento de classificações dogmáticas, já que o princípio da individualidade estabelecia a liberdade de criação e de escolhas.
Conceitos ao Longo dos Séculos XIX e XX
Destaca-se após o período romântico a contribuição do crítico francês Ferdinand Brunetière (1849-1906), que procurou relacionar os gêneros literários e a teoria evolucionista de Spencer:  o conceito de que os gêneros se assemelhavam aos seres vivos, ou seja, nasciam, se desenvolviam e morriam. Dava-se, assim, uma explicação científica para o aparecimento e desaparecimento de espécies e gêneros. Essa visão evolucionista encontrou forte reação no filósofo italiano Benedetto Croce (18861952), que concebia “todo conhecimento ou é intuitivo ou lógico, produzindo respectivamente imagens ou conceitos. Intuir era expressar ações que nos libertariam da submissão intelectualista, que nos subordina ao tempo e ao espaço da realidade” (SOARES, 1989, p. 15). Há, portanto, nesse entendimento da criação literária, por imagens, um desligamento da realidade empírica. Como consequência, a literatura se vincula muito mais ao imaginário do que às leis físicas da natureza.
Dessa discussão a respeito das relações da literatura com a realidade empírica ou com o imaginário levam à duas direções diferentes na interpretação dos gêneros literários:
· Realista, pressupõe que os gêneros à semelhança das Ideias platônicas, constituem realidade única, perene e pré-existente;
· Nominalista, encara as ideias e os gêneros como simples denominações da verdadeira realidade, as obras literárias.
Com o surgimento das pesquisas e reflexões teóricas dos formalistas russos, no começo do século XX, aprofundou-se o conceito de que as obras literárias têm vida e leis próprias, que permitem reconhecer e classificar os textos por sua literariedade, isto é, pela natureza própria e específica da literatura. Parte dessa natureza pode ser localizada no conceito de “estranhamento”, de Chklovski. Isto é, a obra literária propriamente consideradaé aquela que, em relação às demais, consegue distinguir-se como um corpo estranho, novo, diferente das expectativas e da história tradicionais da evolução da literatura. Esse destaque é um dos ingredientes da obra que causa estranhamento ao leitor e à série literária em que se localiza.
Outro formalista, Tomachevski, “consideraria como traços dos gêneros um grupamento em torno de procedimentos perceptíveis. Esses traços seriam dominantes na obra, embora houvesse outros procedimentos necessários à criação do conjunto artístico.” (SOARES, 1989, p. 17). Entre esses procedimentos estariam a temática, os motivos e a linguagem poética figurada. O que valerá para a significação e abrangência dos gêneros literários se localiza na dimensão histórica. Em consequência, sempre estará presente no conceito de gênero a dimensão histórica.
Outra contribuição importante para a teoria dos gêneros vem de Mikhail Bakhtin, linguista e teórico russo, que salienta o papel da percepção, isto é, das expectativas do leitor na relação com a obra literária e com o modo com que ela filtra a realidade empírica. O agrupamento de obras que tivessem procedimento semelhante as incluiria em gênero semelhante, do mesmo modo que a percepção do leitor seria alterada ao longo do tempo pelas mudanças que o contexto em que vivia poderia atuar sobre ele, e manter ou modificar sua percepção de cada gênero. “Assim, os gêneros apresentariam mudanças, em sintonia com o sistema da literatura, a conjuntura social e os valores de cada cultura” (SOARES, 1989, p. 18).
O francês André Jolles trabalhou com formas literárias orais e primitivas, a que chamou “fundamentais” ou “formas simples”. Entre elas, a legenda, a saga, o ditado, o mito, a adivinha, o caso, o memorável, o conto, o chiste. Essas nove categorias, pouco valorizadas até o aparecimento de sua pesquisa, descrita no livro As Formas Simples, ganharam a partir de seus estudos um lugar na classificação dos gêneros e espécies e motivaram muita discussão sobre o valor dessas novas formas narrativas.
Outro estudioso com valiosa colaboração para a discussão e definição dos gêneros literários foi Emil Staiger, que, na obra Conceitos Fundamentais da Poética, em 1946, vai defender a ideia de uma base tripartite: lírica, épica e dramática, mas com a possibilidade de que as marcas estilísticas de cada gênero pudessem existir em quaisquer textos, sem a restrição deste ou daquele gênero. Assim, os termos e os procedimentos de escrita épicos, dramáticos ou líricos podem ser considerados adjetivos, ou seja, é possível encontrarmos na história da literatura obras que, embora pertencentes a um gênero maior, apresentam característica dos outros dois. Assim, podemse descobrir em epopeias (narrativas) momentos líricos, ou em poemas categorias das narrativas, ou em peças de teatro procedimentos da poesia e das narrativas. Houve, assim, uma ampliação do conceito de gênero, alargando as possibilidades de escrita e de valorização do literário.
A Perspectiva da Atualidade
Uma contribuição marcante para os estudos a respeito dos gêneros literários veio de Northrop Frye, na obra Anatomia da Crítica, de 1957. A primeira modificação foi a criação de um quarto gênero; além da lírica, da épica (epos) e da literatura dramática, haveria a ficção, diferente da épica por ser contínua, enquanto esta seria episódica, ou seja, construída pela união de quadros mais ou menos independentes. Segundo Angélica Soares (1989, p. 1920):
CADA UM DOS QUATRO GÊNEROS SE LIGA A UMA FORMA PRÓPRIA DE MÍMESIS: O EPOS É APRESENTADO PELA MÍMESIS DA ESCRITA ASSERTIVA, O DRAMA PELA MÍMESIS EXTERNA OU DA CONVENÇÃO, A LÍRICA PELA MÍMESIS INTERNA. QUATRO TAMBÉM SÃO AS MODALIDADES DA FICÇÃO: O ROMANESCO (ROMANCE), O ROMANCE (NOVEL), A FORMA CONFESSIONAL E A SÁTIRA MENIPEIA OU ANATOMIA. ENQUANTO O ROMANESCO NÃO BUSCA A CRIAÇÃO DE “GENTE REAL”, O ROMANCE (NOVEL) APRESENTA PERSONAGENS QUE TRAZEM SUAS MÁSCARAS SOCIAIS. A FORMA CONFESSIONAL, POR SUA VEZ, NÃO PODE SER CONFUNDIDA COM AUTOBIOGRAFIA. O ROMANCISTA OCUPA-SE DA ANÁLISE EXAUSTIVA DAS RELAÇÕES HUMANAS, ENQUANTO O SATIRISTA MENIPEU, VOLTADO PARA TERMOS E ATITUDES INTELECTUAIS, PRENDESE ÀS SUAS PECULIARIDADES.
Essa nova proposta não encontrou eco na crítica literária recente, em que tem se discutido com ênfase a questão dos gêneros para negála, dada a explosão de formas novas surgidas a partir dos anos 1950 com o advento do pós-moderno ou do hipermoderno. Para a produção contemporânea, há duas posições diferentes. A primeira é a da negação de toda e qualquer norma ou forma préestabelecida. A segunda é a que põe sob a responsabilidade do leitor reconhecer, ou não, o gênero literário a que a obra faz referência e, a partir dessa constatação, avaliar a importância dessa relação.
A estética da recepção, modo crítico que valoriza a participação do leitor como construtor dos sentidos do texto e que tem em HansRobert Jauss um de seus fundadores, trata os gêneros literários como uma das possibilidades de estabelecimento de marcos históricos da literatura, ou seja, com reflexos na própria localização dos autores na história da literatura. Também valoriza o modo variável com que o leitor reconhece e administra essas características no momento de interpretação e valorização da obra que lê.
Qualquer que seja a posição adotada, o estudo dos gêneros literários permite uma melhor compreensão do texto e, sobretudo, permite distinguir o quanto o autor se aproxima ou afasta dos modelos, ou valorizar a consciência crítica do autor em relação ao gênero em que sua obra venha a se situar, inovando, usando os limites metaliterariamente, isto é, tirando proveito da exposição, de contradições e do debate dentro do próprio texto literário que escreve.
Gêneros Literários: O Lírico
Dos três gêneros literários, adquire mais tardiamente destaque e identidade. É apenas no Renascimento que ganhará estatura semelhante à do gênero épico e à do gênero dramático. Esse nascimento tardio deveuse a alguns fatores históricos que trataremos a seguir.
O termo lírico provém do grego lyrikós, significando originariamente “som proveniente da lira ou relativo à lira”, instrumento musical de quatro cordas. Em consequência, o gênero literário pressupõe um componente musical, expresso pelo ritmo e pela sonoridade de versos e palavras. Segundo Moisés (1997, p. 306) “o vocábulo lirismo foi cunhado no interior do Romantismo francês, com vistas a designar o caráter acentuadamente individualista e emocional assumido pela poesia lírica a partir do século XIX”. Essa outra interpretação do gênero lírico indica o quanto o momento histórico influencia o entendimento da terminologia e da teoria a respeito da literatura.
O que é Poesia Lírica?
Para conceituar poesia lírica é preciso ler e pensar sobre diferentes escritores que tentaram definir esse gênero literário. Todorov (1980, p. 95) principia sua reflexão sobre poesia afirmando: “O discurso da poesia caracteriza-se em primeiro lugar, e de modo evidente, por sua natureza versificada”. Se o verso, isto é, a linha melódica interrompida fosse suficiente para determinar a identidade da poesia, a simples aproximação visual do texto permitiria ao leitor classificar o gênero literário. No entanto, essa diferença é incapaz de dar conta do sentido de poesia. Ele não está no verso, ou no sofrimento do poeta ou no acúmulo de exemplos da linguagem figurada (metáforas, metonímias, símiles, analogias, elipses e outros). Segundo Todorov (1980, p. 9697) ainda:
[...] uma parte esmagadora dos nossos contemporâneos nem aderem à teoria ornamental [a do verso], nem à teoria afetiva [a do sofrimento do poeta], mas a uma terceira, cuja origem é claramente romântica; [...] Nesse caso, a diferença semântica entre poesia e nãopoesia não mais é procurada no conteúdo da significação, mas na maneira de significar: sem significar outra coisa, o poema significa de outro modo. Uma maneira diferente de dizer a mesma coisa seria: as palavras são (somente) signos na linguagem cotidiana, ao passo que elas se tornam, em poesia, símbolos:daí o nome de simbolista que utilizo para designar essas teorias.
Poderíamos resumir essa concepção de símbolo (e por extensão, de poesia) em cinco pontos (ou cinco oposições entre símbolo e “alegoria”):
· O símbolo mostra o devir do sentido, não seu ser; a produção, e não o produto acabado.
· O símbolo é intransitivo, não serve apenas para transmitir a significação, mas deve ser percebido em si mesmo.
· O símbolo é intrinsecamente coerente, o que quer dizer que um símbolo isolado é motivado (não arbitrário).
· O símbolo realiza a fusão dos contrários, e mais especificamente, a do abstrato e do concreto, do ideal e do material, do geral e do particular.
· O símbolo exprime o indizível, isto é, aquilo que os signos nãosimbólicos não chegam a transmitir; é, por conseguinte, intraduzível, e seu sentido é plural – inesgotável. (TODOROV, 1980, p. 97)
Temos aí uma perspectiva bastante significativa e didática do que seja a matéria-prima da poesia, o símbolo. As negações de Todorov fazem sentido, porque é muito frequente encontrarmos, na tentativa de compreender o gênero lírico, a associação entre a subjetividade do leitor e a do poeta. Posição que ele denominou “teoria afetiva”. Maria Lúcia Aragão (1997, p. 75), por exemplo, ao tratar do gênero lírico afirma: “[...] a extensão da composição lírica [...] deve ser de pequeno tamanho para não trair o que há de essencial na disposição anímica do poeta, e para que haja unidade e coesão do clima lírico no poema.”
Ao falarmos em clima, estamos partindo do pressuposto de que o importante no estilo lírico não são as conexões lógicas. A comunicação entre o leitor e o poema não exige que a compreensão ocupe o primeiro plano. O leitor se emociona primeiro, para depois entender. Por este motivo, Staiger afirma que “para a insinuação ser eficaz, o leitor precisa estar indefeso, receptivo”. Isso acontece quando a alma do leitor está afinada com a do poeta.
No entanto, Emil Staiger não é de todo partidário de uma arte poética baseada exclusivamente na afetividade. Ao tentar defini-la, em outro momento da obra Conceitos Fundamentais da Poética, taxativamente esclarece: “Dizem que uma poesia é bela, e pensam apenas na sensação, palavras e versos. Ninguém pensa, entretanto, que a verdadeira força e valor de uma poesia está na situação, em seus motivos. A partir daí fazem-se milhares de poesias em que o motivo é nulo e que simulam uma espécie de existência, simplesmente através de sensações e versos sonoros” (STAIGER, 1972, p. 25).
É possível perceber nessas poucas tentativas como os autores citados combatem diferentes aspectos já estabelecidos e repetidos a respeito da definição de poesia. É mais fácil negar o que está em desacordo com a ideia dos autores do que conseguir definir exatamente o que é a poesia lírica. No entanto, também Staiger enumera qualidades que considera definidoras de poesia:
SE A IDEIA DE LÍRICO, SEMPRE IDÊNTICA A SI MESMA, FUNDAMENTA TODOS OS FENÔMENOS ESTILÍSTICOS ATÉ ENTÃO DESCRITOS, ESSA MESMA IDEIA UNA E IDÊNTICA PRECISA SER REVELADA E TER NOME. UNIDADE ENTRE A MÚSICA DAS PALAVRAS E DE SUA SIGNIFICAÇÃO; ATUAÇÃO IMEDIATA DO LÍRICO SEM NECESSIDADE DE COMPREENSÃO (1); PERIGO DE DERRAMARSE, RETIDO PELO REFRÃO E REPETIÇÕES DE OUTRO TIPO (2); RENÚNCIA À COERÊNCIA GRAMATICAL, LÓGICA E FORMAL (3); POESIA DA SOLIDÃO COMPARTILHADA APENAS PELOS POUCOS QUE SE ENCONTRAM NA MESMA “DISPOSIÇÃO ANÍMICA” (4); TUDO ISTO INDICA QUE EM POESIA LÍRICA NÃO HÁ DISTANCIAMENTO. 
STAIGER, 1972, P. 51
Essa ausência de distanciamento, isto é, o leitor não pode deixar de se envolver com o poema lido, faz com que haja, por vezes, confusão entre o eu lírico (manifestação subjetiva no poema) e o eu biográfico (o poeta enquanto ser vivo). Para que essa diferença se torne mais clara, Angélica Soares (1989, p. 26) assim a qualifica:
· 1.º o eu lírico ganha sempre forma no modo especial de construção do poema: na seleção e combinação das palavras, na sintaxe, no ritmo e na imagística;
· 2.º assim, ele se configura e existe diferentemente em cada texto, dirigindonos a recepção;
· 3.º e, por isso, não se confunde com a pessoa do poeta (o eu biográfico), mesmo quando expresso na primeira pessoa do discurso.
Diferentemente do escritor que compõe a sua autobiografia e tenta descrever o passado, o poeta tenta compreendê-lo, o que pressupõe uma atitude objetiva, mas a autobiografia, que também faz a reflexão sobre o passado, mantém um laço com o passado e com o relógio, ao passo que o poeta lírico, ao debruçar-se sobre si mesmo e sobre seu passado, o faz sempre no tempo presente, como se os fatos estivessem a seu lado, dominantemente ocorrendo, num fluir contínuo. “O passado como objeto de narração pertence à memória. O passado como tema do lírico é um tesouro de recordação.” (STAIGER, 1972, p. 55). O fato de todos os teóricos tratarem dessa questão da confusão que pode se estabelecer entre sujeito lírico e sujeito empírico demonstra o quanto a poesia provoca a interação intensa do leitor com o texto, ao ponto de confundir o que se lê com o que se vive.
Podemos inferir o quanto de imaginada biografia e realidade podem conter os versos de Augusto dos Anjos:
Vozes de um túmulo - Augusto dos Anjos 
Morri! E a Terra – a mãe comum – o brilho
Destes meus olhos apagou!... Assim
Tântalo, aos reais convivas, num festim, Serviu as carnes do seu próprio filho!
Por que para este cemitério vim?!
Por quê?! Antes da vida o angusto trilho Palmilhasse, do que este que palmilho E que me assombra, porque não tem fim!
[...]
Inconcebível na vida real esse poeta defunto, mas perfeitamente possível na literatura. Lemos um texto em primeira pessoa, com “eu” explícito, mas que não pode ser acreditado integralmente. Tratase de um texto simbólico, figurado, para tratar de assuntos relevantes à existência humana, como a força inexorável do tempo e da morte. Fica evidente que as semelhanças físico biológicas que possam existir entre o eu lírico expresso nos verbos e pronomes de primeira pessoa desse texto não correspondem ao eu empírico Augusto dos Anjos, muito vivo no momento da escrita. Pode haver, sim, semelhanças anímicas e de pensamento, difíceis de serem comprovadas e aproximadas, porque pertencem ao imaginário e ao inconsciente do autor. Muitas vezes, o poeta nem comunga dos mesmos sentimentos e usa imagens comuns e constantes da literatura poética, repetindo-as por serem estéticas ou por estarem de acordo com aquelas usadas no período literário em que se enquadra sua obra.
Todorov (1980), ao tratar do gênero lírico, apresenta quatro teorias para explicar a natureza do discurso lírico: a ornamental, a afetiva, a simbólica e a sintática. A ornamental é uma teoria pragmática que considera o poema como um artefato retórico, isto é, destinado a agradar e não a instruir. Consequentemente, um bom poema lírico é o mais belo, o mais carregado de ornatos poéticos (figuras de linguagem, figuras sonoras, construções sintáticas elaboradas).
A teoria afetiva considera que a poesia enfatiza os efeitos emotivos do poema, criando diferenças com a linguagem comum, mais voltada para a apresentação de ideias. A poesia busca o efeito afetivo, patético, de sentimentos. A teoria simbólica defende a diferença entre a poesia e a nãopoesia estabelecida não pelo conteúdo, mas pela maneira de significar. Essa maneira está no uso das palavras no seu sentido de símbolos, isto é, na capacidade de exprimir o indizível, de realizar a fusão dos contrários, de ter valor intrínseco, em si mesmo, de não ser restrito a um sentido único. A teoria sintática prega “a coerência e unidade entre os diferentes planos do texto”, valorizando sua construção fônica, gramatical e semântica.
Mais uma vez é possível observar a pluralidade de enfoques existentes na compreensão e definição do gênero lírico, de vez que ele está ancorado na história da literatura e da cultura, passível de transformações do ponto de vista da produção e da recepção dos textos literários.
A Concepção Musical da Antiguidade
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