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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ PÓS GRADUAÇÃO LATU SENSU CIÊNCIAS CRIMINAIS NATÁLIA BARBOSA NOVAES O CARÁTER PERPÉTUO DA MEDIDA DE SEGURANÇA APLICADA A PSICOPATAS SEM PREVISÃO DE CURA Recife 2019 NATÁLIA BARBOSA NOVAES O CARÁTER PERPÉTUO DA MEDIDA DE SEGURANÇA APLICADA A PSICOPATAS SEM PREVISÃO DE CURA Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista em Ciências Criminais. Recife 2019 TERMO DE APROVAÇÃO NATÁLIA BARBOSA NOVAES O CARÁTER PERPÉTUO DA MEDIDA DE SEGURANÇA APLICADA A PSICOPATAS SEM PREVISÃO DE CURA Monografia aprovada como requisito para obtenção do certificado de Especialista em Ciências Criminais, pela seguinte banca examinadora: BANCA EXAMINADORA Nome:______________________________________________________________ Titulação e instituição: _________________________________________________ Nome:______________________________________________________________ Titulação e instituição: _________________________________________________ Nome:______________________________________________________________ Titulação e instituição: _________________________________________________ Recife, ___/____/_______ AGRADECIMENTOS De certo, serei injusta se dedilhar por nomes aqueles a quem devo o meu muito obrigada. Para não incorrer neste erro, reservo-me nesse momento apenas a dizer que cada um que foi e é importante pra mim durante essa jornada acadêmica - que começou há algum tempo e está longe de findar - tem ciência de sua contribuição. Não porque lhes disse sobre isso, mas porque sempre demostrei por gestos a minha gratidão. Registro o meu agradecimento a Deus, que sempre foi o guia da minha vida, me colocando sempre onde ele entende ser melhor pra mim. No plano terreno, os meus pais Maria de Fátima e Tiburtino, que são os meus mestres desde sempre, que junto do meu irmão Túlio nunca me permitiram desistir. Aos amigos que sempre compreenderam as abdicações e se fizeram apoio, a psicóloga Bruna que me forneceu toda a sua bibliografia e apoio, e por fim e não menos importante: aos docentes que se propuseram a contribuir com este trabalho. “A psicologia nunca poderá dizer a verdade sobre a loucura, pois é a loucura que detém a verdade da psicologia.” (Michel Foucaut) RESUMO Para que uma ordem jurídica não veja perecer o seu equilíbrio, é preciso que os ramos do direito estejam em perfeita consonância, caso contrário uma norma pode vir a contradizer outra, gerando um estado de insegurança jurídica. O direito por muitas vezes precisa se socorrer de outras ciências para compreender o mundo fático e positivar os regramentos pertinentes. As citadas ciências nem sempre estão dentro das ciências jurídicas, sendo muitas vezes as da saúde. Uma das mais importantes para o direito penal é a medicina, e mais precisamente os estudos de psiquiatria e psicologia, pois estes norteiam as análises criminológicas de determinadas pessoas e crimes. Apesar de todos os cuidados tomados com os trâmites legais para a aprovação das novas legislações, algumas delas acabam não encontrando a perfeita sintonia, no que diz respeito ao mundo fático, à realidade das pessoas, bem como com as demais leis, e se forem aplicadas, podem se tornar inconstitucionais. Nesse sentido, o presente trabalho visa demostrar que a aplicação da medida de segurança, prevista no Código Penal, quando aplicada a portadores de transtornos mentais graves, que não possuem prognóstico de cura, acabam por contrariar o diploma máximo, a Constituição Federal, que proíbe veementemente penas de caráter perpetuo. Nesse sentido, se a medicina nos dias de hoje é firme em apontar que não existem casos de comprovada cura, o indivíduo acometido por transtornos, como o transtorno da personalidade antissocial, em nenhum momento de sua vida terá discernimento necessário para retornar ao convívio em sociedade, e nunca poderá preencher os requisitos para ter novamente sua liberdade, restaria caracterizada uma pena de caráter perpétuo, demonstrando a necessidade de um ajuste nas normas atuais a fim de elidir tal incongruência. Palavras-chave: Inconstitucionalidade – psicopatologias – medida de segurança – psicologia criminal – prisão perpétua. ABSTRACT In order for one legal order not to see its equilibrium perished, the branches of law must be in perfect consonance, otherwise one norm may contradict another, creating a state of legal uncertainty. Law often needs to draw on other sciences to understand the phatic world and to make the relevant rules positive. The aforementioned sciences are not always within the legal sciences, often being health sciences. One of the most important for criminal law is medicine, and more precisely the studies of psychiatry and psychology, as these guide the criminological analyzes of certain people and crimes. Despite all the care taken with the legal procedures for the approval of the new laws, some of them end up not finding the perfect harmony, regarding the factual world, the reality of the people, as well as with the other laws, and if they are applied. , can become unconstitutional. In this sense, the present work aims to demonstrate that the application of the security measure provided for in the Penal Code, when applied to people with severe mental disorders, who have no prognosis of cure, end up contradicting the maximum diploma, the Federal Constitution, which prohibits vehemently feathers of perpetual character. In this sense, if medicine today is firm in pointing out that there are no cases of proven cure, the individual affected by disorders such as antisocial personality disorder, at no time in his life will have the discernment necessary to return to living in society, and will never be able to meet the requirements to have their freedom again, would be characterized by a perpetual penalty, demonstrating the need to adjust the current norms in order to eliminate such incongruity. Keywords: unconstitutionality - psychopathologies - security measure - criminal psychology - life imprisonment SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 8 1. OS PSICOPATAS ................................................................................................................... 11 1.1 DESMISTIFICANDO A TERMINOLOGIA ...................................................................... 11 1.2 IDENTIFICANDO O PSICOPATA ................................................................................... 14 1.3 APLICAÇÃO DA NEUROCIÊNCIA E DIAGNÓSTICOS .............................................. 22 1.4 DA POSSIBILIDADE E PREVISIBILIDADE DE CURA ................................................ 28 2. DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA ....................................................................................... 29 2.1 DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES .............................................................................. 32 2.2 DAS FUNÇÕES DA PENA ............................................................................................... 34 2.2.1 Funções da pena aplicadas à medida de segurança .............................................. 38 2.3 APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA AOS PSICOPATAS GRAVES .......... 40 2.4 DA POSSIBILIDADE DE LIBERTAÇÃO ........................................................................ 44 2.5 DA VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL ................................................................................46 3. CASOS CONCRETOS E POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÕES LESGISLATIVAS .... 47 3.1 MARCELO COSTA DE ANDRADE “O VAMPIRO DE NITERÓI” ............................... 47 3.2 FRANCISCO COSTA ROCHA – “CHICO PICADINHO” .............................................. 50 3.3 ROBERTO APARECIDO ALVES CARDOSO – “CHAMPINHA”................................. 57 3.4 POSSIBILIDADES DE ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS: ............................................. 62 CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 66 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 69 8 INTRODUÇÃO Analisando o conjunto de legislações vigentes no país, em especial as aplicáveis aos psicopatas que cometem crimes graves, observa-se a princípio que são utilizados diversos ramos do Direito. Inicialmente o Código Penal, que vem para tipificar a conduta a ser considerada criminosa, bem como classificar a imputabilidade ou inimputabilidade, bem como procedimentos a serem adotados diante da especialidade do indivíduo acometido por transtornos mentais. O referido Código instituiu em 1940 a medida de segurança como a penalidade a ser imposta a doentes mentais. Na época, o sistema adotado chamava-se duplo binário, em que a pena era somada a medida de segurança. Somente em 1969 esse sistema foi alterado para o Sistema Vicariante, que respeitou a aplicação de medida de segurança, preservando a aplicação apenas desta para os casos de condenados inimputáveis. No Código de Processo Penal também encontramos os ritos a serem exercidos nos processos em que o apenado é considerado inimputável em razão de transtorno de ordem mental, que o incapacita para entender a realidade e a gravidade de suas condutas que ferem a moral, os bons costumes e as leis, merecendo tratamento diferenciado dentro do instituto da execução penal. Existem, ainda, diversas legislações extravagantes que tratam da matéria e que serão abordadas no decorrer do presente trabalho, uma vez que nesse momento é importante apontar a importância da Carta Magna para todo e qualquer instituto que existe sob a ordem jurídica e constitucional que regram esse Estado de Direito. Nesse sentido, é importante trazer que a Constituição Federal da República Federativa do Brasil instituiu em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea b, que não são permitidas penas de caráter perpétuo. É diante dessa vedação, que o artigo 75 do Código Penal afirma que ninguém poderá cumprir em cárcere mais de 30 (trinta) anos de reclusão. No entanto, neste ponto é preciso analisar certas controvérsias do mandamento constitucional. Em relação as penas impostas aos doentes mentais, é levado em consideração que essas pessoas não devem receber sentença para cumprir penas privativas de liberdade em penitenciárias comuns. 9 Durante toda a persecução penal, procura-se o reconhecimento da imputabilidade do agente, e assim é proferida uma sentença penal absolutória imprópria, nos termos do artigo 386, parágrafo único, inciso III do Código de Processo Penal, que impõe uma medida de segurança a ser cumprida com internação em hospital de custódia, nos casos de maior grau de periculosidade, ou tratamento ambulatorial em casos de transtornos mais simples. O prazo estabelecido por lei para a medida de segurança, é de no mínimo 1(um) a 3(três) anos, conforme determina o artigo 97, §1º do Código Penal. Porém, o mesmo artigo informa que não há prazo determinado para o fim da medida, dependendo o seu fim, da cessação da periculosidade do agente. E é este o ponto principal desse trabalho. Restou claro que existe uma contradição entre o que impõe a Constituição, e o que acontece na prática ao se respeitar a previsão imposta pela Lei penal. Essa contradição ocorre porque nos dias de hoje, em pleno século XXI, a medicina de todo o mundo se dedica a estudar a mente de determinados criminosos, acometidos por transtorno de personalidade antissocial, e o resultado é o mesmo em todos os casos: não existe cura para os portadores do referido transtorno, comumente chamados de psicopatas. Apesar de todos os esforços da psiquiatria clínica, psiquiatria forense, psicologia criminal e todas as demais áreas que envolvem o tratamento completo de um psicopata, é unânime que a cura nunca poderá ser alcançada por quem possui o transtorno. Assim, fica claro o impasse: se é sabido pela psiquiatria e psicologia que algumas patologias não possuem previsibilidade de cura, os indivíduos que cumprem medida se segurança nunca terão a sua periculosidade sanada. Sem a cura ou melhora esperada, não haverá cessação da medida de segurança, uma vez que a cessação da periculosidade é o requisito principal para que o apenado possa voltar a ter sua liberdade, e a longo prazo, trará inevitavelmente um caráter de perpetuidade para a penalidade imposta. A questão chegou aos Tribunais Superiores do país, e já foi reconhecida a gravidade do problema. Os entendimentos serão discutidos em momento oportuno, mas o propósito neste momento é demonstrar que o Poder Judiciário não pode fazer as vezes do legislador, que se encontra omisso. 10 É preciso que as casas legislativas se movam em direção a sanar a controvérsia que existe, e serão os representantes do povo e dos estados que irão decidir qual o posicionamento a ser seguido. Diante da gigante importância do tema, é que esse trabalho será desenvolvido, elegendo os pontos mais importantes para elidir o problema que se instalou com a incongruência que a legislação atual impôs ao operador do Direito e consequentemente aos administrados. 11 1. OS PSICOPATAS 1.1 DESMISTIFICANDO A TERMINOLOGIA Em rasa análise da forma com que os portadores de transtornos mentais são tratados perante a parte sã da sociedade, verifica-se que é muito usual o chamamento: psicopata, que vem do grego psyche que significa mente, e phatos que descreve doença. Foi em 1923 que o psiquiatra alemão Kurt Schneider definiu que psicopatas são aquelas personalidades anormais que sofrem por sua anormalidade ou causam sofrimento para a sociedade.1 De maneira geral, ele afirma que os portadores dos transtornos que se encaixam na psicopatia, vivem em desarmonia com a sociedade. No entanto, não se deve esquecer que o termo psicopata, bem como a ciência que estuda psicopatia, definida como psicopatologia, ainda gera densos e longos debates, uma vez que por se tratar de um tema complexo, nem todos os pesquisadores e estudiosos estão de acordo com o que na verdade se passa na mente dos psicopatas. Assim, os diversos autores que se dedicam ao tema, possuem, cada um, uma ótica própria e peculiar para explicar como a mente – que em alguns momentos nem parece humana – de algumas pessoas é capaz de cometer crimes tão absurdos que chegam a causar angústia em toda uma sociedade. Demonstrando as peculiaridades que são possíveis de encontrar na doutrina de alguns pesquisadores, está a tese de Guido Palomba, que é médico, psiquiatra forense, e perito do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Os condutopatas são indivíduos que ficam na zona fronteiriça entre a normalidade mental e a doença mental. Esse transtorno de comportamento é devido ao comprometimento de três estruturas psíquicas: a afetividade, a conação-volição, a capacidade crítica, mantendo-se íntegras as outras partes mentais.”2 1 DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2008, p.268. 2 PALOMBA, Guido Arturo. Tratado de Psiquiatria Forense Civil e Penal. São Paulo: Atheneu Editora, 2003, p. 515. 12 Em seus escritos, Guido deixa claro considerar os psicopatas apenas como “condutopatas”, ou seja, não existiria qualquer relaçãocom transtornos de personalidade, e sim desvios de conduta, que ocasionam a prática de crimes graves. Guido demonstra em sua obra, que os “condutopatas” romperam com a linha do certo e errado, e isso não teria mais conserto. Para ele, esses indivíduos tem uma vida normal, pensam normalmente sem nenhuma falha fisiológica, mas erram em suas condutas, que por muitas vezes são cruéis. Em consonância com esse raciocínio, a psiquiatra e escritora Ana Beatriz Barbosa Silva credita que aos psicopatas não é possível imputar doenças mentais: “Em termos médicos-psiquiátricos, a psicopatia não se encaixa na visão tradicional de doenças mentais. Esses indivíduos não são considerados loucos nem apresentam algum tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou o pânico, por exemplo). Ao contrário disso, seus atos criminosos não provêm de uma mente adoecida, mas sim de um raciocínio frio e calculista combinado com uma total incapacidade de tratar as outras pessoas como seres humanos pensantes e com seus sentimentos.”3 O entendimento dos dois autores citados acima, ainda não fazem parte da maioria. São teorias mais modernas e atualizadas, de pessoas que se dedicam a compreender o funcionamento da mente humana, não apenas utilizando técnicas médicas, mas também sociais. Sendo feita uma análise na maioria dos livros de psiquiatria, psicologia, psiquiatria forense, criminologia e demais ramos associados, o que se encontra é que os psicopatas são tidos como portadores de transtornos psiquiátricos graves. É preciso estar atento a uma premissa básica que vem desses estudos: os psicopatas seriam de fato pessoas portadoras de um transtorno de personalidade antissocial. A informação pode ser extraída a partir da Associação de Psiquiatria Americana, em seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM – V, que é a referência mundial das condutas médicas: “A característica essencial do transtorno da personalidade antissocial é um padrão difuso de indiferença e violação dos direitos dos outros, o qual surge na infância ou no início da adolescência e continua na vida adulta. Esse 3 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2014, p. 38. 13 padrão também já foi referido como psicopatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial.”4 É preciso deixar claro que a comunidade médica segue os padrões de diagnósticos estabelecidos pelo DSM-V, e por isso, até os dias de hoje, os psicopatas são, em tese, diagnosticados em sua maioria com transtorno da personalidade paranoide, conforme o que preceitua o DSM-V. Conforme dados do DSM-V, o transtorno da personalidade pode ser definido em três categorias: A categoria A, seria a dos esquisitos e/ou desconfiados. A categoria B, os instáveis e/ou manipuladores. E a categoria C, dos ansiosos e/ou conrolados- controladores.5 Para Paulo Dalgalarrondo, psiquiatra renomado na área acadêmica no Brasil, o transtorno da personalidade antissocial, se encaixa na categoria B, e descreve algumas características: “Indiferença e insensibilidade pelos sentimentos alheios; Irresponsabilidade e desrespeito por normas, regras e obrigações sociais; Incapacidade de manter relacionamentos, embora não haja dificuldade em estabelecê-los; Muito baixa tolerância a frustrações e baixo limiar para descarga de agressão, inclusive violência; Incapacidade de experimentar culpa e de aprender com a experiência, particularmente com a punição; Propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer racionalizações plausíveis para comportamento que gerou seu conflito com a sociedade; Crueldade e sadismo são frequentes nesse tipo de personalidade.”6 É dito que o psicopata é portador do transtorno da personalidade antissocial, pela maioria dos casos, mas é claro que cada caso concreto traz peculiaridades. Às vezes, outros transtornos associados ao transtorno da personalidade são encontrados, assim como algumas comorbidades. Não raros são os casos de que criminosos que praticam infrações gravíssimas, possuem também graus de esquizofrenia, personalidade paranoide e outros. 4 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual Diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Tradução Maria Inês Corrêa Nascimento et al. Revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli et al. Artmed Editora, 2014, p. 659. 5 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual Diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Tradução Maria Inês Corrêa Nascimento et al. Revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli et al. Artmed Editora, 2014, p. 659. 6 DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2008, p.271. 14 Logo, é de fundamental importância esclarecer que são vários os transtornos que podem acometer um chamado psicopata. Assim, brilhantemente discorre o Doutor Robert Simon sobre o tema: “Os psicopatas são pessoas que têm graves impulsos antissociais e concretizam esses impulsos sem levar em conta as consequências desastrosas e inevitáveis de seus atos tanto para elas mesmas quanto para os demais.”7 Assim, o psicopata propriamente dito é resultado de um conjunto de problemas psicológicos, que são diagnosticados de acordo com o que rege o DSM-V, e demais doutrinas consagradas. 1.2 IDENTIFICANDO O PSICOPATA O intuito principal em trabalhar as características dos psicopatas e suas condutas, é identificar como funcionam suas mentes, seus impulsos, e tudo aquilo que contribui e os influenciam no cometimento de crimes que em sua maioria, quando cometidos por essas pessoas, são bárbaros. Deflagra Ana Beatriz Barbosa Silva ao se referir aos psicopatas: “Eles vivem entre nós, parecem-se fisicamente conosco, mas são desprovidos deste sentido tão especial: a consciência.”8 Esse referencial à consciência feito pela autora existe para esclarecer que todos os seres humanos que possuem seus sentimentos alinhados com o mundo e a vida em sociedade precisam estar conscientes de suas atitudes. É a consciência que traz os diversos sentidos, emoções. É extremamente subjetivo, mas muito compreensível porque a grande parte das pessoas sentem de fato como funciona a própria consciência. Como ela é capaz de trazer conforto, e como ela pode culpar. O Doutor Paulo Dalgalarrondo aprofunda em seu livro as acepções da consciência, definindo a consciência psicológica como: “A soma total das experiências conscientes de um indivíduo em determinado momento. Nesse sentido, a consciência é o que designa o campo da 7 SIMON, Robert I. Homens maus fazem o que homens bons sonham. Tradução Laís Andrade e Rafael Rodrigues Torres; Porto Alegre: Artmed, 2009, p. 52. 8 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2014, p. 36. 15 consciência. É a dimensão subjetiva da atividade psíquica do sujeito que se volta para a realidade. Na relação do eu com o meio ambiente, a consciência é a capacidade de o individuo entrar em contato com a realidade, perceber e conhecer seus objetos.”9 Notadamente o Professor e Doutor Paulo, põe com clareza que é da consciência, o poder que o ser humano possui de identificar como deve ser o seu comportamento, perante as demais pessoas seu convívio. Não existe, para os psicopatas, o que chamamos de culpa, pois é a consciência, em seu funcionamento pleno e normal, que traz ao psicológico a sensação de culpa. Conforme escreve Harold Schechter: “Como não sentem culpa ou remorso, psicopatas são capazes de manter uma frieza assombrosa em situações que fariam uma pessoa normal suar frio”.10 É a partir da consciência que se enxerga a verdadeira realidade, e se reconhece a maioria dos sentimentos. Sentimentosestes, que os psicopatas na maior parte das vezes são incapazes de sentir, por também não possuírem o sentido da consciência. Aliada à falta de consciência, está sempre presente também a ausência de empatia. Conforme conceitua Robert Simon: “A presença ou ausência de empatia é a chave para determinar a capacidade do indivíduo de manter relações construtivas e colaborativas com outras pessoas; a empatia é a capacidade de se colocar na situação psicológica do próximo, de perceber aquilo que o próximo possa estar sentindo.”11 A empatia pode ser considerada um dos mais nobres sentidos que alguém pode ter. Sentir a dor do próximo, transferir-se mentalmente ao seu lugar, objetivando entender aquele momento, visando agir da melhor maneira com aquele que vive uma situação de dificuldade. Ocorre que, nem todos possuem essa nobreza dentro de si. O que não pode ser recriminado em um primeiro momento, uma vez que as pessoas são muito singulares e não se pode determinar o que cada um sente. 9 DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2008, p.88. 10 SCHECHTER, Harold. Serial Killers, anatomia do mal. Tradução Lucas Magdiel; Rio de Janeiro: Darkside Books, 2013, p. 27. 11 SIMON, Robert I. Homens maus fazem o que homens bons sonham. Tradução Laís Andrade e Rafael Rodrigues Torres; Porto Alegre: Artmed, 2009, p. 40. 16 O problema surge quando se analisa como os psicopatas conduzem um quadro de “falsa empatia”, e assim afirma Robert Simon: “Os psicopatas (predadores sem remorso) são muito bons em adivinhar aquilo que outras pessoas sentem e pensam, mas fazem isso para manipulá- las. Não se importam nem um pouco com as outras pessoas, que, para eles, são como presas a serem consumidas cujos restos devem ser jogados fora, como lixo.”12 As palavras são fortes, mas dotadas de realismo. Porque é o que realmente acontece. Psicopatas costumam se aproximar de suas vítimas em potencial, aparentando ter uma empatia diante de alguma vulnerabilidade que ele conseguiu identificar previamente. Apesar de ser fato a referida ausência de sentimentos, existem características marcantes presentes na personalidade dos psicopatas, que são percebidas por todos. Naturalmente, não são essas características observadas isoladamente que irão diagnosticar o indivíduo. É na análise de cada caso, no estudo, e juntando o quebra-cabeça de posturas adotadas que se constrói a identificação da personalidade daquele que é tão doente, que é capaz de agir de forma tão absurda a romper com os padrões sociais normais, bem como jurídicos, uma vez que cometem crimes. Alguns comportamentos podem ser sinalizados de longe. Um deles é a forma egocêntrica de agir que jamais passa despercebido em quem é acometido pelo mal da psicopatia. A aparência narcisista, de se amar muito, e pouco se preocupar com o outro, salta aos olhos, pois com o ego inflado, é impossível esconder que se enxerga como o centro do mundo, e somente seus desejos – por muitas vezes malignos – são importantes. Assim, afirma Doutor Robert Simon: “O psicopata manifesta, tipicamente, um excesso patológico de autovalorização, ou narcisismo, que traduz em egocentrismo excessivo. Outros traços característicos são a megalomania (que se manifesta por exibicionismo não sexual), a falta de responsabilidade, o excesso de ambição, uma atitude de superioridade, uma dependência exagerada de admiração.”13 12 SIMON, Robert I. Homens maus fazem o que homens bons sonham. Tradução Laís Andrade e Rafael Rodrigues Torres; Porto Alegre: Artmed, 2009, p. 40. 13 SIMON, Robert I. Homens maus fazem o que homens bons sonham. Tradução Laís Andrade e Rafael Rodrigues Torres; Porto Alegre: Artmed, 2009, p. 55. 17 Resta claro que os psicopatas realmente se sentem como seres superiores, e essa superioridade começa a trazer prejuízos quando faz com que o sujeito passe a não mais se importar com o bem-estar de quem está ao seu redor, e queira instituir suas próprias regras de convivência, e para eles, estas são suas próprias leis. Incluso no pacote de artifícios, está a mentira. Não a mentira que pessoas comuns se utilizam pra sobreviver em um mundo complicado. E sim, a mentira psicopática. A competência na hora de proferir palavras falsas e mentirosas é de se impressionar. Assevera a Doutora Ana Beatriz Barbosa: “São mentirosos contumazes, mentem com competência (de forma fria e calculada), olhando nos olhos das pessoas. São tão habilidosos na arte de mentir que muitas vezes, podem enganar até mesmo os profissionais mais experientes do comportamento humano. Para os psicopatas, a mentira é como se fosse um instrumento de trabalho, utilizado de forma sistemática e motivo de grande orgulho.”14 A colocação da autora, de início leva ao entendimento que as mentiras propostas pelos psicopatas às pessoas comuns, se sobressaem. Mas, utilizando um pouco mais de senso crítico, torna-se preocupante, porque a habilidade faz com que todo o acervo de mentiras não seja notado. É por passar despercebida a pequena mentira, que estas vão aumentando, e através delas os criminosos conseguem atingir suas vítimas com maior eficácia e infelizmente fatalidade. Ludibriando vítimas, e possíveis testemunhas, os crimes são cometidos de maneira quase que perfeita, porque é usando de todos os seus artifícios únicos e inteligentes que os psicopatas cometem os crimes que chamam atenção de um país inteiro, as vezes até do mundo. A mentira só prova o quanto esses indivíduos podem ser capazes de engambelar primeiramente a vítima, depois o órgão investigativo (no caso a polícia judiciaria que se propôs a elucidar o fato criminoso), o processo penal em si, bem como aqueles que irão dar o veredicto sobre o delito. Corroborando essa problemática, escreve Harold Schechter, em seu livro anatomia do mal: 14 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2014, p. 77-78. 18 “Tecnicamente, psicopatas não são legalmente insanos. Eles sabem a diferença entre o certo e o errado. São racionais, muitas vezes altamente inteligentes. Alguns conseguem ser bastante charmosos. Na verdade, o que mais assusta neles é o fato de parecerem tão normais.”15 É nesse ponto que se encontra o maior dos perigos. Não é fácil diferenciar um psicopata dos comuns. Assim, ele ganha a confiança de qualquer pessoa – altamente esclarecida ou não – para expor com grandeza toda a maldade que traz consigo. A maioria dos crimes cometidos por psicopatas são realizados sem muitos holofotes, ocorrem em locais fechados, ou a céu aberto quando pouco habitados. De certo que não existe uma regra quando se trata dos tipos de crimes que podem cometer, uma vez que todos são possíveis, mas aqueles criminosos que buscam os holofotes com suas condutas, são mais comumente identificados como aqueles que realizam assassinatos em massa, como o caso do Atirador do Shopping Morumbi em São Paulo, ocorrido em 03 de novembro de 1999, onde o estudante de Medicina Mateus da Costa Meira, abriu fogo contra todos os telespectadores da sala de cinema.16 Do mesmo modo, recentemente ocorreu na cidade de Suzano no estado de São Paulo, um atentado de proporções imensuráveis. Dois jovens adentraram a Escola Raul Brasil e dispararam contra os alunos e funcionários que ali se encontravam.17 A idade dos jovens que atacaram o colégio em Suzano traz a discussão: Não haveria como identificar os problemas enfrentados por essas pessoas, na infância ou adolescência, a fim de que o devido tratamento fosse realizado a tempo, tais tragédias evitadas? A resposta, de acordo com a Doutora Ana Beatriz Barbosa, é sim. Afirma em seu livro, que as crianças dão sinais, mas é preciso muita atenção: “Crianças ou adolescentes que são francos candidatos à psicopatia possuemum padrão repetitivo e persistente que pode ser sintetizado pelas características comportamentais descritas a seguir: - Mentiras frequentes. - Crueldade com animais, coleguinhas, irmãos etc. 15 SCHECHTER, Harold. Serial Killers, anatomia do mal. Tradução Lucas Magdiel; Rio de Janeiro: Darkside Books, 2013, p. 27. 16 SACHETO, Cesar. Após 20 anos, atirador do cinema do Morumbi Shopping pode ser solto. CBN. Disponível em: <https://cbn.globoradio.globo.com/institucional/historia/aniversario/cbn-25- anos/boletins/2016/05/24/1999-ATIRADOR-ABRE-FOGO-E-MATA-TRES-EM-CINEMA-DE-SAO- PAULO.htm.> Acesso em: 4 nov. 2019. 17G1 Mogi das Cruzes e Suzano. Dupla ataca escola em Suzano, mata oito pessoas e se suicida. G1 Globo. Disponível em:<https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2019/03/13/tiros- deixam-feridos-em-escola-de-suzano.ghtml.> Acesso em: 4 nov. 2019. https://cbn.globoradio.globo.com/institucional/historia/aniversario/cbn-25-anos/boletins/2016/05/24/1999-ATIRADOR-ABRE-FOGO-E-MATA-TRES-EM-CINEMA-DE-SAO-PAULO.htm https://cbn.globoradio.globo.com/institucional/historia/aniversario/cbn-25-anos/boletins/2016/05/24/1999-ATIRADOR-ABRE-FOGO-E-MATA-TRES-EM-CINEMA-DE-SAO-PAULO.htm https://cbn.globoradio.globo.com/institucional/historia/aniversario/cbn-25-anos/boletins/2016/05/24/1999-ATIRADOR-ABRE-FOGO-E-MATA-TRES-EM-CINEMA-DE-SAO-PAULO.htm https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2019/03/13/tiros-deixam-feridos-em-escola-de-suzano.ghtml https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2019/03/13/tiros-deixam-feridos-em-escola-de-suzano.ghtml 19 - Condutas desafiadoras às figuras de autoridade (pais, professores etc.). - Impulsividade e irresponsabilidade. - Baixíssima tolerância à frustração com acessos de irritabilidade ou fúria quando são contrariados. - Tendência a culpar os outros por erros cometidos por si mesmos. - Preocupação excessiva com seus próprios interesses - Insensibilidade ou frieza emocional. - Ausência de culpa ou remorso. - Falta de empatia ou constrangimento ou vergonha quando pegos mentindo ou em flagrante. - Dificuldade em manter amizades. - Permanência fora de casa até tarde da noite, mesmo com a proibição dos pais – muitas vezes podem fugir e ficar dias sem aparecer em casa. - Faltas constantes sem justificativas na escola ou trabalho (quando mais velhos). - Violação às regras sociais que se constituem em atos de vandalismo, como destruição de propriedades alheias ou danos ao patrimônio público. -Participação em fraudes (falsificação de documentos), roubos ou assaltos. - Sexualidade exacerbada, muitas vezes levando outras crianças ao sexo formado. - Introdução precoce no mundo das drogas ou do álcool. - Nos casos mais graves, podem cometer homicídio.”18 Como sempre é dito no decorrer deste trabalho, cada caso é um caso, e as características não podem ser generalizadas. Evidente que cada ser humano, na sua particularidade de ser, tem suas nuances. A lista da Doutora Ana Beatriz é apenas exemplificativa e de caráter socioeducativo. Na realidade fática é muito complicado que os pais identifiquem os pontos característicos, pois os episódios tendem a acontecer isoladamente, o que leva a uma resolução imediatista do problema, que não gera aprofundamento sobre o que realmente aquela criança ou adolescente passa. É preciso que essa verificação seja mais detalhada, que os responsáveis estejam atentos ao menor sinal que seja. A adolescência do século XXI é cada vez mais difícil de ser vivida e os problemas surgem com mais força a cada dia. Saindo da temática da percepção de psicopatia ainda na fase infantil, quando a identificação envolve adultos, o padrão a ser seguido, e atualmente utilizado por psiquiatras em todo o mundo, para tentar desmistificar a mente dos examinados, e firmemente poder apontar qual a enfermidade que acomete aquela pessoa, foi idealizado pelo Doutor Robert Hare, que em 1991 aprimorou seus estudos sobre a psicopatia. 18 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2014, p. 188-189. 20 Brilhantemente criou uma lista de critérios classificatórios, que facilitam até os dias de hoje o diagnóstico por parte dos médicos psiquiatras examinadores. A escala de Hare como é chamada, é um teste, através do qual, o examinador, vai fazer uma entrevista, e pontuar, quais os critérios o examinado possui. Cada critério, possui 3 níveis de pontuação, que vão de 0 (não se aplica), até 1 (item se aplica definitivamente). As classificações podem variar entre 0 ao patamar de 40 pontos. Se no exame, a soma passar de 30 pontos, há grandes possibilidade de existir traços de psicopatia. No Brasil, somente em 2000 a Escala Hare PCL-R (Psycopathy Checklist Revised) foi traduzida e validada no Brasil, sendo utilizada até os dias de hoje. Segue abaixo a lista de critérios:19 1. Você tem “excesso de brilho” ou charme superficial 2. Você tem um excesso de autoestima 3. Você necessita de estimulação constante, não gosta de monotonia e tem propensão ao tédio 4. Você é um mentiroso patológico, daqueles que sente orgulho de enganar as pessoas 5. Você está sempre manipulando 6. Você apresenta total falta de remorso ou culpa 7. Você possui “afeto superficial” ou “sentimentos superficiais” 8. Você é insensível ou possui completa falta de empatia 9. Você tem um “estilo de vida parasita”, está sempre tirando proveito dos outros 10. Você tem grande dificuldade em controlar suas atitudes 11. Você tem um histórico de comportamento sexual promíscuo 12. Você tem um histórico de problemas comportamentais na infância 13. Você não possui objetivos realistas de longo prazo 14. Você é excessivamente impulsivo 15. Você tem um alto nível de irresponsabilidade 19 PIMENTA, Tatiana. Psicopatia: como identificar um comportamento psicopata. Disponível em: <https://www.vittude.com/blog/psicopatia-como-identificar-um-psicopata/>. Acesso em: 5 dez. 2019. https://www.vittude.com/blog/psicopatia-como-identificar-um-psicopata/ 21 16. Você não assume a responsabilidade por suas próprias ações, coloca sempre a culpa em outras pessoas. 17. Você já teve muitas relações “conjugais” de curto prazo 18. Você tem um histórico de delinquência juvenil 19. Já experimentou uma “revogação de liberdade condicional” 20. Você exibe “versatilidade criminal”. Assim como deve ser feito em crianças, a análise não deve se basear apenas na Escala de Hare, deve ser feito também um estudo multidisciplinar antes de fechar o diagnóstico, para evitar erros que mudam vidas de centenas de pessoas. Do próprio examinado, de toda sua família, de possíveis futuras vítimas e as famílias das vítimas. Nesse momento é preciso deixar claro que a mente humana é demasiadamente complicada e difícil de se decifrar. Não existe exatidão. Ninguém tem a mente igual ou parecida com a de alguém. A mente é uma digital abstrata do corpo humano. Tudo o que é relatado no presente trabalho, é resultado da leitura de diversas doutrinas, para que se encontrasse o denominador mais comum entre os psiquiatras e psicólogos no que diz respeito à psicopatia. Mas uma coisa é unânime: o psicopata é difícil de ser compreendido aos olhos humanos. Ora, os mistérios são tantos, que até o próprio Sigmund Freud sentiu-se derrotado nas tentativas de entender questões relativas a psicologia humana. Partindo do pressuposto das características que apresentam os psicopatas, conforme visto neste tópico, é preciso estar atento ao fato de que não são apenas peculiaridades fisiológicas, diga-se de passagem, cerebrais, como também existem os fatores sociais que contribuem para a formação de um indivíduo com características psicopáticas. Depois de se analisar muitos e muitos casos concretos que ocorreram não só no Brasil, como também ao redor do mundo, existem elementos extremamentepresentes na grande maioria dos casos. Ainda há quem diga, que pode ser apenas coincidência, no entanto, não logram êxito na afirmativa de acaso. Não se pode negligenciar o fato de que nenhum psicopata comete crimes absurdos somente pelas condições sociais em que viveu. Em todos os casos, existiam pré-disposições de uma mente doentia por nascença. Mas muitas pessoas “normais” 22 também nascem com tais condições, e por terem tido uma criação regada de amor, boa educação e cuidado, conseguem anular tais instintos. O principal fator social, comum na maioria dos casos estudados é má estrutura familiar. Ausência de um pai ou mãe, ou até mesmo quando os dois estão presentes, mas os desajustes na família são graves, inflamam a probabilidade de que uma criança que sofre nesse tipo de ambiente, se torne futuramente um psicopata. Não raras vezes, o citado ambiente familiar é tomado por um dos maiores desastres que podem acontecer na vida de uma criança: o abuso infantil. Esse abuso não tem limites de ser, sendo sexual, psicológico e físico, deflagrando sequelas graves para toda a vida da então criança. A negligência infantil ocupa grande espaço na vida dos psicopatas. A maioria esmagadora deles, tiveram sérios problemas familiares durante a infância. Grandes instabilidades emocionais se formam no período da infância. Assim, a má relação com os pais, ou familiares mais próximos, tende a agravar o que seria apenas um problema mental tratável, em graves enfermidades, chegando ao ponto de alcançar a psicopatia. As afirmações de que são comuns os problemas sociais encontrados na vida dos psicopatas serão confirmadas ponto a ponto no capítulo 3, onde são estudadas a fundo a vida de alguns psicopatas brasileiros, que figuram casos emblemáticos no país. 1.3 APLICAÇÃO DA NEUROCIÊNCIA E DIAGNÓSTICOS O advento da tecnologia possibilitou que hoje se investigue além do que o olho nu é capaz de observar. A neurociência, através de exames de imagens permite que sejam feitas pesquisas comparativas, para que se tenham evidências tanto na área comportamental, como entre o normal e o patológico referente a saúde. Utilizando-se dessas ferramentas, que em linhas práticas são as ressonâncias magnéticas, tomografias computadorizadas e demais exames de imagem, já se pode mapear quais são as áreas do cérebro humano são conectadas aos comportamentos típicos de sujeitos com Transtornos, e entre eles o mais importante para o presente trabalho: o Transtorno de Personalidade Antissocial. 23 É fundamentalmente importante demonstrar a importância do estudo da neurociência para compreender como algumas pessoas conseguem agir de maneira tão rude e diferente dos demais. Alguns casos de repercussão internacional justificam o porquê de este ser um assunto delicado e controverso no âmbito penal. O primeiro deles, é o caso de Charles Whitman, que morava na Flórida nos Estados Unidos, tinha 25 anos de idade, era ex-fuzileiro naval e estudante da Universidade do Texas. Sua infância foi difícil, uma vez que o próprio pai era física e emocionalmente abusivo tanto com a sua esposa, mãe de Charles, e com ele e seus três irmãos mais novos. 20 Apesar disso, Charles era muito inteligente e apresentava um QI de 138. Durante sua permanência no Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, ganhou medalha de boa conduta e um distintivo de atirador de elite. Após receber uma bolsa que era destinada a aumentar o número de cientistas nas Forças Armadas americana foi enviado para a Universidade do Texas, no ano de 1961. Lá ele conheceu Kathleen Leissner, que viria a ser sua esposa, em 1962. Em 1963, passou pela corte marcial, sendo considerado culpado pela prática de jogos de azar, usura e posse não autorizada de uma pistola não militar. Como punição, foi preso no posto de soldado e cumpriu 90 dias de trabalho forçado. Em 1964, ele foi dispensado dos fuzileiros navais, já não possuindo bolsa para a Universidade do Texas, a qual se matriculou novamente em 1965. No dia 1º de agosto de 1966, Whitman foi na casa da mãe, Elizabeth Whitman, às 12h30min e a matou. Mais tarde, ele matou a esposa, Kathleen, na residência deles, as 3h da manhã. Por volta das 11h30min da manhã, subiu até o mirante da Torre na Universidade do Texas e começou a atirar em pessoas no campus, aleatoriamente. O tiroteio teve duração aproximada de 95 minutos e só parou quando dois policiais conseguiram adentrar o local, o atingindo com um tiro fatal. Ao todo 16 pessoas morreram e 33 ficaram feridas. 21 20 ESTADOS UNIDOS. Police Department Austin (Texas). Records of the Charles Whitman Mass Murder Case. 1966. Disponível em: < https://legacy.lib.utexas.edu/taro/aushc/00489/ahc-00489.html>. Acesso em: 11 dez. 2019. 21 ESTADOS UNIDOS. Police Department Austin (Texas). Records of the Charles Whitman Mass Murder Case. 1966. Disponível em: < https://legacy.lib.utexas.edu/taro/aushc/00489/ahc-00489.html>. Acesso em: 11 dez. 2019. https://legacy.lib.utexas.edu/taro/aushc/00489/ahc-00489.html https://legacy.lib.utexas.edu/taro/aushc/00489/ahc-00489.html 24 O segundo caso, remonta a história de Herbert Weinstein, diferente de Whitman, pouco se sabe sobre seu passado, apenas que não tinha antecedentes criminais até 1991, quando aos 65 anos, matou sua esposa. Weinstein era um executivo da área de publicidade. No dia 7 de janeiro de 1991, ele teve uma discussão com a esposa Bárbara no 12º andar, no edifício em que moravam. Agarrou-a pelo pescoço e estrangulou até a morte. Na tentativa de fazer com que parecesse acidente, ele jogou o corpo pela janela. Ao descer do prédio ele foi pego pela polícia e acusado de assassinato em segundo grau.22 O que ambos os casos citados têm em comum e as tornam tão relevantes para esse estudo é que Whitman e Weinstein tiveram seus cérebros estudados durante o julgamento. Antes de ir à torre da Universidade atirar em pessoas desconhecidas, Whitman deixou alguns bilhetes suicidas, e em um deles deixou explícito o desejo que fosse feita uma exumação do seu corpo e verificado se havia algum problema em seu cérebro. Já há algum tempo ele vinha se queixando de fortes dores de cabeça. O próprio, em um dos bilhetes, diz também estar tendo pensamentos que o perturbam: “Não me entendo ultimamente. Eu deveria ser um jovem medianamente razoável e inteligente. Mas, ultimamente (não em lembro quando começou), tenho sido vítima de muitos pensamentos incomuns e irracionais. (...) Depois de muito refletir, decidi matar minha mulher, Kathy, esta noite. (...) Eu a amo muito e ela foi uma boa esposa para mim, como qualquer homem poderia esperar. Não consigo situar racionalmente nenhum motivo específico para fazer isto. (...)”23 O pedido para examinar o cérebro de Whitman foi aceito e o Governador do Texas determinou que uma força tarefa, denominada “Comissão Connaly”, realizasse a autópsia do cadáver. O resultado dos exames mostrou que Whitman possuía um tumor do tamanho de uma moeda, localizado no hipotálamo que estava comprimindo a amídala – parte do sistema límbico responsável por regular as emoções do ser humano. 22 RAINE, Adrian. A anatomia da violência: as raízes biológicas da criminalidade. Tradução: Mayza Ritomy Ite. Porto Alegre: Artmed, 2015. p. 189. 23 SOUZA, André Peixoto. Teses sobre homicídio. Canal Ciências Criminais, 2016. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/357075025/teses-sobre-homicidio-parte- 13?ref=serp>. Acesso em: 12 dez. 2019. https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/357075025/teses-sobre-homicidio-parte-13?ref=serp https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/357075025/teses-sobre-homicidio-parte-13?ref=serp 25 Foi a partir dessa descoberta, que começou um movimento e a discussão sobre até que ponto a lesão cerebral interferiu para que Whitman cometesseo crime. Abaixo, foto ilustrativa de onde se encontra a amígdala e o córtex pré-frontal: Figura 1: Regiões do cérebro. Fonte: Aspectos neurobiológicos do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH): uma revisão.24 No caso de Weinstein, ele estava vivo para ser julgado, e apesar de nunca ter negado ter sido autor do assassinato da esposa, era um homem rico, com uma boa equipe de defesa, que suspeitaram do fato da ausência de histórico de violência. Com isso, solicitaram um exame de Ressonância Magnética Cerebral e o submeteram a um exame de Tomografia. Os exames mostravam que grande parte do córtex pré-frontal de Weinstein estava comprometido – este é responsável pela avaliação de valência de uma situação (se positiva ou negativa), planejamento e tomada de decisão. Também está intrinsicamente relacionado com o sistema límbico que regula as emoções. O neurologista Antônio Damásio, famoso cientista da área, foi consultado durante audiência do caso a fim de opinar sobre a capacidade de Weinstein de pensar racionalmente e controlar suas emoções. 24 COUTO, Taciana de Souza; DE MELO-JUNIOR, Mario Ribeiro; DE ARAUJO GOMES, Cláudia Roberta. Aspectos neurobiológicos do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH): uma revisão. Ciênc. cogn.. Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 241-251, abr. 2010. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806- 58212010000100019&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 12 dez. 2019. 26 Impressionado com os argumentos de Damásio, o Juiz responsável, acatou o pedido da defesa que alegou insanidade, que culminou numa sentença por homicídio culposo, de 7 anos em contraste aos 25 anos que cumpriria com homicídio em segundo grau. Figura 2: Ressonância Magnética e Tomografia do cérebro de Weinstein, que mostram a área escura onde crescia um cisto que comprometeu córtex frontal esquerdo. Fonte: The Brain Defenses 25 Sobre as influências das questões de saúde do cérebro e seu reflexo nas atitudes psicopáticas de algumas pessoas, foi realizado um estudo pelos departamentos de neurologia e psicologia das Universidades Médicas de Vanderbilt, Harvard, Massachusetts e Cambridge que concluiu: “Descobrimos que lesões em várias áreas cerebrais diferentes estão associadas ao comportamento criminoso. No entanto, todas essas lesões se enquadram em uma rede cerebral funcionalmente conectada, envolvida na tomada de decisões morais. Além disso, a conectividade com redes cerebrais concorrentes prediz as decisões morais anormais observadas nesses pacientes. Esses resultados fornecem informações sobre por que algumas lesões cerebrais, mas não outras, podem predispor ao comportamento criminoso, com possíveis implicações neurocientíficas, médicas e legais.”26 25 DAVIS, Kevin; The Brain Defenses. Disponível em: <https://www.kevinadavis.com/brain-defense- true-crime>. Acesso em Acesso em: 12 dez. 2019. 26 DARBY, Ryan R; HORN, Andreas; CUSHMAN, Fiery; FOX, Michel D. Localização de comportamento criminoso na rede de lesões. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 2017. Disponível em: <https://www.pnas.org/content/pnas/115/3/601.full.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2019. https://www.kevinadavis.com/brain-defense-true-crime https://www.kevinadavis.com/brain-defense-true-crime https://www.pnas.org/content/pnas/115/3/601.full.pdf 27 Evidente que no dia a dia de qualquer pessoa, o tempo todo ela precisa usar de duas razões e emoções para tomada de decisões. Quando a razão e a emoção estão em perfeita harmonia, são externalizados os comportamentos ditos humanos. Conforme dito anteriormente, é o sistema límbico do cérebro o responsável pelo controle das emoções e razões, e a parte principal desse sistema, é a amigdala, situada no córtex pré-frontal (região da testa). Ocorre que, para comprovar que emocionalmente o córtex pré-frontal é fundamental, há o caso de Phineas Gage, ocorrido também nos Estados Unidos, no século XIX. Após uma explosão em seu local de trabalho, Gage foi atingido por uma barra de ferro que atravessou o seu crânio atingindo o cérebro exatamente na região do córtex pré-frontal.27 Figura 3: Diagrama do crânio de Phineas Gage, indicando o caminho do ferro na cabeça dele. Fonte: The Brain Defenses. 28 Apesar de Gage não ter perdido a consciência e nenhum movimento de seu corpo, estranhamente após o acidente, a sua personalidade mudou drasticamente. 27 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2014, p. 179. 28 DAVIS, Kevin; The Brain Defenses. Disponível em: <https://www.kevinadavis.com/brain-defense- true-crime>. Acesso em: 12 dez. 2019. https://www.kevinadavis.com/brain-defense-true-crime https://www.kevinadavis.com/brain-defense-true-crime 28 Sua vida profissional e pessoal despencou. Tinha ataques de ira, não tinha mais educação e era indiferente afetivamente.29 Foi o caso de Gage no século XIX que fez iniciar os estudos sobre a influência do córtex pré-frontal, o sistema límbico e a amígdala na personalidade e forma de agir de determinadas pessoas. Com os psicopatas os estudos se tornam difíceis. A maioria deles, por seu instinto manipulador, não aceitam se submeter aos exames que buscam entender do ponto de vista da neurociência como se dá a tomada de decisão. Mas, os poucos registros que se encontram na literatura afirmam que pessoas que não possuem traços psicopáticos possuem atividade forte e intensa na amigdala quando estimuladas a se imaginar cometendo crimes. Ocorre que, quando o mesmo teste foi realizado em psicopatas criminosos, eles apresentaram poucos resultados nesses circuitos do cérebro.30 Podendo-se concluir então, que apesar de os psicopatas não possuírem, em regra, tumores ou problemas de compressão nessas regiões, é notável que o funcionamento do sistema é mais “gelado”. Assim, observa-se que a configuração mental do psicopata é composta por uma disfunção neurobiológica, em conjunto com as influencias sociais de sua formação de vida. 1.4 DA POSSIBILIDADE E PREVISIBILIDADE DE CURA Não é novidade a profunda gravidade dos transtornos antissociais, que caracterizam os psicopatas. A questão mais problemática então surge: há cura? Os estudos mais consagrados apontam que apenas em alguns poucos e raros casos a cura pôde ser comprovada. Um dos maiores desafios no tratamento, é que a maioria dos psicopatas acredita ser plenamente normal em suas atividades psíquicas, o que obsta a aceitação de remédios e terapia integrativas a eles, uma vez que a colaboração do paciente é de grande relevância. 29 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2014, p. 179. 30 30 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2014, p. 181. 29 Afirma a Doutora Ana Beatriz Silva: “a psicopatia não tem cura, é um transtorno da personalidade e não uma fase de alterações comportamentais momentâneas”.31 No mesmo sentido, entende Hare, preocupando-se ainda com um possível agravamento dos quadros psiquiátricos pelo tratamento: A maioria dos programas de terapia faz pouco mais do que fornecer ao psicopata novas desculpas e racionalizações para seu comportamento e novos modos de compreensão da vulnerabilidade humana. Eles aprendem novos e melhores modos de manipular as outras pessoas, mas fazem pouco esforço para mudar suas próprias visões e atitudes ou para entender que os outros têm necessidades, sentimentos e direitos. Em especial, tentativas de ensinar aos psicopatas como “de fato sentir” remorso ou empatia estão fadadas ao fracasso.32 Dessa forma, em síntese, não se encontra na literatura médica ou psicológica casos de psicopatas que conseguiram alcançar a cura. Logo, a sua periculosidade,averiguada em sede de processos penais e de execução penal, jamais irá sucumbir. “Estudos revelam que a taxa de reincidência criminal (a capacidade de cometer novos crimes) dos psicopatas é cerca de duas vezes maior do que a dos demais crimes associados à violência, a reincidência cresce para três vezes mais.”33 O que mais à frente será debatido, é que se a ciência e a medicina afirmam que não existe previsibilidade de cura e consequentemente cessação da periculosidade, o agente restará cumprindo medida de segurança até o fim de sua vida, podendo confrontar a Constituição Federal, que proíbe penas em caráter perpétuo. 2. DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA Conceitualmente falando, pode-se dizer que a medida de segurança constitui uma espécie de sanção penal imposta pelo Estado aos seus governados, como uma manifestação do jus puniendi de sua total titularidade. 31 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2014, p. 173. 32 HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós. Porto Alegre: Artmed, 2013. p. 202. 33 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2014, p. 152. 30 Diverge das penas comuns pelo fato de terem finalidade diversa, pois se destina à cura, ao tratamento, à melhora da qualidade de vida daqueles que praticaram injustos penais. Discriminada pelo Código Penal de 1940 entre os artigos 96 e 99, as medidas de segurança são aplicáveis a réus condenados como inimputáveis ou semi- imputáveis, e podem ser aplicadas em duas modalidades, inseridas no Código na reforma Penal de 1984: Espécies de medidas de segurança Art. 96. As medidas de segurança são: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) II - sujeição a tratamento ambulatorial.34 Na primeira modalidade, a internação em hospital de custódia visa colocar o agente em uma unidade que ao passo em que simboliza a punição, a resposta do Estado ao crime cometido, também é o ambiente onde os problemas psiquiátricos serão tratados com equipe apropriada e designada a essa finalidade. Normalmente, quem recebe a condenação ao cumprimento de medida de segurança, são os considerados inimputáveis, que no momento da sua ação criminosa era incapaz capaz de entender a ilicitude de seus atos. O tratamento ambulatorial, segunda modalidade de medida de segurança, aplica-se aos semi-imputáveis, que receberão tratamento de maneira ambulatorial, com controle de medicamentos, terapias e apoio de equipe multidisciplinar, mas sem o internamento em hospital psiquiátrico. O Código ainda traz algumas exceções, cabíveis em alguns casos particulares, bem como o prazo da medida de segurança – que é uma das grandes discussões – e condições para perícia e liberações: Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinara sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-Io a tratamento ambulatorial. Prazo 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perecia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo devera ser de um a três anos. 34 BRASIL, Decreto Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 25 nov. 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art96 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art96 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art96 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art96 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art97 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm 31 Perícia médica § 2º - A perecia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. Desinternação ou a liberação condicional § 3º - A desinternação ou liberação será sempre condicional devendo ser restabelecida condicional a situação anterior se o agente, antes do decurso de um ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. § 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.35 Conforme determina o Código, só há fixação de um prazo mínimo, o prazo máximo ficou em aberto, condicionando a saída do condenado apenas à cessação da periculosidade, o que no caso dos psicopatas, não acontecerá, inserindo no mundo prático uma pena perpétua no ordenamento jurídico brasileiro. Destaca-se também o grau de importância das perícias realizadas tanto durante o processo, como durante a execução da medida de segurança, por meio do qual é realizada a aferição de periculosidade do agente, e enquanto esta não cessar, a medida perpetuará. No Brasil, existem critérios a serem seguidos, que visam realizar uma verificação da capacidade mental do examinado. Guilherme de Souza Nucci, é um dos defensores dessa teoria tripartida, em que ele informa que existem três critérios:36 O primeiro deles é o biológico, no qual é analisado unicamente o desenvolvimento mental do autor do fato, independentemente se tinha, ao tempo da conduta, capacidade de entendimento e autodeterminação, prendendo-se à conceituação do art. 26 do Código Penal: Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.37 Em segundo, há o critério psicológico, que irá avaliar se no momento da conduta delituosa, o agente tinha a capacidade de entendimento e autodeterminação, independentemente de sua condição mental ou idade. 35 BRASIL, Decreto Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 25 nov 2019. 36 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7ª Edição Revisada, Atualizada e Ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 322. 37 BRASIL, Decreto Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 25 nov. 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm 32 Por fim, o terceiro critério é o chamado biopsicológico. Conforme o próprio nome já explicita, é a junção dos dois primeiros critérios – o biológico e o psicológico, sendo o mais completo deles. Em linhas práticas caberá ao juiz observar se o agente era possuidor de enfermidade, bem como, analisar sobre seu entendimento e capacidade de autodeterminação diante dos fatos cometidos por ele. Nesse sentido, aferida a imputabilidade do agente, o Código de Processo Penal, baseado em princípios norteadores, é autorizado a aplicar a medida de segurança aos condenados inimputáveis e semi-imputáveis. 2.1 DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES Em todo o Direito Penal, é sabido que o princípio da legalidade é o grande orientador a tudo que será aplicado por esse ramo do direito. Enunciado pelo art. 1° do Código Penal Brasileiro e pelo artigo 5º, inc. XXXIX da Constituição Federal, o princípio da legalidade é extremamente direto. Conforme o Código Penal: “Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Nãohá pena sem prévia cominação legal.”38 De acordo com a Constituição: “Art. 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”39 O que pode compreender-se dos diplomas legais, é que o princípio da legalidade surge como uma forma de limitar o poder de punir estatal, para que este não venha a se vestir de uma ditadura, bem como evitar a ocorrência de tribunais de exceção. Outro princípio é o da intervenção mínima, que também é um grande regimento ao Direito Penal. É evidente que a punição do estado em virtude de um particular só deve ocorrer em casos excepcionais, e não como regra. Dessa forma, diz-se que o Direito Penal é a ultima ratio, pois a intervenção do Estado deve ser minimamente invasiva, não excedendo limites – impostos pelo princípio da legalidade. 38BRASIL. Decreto Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 25/11/2019. 39 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 nov. 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 33 Com esse mesmo propósito, está o princípio da proporcionalidade, que garante que a resposta do Estado de Direito, em contraponto à conduta ilícita do indivíduo, será proporcional ao dano causado ao bem jurídico protegido pela norma penal. Em outras palavras, as penas, causas de aumento de pena e agravantes, bem como atenuantes e causas de diminuição, devem estar em consonância com o agravo que o condenado cometeu. A proporcionalidade garante que as circunstâncias do fato criminoso serão sopesadas no momento de determinação da pena. Não apenas no momento em que o legislador cria a norma, como também quando o juiz de direito realiza o cálculo penal para aplicar a pena em concreto. Por fim, mas em hipótese alguma menos importante, está o grande princípio que norteia o mundo inteiro desde o fim das grandes guerras mundiais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Não é por menos que a Constituição Federal de 1988, apelidada de “Constituição Cidadã”, coloca em seu artigo 1º a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana;40 Assim, resta claro que o país como um todo deve estar atento a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, e em especial todos os ramos do direito que aplicam a justiça. Mais do que qualquer outro, o direito penal é o âmbito poderoso a retirar a liberdade de ir e vir de seus governados, devendo seguir esse princípio com cautela, uma vez que o simples fato de restringir liberdades já afeta a dignidade do homem. O processo penal como um todo não pode olvidar-se em nenhum de seus instantes desse princípio, tampouco a execução penal. Infelizmente este último, na realidade brasileira costuma ofendê-lo fortemente. A realidade das cadeias, presídios e penitenciárias do Brasil é aterrorizante. Não bastasse, também ocorrem situações degradantes nos hospitais de custódia e 40 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 nov. 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 34 demais entidades que se encarregam de apenar os considerados inimputáveis por doença mental. Pequena amostra do descaso das autoridades públicas com os internos, bem como a lesão à dignidade da pessoa humana, é a situação do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) localizado na Ilha de Itamaracá em Pernambuco. No referido hospital, a situação é além de precária. Faltam medicamentos. A superlotação assusta: com capacidade para 70 internos, a unidade possui 336. Não bastasse, alguns internos são mantidos completamente despidos, e a justificativa é que possuem tendência suicida.41 A tão inadmissível situação, tristemente ocorre nos diversos cantos do país. No caso de Itamaracá, a Caravana dos Direitos Humanos sugeriu a interdição do hospital. Conclui-se nesse caso, que um princípio que deveria ser levado muito a sério, principalmente quando se fala de pessoas com doenças mentais, tem sido burlado das piores maneiras. 2.2 DAS FUNÇÕES DA PENA Com curtas e certas palavras quanto à função da pena, disse Paulo José da Costa Jr: “A pena encontra sua razão de ser na retribuição. Punitur quia peccatum. É a reação da ordem jurídica violada contra aqueles que a transgrediram. É o mal que a autoridade legítima impõe expiação pela inobservância da ordem jurídica.”42 A retribuição citada pelo autor, é como uma reação do estado, perante a conduta delitiva do agente. Ou seja, o estado retribui a ação contra ele, na forma de punição, impondo a penalidade que estava prevista ao fato típico. Essa tese também é conhecida como Teoria Absoluta, onde a função é única e somente punir, conforme Chaves Camargo43, visto que a pena é apenas consequência da prática do delito. 41 CIA, Michele. Medidas de Segurança no Direito Brasileiro: A desinternação progressiva sob uma perspectiva político-criminal. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p.19. 42 DIP, Ricardo; MORAES JR, Volney Corrêa Leite; Crime e Castigo: reflexões politicamente incorretas. Campinas: Editora Millenium, 2002. p. 18. 43CAMARGO, Antônio Luís Chaves. Sistema de penas, dogmática jurídico-penal e política criminal. São Paulo: Cultural Paulista, 2002. p. 44. 35 Foi Immanuel Kant que criou boa parte das teses sobre a teoria absoluta e retributiva, com ideias em sentido ético, onde o infrator receberia a retribuição pela infração, e a penalidade não desencadearia nenhum tipo de função social. Assim, disse Mirabete sobre o pensamento de Kant: “Kant preconizava que a pena é um imperativo categórico, uma consequência natural do delito, uma retribuição jurídica, pois ao mal do crime deve-se impor o mal da pena, disso resulta a igualdade e só esta igualdade pode trazer a justiça.”44 Com tal entendimento, é que se entra no campo da função da pena, pois com o tempo, a teoria da pena, ao contrário do que preceituou Kant, foi encontrando lógica na existência da função social, com vistas a compreender o porquê de existir a pena, pois o intuito de sua instituição ia muito além da sua simples aplicação na forma de castigo. Nessa forma, Carnelutti entende que: “Dizem, facilmente, que a pena não serve somente para a redenção do culpado, mas também para a advertência dos outros, que poderiam ser tentados a delinqüir e por isso deve os assustar; e não é este um discurso que deva se tomar por chacota; pois ao menos deriva dele a conhecida contradição entre função repressiva e a função preventiva da pena: o que a pena deve ser para ajudar o culpado não é o que deve ser para ajudar os outros; e não há, entre esses dois aspectos do instituto, possibilidade de conciliação”45 Extraindo do pensamento de Carnelutti, pode ser dividida a pena em duas funções: a preventiva, e a repressiva, considerando que as duas encontram-se em patamares divergentes, pois para ele a pena que ajuda o culpado não deve ajudar os demais. A principal, e mais abordada pelos autores brasileiros é a Teoria preventiva, que também pode ser chamada de relativa. É o chamado punitur ut ne peccetur, sendo traduzido: pune-se para que não se peque, ou seja aplicando uma pena a alguém que burlou a ordem jurídica, será evitável que novos crimes aconteçamdiante do Estado. Essa teoria, ao contrário da que foi citada, a absoluta – preconizada por Kant – visualiza que a pena que é imposta 44 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal: parte geral.26.ed.São Paulo: Atlas,2010, v. 1. p. 3. 45 CARNELUTTI, Francesco, As Misérias do Processo Penal, São Paulo: editora Pillares, 2006, p. 103. 36 a um delinquente, tem o condão de prevenir, que ele incorra nos mesmos crimes e sofra novamente as devidas penas.46 Ora, se quem erra, conhece a punição, e sabe que será punido diante do Estado, por aquela conduta, torna-se impensável que ele queira novamente passar por uma punição, que restringe seus direitos, inclusive o direito de ir e vir. É de fato um sentido preventivo que é empregado na sanção, ou seja, é a visão de que a pena irá compelir o agente a não mais percorrer pelos caminhos que vão de encontro com a ordem social. A prevenção, é classificada ainda pelos doutrinadores, em geral e especial. No seu aspecto geral, ainda é dividida em positiva e negativa. A negativa, teve início na “Teoria da coação psicológica” de Paul Joan Anselm Ritter von Feuerbach, onde basicamente se entendia que era possível, além da função estrita sobre o condenado, a pena agisse como intimidadora perante os que vivem no ordenamento, pois vendo as punições estatais, aqueles que pensassem em delinquir, se sentiriam coagidos a não fazê-lo, pois não desejariam sofrer as punições.47 A positiva surgiu diante da baixa eficiência que conquistou a teoria preventiva negativa, pois a intimidação não gerava a contenção dos futuros delitos. Acerca disso, Claus Roxin, desenvolveu que a teoria positiva se consolida em três aspectos (fins): o de aprendizagem, da confiança no Direito e da pacificação ou prevenção integradora.48 E assim acredita Camargo que essa ideia: “tem por objetivo evitar os exageros, dirigindo os fins da pena para caminhos socialmente construtivos, e, com base nos princípios, estabelecer restrições recíprocas. 49 46 SILVA, Shimene. A pena no Estado Democrático de Direito: Uma breve análise conceitual, principiológica e teleológica. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br /site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=86 43&revista_caderno =3#_edn85.> Acesso em: 2 ago. 2019. 47SILVA, Shimene. A pena no Estado Democrático de Direito: Uma breve análise conceitual, principiológica e teleológica. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br /site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8643&revista_caderno=3#_edn85.>. Acesso em: 2 ago. 2019. 48CAMARGO, Antônio Luís Chaves. Sistema de penas, dogmática jurídico-penal e política criminal. São Paulo: Cultural Paulista, 2002. p. 54 49 CAMARGO, Antônio Luís Chaves. Sistema de penas, dogmática jurídico-penal e política criminal. São Paulo: Cultural Paulista, 2002. p. 54 37 Ou seja, a pena teria uma função de fazer fluir da melhor forma, o exercício de boas atitudes pelos cidadãos, desenvolvendo nestes bons valores, além de que, sendo aplicadas as penas, haveriam demonstrações da vigência das normas penais. Apesar de toda a tentativa do Estado, de controlar a criminalidade, foi no século XIX que o foi necessária que a intervenção do ente soberano fosse mais forte e invasiva, para conter os ilícitos. Assim, surge a teoria especial, que também se subdivide em positiva e negativa. Esta última, não conluie de grandes respaldos, uma vez que segrega o apenado da sociedade, onde deixar o preso em ambiente limitado, garantiria a segurança nacional. Já a positiva, demonstra a necessidade da reinserção social do encarcerado. É nesse momento que surge a função verdadeiramente social da pena, a ressocialização, reintegração daquele que está cumprindo sanção, para que este volte ao convívio social, após o cumprimento pena. Essa reinserção, deveria acontecer através de acompanhamentos, com profissionais, psicólogos, assistentes sociais, e demais, que contribuiriam para uma reeducação, evitando, por fim, novas delinquências. Toda a explicação acerca da teoria da pena, possuía o intuito de chegar a esse ponto: o primeiro pensamento que surge com base a reinserir o condenado na sociedade, que hoje, é o fundamento máximo da progressão de regimes, tema do presente trabalho. Foi com a teoria preventiva especial positiva, que surgiu o princípio-base da progressão de regimes, que hoje conduz aquele que cumpre pena privativa de liberdade, a regimes menos graves, de acordo com o cumprimento dos requisitos ao longo dos anos, pois ela introduz na doutrina da teoria geral da pena, a pena que busca um tratamento especial ao condenado. Analisando hoje a teoria, é nítido ser uma necessidade social que exista a dita função de tratamento especial, de reintegração, educação, para a volta do preso ao convívio no mundo, após um período de isolamento. A partir dessa premissa, segue o trabalho na busca de melhores formas de aplicação da teoria, que influirá diretamente em melhores resultados na coerção estatal contra a criminalidade. Ainda existe a Teoria Mista, que defende a tese de que a pena não possuía apenas uma ou outra função social. Para essa teoria, poderia a pena, retribuir a 38 infração – logo, compreender o que diz a teoria absoluta – e também exercer a função reeducadora que colocaria o preso em sistema reintegrador. 2.2.1 Funções da pena aplicadas à medida de segurança Trazendo a temática das funções da pena, para o âmbito da sua aplicação aos inimputáveis, através do instituto da medida de segurança, é sabido que estes são isentos de culpa, no entanto, como visto no tópico anterior, o Estado deve e pode responder aos agravos cometidos contra os bens jurídicos tutelados pela ordem constitucional. Assim, emerge uma obrigação um tanto delicada por parte do Estado, que seria proteger a sociedade de novos atentados aos bens comuns aos cidadãos, bem como realizar o devido tratamento do portador de anomalia psíquica, e na medida em que for possível, concretizar a sua ressocialização, para que seja capaz de retornar ao convívio em sociedade, sem novas agressões ao ambiente. Analisando mais a fundo a questão, resta clarividente que esta é fundamentalmente a função político-criminal das medidas de segurança chamada também de prevenção especial. O primeiro desafio é o tratamento, para que só então, venha a ser tentada a ressocialização. Esse tratamento, é a base a teoria preventiva especial positiva, sendo extremamente desafiador, pois envolve um conjunto de ciências, onde devem estar presentes profissionais capacitados e qualificados para trabalharem com pessoas que possuem anomalias mentais tão graves, que são capazes de cometer crimes. Assim, é a posição de Michele Cia: “O aspecto preventivo-especial é essencial para aplicação e execução da medida de segurança. Não se pode renunciar a ele frente a quaisquer dificuldades que se impuserem. Enquanto houver a previsão de aplicação da medida de segurança aos portadores de anomalia psíquica que entrarem em contradição com o ordenamento jurídico-penal, o Estado deve proporcionar a eles tratamento adequado, possibilitando sua inserção social.”50 50 CIA, Michele. Medidas de Segurança no Direito Brasileiro: A desinternação progressiva sob uma perspectiva político-criminal. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p.57 e 58. 39 Pode-se assim concluir que a prevenção especial positiva, materializada no tratamento psiquiátrico, ao qual é submetido o condenado por crimes, mas considerado inimputável ou semi-imputável, é a maior parte da expectativa e crucial para concretização da prevenção especial. Ocorre que essa prevenção especial, que em seus fins busca na verdade a ressocialização, também possui a sua categoria negativa. A prevenção especial negativa, como já citado acima, emerge da imprescindibilidade de que o Estado garanta a defesa social, havendo um
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