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JunaeElzaColetanea puc2013

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See	discussions,	stats,	and	author	profiles	for	this	publication	at:	https://www.researchgate.net/publication/279945076
NA	PRÁTICA,	A	TEORIA	É	OUTRA:	SOBRE	OS
DISCURSOS	E	PRÁTICAS	"	PSI	"	NO	COTIDIANO
DO	MANICÔMIO	JUDICIÁRIO
Chapter	·	December	2014
CITATIONS
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93
2	authors,	including:
Junia	Vilhena
Pontifícia	Universidade	Católica	do	Rio	de	Janeiro
123	PUBLICATIONS			79	CITATIONS			
SEE	PROFILE
All	content	following	this	page	was	uploaded	by	Junia	Vilhena	on	10	July	2015.
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1 
 
NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA: SOBRE OS DISCURSOS E PRÁTICAS “PSI” NO 
 
COTIDIANO DO MANICÔMIO JUDICIÁRIO. 
 
Elza Ibrahim 
Junia de Vilhena 
Ao trazermos para o campo das problematizações as perspectivas contemporâneas da teoria 
e da prática em psicologia faz-se mister, de antemão, levantarmos uma inicial provocação: 
poderíamos, por acaso, confirmar que, de fato, é comum observar-se um diálogo entre o discurso 
teórico de alguns profissionais “psi” e suas ações praticadas no campo da saúde mental? Ou, ao 
contrário, é frequente observar-se amiúde um grande hiato entre a sua prática e a teoria? 
 Trabalhando por quase trinta anos em uma instituição psiquiátrica-penal - o Manicômio 
Judiciário do Rio de Janeiro - fui, inicialmente cooptada a aderir às regras institucionais sem tempo 
nem fôlego para poder fazer as minhas próprias escolhas, para trilhar um caminho singular ou para 
tomar as decisões que eu achasse mais justas. Felizmente pude, a tempo, estranhar e resistir aos 
desmandos que pairavam no ar, emanados pelos corredores daquela organização. Não sem antes me 
sentir totalmente diferente dos demais colegas a ponto de duvidar das minhas convicções, a ponto 
de colocar em xeque aquilo em que eu deveras acreditava. 
 O lapso – quase uma rachadura – entre o discurso teórico e a prática da (não) ação dos 
operadores da saúde sempre me deixou bastante perplexa e incomodada. Falava-se da necessidade 
de ‘ressocialização’, de ‘inclusão’, de ‘resgate’ da condição do sujeito encarcerado. 
Paradoxalmente, no entanto, tratavam-no com indiferença, com descaso. Uma passagem de Meu 
nome não é Johnny é esclarecedora: 
 
O recém-chegado tentou relaxar para dormir, mas o aspecto do ambiente não 
ajudava. Paredes encardidas, umidade, colchões nus, alguns focos de mofo. [...] 
Deitou e fechou os olhos, imaginando-se num lugar melhor, para ver se o sono 
perdia a cerimônia. Pouco tempo depois de ter finalmente adormecido, sentiu 
2 
 
algo arranhando levemente sua face, como se alguém de unhas compridas 
estivesse tentando acordá-lo. Abriu os olhos no exato momento em que uma 
gorda ratazana escalava seu rosto. Ainda teve tempo de sentir o peso e o calor 
do bicho contra sua pele, antes de dar-lhe um violento tapa, acompanhado de 
um grito de horror e ódio (Fiúza, 2004, p. 163). 
 
 
 Igualmente, impediam-no de participar do seu processo mesmo de internação, colocando-o à 
margem de sua própria história. Deste modo, é possível observar-se que o sujeito ocupa um lugar de 
total desqualificação e invisibilidade. Sua história e sua verdade são interpretadas de acordo com a 
visão e o entendimento institucional. Exames e laudos são elaborados à sua revelia; sua intimidade e 
privacidade são frequentemente desrespeitadas pela instituição, sem o menor pudor. Teoria e prática 
desgarradas por um imenso hiato... 
A esta contínua mutilação de identidade, Erving Goffman (1974) denominou de 
‘mortificações do eu’. Para o autor, tanto as violações de privacidade, através da exposição física do 
paciente, como a censura de sua correspondência; tanto as imposições de horários rígidos para 
alimentação e descanso; ou a obrigatoriedade do uso de uniforme, e outras tantas normas de 
conduta, tudo isso, segundo ele, impedem o indivíduo de manifestar o seu modo de ser, restando-lhe 
poucas maneiras de se expressar. Do mesmo modo, era possível constatar-se no dia-a-dia do 
Manicômio Judiciário (MJ), o mesmo já analisado por Goffman, ou seja, se por ventura o paciente 
tentasse exprimir-se, esta sua atitude poderia ser imediatamente interpretada como ‘insubordinada’ 
ou, no mínimo, como ‘inadequada’. O falar tornava-se, então, uma ação muito perigosa, tanto para 
ele quanto para o profissional que se arriscasse a fazê-lo. 
Teoricamente procurava-se mostrar um interesse em se ‘humanizar’ a (perpétua) estadia do 
paciente na instituição, contudo, mal se olhava para ele, mal se falava com ele... Ao mesmo tempo, 
exigia-se deste mesmo paciente, atitudes de ‘coerência’, de ‘adequação’ e demonstração de 
‘comportamentos e reações saudáveis’. Novamente, teoria e prática caminhando na contramão... 
3 
 
Finalmente, com o intuito de avaliarem-se estas ‘competências’, o corpo de profissionais 
fazia uso de dispositivos de intervenção e de tratamento. Antes, porém, de trazer estas práticas 
como questão de análise e discussão, passamos a apresentar em linhas gerais, o que é o Manicômio 
Judiciário e a quem ele se destina. 
 
Manicômio Judiciário: uma instituição híbrida 
“[...] Eu não sei se isso aqui é um hospital implantado numa cadeia, ou se é uma cadeia 
implantada num hospital”.1 
O MJ, pomposamente chamado de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor 
Carrilho, é um hospital-penal pertencente ao Departamento Penitenciário, subordinado ao 
Ministério da Justiça, parte integrante do antigo Complexo Penitenciário Frei Caneca, localizado no 
bairro do Estácio, Centro do Rio. Ele abriga indivíduos portadores de um duplo estigma, ou seja, o 
crime e a loucura. Estamos nos referindo ao chamado ‘louco-criminoso’, também denominado de 
‘paciente inimputável’, aquele que cometeu uma infração penal, porém, no momento do delito, era 
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de se autodeterminar de acordo com esse 
entendimento. O paciente inimputável, uma vez incurso no Art. 26 do Código Penal Brasileiro (CP), 
é absolvido de seu delito, mas pesará sobre ele uma nova modalidade de apenação denominada 
‘medida de segurança’. Trata-se de uma modalidade que se apresenta sob o disfarce de uma sanção 
terapêutica, brilhantemente comentada por Ronya Brito e Souto (2007): 
Mister reconhecer às medidas de segurança o status de condenação penal, que só 
se diferencia da pena por aspectos negativos: a ausência de limite máximo e 
brutal desproporcionalidade entre a sanção e a lesão jurídica causada – 
desvelando a idéia falaciosa de sanção benévola sob o cunho de tratamento. [...] 
nada justifica, racionalmente, a diferenciação nominativa entre penas e Medidas 
de Segurança: essas nada mais são do que penas de efeitos dolorosos, 
 
1
 Relato de Anderson, nome fictício de paciente masculino internado no Manicômio Judiciário. 
4 
 
deteriorantes e estigmatizantes, e assim devem ser chamadas (Brito e Souto, 
2007, p. 583). 
 
Talvez possamos pensar que a estrutura ambígua que sustenta o MJ reflete a própria 
ambigüidade do conceito de ‘medida de segurança’: ela se encontra, equivocadamente, ligada ao 
conceito jurídico de periculosidade2, ao invés de estar associada ao conceito psíquico de transtorno 
mental. Segundo advoga Eugênio Raúl Zaffaroni, a ‘medida de segurança’ é uma verdadeira pena 
corporal, privativa de liberdade, ainda que a Constituição proíba taxativamente a prisão perpétua. 
De acordo com esta interpretação, o que se pode concluir é que ela, nada mais é, senão uma medida 
punitiva, restritiva de direitos, tal qual a condenação penal. Contudo, muito pior, pois disfarçada de 
uma aura humanística de tratamento. 
Conforme pensamos, a noção de medida de segurança perde a sua especificidadecomo 
medida de tratamento e ganha contornos puramente jurídicos. Nota-se, neste caso, que a psiquiatria 
- e por que não dizer também a psicologia -, funciona como uma prática essencialmente disciplinar, 
coercitiva e produtora de subjetividade: em seu nome, o sujeito inimputável não só é produzido 
como também é condenado. E, como já dissemos, é o manicômio o lugar que lhe é reservado. 
Voltemos, pois, a ele. 
 Trata-se de um hospital psiquiátrico-penal, que custodia em sistema de reclusão, sob regime 
fechado, indivíduos portadores de sofrimento mental que cometeram crime. Sua população é 
composta por cerca de 200 pacientes, sendo a grande maioria masculina. O Setor de Internação 
Feminina (SIF) é constituído por cerca de 30 pacientes que têm uma rotina diária distinta dos 
demais. A elas não é permitido sair das dependências do SIF, a não ser uma vez por semana, 
quando se encontram com os pacientes masculinos em um pátio vigiado por agentes de segurança. 
 
2
 O conceito de periculosidade surge juridicamente com fins de atribuir-se a apenas alguns indivíduos, a ‘presunção de 
periculosidade’, a saber, o paciente inimputável, ou seja, quando se configura a não responsabilidade do autor do delito. 
 
5 
 
O MJ abriga uma série distinta de pacientes portadores de transtorno mental, que se 
distribuem em uma escala que varia, tanto de acordo com o tipo de delito cometido, quanto com o 
nível de seu comprometimento psíquico. Assim, poderíamos perceber, por um lado, desde as 
expressões mais brandas de esquizofrenia, até as mais sérias e agudas formas de psicose, como 
também uma variação entre alguns tipos de delito considerados leves até aqueles considerados mais 
graves. A forma de intervenção terapêutica oferecida a esses pacientes é, basicamente, o tratamento 
medicamentoso e, em alguns casos, a eletroconvulsoterapia3. As sugestões de utilização de novas 
práticas dirigidas ao tratamento do paciente inimputável nem sempre são bem vistas... 
Quanto à rotina do MJ, a instituição obedece a um regime prisional com horários pré-
estabelecidos para as refeições, a exigência do uso de uniforme, a proibição do uso de espelhos, os 
‘banhos de sol’ diferenciados entre homens e mulheres4, e pelo ‘confere’, ocasião em que os 
agentes de segurança verificam e confirmam o número total de pacientes internados corroborando, 
assim, com os aspectos de monitoramento e de inspeção, características presentes nas instituições 
totais. 
 Acentuam-se o controle e a vigilância em relação à vida do paciente, impondo-lhe padrões e 
normas morais, tentando, assim, adaptá-lo ao modelo determinado pelo paradigma institucional. 
Isto nos faz lembrar o Panóptico de Bentham, que Foucault conceitua como sendo 
uma figura arquitetural cujo princípio é conhecido: na periferia uma construção 
em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a 
face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma 
atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o 
interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite 
que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta não colocar um vigia na torre 
central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário 
ou um escolar. [...] Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está 
 
3
 Trata-se de método utilizado pela psiquiatria, popularmente conhecido pelo termo ‘eletrochoque’. 
 
4
 Entende-se por ‘banho de sol’, o tempo em que o paciente permanece em espaço aberto, no convívio com os demais 
internados. 
6 
 
sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo 
panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer 
imediatamente. (Foucault, 1975, p.177) 
 
 Estes espaços panópticos permitem que o indivíduo seja visto em qualquer canto da cela, do 
mesmo modo como as pacientes femininas podem ser observadas no interior de suas celas ou 
‘cubículos’, termo usualmente denominado por elas próprias. Ora, esta prática de inspeção e de 
policiamento pretende não apenas manter a ordem e a disciplina, mas, principalmente, produzir uma 
“indiferenciação e homogeneização, [...] que tende a evitar as tensões ou pelo menos mantê-las no 
nível mais baixo possível” (Enriquez, 1991). É preciso controlar a loucura e, para isso faz-se mister 
isolá-la, tal como se isolou a peste em fins do século XVII. 
Quanto às atividades terapêuticas disponibilizadas pela instituição, muito pouco é oferecido. 
Novamente as sugestões, via de regra, são interpretadas como inadequadas ou absurdas. Assim, a 
grande maioria dos pacientes passa a maior parte do tempo de forma ociosa, deitados pelo chão ou 
perambulando pelos pátios. 
 
O paciente inimputável: da nau dos loucos ao hospício. 
 Quem é, portanto, este sujeito encarcerado para além dos portões de ferro do MJ? É aquele 
que comete crime por incapacidade de entendimento? Por impossibilidade de se autodeterminar? 
Por demência? Por motivo aparentemente incompreensível ao entendimento da população de modo 
geral? Fato é que esses pacientes cometeram crime como efeito de seu transtorno mental, ainda que 
esses crimes possam parecer hediondos ou inexplicáveis: sem dúvida, neste caso, o ato criminoso é 
resultado do sofrimento mental. 
 Contudo, a opinião pública considera estas pessoas como ‘inerentemente perigosas’, assim 
como o sistema penal, que sempre partiu da ‘presunção de periculosidade’ desses pacientes, 
7 
 
entendendo-os também como indivíduos perigosos e, por este motivo, deveriam ser alijados do 
processo social. O dispositivo do internamento aparece, então, como a única saída possível. Mas 
antes da utilização desta prática existiram outras tantas formas de exclusão do louco, ainda que não 
fossem formas de encarceramento propriamente dito. 
Sabe-se que no início do século XV o louco - então denominado lunático, pecador - usufruía 
de relativa liberdade e era apoiado pela caridade alheia. Em algumas localidades da Europa era 
comum deixar-se que o louco vagasse pelos campos, enquanto que em outras sociedades europeias 
ele convivia livremente junto aos mendigos, mágicos, libertinos, enfim, àqueles considerados como 
diferentes dos demais. Na verdade a loucura, com suas características muitas vezes extravagantes, 
era considerada expressão da vontade divina. Via-se o louco como detentor de uma sabedoria, 
aquele que em seu delírio proferia a verdade, aquele glorificado tanto por seu saber hermético 
quanto por sua ingênua franqueza. Deve-se ressaltar, contudo, que essa prática em lidar com a 
loucura variava de local para local, podendo encontrar-se cidades que recolhiam seus loucos em 
dormitórios ou ainda outras que os escorraçavam a pedradas. De qualquer modo, como leciona 
Michel Foucault (2009), cada sociedade produzia a sua forma mesma de organização para lidar com 
a loucura. Algumas entendiam que - como se tratava de população que não trabalhava -, esses 
indivíduos eram considerados marginais e improdutivos e, assim, não lhes deveria ser permitido 
compartilhar o espaço social. As cidades começam, então, a expulsá-los. 
Nesta lógica da exclusão Foucault traz a imagem ficcional da Nau dos loucos que, no entanto, 
teve uma existência concreta nas sociedades europeias entre o século XIV e XVI. Na embarcação, o 
louco fica a mercê da sua própria errância; melhor dizendo, preso em sua própria liberdade. Louco e 
desterritorializado ele vagueia pelos mares até ser definitivamente excluído de todo e qualquer 
contato com o mundo. 
 Ironicamente - apesarda voz do louco anunciar a morte e o caos e, com isso ser afastado do 
convívio dos demais cidadãos -, a loucura não era algo que se prendesse, e sim algo que circulava. 
8 
 
Ao expulsá-lo para longe de seus domínios, impediam-no de circular pelas ruas, tornando-se, deste 
modo, um estorvo para a população. Embarcado, navegante de grandes mares e rios, era-lhe 
impossível escapar, pois “prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas: 
solidamente acorrentado à infinita encruzilhada” (Foucault, 2009, p. 12). O louco não se encontra, 
ainda, enclausurado: ele é aquele sujeito que fala sobre algo que o não-louco se surpreende, se 
inquieta, não entende, mas, ao mesmo tempo, fascinado, quer se aproximar e ouvir: trata-se da 
concepção trágica da loucura, quando esta ainda é tolerada por não apresentar nenhuma ameaça 
aparente. 
 As viagens a céu aberto nas estranhas e loucas barcaças vão dando lugar, pouco mais de um 
século depois, a sólidos locais fincados em terra firme: já não existe mais a nau; em seu lugar, 
aporta o hospital. Cria-se, então, uma nova forma de assistência no que diz respeito à questão da 
loucura: o encarceramento dos insanos. O século XVII faz acontecer o ‘grande confinamento’. Aí já 
não mais se ouve a voz do louco, mas tão somente o seu silêncio. 
Assim sendo, foi proposta uma assistência intramuros, assegurando-se, deste modo, a 
quietude daqueles que habitavam o espaço extramuros. O internamento passa a ganhar novos 
contornos: determina-se aos insanos a exclusão com cuidados médicos, o que significava que, 
apesar de encarcerados, ser-lhes-ia dado o benefício de tratamento. Destarte, inventa-se o asilo e 
nasce um corpo de conhecimento e de especialidade. Assim, nasce a psiquiatria, saudada como a 
ciência que desvenda a verdade da loucura, ou seja, a loucura como doença mental. O louco, agora 
transformado em doente mental, torna-se o seu objeto, e o asilo o espaço institucional de sua 
intervenção. 
 Esta visão asilar da loucura, ironicamente chamada de libertação dos alienados, deu-se a 
partir da lendária atitude de Pinel ao desacorrentar os loucos. Contudo, ela não permitiu conceder 
aos alienados uma atenção médica nem sequer filantrópica; muito pelo contrário, jamais se uniu, de 
forma tão rija e solidamente a loucura ao internamento. Em sua História da Loucura, Foucault 
9 
 
desmistifica o humanismo terapêutico e libertador de Pinel, desmascarando a psiquiatria como 
sendo a responsável pelo tratamento da loucura. 
 Deste modo, segundo Michel Foucault, perde-se, definitivamente, a relação com a loucura e 
mantém-se uma ligação lastimável com a doença mental, lá, onde se imagina o perigo, a revelação, 
a verdade; lá, onde surge “o temor, incessantemente repetido durante séculos, de ver a estiagem da 
loucura elevar-se e submergir o mundo” (Foucault, 1964, p. 213). De acordo com o autor, o sujeito-
louco só pôde ser novamente ouvido, de fato, a partir da contribuição da obra de Sigmund Freud, 
quando, então, dá-se a palavra ao louco e ouve-se seu delírio, aparentemente sem sentido. 
Como nos mostra Foucault, a psiquiatria sempre funcionou, a partir do século XIX, como 
mecanismo e instância de defesa social. O questionamento do poder judiciário dirigido à psiquiatria, 
era no sentido de saber se tais indivíduos eram perigosos e se seriam curáveis. Questionamentos, 
segundo Foucault, isentos de significação, mas 
 
que têm um sentido muito preciso a partir do momento em que são feitos a uma 
psiquiatria que funciona essencialmente como defesa social ou, para tomar os 
termos do século XIX, que funciona como ‘caça aos degenerados’. E o degenerado 
é aquele que é portador de perigo. (Foucault, 2001, p. 404). 
 
 Isto demonstra como a psiquiatria, que deveria se ater à doença, passa a funcionar como um 
dispositivo de ‘caça ao perigoso’, como um ramo especializado da ‘higiene pública’, se 
institucionalizando como domínio particular da proteção social (Foucault, 2001, p. 148). Por outro 
lado, Fernanda Otoni (2010) enfatiza que, antes do ato criminoso, existe uma longa trajetória de 
sofrimento mental que, muitas vezes, resulta no crime como conseqüência dessa história. 
 No entanto, não se pode negar que algumas pessoas, vinculadas ou não ao mundo ‘psi’, 
sentem-se bastante desconfortáveis em tentar ultrapassar os portões de ferro do MJ. Isto talvez 
aconteça, principalmente, pelo fato de desconhecerem o que lhes reserva o para além daquela 
fronteira, só lhes restando o preconceito, a crença na equação determinista de ‘crime = loucura’ e, 
10 
 
por fim, o medo do estranho, daquilo que se supõe não conhecer e, consequentemente, de não poder 
controlar. 
 
Afinal, quem são essas pessoas? 
Para melhor conhecermos quem são esses sujeitos encarcerados no MJ, pensamos em contar 
uma de suas histórias. 
 Toledo5 tem 37 anos, é solteiro e mora com a mãe. Sobre o seu delito, ele relata, sem 
demonstrar nenhuma emoção: 
 “Um dia, passeava eu no carro de um amigo quando minha atenção foi despertada para 
uma moça simpática que me concedeu o regozijo de aliciar-me namorado dela, só por aquele dia... 
Saímos juntos pra curtir e ficamos muito embriagados. Subimos para o alto da Av. Niemeyer e 
namorávamos na pedra quando ela se desvencilhou de mim e caiu no precipício. Ela caiu, e eu fui 
embora. Não podia prestar socorro porque era um abismo”. 
 Diagnosticado como esquizofrênico paranoide, ele foi encaminhado ao MJ para cumprir 
medida de segurança, há cerca de 14 anos atrás. Toledo mostra-se não responsabilizado pelo ato 
cometido, como se dele não participasse, colocando-se de fora da situação ocorrida. 
 O paciente passa o seu tempo lendo jornais antigos e a lista telefônica. Mas a sua principal 
atividade e preocupação, àquela época, era a de se comunicar com a ex- primeira ministra da 
Inglaterra, para onde ele pretendia se mudar: 
 “Ela é uma pessoa encantadora! Já lhe escrevi várias cartas, mas não fui correspondido 
nas tais epístolas e bulas. Mas se me for cabível, gostaria que ela me concedesse a honra de ser 
general de seu exército. Se for atendido nesse júbilo, chegarei então a imperador! Mas se ela me 
intitular como condesso, já é um bom início... Mas falando veridicamente, minha objetivação é ser 
 
5
 Nome fictício. 
11 
 
general de seu exército. Só estou aguardando ela vir me buscar. Adentrarei o país dela como 
arqueólogo... Estou terminando de escrever uma carta pra ela, perguntando se ela aceita ser minha 
fiduciária. A senhora quer ouvir?” 
 Por outro lado, Toledo também demonstra um aguçado juízo crítico ao tecer o seguinte 
comentário sobre o seu trabalho como nosso ‘secretário’: 
 “Sabe de uma coisa?... A senhora me estressa porque faz tempestade em copo d’água, 
assim, à toa... Eu acabei embaralhando os nomes dos pacientes todos... não sei nem mais quem eu 
tenho que chamar na galeria! A senhora apronta esse sanhaço todo e eu é que me enrolo! Afinal, 
quem é maluco aqui, eu ou a senhora?... Ao invés da senhora me preparar, a senhora tá me 
despreparando psicologicamente! A senhora me estressa! A senhora é uma anti-manicomial!” 
Mais uma vez notamos que Toledo, assim como qualquer outro paciente internado no MJ, 
não atua e nem se comporta sob a aura da loucura durante as vinte e quatro horas do dia... A partir 
da convivência com nossos pacientes ao longo de todos esses anos, podemos afirmar que, assim 
como eles apresentam - aqui e ali -pensamentos e atitudes delirantes, do mesmo modo eles se 
mostram pessoas lúcidas, de afiado espírito crítico e de muita perspicácia. 
 
Dispositivos de intervenção? Depende do dispositivo... 
São essas as pessoasencaminhadas ao MJ: aqueles que as sociedades vêm, ao longo dos 
séculos, denominando-os de ‘os monstros perigosos’; aqueles a quem devemos nos manter 
afastados; aqueles que, repentinamente e sem explicação, podem nos atacar! 
E para controlar esses ‘monstros’, é preciso, antes de tudo, classificá-los para depois isolá-
los, protegendo assim a sociedade. Para tanto, a psiquiatria – com o aval e a contribuição da 
psicologia e do direito – tratou de criar não só o uso de práticas punitivas e de isolamento rigorosos, 
12 
 
como também inventou dispositivos de aferição do que é normal e do que é patológico, além de 
dispositivos de intervenção e de tratamento direcionados a esse ‘monstro perigoso’. 
[...] a doença mental é um conceito relativamente recente; seu aparecimento 
decorre de uma complexa determinação histórica e é fruto de uma mudança da 
sensibilidade de toda uma época. Mais ainda, a interpretação da loucura como 
doença tem como correlato a inauguração de um aparato institucional para 
tratamento dessa novidade nosológica [...] (Gabbay e Vilhena, 2010, p. 42). 
 
É preciso, como enfatizam as autoras, inaugurar-se dispositivos que deem conta de entender 
e de controlar a loucura. Falaremos deles mais adiante. 
Trazendo como referência os laudos psiquiátricos e os exames psicológicos fartamente 
utilizados nas instituições psiquiátrico-penais de um modo geral, não é difícil perceber como a 
preocupação com a busca da verdade norteia esses diversos procedimentos judiciais. Neles, tenta-se 
reconstruir a história do sujeito, tão somente com uma única preocupação: a busca da verdade 
absoluta. Não raro encontram-se laudos e exames onde é enfatizada a história pregressa do apenado 
ou do paciente, tentando buscar no passado, verdades que confirmem o presente. Desta forma, “a 
elaboração dos exames obedecem a um determinismo causal, onde o ‘nosólogo’ não só descreve a 
doença/delito do paciente/preso, mas também prescreve a sua conduta futura” (Ibrahim, 1999, p. 
52). 
À guisa de exemplo com relação a esse tipo de exame, o chamado ‘laudo de sanidade 
mental’ aplicável ao paciente supostamente considerado inimputável, é realizado por perito forense 
e solicitado pelas instâncias judiciárias6 a fim de assessorá-las tecnicamente no que diz respeito à 
aferição do grau de sanidade mental do indivíduo que está sendo julgado. Neste caso, o perito 
forense elabora o laudo com o intuito de avaliar se o réu é ou não considerado inimputável. Deste 
modo, orientado pela psiquiatria, o direito penal confirma que - aferido o estado de 
 
6
 Estamos nos referindo à Defensoria Pública, ao Ministério Público e à Vara de Execuções Penais. 
 
13 
 
inimputabilidade -, o doente mental não pode ser punido por culpabilidade. Conclui Brito e Souto 
(2007) que, enquanto no imputável a culpa produz censura, no caso do inimputável a reprovação 
penal passa a ser justificada pelo perigo que tal indivíduo representa para a sociedade. 
Com efeito, ao tratar o conteúdo da periculosidade como diagnóstico, assume-se a conotação 
normativa e estigmatizante do discurso da criminologia positivista. Para Salo de Carvalho, a ideia 
de periculosidade representa “um juízo futuro e incerto sobre condutas de impossível determinação 
probalística, aplicada à pessoa rotulada como perigosa, com base em uma questionável avaliação 
sobre suas condições morais e sua vida pregressa” (Carvalho, 2008, p. 137), fazendo com que o 
inimputável seja visto como uma ameaça à sociedade, dada a probabilidade de cometimento de 
novos delitos. Por esse motivo, deverá ser mantido sob a tutela do Estado, por tempo 
indeterminado. 
Contudo, não pretendemos apresentar esses dispositivos de intervenção, a não ser para 
problematizá-los. E não só problematizá-los como uma prática controladora de cunho positivista 
criada com o surgimento da criminologia - que produziu as noções de periculosidade, medida de 
segurança, e tantas outras -, mas também de levantar questões quanto àqueles que os utilizam. 
O nosso objetivo é apontar para o fato de como esses dispositivos costumam ser aceitos de 
forma tão natural e evidente por nós, operadores da saúde. Nossa análise tem como alvo não 
somente discorrer e construir um olhar crítico sobre esses dispositivos propriamente ditos, mas 
também de investigar e pesquisar quem são aqueles que os produzem. Nossa intenção é questionar a 
possibilidade do surgimento de focos de resistência deflagrados a partir justamente de nós mesmos: 
de que maneira poderíamos exercer o nosso poder para modificar o naturalizado, para resistir ao que 
nos é estabelecido e determinado? 
Michel Foucault (2005) nos faz refletir sobre os descaminhos das práticas ‘psi’, acreditando 
ser necessário desconstruir o que há tanto se encontra instaurado e definido como verdadeiro. 
14 
 
Sabemos que, muitas vezes, tanto na instituição prisional quanto na instituição psiquiátrica, 
torna-se clara a observação do que Foucault denominou de jogos de verdade correlativos a jogos de 
poder, que determinam algumas premissas como verdadeiras, e outras, como falsas. Os jogos de 
poder produzem jogos de verdade que, por sua vez, transitam como postulados instituídos, 
imutáveis e principalmente, inquestionáveis no interior das instituições. Eles são um conjunto de 
regras de produção de verdade. 
Como exemplo podemos citar o ‘Exame Criminológico’, um dos dispositivos de controle, 
utilizado no sistema prisional brasileiro, aplicado àqueles que estão em vias de obter o livramento 
condicional. Este tipo de exame deve ser apreciado pelo Conselho Penitenciário e pela Vara de 
Execuções Penais (VEP) que esperam, seja ele, esclarecedor da “previsibilidade de comportamento 
futuro” do condenado. O que significa isso? Que a partir de um único encontro entre o condenado e 
o ‘especialista’, é necessário que fique esclarecido às instâncias jurídicas, o grau de previsibilidade 
de seu comportamento. A aferição do citado grau de periculosidade é delegada a um agente de 
saber, a um especialista. O preso, geralmente angustiado com a situação de exame, vê-se diante de 
um agente psi, que lhe é totalmente desconhecido, estabelecendo-se, de imediato, uma relação de 
saber/poder. De um lado, aquele que detém o saber a respeito do ‘tipo de personalidade’ do 
apenado e de como ela se expressa e que, a partir de determinadas premissas instituídas 
cientificamente como verdadeiras, exerce o poder de decidir sobre a sua vida futura. Do outro lado 
está o condenado desprovido, naquele momento, de qualquer saber/poder, e de quem se espera uma 
atitude passiva e subserviente, só lhe restando aguardar pela sua ‘sentença’. 
Tais procedimentos jurídicos buscam na fala do acusado, a verdade absoluta, o relato 
coerente, o nexo causal, a objetividade do fato. Neste tipo de abordagem historicista, considera-se o 
passado como aquilo que marca o presente, cristalizando-o. Assim, não restaria mais nada ao sujeito 
a não ser cumprir com o seu destino: uma vez louco/criminoso, para sempre, louco/criminoso. 
15 
 
Parece, portanto, tratar-se de uma perspectiva que se utiliza do passado para justificar o presente, e 
mais - como em uma cadeia associativa -, determinar o futuro. 
Da mesma maneira utilizam-se, como vimos anteriormente, os laudos de sanidade mental e 
de cessação de periculosidade, aplicáveis ao paciente inimputável. A partir de um exame que 
comprova a sua condição de inimputabilidade, o paciente é encarcerado sem data prevista para a sua 
desinternação. A cada período de anos que, a rigor, deveria ser uma vez ao ano, o sujeito é 
submetido a novos exames que pretendem aferir a sua ‘capacidade para voltar ao convívio social’.Dentro deste contexto, é comum observar-se a prorrogação do período de internação por tempo 
demasiadamente longo, período este, determinado e fixado pelo próprio poder médico, delegado ao 
psiquiatra, justificando-se, assim, as decisões tomadas por ele. 
Observa-se, assim, que o ‘exame de verificação de cessação de periculosidade’ mostra-se 
como um dos dispositivos mais cruéis e perversos da seara criminológica, oportunizando e 
facilitando a criminalização da doença. Não estamos absolutamente negando a importância do 
trabalho dos profissionais no tratamento aos portadores de distúrbios mentais. Contudo, 
discordamos quanto às práticas discursivas – tanto médicas quanto jurídicas -, que tentam justificar 
a segregação com base na periculosidade do sujeito. 
Sabe-se que, de acordo com a Lei de Execução Penal de 1984, no que diz respeito à 
execução das Medidas de Segurança, encontra-se um artigo (Art. 176) onde é concedido por lei, ao 
próprio paciente o direito de reivindicar por sua desinternação - observando-se todos os requisitos 
exigidos -, ainda que antes do fim do prazo mínimo de duração da medida. Isto significa dizer que o 
sujeito é legalmente reconhecido e autorizado a externar o saber sobre si mesmo: é ele, e não apenas 
o saber médico, quem solicita a revogação da sua medida de segurança. 
Assim sendo, indagamos se não caberia ao profissional ‘psi’ exercer sua análise crítica e sua 
resistência em relação ao saber ‘vindo de cima’, aquele que supõe saber mais do que o próprio 
sujeito sabe de si. No caso da solicitação do exame de cessação de periculosidade partindo do 
16 
 
próprio paciente, não deveria o profissional, não somente incentivar o paciente a fazê-lo, como 
também agilizar - ele próprio - os meios para que o referido exame fosse, de fato, realizado? 
 
Conclusão 
Qual, portanto, deveria ser a implicação do profissional ‘psi’ nessa trama? A partir de que 
princípios e tecnologias ele se adapta às formas de exclusão desses dispositivos que marginalizam e 
controlam o condenado? 
Pensamos que os dispositivos de intervenção e tratamento em saúde mental devam estar a 
serviço do bem-estar do paciente, e que sua prática esteja atrelada não às expectativas que o direito 
e a psicologia nos determinam, mas que sirvam, de fato, para diminuir o sofrimento psíquico 
daqueles que são compulsivamente excluídos da sociedade. 
Acreditamos que o papel dos operadores do direito e da saúde consiste em se implicar no 
campo de trabalho - não só tornando visível e denunciando os mecanismos repressivos exercidos de 
maneira dissimulada e encoberta no interior das instituições -, mas, principalmente se colocando 
como sujeitos da ação. 
Sabe-se, historicamente, que o paciente encarcerado em manicômio teve a sua fala negada 
ou metamorfoseada ao longo dos tempos. E esse tempo parece estar longe de se findar: a lógica da 
produção do silêncio impera até os dias de hoje nos espaços da exclusão, seja ele o manicômio ou a 
penitenciária. Entretanto, as brechas existem! Assim, acreditamos que saídas poderão sempre 
ocorrer, tanto através da invenção de táticas e estratégias, ‘bricolagens’, golpes e astúcias – como 
nos ensina Michel de Certeau (2005) - quanto por intermédio da criação de linhas de fuga que 
fomentem a produção de um pensamento crítico, de uma visão reflexiva e de um livre 
questionamento a respeito das engrenagens produzidas no campo do instituído. 
17 
 
 Faz-se imperioso abandonar as antigas e cronificadas soluções até então utilizadas e, em seu 
lugar, buscar novas práticas, novas maneiras de ser e de fazer, novas ações para se lidar com o 
cotidiano institucional, visando uma análise micropolítica que incite vigor e potência na lógica 
instituída, podendo-se, assim, produzir outros modos de subjetivação. Enfim, como afirmou 
Foucault em um de seus cursos, é preciso encontrar os pontos de resistência, através do quais as 
passagens se façam possíveis. Para isso, é preciso ousar! 
 O que não podemos mais suportar é continuar repetindo as antigas práticas jurídico-
institucionais, nem tampouco permanecer atrelados a uma visão arcaica e obsoleta com relação à 
loucura. Acreditamos que exista um sujeito por trás da máscara nosológica conferida ao paciente 
inimputável e é preciso olhá-lo, considerando-o como alguém singular, como um sujeito de direito, 
capaz de respostas e atitudes que não aquelas preconizadas pela fatídica presunção de 
periculosidade. 
Desta feita, somos de opinião de que a singularidade presente em cada sujeito não pode ser 
reduzida ao simples vocábulo de ‘louco-criminoso’, carregado de preconceito e historicamente 
construído ao longo dos séculos. Tampouco concordamos que nós, profissionais da área de saúde, 
possamos aceitar - sem ao menos resistir ou nos surpreender – com as práticas que nos são 
sugeridas ou impostas com relação ao tratamento do portador de sofrimento psíquico. 
Acreditamos, enfim, ser de suma importância promover-se a produção de um diálogo efetivo 
entre a teoria e a prática no campo da saúde mental. Para tal, consideramos imprescindível a atuação 
dos profissionais “psi” no que diz respeito às suas ações de resistência àquilo que se encontra 
naturalizado e instituído como verdadeiro. Precisamos manter uma coerência entre nosso discurso 
aparentemente contestador e a nossa prática, muitas vezes, tão pouco ousada. 
 
 
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