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( AP[TULO II ~ica kantiana p v h p c A C MO DETERMINAMOS AS REGRAS DO QUE é certo ou errado? lmmanuel ant (1724-1804) responde a essa pergunta da seguinte forma: é m ralmente correta a ação que está de acordo com determinadas regras \I que é certo, independentemente da felicidade resultante a um ou a lodos. Kant não propõe uma lista de regras com conteúdo previamente I terminado - como é o caso dos mandamentos religiosos, por exemplo -, mas formula uma regra para averiguar a correção da máxima que orienta nossa ação. Essa regra de averiguação é chamada imberativo cate~;~ ~~ todavia, não basta que a ação seja realizada apenas em conformidade -xterna com a lei moral: é indispensável que a ação tenha como móbil \) respeito à lei, e não se sujeite a interesses egoístas ou a motivações -mpíricas. A ação não deve ser realizada apenas conforme o dever, mas t: imbém por dever. Os aspectos principais da ética do dever aparecem na obra Fundamentação da metafísica dos costumes, de 1785. Kant anuncia sua i-srratégia já no prefácio, quando afirma que a partir do entendimento moral comum é possível demonstrar que o imperativo categórico subjaz I ompreensão comum de moralidade. No decorrer do livro, é mostrado q\le distinções como agir por dever e conforme o dever são facilmente li' ssíveis à compreensão comum, e que o vulgo concordará sem hesitação que há mais valor moral na ação por dever do que na ação conforme o ti 'ver. Independentemente da dificuldade de penetrar a intenção alheia \ iu mesmo a sua própria motivação, o homem comum pode reconhecer o maior valor moral na atitude de um merceeiro que não eleva os preços nem outra intenção senão o respeito pela moralidade do que no outro que age da mesma forma apenas para não perder a freguesia. I~. onhecemos também maior valor moral no agente que não se suicida, e q P 5 p a e e c 5 - - - ~-- ~- --- .. --_ .. ---- . _._--- - ~ -- - •••••• p v h p c A e q p s p a e e c 16 ÉTICA ainda que não tenha mais amor à vida, do que no outro que não o faz porque conserva a alegria de viver. Do mesmo modo, um filantropo insensível que realiza uma ação benevolente desperta mais apreço moral do que outro que a pratica porque sente prazer em promover o bem. Paul Guyer, comentador de Kant, assinala a estratégia da Fundamentação como um plano de autoconhecimento das nossas distinções morais. De acordo com Guyer, o alvo principal das primeiras seções da obra de Kant seria o utilitarismo, segundo o qual a fonte da motivação moral é a felicidade. Essa estratégia de autoconhecimento seria levada a efeito ainda na primeira seção da Fundamentação, em que Kant defende que uma genuína - mesmo que não total - compreensão do princípio fundamental da moralidade reflete-se na nossa compreensão comum de boa vontade e dever, e nos juízos morais que fazemos sobre casos particulares da ação humana (GUYER, 1998, p. 242). O que Kant pretende demonstrar é que as distinções do valor moral, consideradas como distinções de móbeis morais, não são invenções filosóficas, nem tampouco noções contra-intuitivas, mas que as admite como verdadeiras o próprio o senso moral comum. A primeira formulação do imperativo categórico segue a mesma estratégia, advertindo que o conceito não é estranho às nossas intuições morais ordinárias, porém que subjaz aos nossos julgamentos. Por meio de um procedimento específico, o imperativo categórico determinará se noss~ou princípios práticos subjetivos podem ser considerados leispráticas, ou seja, se podem ser válidos para a vontade de todo ser racional. Qual é esse procedimento específico? Kant procura explicá-lo pela seguinte situação: suponhamos que alguém, em momento de necessidade, faça uma promessa com intenção de não cumpri-Ia. É correto mentir em caso de necessidade? Kant não nega que mentir possa ser benéfico a curto prazo, porém repara que não podemos prever a repercussão que o ato terá a longo prazo. Todavia, ser verdadeiro por dever é diferente de não mentir por receio às conseqüências que possam advir. Segundo a moral kantiana, para sabermos se uma ação é ou não correta, devemos indagar sepodemos querer que essa ação seja elevada à categoria de lei universal: ( lirA KANTIANA 17 ontudo, para saber, de modo mais curto e infalível, a forma de resolver esse problema, qual seja, o ver se uma promessa mentirosa conforma-se com o dever, devo perguntar a mim mesmo se estaria eu satisfeito de ver minha máxima -livrar -se das dificuldades por uma falsa promessa - valer como lei universal para mim como para os outros, e se poderia ainda dizer a mim mesmo que todos devem fazer uma falsa promessa quando se encontram em dificuldade (KANT,4: 403).1 " De acordo com Kant, ao responder a essa pergunta perceberíamos \'Iilramente que podemos de fato usar de uma falsa promessa em li 'terminada situação, mas não poderíamos desejar que essa ação fosse \ Ima lei universal, pois a idéia de promessa perderia todo sentido, visto \[u seria inútil declarar uma vontade em relação às nossas futuras ações I1 quem já não acreditaria nessa declaração, ou que então nos pagaria na III sma moeda. Esse exemplo oferece um meio de averiguação da máxima moral: \ "!\gir de maneira tal que seja possível desejar que a máxima da ação deva Iornar-se lei universal" (id. 4: 402). A essa fórmula doravante daremos I1 denominação de fórmula da lei universal. Isso não supõe, no entanto, que I" orramos a essa f~ a cada vez ~ indaguemos o caráter moral de 11 ma ação, mas que, ao se nos apresentar em forma de imperativo r.ttegórico, nós iríamos reconhecê-Ia como fundamento, ainda que não i-vidente em cada julgamento, das nossas' distinções morais comuns. ) apelo ao senso moral comum e à forma do imperativo que o permeia é .-xpresso nas palavras de Kant: Então aqui chegamos, ao âmago do conhecimento moral da razão humana comum, ao seu princípio, no qual assumidamente a razão não pensa de maneira tão abstrata na sua forma universal, embora o tenha realmente sempre diante de si, aplicando-o como norma de seus julgamentos (4: 404). Ora, a fim de provar que o fundamento do valor e das distinções morais reside no imperativo categórico, Kant parece lançar mão do I 1\ citação direta de textos de Kant obedece à forma da edição alemã de suas obras ompletas, cuja referência integral consta na bibliografia ao fim deste livro. 18 ÉTICA I lirA KANTIANA mesmo método utilizado por seus adversários érnpiristas, que costumam apelar às distinções morais comuns para provar que o princípio da utilidade é a fonte do valor moral. Em An enquiry conceming the 1)rinciples of morais (1751), Hume tenta localizar o erro das teorias morais que não admitem o princípio da utilidade, afirmando que todas incorrem em equívoco ao rejeitar um princípio confirmado pela experiência, tão- somente pela dificuldade que encontram em lhe determinar a origem teórica ou em relacioná-lo a outros princípios teóricos mais abrangentes. Hume portanto acusa os outros filósofos de repudiar os princípios que se não podem obter pela pura dedução teórica, embora seja possível facilmente constatá-los na experiência. Kant contesta a opinião de Hume com as armas do adversário. Ainda que proponha fundamentar a moral sem recorrer à experiência, porém sim com base em um princípio da razão, Kant parece indicar que, mesmo que tomasse o caminho empirista, encontraria pela experiência que as fontes das distinções morais concordam com sua teoria. Ou seja, a utilidade não é o critério que as pessoas comumente adotam para distinguir a ação moral da ação não- moral, pois a rigor o motivo da ação é considerado, ordinariamente, tão mais moral quanto mais desligado de motivações sensíveis ou considerações de utilidade. As várias formulações do imperativo categórico Na Fundamentação da metafísica dos costumes são apresentadas várias formas e fórmulas do imperativocategórico. A primeira formulação.' encontrada na seção que abre a Fundamentação, é a que se denominou anteriormente fórmula da lei universal; trata-se do procedimento para determinar se uma máxima deve ser desejada pelo agente como válida não somente para sua vontade mas para avontade de todo ser racional. Essa formulação foi obtida a partir do conhecimento moral comum. Ainda que não usemos essa fórmula a todo instante para julgar o que é correto, reconhecemo-Ia subjacente a nossa concepção comum de moralidade. 2 A classificação das fórmulas do imperativo categórico foi feita inicialmente por H. J. Paton, em The caregorical impera tive (Nova York: Harper, 1947) e seguida pela maioria dos comentadores. . 19 Na segunda seção, Kant cunha a fórmula da lei da natureza: ''Age de 111111\ ira tal que a máxima moral de tua ação possa ser elevada à condição di' I 'i universal da natureza" (4: 421). Essa fórmula, identificada como "j(llllda versão do conceito de imperativo categórico, aplica-se a quatro I .t os: Caso 1. Uma pessoa que enfrent~ muitos problemas e sofre muitos til sabores pergunta a si mesma se seria contrário ao dever tirar sua 1'1 ópria vida. Para sabê-Ia, ela enuncia sua máxima: de acordo com o iuuor-próprio, decido, segundo meu princípio, encurtar minha vida, pois I1 duração de minha existência ameaça trazer-me mais tristeza que 111( '11 entos agradáveis. Poderia essa máxima estabelecer-se como lei universal da natureza? Não, afirma Kant, porque "uma natureza, cuja 11,1 s 'ria destruir a vida através de um sentimento, quando deveria por I' ,', 1 cia promover a duração da vida, contradiria a si mesma" (4: 422). Caso 2. Alguém que necessita de dinheiro pede um empréstimo, I" nme tendo pagá-Io ainda que saiba que não poderá honrar o , 11111[ romisso. Nesse caso, a máxima seria a seguinte: quando preciso de .llnheíro, devo pedir emprestado e prometer pagá-Io, ainda que saiba 'i" . não cumprirei esse acordo. De acordo com Kant, essa máxima 1I11!l poderá tornar-se lei universal, porquanto disso iria resultar que Iilnguém mais acreditaria no cumprimento do que fosse prometido. Caso 3. Uma pessoa não cultiva os talentos que a natureza lhe 1 1111 edeu, pois prefere fruir dos prazeres da vida do que despender seu Irrupo e esforço no aperfeiçoamento de seus dons. Que contradição rulviria caso essa máxima fosse elevada a lei da natureza? Kant anui que 111'111 é possível um estado de coisas desse gênero, como aliás ocorria em 11111 .poca, segundo ele, nas ilhas dos mares do sul, onde os nativos dl·dicam sua vida simplesmente à indolência, à diversão e à procriação. ,\IIILla que não haja entretanto nenhuma impossibilidade na existência 1II':IH' estado de coisas, eu não posso querê-Ia, visto que um ser racional Ill"'vssariamente quer que todas as suas capacidades sejam desenvolvidas. aso 4. Ao ver o sofrimento de outros a quem poderia ajudar, alguém Ijlll' se encontra em boa situação limita-se a pensar: - ~, -- ~~~ -~~- - .----_.. --------------- --- ~ 20 ÉTICA ÉTICA KANTIANA o que eu tenho a ver com isso? que cada um tenha felicidade que os céus lhe quiseram dar ou que pôde construir por si; eu não tirarei nada deles, nem os invejarei, mas não contribuirei com nada ao seu bem-estar nem os assistirei em caso de necessidade (4: 423). Novamente podemos pensar que não seja inverossímil um estado de coisas em que essa máxima torne-se uma lei universal da natureza; todavia não podemos querer que isso ocorra, pois outras situações sobreviriam em que se desejasse contar com a ajuda e o amor alheios, e que muito penoso seria que se não pudesse dispor dessa ajuda. O imperativo categórico não foi até aqui formulado com base nos motivos que determinam uma vontade racional. Esse procedimento Kant irá adotá-lo na segunda formulação do imperativo categórico, conhecida como fórmula da humanidade como fim em si mesma: ''A.ge de forma tal que sua ação seja dirigida à humanidade como um fim em si, e nunca somente como um meio, considerada na sua pessoa ou na pessoa de outrem" (4: 429). A segunda fórmula não se apresenta como critério de discriminação de máximas facilmente aplicável. A primeira visava exatamente a tal aplicação; já essa nova formulação pretende conferir conteúdo à motivação da vontade racional. A terceira fórmula do imperativo categórico foi obtida a partir da concepção da vontade de um ser racional, compreendida como vontade legisladora universal. A vontade autônoma, isto é, a que governa a si mesma, é considerada como o único fundamento possível da obrigação moral. O reconhecimento dessa vontade autolegisladora expressa-se na fórmula da autonomia: ''A.gede forma tal que tua vontade possa fornecer a lei universal através de todas as suas máximas" (4: 434). Essa terceira fórmula admite uma variação, pela qual a vontade autônoma é pensada como a vontade legisladora de um reino dos fins, ou seja, de uma comunidade ideal de seres racionais: ''A.ge de acordo com as máximas que orientariam o legislador universal de um possível reino dos fins". 21 mais apropriadamente à função de distinguir as máximas morais. No entanto, as demais fórmulas do imperativo categórico também .orrespondern à totalidade da moralidade kantiana, embora comumente se olvidem as duas posteriores e se considere apenas a primeira. A crítica no suposto formalismo vazio da moral kantiana, desferida contra a filosofia ética de Kant por mais de um século,' não dá devida atenção às duas fórmulas posteriores, que justamente desautorizam as críticas de nusência de conteúdo. A segunda fórmula que vimos expressa o motivo da vontade racional, que é tratar o outro como um fim em si; a terceira ~ rmula, por seu turno, fornece as características dessa vontade, seja , mo vontade autônoma, seja como legisladora ideal de uma comunidade de seres racionais. IA fórmula da autonomia, em suas duas versões, corresponde à .ornpreensâo que Kant tem do Iluminismo, movimento político e social do século XVIII, calcado nas concepções de liberdade e igualdade entre os homens. Kant ntende o Século das Luzes como o da libertação da mente humana de qualquer tutela ou submissão, seja religiosa, seja política. "O Iluminismo" - nos diz ele, no texto "O que é esclarecimento?" (8: 35) - "é a saída do homem do estado de tutela, pelo qual ele próprio é responsável." Estado de tutela é a incapacidade de se guiar pelo próprio entendimento. O estado de menoridade intelectual ou de tutela é I) . rtanto da responsabilidade dos próprios tutelados, desprovidos da ragem necessária para sair desse estado. "Tenha coragem de servir-se li próprio entendimento", eis a máxima iluminista. Por que os homens 11 rmaneciam nesse estado? Por que um agente livre abdica de sua liberdade de pensamento e decisão para aceitar a tutela de outrem? I~mgeral, as pessoas decidem desse modo porque lhes é mais cômodo e IIY!ÍS fácil ter um livro que substitua um julgamento, ou um padre, um professor ou um partido político que reflita sobre nossas necessidades e I'~ olha nossas opiniões. E por que é mais cômodo? Primeiro, porque li 'ria mais oportuno justificarmos a nossa ação, usando por exemplo o que está escrito em um livro sagrado. Se temos um professor que faz as I Hegel (1968, § 135) foi um dos primeiros a chamar a atenção para o formalismo vazio kantiano. -- -~- - - --- - - - - --------=-------=-----=-=-=-=-- --- ------=-=-------=='" ~'" Sobre a questão do formalismo da moral idade kantiana Todas as fórmulas do imperativo categórico expressam o mesmo princípio; a primeira fórmula, todavia, em suas duas versões, presta-se p v h P c A e q P 5 p a e e c 22 ÉTICA I' riCA KANTIANA vezes de nossa consciência, é fácil responsabilizá-lo pelas nossas ações. Obviamente os tutores também são responsáveis pela prisão do tutelado, uma vez que procuram adverti-Io do perigo de tentar caminhar pelas próprias pernas, daameaça de se tomarem decisões, e de como é mais cômodo e seguro delegar a outrem a responsabilidade pelos princípios de sua ação. A fórmula da autonomia acentua, portanto, o elemento de maioridade trazido pelo esclarecimento: devemos agir segundo "a idéia de vontade de todo ser racional, como uma vontade que pudesse estabelecer uma lei universal" (KANT, 4: 431). Logo, fundamentar a moralidade na idéia da vontade de todo ser racional como legislador não é fundamentá-Ia nos decretos arbitrários de um ser racional particular. Vemo-nos obrigados categoricamente por certas normas, na medida em que as vemos como produtos da razão. O fato de não seguirmos mais os ditames de normas exteriores que nos são impostas não implica necessariamente que mergulhemos num particularismo cego ou nos nossos desejos momentâneos. Assumimos, na verdade, uma perspectiva superior - a perspectiva da razão, que alcançamos no momento em que: 1) A máxima da nossa ação pode ser desejada como válida para todos (como na primeira formulação do imperativo categórico). 2) Sentimo-nos obrigados por leis que nos damos a nós mesmos como se exercêssemos a função de um legislador universal (fórmula da autonomia), ou de um legislador para um possível reino dos fins (segunda versão da fórmula da autonomia, fórmula do reino dos fins). Pode-se dizer que esse reino dos fins seria uma espécie de união sistemática de diferentes seres racionais submetidos a leis comuns, distinguindo-se portanto do reino de natureza, que se organiza segundo um conjunto de leis mecânicas. A visão de Kant sobre o Iluminismo articula-se com sua filosofia moral da seguinte forma: o propósito iluminísta é abandonar a menoridade intelectual para se pensar autonomamente. Além disso, pensar por si mesmo não significa a rigor ceder aos desejos particulares: Portanto, o iluminista não defende uma anarquia de princípios e de ação; trata, sim, de elevar a moral ao nível da razão, como uma legisladora universal que decide sobre máximas que se aplicam a todos 23 indistintamente. Atingimos esse patamar quando verificamos a uníversalidade possível de nossas máximas e pensamos em nós próprios 'orno legisladores de um reino de seres racionais. A segunda fórmula ou fórmula da humanidade aponta um novo uspecto do conteúdo do imperativo categórico. Trata-se da idéia de respeitar os outros como pessoas, de os considerar como o fim mesmo de uma ação, e nunca apenas como um meio que sirva a outra finalidade. Assim, é inumano e indigno de um ser racional a manipulação do iutro, ou seja, a sua utilização como mero meio. Incluem-se nesse :\ .pecto tanto o caso da utilização do corpo do outro sem consentimento corno ocorre no estupro - quanto a utilização psicológica do outro - , mo no caso do engano deliberado. O valor da pessoa deve ser respeitado mediante seu livre consentimento nas práticas sociais, ufetivas, econômicas ou sexuais de que toma parte. O livre consentimento pressupõe a capacidade do agente de usar plenamente sua racionalidade." Nem toda ação aparentemente consentida o é verdadeiramente, como sucede aos menores de idade coagidos, às pessoas vítimas de engano ou li ' chantagem, ou que ignoram sua verdadeira situação. As relações p .ssoais e afetivas não são imunes ao uso indevido das pessoas, pelo contrário. esse é um campo muito propício para que o outro seja usado ('01110 meio e não como fim. Como poderíamos respeitar o outro numa I .lação íntima ou amorosa? Antes de tudo, deveríamos respeitar seu projeto racional de vida, sem tentar manipulá-lo para que se adaptasse 1\ ) nosso desejo. Deve-se evitar uma forma comum de paternalismo que, \'111 nome do amor, consiste em impor ao outro uma determinada concepção de fim que não é a sua, com o intuito de o impedir de seguir :, .u projeto racional de vida, passando a servir apenas como meio ao projeto racional de vida do manipulador. A segunda ea terceira fórmulas do imperativo categórico, embora 1\ • mtuern que não se trata de um mero procedimento formal, ainda não lornecem, tal como a ética de virtudes, uma série de tipos de ação que li 'veríamos realizar: Limitam-se mais a dizer o que não devemos fazer do --- I Sobre a idéia de livre consentimento entre seres racionais, ver O'Neill (1989, p. 105-125). -- ~ - ------- .~ ~- p v h p c e q p s 24 ÉTICA que propriamente recomendam alguma forma de conduta. Essa lacuna fica parcialmente preenchida pela leitura da "Doutrina da virtude", \ segunda parte da Metafísica dos costumes. Deveres de virtude Uma crítica freqüentemente endereçada à moral kantiana acusa-a de se tratar de uma moral mínima, que estipula deveres gerais e preconiza mais o que não se deve fazer do que recomenda a prática de ações propriamente virtuosas. Esse mesmo comentário foi dirigido ao próprio Kant, por sua amiga Marie von Herbert, em uma carta de 1793: "Não me considere arrogante por dizer isso, mas as exigências da moralidade são muito triviais para mim, pois eu faria duas vezes mais do que ela me exige" (ap. BARON, 1995, p. 201-202). Entre os autores contemporâneos, como MacIntyre, é comum e recorrente a crítica segundo a qual os exemplos utilizados por Kant aludem somente ao que não deve ser feito: "não devemos quebrar promessas", "não devemos mentir", "não devemos cometer suicídio", são alguns preceitos que se podem extrair da doutrina kantiana da moral. A ética que Kant defende não nos forneceria, segundo os críticos, nenhuma indicação do que devemos fazer, e de quais são as finalidades a que devemos dedicar nossa vida. Ao contrário da ética de virtudes, a ética kantiana não nos concederia nenhuma orientação verdadeira, não nos indicaria nenhum rumo sobre qual seria a vida digna de se viver. Aparentemente, a moral kantiana recomendaria qualquer modo de vida que não fosse contrário a suas proibições. Poderíamos objetar a MacIntyre que uma moral mais econômica teria maior possibilidade de se tornar universal e atemporal. Abdicando de uma receita completa de moralidade, estaríamos menos comprometidos com formas particulares e típicas de sociabilidade, cujos valores podem não se estender a qualquer tempo ou a qualquer cultura, que não o da época e a do território em que a ética é formulada' Contudo, tendemos ~ reconhecer a existência de certos atos que estão além do dever, mas que possuem valor moral: Consideramos essas ações moralmente dignas de apreço, ainda que sua não-execução não signifique necessariamente I' no.' KANTIANA 25 lima falha moral-Essas ações são denominadas supra-rogatórias. São i-xernplos de ações desse tipo a doação de sangue, a esmola, o perdão, 1Isacrifício da própria vida pela alheia, a ajuda a pessoas perseguidas por Icgimes políticos etc. Para compreendermos a importância das ações supra-rogatórias, uuponhamos o seguinte: Tom e João são amigos. Tom é uma pessoa I 'ta e honesta que cumpre seus deveres e promessas, que paga seus Impostos pontualmente, que não rouba nem mataria sequer uma mosca; I davia, Tom não é muito generoso com seu dinheiro nem com seu I .mpo. Sabe-se que não se pode contar com ele quando se precisa de um -mpréstimo ou de um favor que exija muito do seu tempo. João, além de ser também cumpridor de seus deveres e de boa índole, está sempre disposto a ajudar seus amigos, mesmo que isso signifique um dispêndio ti' dinheiro ou de tempo. Pois bem, chamemos as ações corretas que Tom I'.aliza de ações T. Assim, pode-se dizer que João, além de praticar ações T, l' mo Tom, realiza também ações J, relativas a sua disposição e presença mais prestativa. Ora, faz parte do senso moral comum considerar que 1050 é moralmente superior a Tom, pois, enquanto Tom realiza apenas : 1(: - es T, João realiza ações T e ações J. -Vários críticos de Kant alegam que sua teoria não seria capaz de íundamentar essa diferença que o senso moral comum prontamente I" nhece, pois a ética kantiana trata apenas dedeveres negativos (o que IItlO fazer), e não de deveres positivos. A teoria de Kant realmente upresenta essa falha?' Pode-se com efeito suspeitar que os críticos que atribuem a Kant III11ateoria restrita à formulação de deveres negativos circunscreveram "11:1 leitura à Fundamentação e, talvez, apenas à primeira seção dessa obra. I'I)i já na segunda seção da Fundamentação, na apresentação da segunda vuriante do imperativo categórico, Kant aplica a fórmula ao caso de um luunem que nega ajuda os necessitados, e conclui pelo exemplo que nossa vontade não deve querer que uma ação desse tipo constitua uma lei 1111 natureza. O dever de ajudar os necessitados faz parte, todavia, li,· uma classe denominada deveres imperfeitos, que são desenvolvidos na "I )outrina da virtude", segunda parte da Metafísica dos costumes. p v h p c A e q P 5 p a e e c 26 ÉTICA ~TlCA ~NTIANA Ainda que não se possa dar uma resposta definitiva à questão sobre a aceitação dos deveres supra-rogarórios na doutrina de Kant,' é bem certo que o filósofo estende sua teoria muito além dos chamados deveres negativos. , A "Doutrina da virtude" apresenta a felicidade dos outros como um fim da ação moral, que é ao mesmo tempo um dever, Essa finalidade origina os deveres em relação aos outros, entres os quais se incluem os deveres de respeito, de beneficência, de gratidão e de simpatia: Os três últimos implicam a obrigação de realizar ações que promovam a felicidade alheia; todavia, visto que constituem deveres imperfeitos, são dotados do que Kant denomina de latitude, ou seja, permitem um espaço de decisão sobre a ação que se fará e sobre o quanto é preciso fazer com vista a um determinado fim. As virtudes imperfeitas admitem ainda um espaço para se limitar uma máxima por outra, estando as duas de acordo quanto à promoção de um mesmo fim. É o caso, por exemplo, de quando devemos escolher entre promovera felicidade do vizinho ou a dos pais, que Kant apresenta na "Doutrina da virtude". Além disso, conquanto seja justo considerar a realização das virtudes imperfeitas um mérito, a sua não-realização não necessariamente compreende algum demérito, mas apenas denota uma deficiência no valor moral, o que aliás aproxima suas ações das supra-rogatórias. Entre as virtudes imperfeitas, as denominadas de deveres de amor - beneficência, gratidão e simpatia - estão ainda mais próximas do supra-rogatório. Ao compará-Ias com o dever de respeito, que é um dever perfeito, Kant afirma, na "Doutrina da virtude", o seguinte:" "A falha em cumprir meramente os deveres de amor é falta de virtude (peccatum). Mas a falha em cumprir o dever que é produzido pelo respeito devido a todo ser humano é um vício (vitium)"· (6: 465). Se alguém falha em relação ao cumprimento dos deveres de 5 A elucidação da relação entre a ética kantiana e as ações supra-rogatórias depende da definição das segundas. Marcia Baron (1995, p. 21-58) defende que a ética de Kant não deixa espaço para ações supra-rogatórias, mas que as exigências que levam ao super- rogatório são cumpridas pela divisão entre deveres perfeitos e imperfeitos. Por outro lado, Onera O'Neill (1975) afirma que, se super-rogatórios são atos não-obrigatórios, mas que contêm valor moral, então há espaço para eles na ética kantiana. 27 II1nOr,isto é, se não tem empatia em relação às dificuldades alheias, ou se I\:io tenta fazer algo prático para atenuar a miséria dos que sofrem, pode- 11'dizer que comete uma falta de virtude. Sem dúvida, o agente que rumpre os deveres ditos imperfeitos deve ser reputado moralmente 111[erior ao que não os cumpre. Todavia, "ninguém é prejudicado se os Ilcveres de amor são negligenciados" (KANT, 6: 465); 'podemos dizer, portanto, que Kant não subtrai a importância dos deveres de beneficência, 11\:1ressalva que seu não-cumprimento não causa grandes danos, ainda IIII seu cumprimento tenha seu valor moral reconhecido: Uma pessoa 11\1ajuda os outros, sendo generosa em relação ao seu tempo e dinheiro, 1'1sem dúvida, melhor do que uma pessoa incapaz de atos de generosidade I' s lidariedade. Contudo, a não-realização de ações generosas não 1I1.judica ninguém nem põe ninguém em pior situação do que a que já se .-ncontra; entretanto, a mentira, o não-cumprimento de promessas etc. 1I1'judica outras pessoas. Há decerto um núcleo central da filosofia moral l untiana, em que se reúnem os deveres negativos, ou os que versam /11ll,re o que não se deve fazer a fim de evitar o dano a outrem; no entanto, IIll)1'aesse núcleo central,' prescrevem-se certas ações virtuosas cuja 1unsecução é vivamente encorajada, ainda que sua não-realização não 111'1\1'1'te dano a outrem: 1'1'6 e contras da filosofia kantiana Vimos já algumas das críticas e objeções dirigidas à teoria kantiana 1111(I i a.tEm resumo, contesta-se que a moral formulada por Kant seria 1IIIIIIIl1ente formal, dispondo um conjunto de exigências mínimas, 111"qirovidas de substância real. 'A leitura da "Doutrina da virtude", como lil 11\.ncionamos, pode replicar a crítica do suposto formalismo kantiano, \·1tio que nesse texto são apresentados o que convém denominar deveres 1111uivos, ligados à promoção da felicidade alheia.' utra crítica freqüente a Kant acusa-o de não apontar nenhuma . unsldcração mais rigorosa sobre a maximização da felicidade, o que não 111111proporcionaria uma forma apropriada de decidir entre os deveres I IlIli[l .titivos. Suponhamos uma situação em que a vida de alguém ,1111I'lidede uma mentira. Poderemos dizê-Ia? No texto "Sobre o direito -=---:;-- .. _-~~-~- - -._-- -- ~. e q p s p a e e c 28 ÉTICA de mentir por amor à humanidade", Kant defende que não devemos mentir ainda que com isso possamos salvar a vida de alguém. Embora a defesa dessa posição seja demais complexa, é preciso reconhecer que uma solução desse tipo fere a intuição moral comum, posto que a perda da vida parece significar um mal maior do que a falta com a verdade. A crítica procede nesse sentido. Kant, todavia, propõe uma medida razoável para definir a decisão moralmente apropriada quando confluem deveres perfeitos e deveres imperfeitos: os primeiros devem prevalecer sobreos segundos. \Um dos maiores problemas a esse respeito reside no procedimento do imperativo categórico e em sua capacidade de realmente averiguar se as máximas são ou não morais. ~'ant alude a uma contradição gerada pela universalização da máxima. Para evitar os problemas de interpretação que adviriam se tomássemos essa contradição como resultante lógica, Christine Korsgaard, comentadora da teoria moral kantiana, sugere que a contradição seja interpretada como contradição pragmática, considerando que, de fato, se se universalizasse a máxima, a própria intenção do agente não poderia consumar-se: se quiséssemos, por exemplo, fazer uma promessa falsa e universalizássemos essa máxima, veríamos que ninguém mais acreditaria em promessas, o que impediria a realização de nossa intenção inicial, que era a de prometer e não cumprir. Contudo, ainda que o exemplo da promessa seja bem-sucedido, os demais se fundamentam em argumentos facilmente refutáveis. Retomemos o caso que trata da beneficência: alguém que passa bem e vive em boa situação pergunta se pode eleger como máxima moral o egoísmo universal, ou seja, se pode achar correto que cada um deve ter apenas o que consegue pelo seu próprio esforço, independente do auxílio alheio. O que soaria contraditório em uma máxima que preceituasse que todos obtivessem a felicidade apenas pelos seus próprios meios? Segundo Onora O'Neill, o argumento que informa os deveres de beneficência e de gratidão é a consideração de que os seres humanos aspiram à realização de alguns projetos que não podem confirmar-se sem auxílio de outros, e portanto, visto que são racionais, devem pretender contar com a assistência de outrem e desenvolver e I' 111A KANTIANA 29 I romover ummundo que trará a todos algum amparo na beneficência alheia (1989, p. 101). s argumentos kantianos relativos à beneficência e gratidão II'V.lariam, de acordo com essa autora, a inconsistência volitiva em li II ' estaria envolvida a negligência quanto às virtudes sociais da 11liklaríedade, gratidão etc. Essa inconsistência decorreria da incapacidade 111' nlcançar o que queremos sem ajuda alheia, e da razão em poder contar I 11111 a possibilidade da beneficência, eventualmente necessária para li' ti izar nossos fins. e considerássemos, entretanto, que as relações de interdependência I I'()nômica na sociedade civil ou as relações familiares não são relações 11" beneficência mas de simples cooperação, qual seria a contradição em I 111 iceber um mundo de egoístas racionais não-beneficentes? Onde estaria .uontradição relativa à universalização de uma máxima que expressasse 11 'fi ísmo racional da seguinte fórmula: devo fazer o que está em meu 1111\1 r para realizar meus fins e os outros devem fazeroque está emseu poder 11111';\ realizar seus fins? A necessidade de ajuda diz respeito a quem ocupa posição ,II'K(nvorável na sociedade. Se nossa posição é, por exemplo, favorável I I unomicamente, não está claro por que necessitaríamos de ajuda. 1111I argumento análogo é defendido por Barbara Herman (1993, p. 48- ',I). Segundo ela, não há uma razão moral que demonstre a contradição ,lil vontade no caso da beneficência. No exemplo da não-beneficência, IlIllI 'ríamos resolver de duas formas o conflito da vontade que quer ser til ulada: ou abandonando a atitude de nunca ajudar alguém ou admitindo '1"(, a atitude de precisar de ajuda deva ser considerada apenas um I1 ilvrável desejo não satisfeito. Como analogia, é possível examinar ou tro I cmplo. o dilema moral de não poupar e saber que se pode necessitar de .lluheiro no futuro; podemos resolver essa situação, ou rompendo o hnhito de não poupar ou assumindo o risco de ver nossos desejos futuros 1lI'lilrisfeitos. Quando universalizada, a máxima de não-beneficência pode ter duas ,I ti lições diferentes: ou devemos abandonar a postura egoísta, ou devemos 111111m o risco de não ter ajuda no futuro. Não há, pois, contradição na 30 ÉTICA p vontade calcada na máxima da não-beneficência, já que ela pode considerar razoável adotar a segunda solução. Uma vez que, no exemplo, o agente não enfrenta dificuldade nem vive situação difícil, pode-se pensar que o risco de um acidente futuro - em que ele ficaria sem ajuda caso mantivesse sua prática de não-beneficência e desejasse um mundo em que essa regra valesse para todos - é um risco que ele pode aceitar. Segundo Herman, a única maneira de se reelaborar o exemplo de modo que a política de não-beneficência seja condenada é seguir a proposição de John Rawls, em seu curso sobre Kant. Na reconstituição do exemplo, Rawls sugere que se acrescente um véu de ignorância ao exemplo, de sorte que não seja possível ao agente nem determinar a probabilidade futura de necessitar de ajuda nem a sua própria tolerância ao risco, posto que esse véu hipotético o impede de conhecer previamente sua posição social e suas próprias características psicológicas. Complementando o conceito do imperativo categórico com a hipótese teórica do véu de ignorância, Rawls conseguiria tornar os fatos particulares, relativos aos agentes, moralmente irrelevantes para a determinação dos deveres, eliminando as diferenças de julgamento produzidas por diferenças quanto ao risco de cada um e à tolerância a essa situação, que cada um teria em função de sua posição social. Assim, "restringindo as informações, o véu de ignorância permite-nos utilizar a forma da razão prudencial comum para obter resultados morais sobre o procedimento do imperativo categórico" (HERMAN,1993, p. 50). Herman salienta, entretanto, que a negação de informações relevantes sobre o próprio agente moral não segue o espírito kantiano dos exemplos dados, onde a consideração das características particulares do agente é a premissa natural e necessária para o julgamento moral. Exatamente porque se encontra em situação particular, o agente pensa que pode agir de uma forma que outros não poderiam, como, por exemplo, mentindo para evitar uma situação embaraçosa. Ele não poderia convencer-se de seu equívoco apenas porque o que o distingue dos outros é moralmente irrelevante, mas sim porque essa distinção não basta para que lhe seja justificado um direito de exceção. O expediente de Rawls, ainda que eficiente teoricamente, não seria portanto, segundo Herman, fiel ~ v h p C A e q P 5 p a e I' IICA KANTIANA 31 I uustrução dos exemplos utilizados por Kant para atestar a moralidade 111'máximas, nos quais a situação particular do agente é a razão pela qual li' indaga a. moralidade de determinada máxima. No exemplo a que 11'I'orremos, o agente questiona sobre a moralidade da não-beneficência I uramente porque se encontra em uma boa situação. A universalização implícita na primeira fórmula do imperativo 1I11. órico, tanto na versão da fórmula da lei universal quanto na fórmula II11I i da natureza, é insuficiente para combater o egoísmo racional uulversal, na medida em que não esclarece qual contradição adviria de I' querer a não-benevolência. Parece-nos que a única possibilidade di' fundamentar a beneficência seria, não mediante a prova da I unrradíção da universalização da não-beneficência, mas sim pela 1IIIIl1ulada humanidade: considerar o outro como fim em si da ação 111111'<11é ajudá-lo a promover sua felicidade, independentemente das , unsiderações sobre o bem-estar ou sobre a eventual necessidade de ,1I11l1;1do agente. Essa formulação encontra-se na "Doutrina da virtude", ,,11I'ilem que Kant afirma que a promoção da felicidade alheia é a , unscqüência natural da chamada fórmula da humanidade, que 1IIIIIIImente recomenda considerar as outras pessoas como a própria 1IIIItIidade da ação moral. Entanto, não obstante fosse possível justificar ,I lxncficência por meio da fórmula da humanidade, ainda restaria uma lruqucza do imperativo categórico na sua primeira formulação, como lei uulv .rsal ou natural, e não deixaria de ser questionável a idéia de , 11111radição necessária na universalização de máximas não-morais. 1,\ lura complementar m dos melhores artigos sobre a estratégia da filosofia kantiana , ",' .lf-understanding and philosophy" de Paul Guyer, publicado na 11vista da Sociedade Kant Brasileira, Studia Kantiana (vol. 1, 1998). 11,1111smo autor é a organização de um volume sobre a Fundamentação, 1IIIII1IIadoGroundwork of metaphysics of morais: critical essays (GUYER, 11)1)11).Recomendamos a leitura do texto de Dieter Henrich "The ,1,,\111.tion of morallaw: the reasons for the obscurity of the final section "I Knnt's groundwork" (1993) e do artigo de Henry Allison "Morality p v h P c A e q p s p a e e c ÉTICA 32 and freedom: Kant's reciprocity thesis" (1998), ambos da coleção de Paul Guyer. O livro de H. Allison, Kant's theory of freedom (Cambridge University Press, 1990) já é um clássico dentro da tradição que poderíamos denominaranalitica, e apresenta com detalhe a argumentação da filosofia prática kantiana. Barbara Herman (1993) e Christine Korsgaard (1996) são exemplos da atualização e revigoração contemporânea do kantismo, corrigindo seus pontos fracos e acrescentando elementos novos à ortodoxia. Recentemente o livro Kant's ethical thought, de Allen Wood (1999), lançou uma nova luz sobre a compreensão da totalidade da filosofia prática kantiana, com ênfase especial na antropologia. Há interessante polêmica entre dois autores brasileiros sobre o tema "fato da razão": Zeljko Loparic, em "Fato da razão: uma análise semântica" (Analytica, vol. 4, p. 13-51, 1999), e Guído Almeida, em "Crítica, dedução e o fato da razão" (ib., p. 57-84). Em português vale citar também A política tensa, de Ricardo Terra(Iluminuras, 1995) que aborda a filosofia política kantiana. I I'/IULO 111 1-10 utilitarismo II~I AS MANEIRAS MAIS FÁCEIS DE ENTENDER o utilitarismo é enunciar ,li f urrna direta o seu princípio fundamental. Podemos adotar 111111, a formulação feita por um dos seus mais importantes defensores' 1111111 tuart Mill (1806-1873): ' Â convicção que aceita a utilidade ou o princíPio da maior felicidade como I) fundamento da moral admite que as ações são corretas na proporção em que promovem a felicidade, e erradas na medida em que produzem o 1'011 trário da felicidade (1987, p. 16). utilitarismo, então, afirma que a felicidade é o maior bem que podemos di 111I~:m e que as ações são corretas ou não na medida em que constituem 11I1 11IS udequados para atingir esse fim. Por isso, o utilitarismo é uma ética I1 11'1 ilógica, isto é, uma ética que visa a uma finalidade. A suposição I, I 11'11 dessa ética define a moralidade de um ato pela felicidade que dele 11/1'1'11), 1II"w história do utilitarismo pesar de ter sido formalmente elaborado só na modernidade por 11 I1 I)lY Bentham (1748-1832), o utilitarismo vem de uma história mais 11 111111; 1. Alguns elementos importantes dessa teoria ética podem ser , 111 111 I lrados na filosofia da Antigüidade: Aristóteles (384-322 a.C}, na , d 1\ I I 1,'(uica Nicomaciiea (Ética a Nicômaco), elegia a felicidade como bem 11/111'1110, e Epicuro (341-270 a.C}, em suas lições, pregava que o prazer , 1111\'111 em vista do qual fazemos todas as coisas. Na modernidade, além ,I, tvlil1 c Bentham, Hutcheson (1694-1746), Hume (1711-1776) e d,ll:\IIi ·k (1838-1900) também aderiram ao utilitarismo. Como veremos 111111:1 ucliante, vários autores da ética contemporânea elaboraram novas
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