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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos 
 
Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 1 de 206 
 I. Iniciação à Atividade Filosófica 
 
 
1. Abordagem introdutória à filosofia e ao filosofar 
 
1.3. A dimensão discursiva do trabalho filosófico 
 
Define-se por vezes as disciplinas em termos de objeto e método: 
� O objeto de estudo da aritmética elementar é as principais propriedades da adição, da 
subtração, etc. O seu método é a demonstração matemática. 
� O objeto de estudo da biologia é as propriedades dos organismos vivos. O seu 
método é a observação e a elaboração de teorias que depois são testadas, por vezes em 
laboratórios. 
Objeto e método da filosofia: 
� A filosofia tem como objeto os conceitos mais básicos que usamos nas ciências, nas 
artes, nas religiões e no dia a dia. A filosofia estuda conceitos como os seguintes: o bem 
moral, a arte, o conhecimento, a verdade, a realidade, etc. 
� O seu método é a troca de argumentos, a discussão de ideias. 
As definições deste tipo não são muito informativas. Para compreender o que é a 
filosofia o melhor é ver alguns exemplos do que se faz em filosofia. 
 
Exemplos de problemas da filosofia: 
� Será que tudo é relativo? 
� Será que a vida tem sentido? E se tem, qual é? 
� Como se justifica a existência do Estado, das Leis, e da Polícia? 
� Será que não faz diferença fazer sofrer os animais? 
� Será que Deus existe realmente, ou será que os ateus têm razão e os crentes estão 
enganados? 
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Estes problemas surgem naturalmente da nossa capacidade para pensar, em contacto 
com o mundo. Outros problemas surgem da nossa reflexão sobre as ciências, as 
religiões e as artes: 
� O que é realmente a arte? E o que é a música? 
� Como poderemos conciliar a existência de um Deus bom e sumamente poderoso e 
sábio com tanto sofrimento no mundo? 
� O que é realmente uma lei da física? E como podemos ter a certeza que essas leis são 
verdadeiras? 
A filosofia é uma reflexão que surge naturalmente. 
Mas nem toda a reflexão que surge naturalmente é filosófica. 
 
� As respostas pessoais às perguntas filosóficas não são respostas filosóficas. 
� Podemos e devemos partir das nossas convicções pessoais. 
� Mas só começamos a fazer filosofia quando exigimos justificações públicas para 
essas convicções. 
Características importantes da filosofia: 
� A filosofia é uma atividade crítica; 
� A filosofia é consequente; 
� A filosofia é um estudo conceptual ou a priori; 
� A filosofia é diferente da história da filosofia. 
 
O que significa dizer que a filosofia é uma atividade crítica? Significa que temos de 
justificar as nossas conclusões. E justificar conclusões é apresentar argumentos. 
 
A importância dos argumentos em filosofia: 
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� Precisamos de argumentos para mostrar que os problemas que estamos a estudar não 
são meras ilusões e confusões. Por exemplo, será que o problema do sentido da vida faz 
sentido? Porquê? 
� Precisamos de argumentos para avaliar as respostas que os filósofos e nós próprios 
damos aos problemas da filosofia. Por exemplo, será que a resposta que Platão dá ao 
problema da imortalidade da alma é boa? 
� E precisamos de saber avaliar argumentos porque os filósofos passam grande parte 
do seu tempo a apresentar argumentos a favor das suas ideias e contra as ideias que eles 
acham que estão erradas. Por exemplo, será que o argumento de Santo Anselmo a favor 
da existência de Deus é bom? 
Porque a filosofia é uma atividade critica, avalia cuidadosamente os nossos 
preconceitos mais básicos. 
O objetivo do estudo da filosofia não é repetir o que diz o professor ou o manual. O 
objetivo é aprender a pensar sobre os problemas, as teorias e os argumentos da 
filosofia. 
 
Em filosofia, o estudante tem a liberdade de defender o que quiser, mas tem de adotar 
uma atitude crítica: 
� Tem de sustentar o que defende com bons argumentos; 
� Tem de aceitar discutir os seus argumentos. 
 
� Ser crítico não é «dizer mal». Ser crítico é olhar com imparcialidade para todas as 
ideias para podermos avaliar se são verdadeiras ou não. 
� Ser crítico não é ser extravagante. Ser crítico não é dizer «Não» só para marcar a 
diferença. Ser crítico é dizer «Sim», «Não», ou até «Talvez», mas com base em bons 
argumentos. 
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A filosofia é uma atividade dialogante: consiste em trocar e discutir ideias. A 
diferença entre uma discussão filosófica e uma gritaria, por exemplo, é esta: em 
filosofia discutimos para chegar à verdade das coisas, independentemente de saber 
quem «ganha» a discussão; numa gritaria discute-se para «ganhar» a discussão, 
independentemente de saber de que lado está a verdade. 
O pensamento filosófico é consequente. Ser consequente é aceitar as consequências das 
nossas ideias. 
 
� Somos livres para defender as posições que queremos; mas teremos de ser 
responsáveis pelas consequências do que defendemos. Se defendemos que toda a vida é 
sagrada e que isso quer dizer que nunca devemos matar um ser vivo, não podemos ao 
mesmo tempo defender que se pode comer salada de alface. Se defendemos que tudo é 
relativo e que não há verdades, não podemos defender que esta ideia é verdadeira. 
Os três elementos centrais da filosofia: 
� Problemas 
� Teorias 
� Argumentos 
Os filósofos, ao longo dos séculos, têm proposto teorias que tentam resolver os 
problemas filosóficos. Essas teorias apoiam-se em argumentos. 
 
O nosso papel perante os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia é duplo: 
1. Saber formulá-los claramente. 
2. Saber discuti-los com rigor. 
Os problemas da filosofia não se resolvem olhando para o mundo para recolher 
informação. É por isso que dizemos que a filosofia é um estudo a priori ou conceptual. 
Queremos dizer que a filosofia se faz unicamente com o pensamento. 
 
� Conhecimento empírico ou a posteriori: baseia-se na experiência. 
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Exemplos: para saber se há vida em Marte é necessário enviar sondas e fazer 
observações. Para saber qual é a natureza da SIDA é necessário fazer observações e 
experiências laboratoriais. 
� Conhecimento conceptual ou a priori: baseia-se no pensamento apenas. 
Exemplos: para saber se 7 é um número par basta dividi-lo por dois e ver se o resultado 
é um número inteiro. Para saber se todos os objetos verdes têm cor basta pensar no 
conceito de verde e de cor. 
O estudo filosófico é a priori, mas temos de ter informações sobre tudo o que for 
importante para a solução dos problemas que estamos a tratar. 
 
� A filosofia é inevitável porque não é mais do que a procura sistemática de 
justificações sensatas para as nossas ideias mais básicas. 
� A filosofia opõe-se ao dogmatismo porque nenhuma ideia tem o direito de suplantar 
quaisquer outras ideias, enquanto não mostrar que é realmente melhor do que as outras. 
A filosofia é diferente da sua história. Em história da filosofia estudamos o que os 
filósofos dizem só para saber o que eles dizem. Na filosofia estudamos o que os 
filósofos dizem para discutir as suas ideias. 
 
� Estudar filosofia é como estudar música e estudar história da filosofia é como estudar 
história da música. Num caso, aprendemos a tocar um instrumento ou a compor peças 
musicais; no outro, aprendemos apenas a apreciar a música do passado. Num caso, 
aprendemos a discutir ideias e a propor ideias e a defendê-las; no outro, aprendemos 
apenasa formular as ideias dos outros. 
Para que serve a filosofia? 
� A filosofia serve para alargar a nossa compreensão das coisas, como as ciências, as 
artes e as religiões. 
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� A filosofia serve para mudar as nossas vidas, como as ciências, as artes e as 
religiões. 
Exemplos: 
� John Stuart Mill, A Submissão das Mulheres (1869) 
� Peter Singer, Libertação Animal (1975). 
Comparações de utilidade: 
� A religião é útil porque fornece orientação e conforto espiritual aos seus crentes. A 
filosofia fornece orientação a qualquer pessoa. 
� A ciência é útil porque nos ensina a curar a tuberculose, por exemplo. A filosofia 
ensina-nos a enfrentar os problemas morais levantados pela ciência. 
� As artes são úteis porque produzem obras que nos inspiram e maravilham. A 
filosofia produz ideias e argumentos que nos inspiram e maravilham, e põe a descoberto 
problemas que nos convidam a dar o nosso melhor para tentar resolvê-los. 
As razões pelas quais a filosofia serve para alguma coisa são a razões pelas quais as 
artes, as ciências e as religiões servem para alguma coisa. 
 
� Muitos dos problemas, teorias e argumentos da filosofia não têm qualquer utilidade 
prática. 
� Mas também a maior parte do que constitui as religiões, as artes e as ciências não tem 
qualquer utilidade prática. 
� E as coisas sem utilidade prática podem ter valor porque o conhecimento é algo 
suficientemente importante para ter valor em si. 
� Mesmo que só as coisas úteis tivessem valor, nunca poderíamos saber à partida quais 
das nossas ideias se viriam a revelar úteis. 
� A filosofia é útil para a vida pública de um país porque nos ensina a pensar melhor 
sobre qualquer assunto, desde que se disponha da informação adequada. 
 
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Quem sabe argumentar bem toma melhores decisões, porque as decisões que tomamos 
são baseadas em argumentos. A filosofia ajuda a tomar melhores decisões. 
 
Os argumentos 
� Um argumento é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma 
delas é a conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam 
as premissas. 
Nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Só os conjuntos de proposições 
organizadas de tal modo que justifiquem ou defendam a conclusão apresentada são 
argumentos. 
 
Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram 
explicitamente apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso 
pensamento é uma parte importante da discussão filosófica. 
 
Perante um texto que defende ideias devemos fazer o seguinte: 
1. Descobrir o que o autor quer defender. Isso é a conclusão. 
2. Descobrir que razões ele dá para defender essa conclusão. Essas razões são as 
premissas. 
3. Se o autor omitiu premissas, acrescentá-las. 
4. Formular o argumento de maneira completamente explícita. 
Definição dos conceitos nucleares 
Problema: algo que se pretende resolver; 
Conceito: é uma abstração elaborada pela razão, a partir dos dados obtidos na 
experiência, e que serve para designar toda uma classe de objetos ou seres; 
Tese: é uma proposição que se apresenta para ser defendida, no caso de impugnação. 
Tema, assunto a tratar; 
Argumento: é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma delas é a 
conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam 
premissas. 
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As disciplinas da Filosofia e os problemas de que tratam 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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II. A ação humana e os valores 
 
 
1. A ação humana – análise e compreensão do agir 
 
1.1. A rede conceptual da ação 
 
� A Filosofia da Ação é uma área interdisciplinar que colhe contributos da 
Metafísica, da Filosofia da Mente, da Psicologia e da moderna Teoria da Decisão. 
� O objeto de estudo da Filosofia da Ação é a justificação da crença na racionalidade 
da ação humana. 
� Distingue-se da Ética por não considerar os aspetos morais do agir, analisando 
apenas o que está na base da ação – crenças, desejos, intenções, motivos e causas. 
� O seu método consiste na análise das frases de ação, mediante as quais os agentes 
descrevem e explicam o que fazem: 
«Por que fizeste X?» - «Fiz X porque __________ » 
 
� O problema central da Filosofia da Ação é o de saber: 
 
Como compatibilizar a crença de que somos seres racionais com o facto de agirmos 
frequentemente de forma irracional? 
 
� Exemplos de problemas discutidos em Filosofia da Ação: 
1. O que são ações? Que acontecimentos contam enquanto ações? 
2. Como individuar ou distinguir as ações umas das outras? 
3. Como explicar a existência de preferências irracionais? 
4. Como compreender o fenómeno da acrasia? 
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «O que é uma ação?», 
analisemos o seguinte exemplo: 
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1. João deseja herdar uma fortuna e crê que o melhor a fazer para satisfazer o seu desejo 
é matar o seu pai abastado. Mas este pensamento põe-no tão nervoso que, ao conduzir 
desajeitadamente o seu carro, mata um peão que é, afinal, o seu pai! Cometeu ou não 
um parricídio? 
 
� A atribuição da responsabilidade depende de determinarmos se a morte de seu pai 
constitui, ou não, uma ação de João. 
Temos, então, de procurar qual é o aspeto que nos permite dizer que um 
acontecimento é uma ação. 
� Será a sua associação a um ser humano? Mas há acontecimentos que envolvem 
pessoas, mas que claramente não são ações – por exemplo, escorregar. 
� Será a existência de movimentos corporais? Mas há ações sem movimento 
corporal (estar imóvel a estudar) e há movimentos corporais que não são ações 
(respirar). 
� Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue 
os acontecimentos que contam como ações: 
Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a 
exibir a presença de uma intenção no agente. 
 
� O que é uma intenção? É um estado mental mediante o qual se concretiza, se anula 
ou se mantém um certo estado de coisas. 
Os desejos e as crenças, e o seu discutido papel causal nas ações, são exemplos de 
estados mentais intencionais. 
� No exemplo 1, existe claramente um desejo (herdar uma fortuna) e uma crença, e 
parece que à custa deles João concretiza um acontecimento – a morte de seu pai. Tudo 
aponta, pois, que se trate de uma ação de João. Concordas? 
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como distinguir as 
ações umas das outras?», analisemos o seguinte exemplo: 
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 2. Os membros de uma família estão sentados à mesa a comer uma feijoada. Estão 
todos a fazer a mesma ação ou ações diferentes? 
 
� Por um lado, podemos dizer que todos os familiares estão a comer a mesma coisa, 
no mesmo local e à mesma hora; 
� Por outro lado, cada pessoa poderá possuir intenções diferentes ao comer (apenas 
matar a fome, regozijar-se com o sabor dos feijões, etc.) e os seus movimentos físicos 
não são inteiramente coincidentes nem no espaço nem no tempo. 
� Existem, então, duas respostas possíveis para aquela pergunta: 
1. Diremos «sim» se considerarmosa ação «comer uma feijoada» como sendo um ato 
genérico definido como «ingestão de feijões». 
2. Diremos «não» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como algo realizado 
concretamente por alguém, nalgum lugar, a alguma hora e com movimentos físicos 
individualizados. 
� Cada uma destas respostas traduz duas conceções filosóficas diferentes da ação: 
1. A ação como uma entidade genérica e abstrata; para os filósofos que, como 
Jaegwon Kim, a concebem deste modo, uma ação é algo meramente ideal (tal como a 
ideia de Triângulo) e que pode ser exemplificado cada vez que um agente a perfaz (tal 
como exemplificamos a ideia de Triângulo ao desenharmos uma figura triangular); 
2. A ação como acontecimento concreto; para filósofos que, como Donald Davidson, a 
concebem deste modo, as ações são acontecimentos localizados no espaço e no tempo 
(têm lugar num certo sítio e a uma dada hora) e são individualmente realizados 
(feitas por alguém); 
Qual destas conceções consideras correta? Porquê? 
 
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como explicar a 
existência de preferências irracionais?», analisemos o seguinte exemplo: 
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3. Uma pessoa afirma que prefere os Limp Bizkit a Norah Jones e esta cantora a Bach. 
No entanto, diz preferir Bach aos Limp Bizkit. Como explicar esta irracionalidade das 
suas preferências? 
 
� Dizemos que as suas preferências são irracionais porque são não transitivas. 
� O que é a transitividade? É uma propriedade de relações: se uma entidade X tem 
uma certa relação com uma entidade Y e se esta entidade Y tem o mesmo tipo de 
relação com uma entidade Z, então a entidade X está nesse tipo de relação com a 
entidade Z. Exemplos: 
1. O Zé é mais alto do que o Chico; o Chico é mais alto do que o Quim. Logo, o Zé é 
mais alto do que o Quim. A relação ser mais alto do que é transitiva. 
2. O Guilherme é o pai do Pedro; o Pedro é o pai da Joana. Mas o Guilherme não é o 
pai da Joana! A relação ser pai de é não transitiva. 
� Ora, as ações são objeto de preferências e as nossas preferências, se forem 
racionais, deverão ser transitivas: 
Se preferes comer feijoada a comer filetes de pescada 
e se preferes comer filetes de pescada a comer Nestum, 
o que será racional que prefiras — feijoada ou Nestum? 
 
� É legítimo pensar que qualquer comportamento racional terá de se conformar à 
transitividade das preferências. Mas os estudos empíricos da Psicologia mostram que 
isto nem sempre acontece, o que intriga muito os filósofos. 
Como explicar a irracionalidade das preferências? 
 
� Chama-se «acrasia» a uma falta de força de vontade. Um agente tem falta de força 
de vontade se tiver o desejo de produzir um certo efeito e tiver a crença de que uma 
dada ação é a melhor forma de produzir esse efeito e, no entanto, não realizar esta ação. 
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� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como compreender o 
fenómeno da acrasia?», analisemos o seguinte exemplo: 
Se desejas verdadeiramente respeitar os direitos dos animais e se acreditas que a melhor 
maneira de o fazer é deixando de comer carne, peixe, leite ou ovos, como compreender 
que o continues a comer tudo isto? 
 
� Aristóteles refletiu sobre a acrasia e pensou que a explicação das ações acráticas só 
poderia ser feita se dispusesse de um modelo de explicação de ações racionais. Esse 
modelo explicativo ficou conhecido como «silogismo prático»: 
1. O agente tem o desejo de produzir um efeito E. 
2. O agente crê que fazer a ação A é o melhor modo de alcançar E. 
3. Logo, o agente faz A 
 
� Neste modelo as premissas 1 e 2 são a justificação racional da ação enunciada na 
conclusão, em 3. Se os agentes forem racionais, deverão poder explicar as suas ações 
com base nos seus desejos e crenças, com os quais as ações devem ser coerentes. 
� Numa ação acrática, isto não acontece. Vejamos o exemplo do fumar como 
resultado de fraqueza irracional da vontade: 
1. O António tem o desejo de ser saudável. 
2. O António acredita que não fumar é a melhor maneira de ser saudável. 
3. No entanto, o António fuma. 
 
Assim concluímos que para falar de ação, implica falar de um agente, uma intenção e 
uma motivação. 
 
Sendo resumido neste quadro: 
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Definição dos conceitos nucleares 
 
Ação: é uma interferência consciente e voluntária de um ser humano (o agente), dotado 
de razão e de vontade, no normal decurso das coisas, que sem a sua inferência seguiriam 
um caminho distinto; 
Agente: é o ser humano que realiza consciente e voluntariamente uma ação; 
Intenção: é o para quê, isto é, o propósito que o agente quer atingir; 
Motivo: é a razão pela qual ele age. 
 
 
 
 
 
Intenção Motivo Agente 
� o mesmo que projeto, isto 
é, aquilo que nos propomos 
fazer ou o propósito da ação 
(implica a tomada de 
consciência do sentido dos 
nossos atos); 
� o sentido da ação, isto é, o 
significado atribuído a uma 
ação, identificado através da 
resposta à pergunta «o quê?»; 
� o objeto da decisão e a 
estratégia escolhida para o 
concretizar. 
� identifica aquilo que explica e 
permite compreender a intenção, 
isto é, as suas razões; 
� refere-se ao porquê da intenção, 
ou seja, «o que é que levou A a 
fazer X»; 
� distingue-se do conceito de 
causa, porque ao identificarmos os 
motivos não podemos considerar 
que existe sempre entre eles e a 
intenção uma relação necessária; há 
que ter em conta a intervenção da 
vontade. A causa faria ocorrer a 
ação independentemente da vontade 
do agente. 
� o autor da intenção e da 
ação ,isto é, o que pratica a 
ação; 
� identifica aquele que, por 
sua iniciativa (livre e 
voluntariamente), produz 
alterações no decorrer 
normal das coisas; 
� por ser o autor, isto é, 
aquele que pratica uma ação 
intencionalmente, é aquele a 
quem se atribui a 
responsabilidade da ação, 
isto é, aquele que responde 
por ela. 
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 II.A ação humana e os valores 
 
 
1. A ação humana – análise e compreensão do agir 
 
1.2. Determinismo e liberdade na ação humana 
 
� A liberdade de ação é um importante tópico discutido em Filosofia. Na tradição 
ocidental moral, religiosa e jurídica, conceitos como os de responsabilidade, culpa e 
imputabilidade estão vinculados ao de liberdade. 
� Nessa tradição, um agente é responsabilizável por uma ação apenas no caso de ter 
sido livre para agir como agiu. Por exemplo, um indivíduo é culpado aos olhos de Deus 
se tiver pecado quando podia não o ter feito; um criminoso é imputável aos olhos da 
Justiça se tiver cometido um crime quando podia evitá-lo. 
Mas se alguém é forçado a agir de uma certa forma, será legítimo responsabilizá-lo 
pela sua «ação»? 
� Que “forças” condicionam as nossas ações? Podemos reconhecer três tipos de 
condicionantes da ação: 
1. Físicas: as ações dependem da estrutura anatómica e fisiológica do agente e das leis 
naturais que regem os fenómenos do mundo; 
2. Psicológicas: a personalidade, o caráter, a força de vontade ou a falta dela, os 
estímulos e as motivações são aspetos que influenciam o tipo de ações que 
empreendemos; 
3. Culturais: as vivências, as normas, as tradições, os hábitos e costumes, e todas as 
circunstâncias políticas, económicas e sociais que, enquanto agentes, nos relacionam 
com outros agentes, condicionam claramente as nossas ações. 
� Será que as condicionantes da ação impossibilitam a liberdadede ação? Seremos 
realmente livres ou a será a liberdade apenas uma ilusão? 
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Para compreendermos o significado desta pergunta, teremos de dominar uma noção 
essencial – a de causalidade. 
� Uma cadeia causal é uma sucessão de acontecimentos na qual cada um deles é causa 
do acontecimento que lhe sucede e cada um deles é efeito do acontecimento que o 
antecede: 
 
 
� Uma conceção determinista da ação salienta que as ações são acontecimentos que 
têm lugar no mundo e que, portanto, estão integradas em cadeias causais: ora são 
efeitos de acontecimentos anteriores (mentais ou físicos); ora são causas de 
acontecimentos posteriores. 
� Por outro lado, pensamos que devemos responder por muitos dos nossos atos, de que 
somos responsáveis em consequência da nossa liberdade. Esta é uma visão não 
determinista da ação. 
� Isto gera um dilema, conhecido como «dilema de Hume»: 
Se o determinismo for verdadeiro, então as nossas ações são causadas por 
acontecimentos remotos que não controlamos, tornando-se inevitáveis, não sendo nós 
responsabilizáveis pelo que fazemos; se o determinismo for falso, então as nossas 
ações são aleatórias, pelo que também não somos responsabilizáveis por elas. 
Conclusão: em qualquer caso, não há livre arbítrio nem responsabilidade. 
 
� O problema do livre arbítrio pode agora ser precisamente formulado: 
 
Como compatibilizar a crença de que todos os acontecimentos, incluindo as ações, são 
causalmente determinados, segundo as leis da natureza, com a crença de que o 
Homem é livre e responsável pelas ações? 
 
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� As respostas tradicionais ao problema do livre-arbítrio podem ser divididas em 
teorias compatibilistas e teorias incompatibilistas. 
� As primeiras defendem que o livre-arbítrio é compatível com o determinismo; as 
segundas defendem que o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo. 
� Teorias que respondem ao problema do livre-arbítrio: 
Exemplo do problema do livre-arbítrio 
 
� O problema do livre-arbítrio, um dos mais antigos e intratáveis da filosofia, começa 
com uma certa inadequação terminológica. A expressão portuguesa "livre-arbítrio", 
assim como a expressão "liberdade da vontade", que é tradução do inglês "freedom of 
the will", são enganosas, pois nem o juízo nem a vontade são os fatores preponderantes. 
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Menos comprometida seria a expressão "liberdade de decisão" ou "liberdade de 
escolha" ou, melhor ainda (posto que mais abrangente), "liberdade de ação". 
� Feita essa advertência terminológica, passemos à exposição do problema. Ele diz 
respeito ao conflito existente entre a liberdade que temos ao agir e o determinismo 
causal. Podemos introduzi-lo considerando as três proposições seguintes: 
1. Todo o evento é causado. 
2. As nossas ações são livres. 
3. Ações livres não são causadas. 
� A proposição 1 parece geralmente verdadeira: cremos que no mundo em que vivemos 
para todo evento deve haver uma causa. A proposição 2 também parece verdadeira: 
quando nos observamos a nós mesmos, parece óbvio que as nossas decisões e ações são 
frequentemente livres. Também a proposição 3 parece verdadeira: se as nossas ações 
fossem causalmente determinadas, elas não poderiam ser livres. 
� O problema do livre-arbítrio surge quando percebemos que as três proposições acima 
formam um conjunto inconsistente, ou seja: não é possível que todas elas sejam 
verdadeiras! Se admitimos que todo evento é causado e que a ação livre não é 
causalmente determinada (que as proposições 1 e 3 são verdadeiras), então não somos 
livres, posto que as nossas ações são eventos (a proposição 2 é falsa). Se admitimos que 
as nossas ações são livres e que como tais elas não são causalmente determinadas (que 2 
e 3 são proposições verdadeiras), então não é verdade que todo o evento seja causado (a 
proposição 1 é fa1sa). E se admitimos que todo o evento é causado e que somos livres 
(que as proposições 1 e 2 são verdadeiras), então deve haver a1go de errado com a ideia 
de liberdade expressa na proposição 3. 
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� Cada uma dessas alternativas possui um nome e foi classicamente defendida. A 
primeira delas é chamada de determinismo; ela consiste em negar a verdade da 
proposição 2, ou seja, que somos realmente livres. Ela foi mantida por filósofos como 
Espinosa, Schopenhauer e Henri d'Holbach. A segunda alternativa chama-se libertismo: 
ela não tem problemas em admitir que o mundo ao nosso redor é causalmente 
determinado, mas abre uma exceção para muitas de nossas decisões e ações, que sendo 
livres escapam à determinação causal. Com isso o libertismo rejeita a validade universal 
do determinismo expressa pela proposição 1. Essa é a posição de Agostinho, Kant e 
Fichte. Finalmente há o compatibilismo, que tenta mostrar que a liberdade de ação é 
perfeitamente compatível com o determinismo, rejeitando a ideia de liberdade expressa 
na proposição 3. Historicamente, Hobbes, Hume e Mill foram famosos defensores do 
compatibilismo. No que se segue, quero considerar isoladamente cada uma dessas 
soluções, argumentando finalmente a favor do compatibilismo. 
1. Determinismo 
� O determinismo parte da consideração de que, da mesma forma que podemos sempre 
encontrar causas para os eventos físicos que nos cercam, podemos sempre encontrar 
causas para as nossas ações, sejam elas quais forem. Com efeito, sendo como somos 
produtos de um processo de evolução natural, seria surpreendente se as nossas ações 
não fossem causadas do mesmo modo que o são outros eventos biológicos, tais como a 
migração dos pássaros e o fototropismo das plantas. Mesmo que o princípio da 
causalidade não seja garantido e que no mundo da microfísica ele tenha sido inclusive 
colocado em dúvida, no mundo humano, constituído pelas nossas ações, pensamentos, 
decisões, vontades, esse princípio parece manter-se plenamente aceitável. De facto, 
admitimos que as decisões ou ações humanas são causadas. Alguns poderão dizer que 
Napoleão invadiu a Rússia por livre decisão da sua vontade. Mas os historiadores 
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consideram parte do seu ofício encontrar as causas, procurando esclarecer as motivações 
e circunstâncias que o induziram a tomar essa funesta decisão. Na determinação das 
nossas ações, as causas imediatas podem ser externas (alguém decide parar o carro 
diante de um sinal vermelho) ou internas (alguém resolve tomar um refrigerante), sendo 
geralmente múltiplas e por vezes muito difíceis de serem rastreadas. No entanto, teorias 
biológicas e psicológicas (especialmente. a psicanálise) sugerem que as nossas ações 
são sempre causadas; "Fiz isso sem nenhuma razão" raramente é aceite como desculpa. 
� Com base em considerações como essas, a conclusão do filósofo determinista é a de 
que o livre-arbítrio na verdade não existe, posto que se a ação fosse realmente livre ela 
não seria determinada por outros fatores independentes dela mesma. A liberdade que 
parecemos ter ao tomarmos as nossas decisões é pura ilusão, produzida por uma 
insuficiente consciência das suas causas. Mesmo quando pensamos que poderíamos ter 
agido de outro modo, o que queremos dizer não é que éramos realmente livres para agir 
de outro modo, mas simplesmente que teríamos agido de outro modo se o sentimento 
mais forte tivesse sido outro,se soubéssemos aquilo que agora sabemos etc. O 
argumento a favor do determinismo pode ser assim esquematizado: 
1. Todo o evento é causado. 
2. As ações humanas são eventos. 
3. Portanto, todas as ações humanas são causadas. 
4. As ações humanas só são livres quando não são causadas. 
5. Portanto, as ações humanas não são livres. 
� A posição determinista encontra, porém, dificuldades. Não é só o sentimento de que 
somos livres que perde a validade. Também o sentimento de arrependimento ou 
remorso parece perder o sentido, pois como se justifica que nós possamos arrepender-
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nos das nossas ações, se não fomos livres para escolhê-las? Também a responsabilidade 
moral perde a validade. Se nas nossas ações somos tão determinados como uma pedra 
que cai ao ser solta no ar, faz tão pouco sentido responsabilizar uma pessoa pelos seus 
atos quanto faz sentido responsabilizar a pedra por ter caído. Tais dificuldades levam-
nos a considerar a posição oposta. 
2. Libertismo 
� O libertista rejeita o determinismo por considerar as conclusões acima inaceitáveis. 
Ele também rejeita a primeira premissa do argumento determinista. O princípio da 
causalidade, enunciável como "Todo o evento tem uma causa", não parece ter a sua 
validade universal garantida. Certamente, esse princípio é extremamente útil, valendo 
em geral para o mundo que nos circunda e mesmo para muitas de nossas ações. Mas 
nada nele garante que a sua validade seja universal. Não podemos pensar que A = ~A 
ou que 1 + 1 = 3, mas podemos perfeitamente conceber um evento no universo surgindo 
sem nenhuma causa. A isso o libertarista poderá adicionar que nós simplesmente 
sabemos que somos livres. Há uma grande diferença entre um comportamento reflexo e 
um comportamento resultante da decisão da vontade. Nós sentimos que no último caso 
somos livres, que podemos decidir sempre de outro modo. 
� Para justificar essa posição, o libertista costuma lançar mão de uma teoria da ação, tal 
como foi defendida por Richard Taylor ou por Roderick Chisholm. Segundo essa teoria 
às vezes, ao menos, o agente causa os seus atos sem qualquer mudança essencial em si 
mesmo, não necessitando de condições antecedentes que sejam suficientes para 
justificar a ação. Isso acontece porque o eu é uma entidade peculiar, capaz de iniciar 
uma ação sem ser causado por condições antecedentes suficientes! Você poderá 
perguntar-se como isso é possível. A resposta geralmente oferecida é que não pode 
haver explicação. Para responder a uma pergunta como essa teríamos de interrogar o 
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próprio eu, considerando-o objetivamente. Mas, como quem deve considerar 
objetivamente o eu só pode ser aqui o próprio eu, isso é impossível. Tentar interrogar o 
próprio eu é tentar, como o barão de Münchausen, alçar-se sobre si mesmo pondo os pés 
sobre a própria cabeça. O eu da teoria da ação é um eu esquivo [...]. Ele é um eu 
autodeterminador, capaz de iniciar ações sem ser causado. Somos, quando agimos, 
semelhantes ao deus aristotélico: somos causas não causadas, motores imóveis. O 
argumento que conduz à teoria da ação tem a forma: 
1. Não é certo que todo o evento é causado. 
2. Sabemos que as nossas ações são frequentemente livres. 
3. As ações humanas livres não podem ser causadas. 
4. Portanto, a ação humana não precisa de ser causada. 
� Embora essa solução preserve a noção de livre agência, ela tem o inconveniente de 
explicar o obscuro pelo que é mais obscuro ainda, que é um mistério a ser aceite sem 
questionamento. A pergunta que permanece é se não há uma solução mais satisfatória. 
A solução que veremos a seguir, o compatibilismo, é hoje a mais aceite, sendo uma 
maneira de tentar preservar as vantagens das outras duas sem as correspondentes 
desvantagens. 
3. Compatibilismo: definições 
� Segundo o compatibilismo, também chamado de determinismo moderado ou 
reconciliatório, nós permanecemos livres e responsáveis, mesmo sendo causalmente 
determinados nas nossas ações. O raciocínio que conduz ao compatibilismo tem a 
forma: 
1. Todo o evento é causado. 
2. As ações humanas são eventos. 
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3. Portanto, todas as ações humanas são causadas. 
4. Sabemos que as nossas ações são às vezes livres. 
5. Portanto, as ações livres são causadas. 
� Um bom exemplo de argumento em defesa do compatibilismo é o de Walter Stace, 
para quem nós confundimos o significado da noção de liberdade na sua conexão com o 
determinismo. Segundo Stace, o determinista acredita que a liberdade da vontade é o 
mesmo que a capacidade de produzir ações sem que elas sejam determinadas por causas. 
Mas isso é falso. Se assim fosse, uma pessoa que se comportasse arbitrariamente, 
mesmo que contra a sua própria vontade, seria um exemplo de pessoa livre. Mas o 
comportamento arbitrário não é visto como um comportamento livre. A diferença entre 
a vontade livre e a vontade não-livre não deve residir, pois, no facto de a segunda ser 
causalmente determinada e a primeira não. Além disso, tanto no caso de ações livres 
como no caso de ações não-livres, nós costumamos encontrar determinações causais, 
como mostram os seguintes exemplos, os três primeiros tomados do texto de Stace: 
A. Atos livres B. Atos não-livres 
1. Gandi passa fome porque quer libertar 
a Índia. 
Um homem passa fome num deserto 
porque não há comida. 
2. Uma pessoa rouba um pão porque está 
com fome. 
Uma pessoa rouba porque o seu patrão a 
obrigou. 
3. Uma pessoa assina uma confissão 
porque quer dizer a verdade. 
Uma pessoa assina uma confissão porque 
foi submetida a tortura. 
4. Uma pessoa decide abrir uma garrafa 
de champanhe porque quer brindar ao 
Ano Novo. 
Uma pessoa toma uma dose de aguardente, 
mesmo contra a sua vontade, porque é 
alcoólica. 
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� Note-se que a palavra "porque", que denota causalidade, é comum a ambas as 
colunas. Assim, a coluna A não difere da coluna B pelo facto de não podermos 
encontrar causas das ações, decisões e volições dos agentes. E às causas apresentadas 
podemos adicionar ainda outras, como razões psicológicas e biográficas de Gandi, o 
costume de brindar ao Ano Novo abrindo uma garrafa de champanhe etc. Mesmo nos 
casos de decisões arbitrárias (como quando alguém decide lançar uma moeda no ar para 
que a sorte decida o que deve fazer), a decisão de escolher arbitrariamente também 
possui alguma causa. 
� A diferença notada por Stace entre as ações livres da coluna A e as não-livres da 
coluna B é que as primeiras são voluntárias, enquanto as segundas não. Daí que ele 
defina a diferença entre a vontade livre e não-livre como residindo no facto de que as 
ações derivadas da vontade livre são voluntárias, enquanto as ações derivadas da 
vontade não-livre são involuntárias, no sentido de se oporem à nossa vontade ou de 
serem independentes dela. Se Gandi passa fome para libertar a Índia, se alguém rouba 
um pão por estar com fome, essas são ações livres, posto que voluntárias; mas se uma 
pessoa assina uma confissão sob tortura ou toma uma dose de aguardente contra a sua 
vontade, essas são ações que se opõem à vontade dos agentes, por isso mesmo não são 
livres. 
� Embora a explicação de Stace seja geralmente bem-sucedida, ela não se aplica 
satisfatoriamente a alguns casos. Considere os seguintes: 
A. Atos livres B. Atos não-livres 
5. Uma pessoa abre a janela porque faz 
calor. 
Uma pessoa abre a janela por efeito de 
sugestãopós-hipnótica. 
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6. Um membro de uma equipa de 
cinema explode uma bomba para efeitos 
de filmagem. 
Um psicopata explode uma bomba porque 
ouve vozes que o convenceram a realizar 
essa ação. 
� No exemplo B-5 a pessoa abre a janela porque o hipnotizador lhe disse que meia hora 
após ser acordada da hipnose deveria abrir a janela, sem se lembrar de que faz isso por 
decisão do hipnotizador (curiosamente, se interrogada, a pessoa submetida a esse tipo de 
experiência costuma fornecer uma razão qualquer, como a de que está sentindo calor). 
� Nesse caso a pessoa realiza a ação voluntariamente, pensando que o faz por livre e 
espontânea vontade, embora na verdade o faça seguindo a instrução de quem a 
hipnotizou. No exemplo B-6, o psicopata também age voluntariamente, e o mesmo 
poderíamos dizer de casos de fanáticos, de neuróticos e, em geral, de pessoas presas a 
valores e padrões de conduta excessivamente rígidos, que sofrem por isso limitações na 
capacidade de livre deliberação, apesar de agirem voluntariamente. A ação livre deve 
aproximar-se de um ideal de racionalidade plena, o que aqui está longe de ser o caso. 
� Na minha opinião a diferença mais importante entre os casos apresentados, nas 
colunas A e B é que em B, em que a ação não é livre, o agente age sob restrição, 
coerção ou limitação externa (exemplos 1, 2, 3 e 5) ou interna (exemplos 4 e 6), 
enquanto nos casos da coluna A, em que a ação é livre, o agente age motivado por 
razões não-limitadoras ou "plenas". É difícil explicar o que sejam razões não-
limitadoras, mas a ideia é intuitiva: considere a diferença entre as razões de Gandi e as 
razões de quem age por sugestão pós-hipnótica, por força de um delírio psicótico ou de 
uma crença fanática; mesmo não-admiradores de Gandi admitiriam que as suas razões 
são comparativamente menos limitadoras, menos restritivas, mais legítimas. Admitindo 
essa distinção de grau entre razões limitadoras e não-limitadoras, chegamos a uma 
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definição inerentemente negativa da ação livre, que é mais abrangente do que a de 
Stace: 
A ação livre é aquela em que o agente não é restringido fisicamente, nem 
coagido na sua vontade, nem limitado na sua racionalidade ao realizá-la. 
 
Livre-arbítrio versus determinismo 
 
� O problema do livre-arbítrio versus determinismo surge devido a uma aparente 
contradição entre duas ideias plausíveis. A primeira é a ideia de que os seres humanos 
têm liberdade para fazer ou não fazer o que queiram (obviamente, dentro de certos 
limites ― ninguém acredita que possamos voar apenas por querermos fazê-lo). Esta é a 
ideia de que os seres humanos têm vontade livre ― ou livre-arbítrio. A segunda é a 
ideia (...) de que tudo o que acontece neste universo é causado, ou determinado, por 
acontecimentos ou circunstâncias anteriores. Diz-se de aqueles que aceitam esta ideia 
que acreditam no princípio do determinismo e chama-se-lhes deterministas. (De 
aqueles que negam esta segunda ideia diz-se que são indeterministas.) 
� Pensa-se frequentemente que estas duas ideias conflituam porque parece que não 
podemos ter livre-arbítrio ― as nossas escolhas não podem ser livres ― se são 
determinadas por acontecimentos ou circunstâncias anteriores. 
 
Definição dos conceitos nucleares 
Determinismo: princípio segundo o qual todo o fenómeno é rigorosamente 
determinado por aqueles que o precederam ou acompanham, (leis da natureza: físicas e 
biológicas) ou (plano sobrenatural: vontade de Deus, força do destino) sendo a sua 
ocorrência necessária e não dependente da vontade do agente; 
Liberdade: é ter a possibilidade de escolher e de decidir o que fazer de nós próprios, 
que tipo de pessoa nos propomos construir tendo em conta todos os fatores e 
condicionalismos circunstanciais que o contexto vivencial nos proporciona e que são 
simultaneamente limitações e desafios; 
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Liberdade humana: capacidade de autodeterminação, ou seja, a possibilidade e a 
necessidade de sermos nós a orientar a nossa ação e, desse modo, a definir e a moldar a 
nossa personalidade, tendo em conta as condicionantes da ação; 
Causalidade: acontecimento que sucede à cadeia causal; 
Finalidade: acontecimento que antecede à cadeia causal. 
 
II.A ação humana e os valores 
 
 
2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa 
 
2.1. Valores e valoração – a questão dos critérios valorativos 
 
Os valores são qualidades que se atribuem aos objetos. Estes orientam a nossa ação, 
isto é, a nossa ação é determinada pelos valores; pelo que é considerado justo/injusto; 
correto/incorreto pelo sujeito. 
Os valores não existem efetivamente nos objetos, ou seja, não são características dos 
objetos. Orientam as nossas ações; agimos em função daquilo que gostamos e achamos 
correto. 
Características dos valores 
Os valores são: 
� Subjetivos – quando dependem do sujeito, isto é, dois sujeitos perante um objeto 
podem ter opiniões diferentes acerca do mesmo. (Ex.: uma pessoa pode achar o objeto 
bonito e outra feio). 
� Não são coisas nem características sensíveis dessas mesmas coisas 
� São hierarquizáveis – não têm todos a mesma importância, cada sujeito tem a sua 
própria hierarquia. 
� Existem em pólos opostos – existem valores positivos e valores negativos. (Ex.: 
beleza ≠ fealdade). 
� Valor-fim e valores-meio: 
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 Valor-fim – são aqueles que valem por si mesmo (encontram-se no topo da 
hierarquia); 
 Valores-meio – são aqueles que nos permitem alcançar o valor-fim. 
� Valores espirituais e valores materiais – produzem prazer sensível 
 Valores éticos/morais 
 Valores religiosos produzem prazer espiritual 
 Valores estéticos 
� São relativos – variam de época para época; de cultura para cultura, não quer dizer 
que uns sejam mais corretos que outros. 
� São perenes – não morrem, apesar da sua subjetividade e da sua relatividade estes 
continuarão a determinar a visão que o homem tem do mundo e as suas ações. 
Critério Valorativo: Juízos e Factos 
� Facto é o aspeto da realidade, aspeto esse que pode ser descrito de uma forma 
objetiva. Quando queremos descrever objetivamente um facto, elaboramos os juízos de 
facto. 
� Juízo é enunciado onde se afirma ou nega uma coisa de outra coisa. 
� Os Juízos de facto são proposições onde se descrevem objetivamente os aspetos da 
realidade (factos). Descrevem a realidade tal como ela é, fornecendo assim informação 
sobre o mundo. São objetivos pois não dependem da perspetiva do sujeito que os 
enuncia, dependendo exclusivamente do objeto ou do facto. 
� Pelo facto de eles serem objetivos possuem valor de verdade. Quando o conteúdo do 
juízo corresponde verdadeiramente aos factos, é verdadeiro; quando, pelo contrário, não 
corresponde, é falso. 
� Os juízos de facto são os únicos que aparecem nas ciências (Ex.: leis científicas) 
� Estes são descritivos, descrevendo certos aspetos da realidade. 
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� Os Juízos de valor servem para expressar/traduzir/mostrar a avaliação, positiva ou 
negativa, que cada um de nós faz da realidade. 
Contrariamente aos juízos de facto que são objetivos, os juízos de valor são subjetivos, 
porque dependem exclusivamente da avaliação que cada sujeito faz da realidade. 
Ao fazer a sua avaliação, osujeito pretende influenciar os outros, levando-os a fazer o 
mesmo tipo de avaliação de um acontecimento sendo, por isso, parcialmente, 
normativos. 
� Assim temos: 
Exemplos: 
� Os juízos morais são os juízos de valor mais discutidos pelos filósofos. 
Estas são duas questões importantes sobre a natureza desses juízos: 
1. Os juízos morais têm valor de verdade? 
2. Se têm valor de verdade, são verdadeiros ou falsos independentemente da perspetiva 
de quaisquer sujeitos? 
� As teorias objetivistas respondem afirmativamente a ambas as questões. 
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� Vamos examinar apenas teorias que não são objetivistas. 
 
Subjetivismo 
 
� Subjetivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, mas o seu valor de verdade 
depende da perspetiva do sujeito que faz o juízo. 
� Existem factos morais, mas estes são subjetivos, pois só dizem respeito às atitudes de 
aprovação ou reprovação das pessoas. 
Duas razões para ser subjetivista: 
 
� Se as distinções entre o certo e o errado não forem fruto dos sentimentos de cada 
pessoa, então serão imposições exteriores que limitam as possibilidades de ação de cada 
indivíduo. O subjetivismo preserva a liberdade individual. 
� Quando percebemos que as distinções entre o certo e o errado dependem dos 
sentimentos de cada pessoa e que os sentimentos de uma não são melhores nem piores 
que os de outra, tornamo-nos mais capazes de aceitar as ações contrárias às nossas 
preferências. 
O subjetivismo promove a tolerância entre indivíduos. 
Objeções ao subjetivismo: 
 
� O subjetivismo permite que qualquer juízo moral seja verdadeiro. 
Por exemplo, se uma pessoa pensa que devemos torturar inocentes, então para essa 
pessoa é verdade que devemos torturar inocentes. 
� O subjetivismo compromete-nos com uma educação moral que consiste apenas em 
ensinar que devemos agir de acordo com os nossos sentimentos. 
� O subjetivismo tira todo o sentido ao debate moral. Torna absurdo qualquer esforço 
racional para encontrar os melhores princípios éticos e fundamentá-los perante os 
outros. 
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Para aprofundar esta última objeção, vejamos como o subjetivista entende os casos de 
desacordo moral: 
 
� Se a tradução do subjetivista é correta, então não há qualquer desacordo genuíno 
entre o João e a Maria. Mas há um desacordo genuíno entre o João e a Maria. Logo, a 
tradução do subjetivista não é correta. (Portanto, o subjetivismo é falso.) 
 
Emotivismo 
 
� Emotivismo: Os juízos morais são apenas frases em que as pessoas exprimem os 
seus sentimentos de aprovação ou reprovação ou tentam suscitar esses mesmos 
sentimentos nos outros. 
� Os juízos morais não têm valor de verdade. Não são proposições. 
Vantagens do emotivismo sobre o subjetivismo: 
� Não implica que qualquer juízo moral pode ser verdadeiro. 
� Proporciona um modelo mais aceitável da educação moral: esta pode ser vista como 
a tentativa de influenciar os sentimentos das crianças de várias maneiras. 
� Não implica que não há desacordos genuínos e, portanto, não exclui totalmente a 
possibilidade do debate moral. 
Duas objeções emotivismo: 
� Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de 
aprovação ou reprovação. 
� Os juízos morais nem sempre exprimem emoções. 
Definição dos conceitos nucleares 
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Valor: não é uma propriedade dos objetos em si, mas uma propriedade adquirida por 
esse objetos graças à sua relação dom o Homem como ser social, embora os objetos, 
para poderem valer, tenham de possuir realmente certas propriedades objetivas. 
Juízo de facto: são juízos que descrevem a realidade, sendo por isso considerados 
objetivos, verificáveis e suscetíveis de serem considerados verdadeiros ou falsos. 
Juízo de valor: Expressam uma apreciação de alguém a respeito de algo, traduzindo 
uma opção de natureza emotiva e afetiva; são subjetivos, discutíveis e relativos. 
 
 
II.A ação humana e os valores 
 
 
2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa 
 
2.2. Valores e cultura – a diversidade e o dialogo de culturas 
 
Relativismo moral 
� Relativismo moral: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são verdadeiros 
ou falsos. Por isso, existem factos morais. 
� A verdade ou falsidade dos juízos morais é sempre relativa a uma determinada 
sociedade. 
� Um juízo moral é verdadeiro numa sociedade quando os seus elementos acreditam 
que ele é verdadeiro, falso quando acreditam que ele é falso. 
� O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas dentro de 
cada sociedade. 
Podemos chamar «relativismo cultural» à ideia de que muitos costumes e práticas que 
variam de sociedade para sociedade, como os hábitos alimentares, as cerimónias de 
casamento ou o estilo de vestuário, são relativos à cultura: não há uma maneira de 
comer, casar ou vestir que seja universalmente melhor do que todas as outras. 
O relativista moral estende esta ideia quase trivial à ética. Aplicada à ética, no entanto, a 
ideia deixa de ser trivial. 
 
Duas razões para ser relativista moral: 
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� O relativismo promove a coesão social. Esta coesão é fundamental para a 
sobrevivência da sociedade e assim para o nosso bem-estar. 
� O relativismo promove a tolerância entre sociedades diferentes. 
Leva-nos a não ter qualquer impulso violento e destrutivo em relação aos outros povos e 
culturas. 
Objeções ao relativismo moral: 
� O relativismo moral conduz ao conformismo. Um conformista limita-se a agir de 
acordo com as ideias dominantes na sociedade. Na ausência de algum inconformismo, 
não pode haver qualquer progresso moral. 
� O relativismo moral só aparentemente promove a tolerância entre culturas diferentes: 
 
 A afirmação do valor universal da tolerância é incompatível com o relativismo. 
 Um relativista teria de aprovar atitudes de extrema intolerância se estas fossem 
consideradas boas no interior de uma dada sociedade. 
A teoria dos mandamentos divinos 
� Teoria dos mandamentos divinos: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, 
são verdadeiros ou falsos. Por isso, existem factos morais. 
� A verdade ou falsidade dos juízos morais depende da vontade de 
Deus. 
� O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas por Deus. 
O dilema de Êutifron 
 
 
 
 
 
 
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A relação entre a diversidade cultural, o relativismo e a tolerância 
� Os valores são simultaneamente absolutos e relativos. São absolutos porque existem 
em todas as sociedades e porque há valores universalmente aceites, tais como os valores 
consignados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. São relativos porque 
variam as qualidades que têm de possuir para poderem ser consideradas bens. De facto, 
todas as sociedades distinguem o bem do mal, considerando o bem um valor positivo e 
o mal um valor negativo ou contra valor. Porem, o conceito de bem e de mal é definido 
culturalmente; os valores têm um caráter histórico e mudam à medida que a sociedade e 
a cultura se transformam (dependem da época, da geografia, dos regimes políticos, das 
classes sociais, da cultura, etc.); por outro lado, a par dos valores universais como o 
valor da vida ou da liberdade, há valores em que a subjetividade é predominante, 
dependendo dos gostos e das preferências pessoais comoé o caso dos valores estéticos, 
por exemplo. 
� A evolução e progresso social acarretam o aparecimento de novos problemas e novas 
mentalidades e a necessária transformação dos valores. Hoje, o relativismo cultural é 
um valor positivo e nega-se a existência de padrões axiológicos absolutos. Isto não 
significa que não deva haver valores universais a preservar para além desse relativismo 
como é o caso do valor da vida e da dignidade da pessoa, qualquer que seja a sua 
condição (cultura que adotou, classe social, sexo, religião, cor da pele, etnia, etc.). A 
todos os seres humanos, pelo facto de seres humanos, é devida igualdade de direitos e 
de deveres, por isso, não podemos tolerar praticas culturais atentatórias da dignidade 
humana e devemos usar todos os meios para garantir o respeito pelos direitos humanos 
fundamentais em todos os países do mundo. 
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Definição dos conceitos nucleares 
Absoluto (etnocentrismo): uma tendência para colocar no centro a nossa cultura, 
considerando os seus valores e os seus padrões culturais como medida daquilo que é 
desejável e estimável para todos. 
Relativo (relativismo): aceita que comportamentos socialmente aprovados e os 
sistemas de valores dos povos com os quais se entra em contacto sejam julgados e 
avaliados sem referencia a padrões absolutos, a necessidade de tolerância pelas 
diferenças (raciais, étnicas, religiosas, sexuais) e o valor do respeito mútuo. 
Cultura: em sentido amplo, pode ser definida como os aspetos de ordem material e de 
ordem espiritual que, em relação com uma sociedade ou grupo, foram adquiridos com 
base em formas de vida ancestrais comuns. Pode-se afirmar “Sem homem não há 
cultura. Mas sem cultura não há homem.” 
 
II.A ação humana e os valores 
 
 
3. Dimensões da ação humana e dos valores 
 
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial 
 
3.1.1. Intenção ética e norma moral 
 
� Os conceitos de ética e moral são usualmente utilizados indiferentemente, para nos 
referirmos a um código ou a um conjunto de princípios que as pessoas seguem na sua 
vida. 
� A ética, deriva do grego ethos, que designava os comportamentos habituais, os 
costumes, aquilo que permite ao ser humano construir uma segunda natureza, referindo-
se, pois, à sua interioridade. 
� Assim a Ética, mantendo o significado mais próximo daquele que o próprio conceito 
grego de ethos, remete mais para uma reflexão acerca dos princípios que devem orientar 
a ação humana, para uma fundamentação das normas do agir, e também para a definição 
dos fins orientadores da existência de cada um, tendo em vista a autoconstrução de si na 
prossecução duma vida boa e feliz. Interroga-se sobre o que dá sentido ou valor à 
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existência humana. A Ética remete, portanto, para uma sabedoria de vida, algo que 
aponta já para uma certa espiritualidade e realização pessoal autónoma. 
� A moral utiliza-se hoje para designar o âmbito da formação das normas obrigatórias, 
da sua hierarquização e aplicação a casos concretos no interior duma comunidade 
humana. 
� Assim a Moral constitui, portanto, um conjunto de imperativos e de interditos, 
traduzindo o sentido de obrigatoriedade, o conjunto dos deveres do ser humano, isto é, 
uma deontologia, as normas validas no interior de um grupo. Desenvolve-se na pratica 
social, no contexto de uma cultura, no seio da qual os valores, os hábitos e os costume 
geram as leis ou códigos que definem o que é desejável e o que é permitido ou proibido, 
distinguindo o bem do mal. Apresenta-se, portanto, com uma função normativa, isto é, 
de institucionalização de normas que regulam a conduta. A Moral responde-nos, pois, às 
questões: Que devo fazer? Como é correto agir em tal circunstância? 
� Apesar desta distinção, quer a Ética quer a Moral são importantes guias da ação 
humana, no sentido em que relacionam com uma vida com projetos e ideais a alcançar. 
O sentido da palavra «desmoralizado» ajuda-nos a compreender bem, embora pela 
negativa, a sua importância: diz-se «desmoralizado» de alguém a que perdeu a 
orientação e o interesse pela vida ou pelos seus objetivos. E a Moral e a Ética apelam 
exatamente para a realização pessoal do indivíduo. Apesar desta distinção conceptual, 
muitos autores continuam a usar os dois conceitos como sinónimos. 
 
Definição dos conceitos nucleares 
Ética: (do conceito grego “ethos”) é o domínio da reflexão teórica sobre esses 
princípios e normas tendo em vista a sua definição e, sobretudo, a sua justificação 
racional. À ética diz ainda respeito a definição dos fins universais que deverão orientar a 
ação humana na autoconstrução de cada indivíduo tendo em vista tornar-se pessoa. A 
ética pode então ser entendida como fundamentação das normas morais do agir ou como 
definição dos fins orientadores da existência de cada um. 
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Moral: (do latim “mores”) designa o âmbito da formação das normas, da 
hierarquização e aplicação a casos concretos, traduzindo o conjunto dos deveres do ser 
humano. 
 
II.A ação humana e os valores 
 
 
3. Dimensões da ação humana e dos valores 
 
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial 
 
3.1.2. A dimensão pessoal e social da ética – o si mesmo, o outro e as instituições 
 
� A responsabilidade é a capacidade de responder e prestar contas pelos atos 
praticados. A responsabilidade tem duas vertentes: a responsabilidade civil, prestar 
contas pelas consequências perante terceiros, e a responsabilidade moral, prestar conta 
perante a nossa consciência pelos atos e intenções dos mesmos. 
� A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados; assumir esta 
autoria implica uma reflexão prévia que pode e deve conduzir a uma opção livre de 
constrangimentos, isto é, autónoma; esta autonomia ou liberdade é condição para se ser 
pessoa. A responsabilidade implica maturidade moral. 
� A existência humana é uma existência partilhada, isto é, vivida em coexistência com 
os outros ou, dito de outro modo, o ser humano é um ser eminentemente social. Como 
nos diz F. Savater «ninguém chega a tornar-se humano se está só: tornamo-nos 
humanos uns aos outros». 
� Os Gregos foram os primeiros a salientar a importância desta dimensão social e 
politica do ser humano, como é vísivel na definição apresentada por Aristóteles ao 
afirmar «o Homem é um animal político; aquele que vive só ou é um deus ou um 
louco», sendo por isso que a pena mais cruel infligida a um indivíduo era a condenação 
ao ostracismo, isto é, a condenação a viver isolado dos outros. 
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� Sendo assim, a dimensão ética implica que não se considerem exclusivamente os 
interesses individuais e se avaliem as situações tendo em conta também os interesses 
dos outros. 
� A relação eu-outro implica, portanto, que os nossos juízos avaliativos adotem um 
ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que são afetados 
pelas nossas ações, isto é, implica que nos coloquemos numa perspetiva de 
universalidade do agir. A ação ética exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista 
pessoal e nos coloquemos, na medida do possível, no lugar do outro (entendendo-se por 
outro todos os seres com quem nos relacionamos). Em vez do egoísmo a Ética valoriza 
o altruísmo e a solidariedade. Em vez do benefício pessoal, a Ética promove, elogia e 
estimula a consideração devalores comuns aos membros duma comunidade. 
� Valorizando os comportamentos comuns, a Ética procura assim promover a 
realização da vida social, em que a existência individual ganha sentido na vivência 
partilhada com os outros. 
� A relação com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstrução, 
evidenciando que a realização de cada um supõe também a realização dos outros, numa 
convergência de vontades particulares tendo em vista a realização de fins comuns. Mas 
o antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem sempre se 
conseguem compatibilizar e, por isso, as diferentes formas de relacionamento social 
expressas quer em competição/solidariedade, que em cooperação/hostilidade, exigem o 
estabelecimento de regras de conduta, de normas e leis que definam os direitos e 
deveres de cada um num espaço de convivência. 
� Esta convivência com os outros não deve ser determinada por uma força instintiva ou 
biológica, antes se estabelece no interior duma comunidade, em função de objetivos, 
valores e opções livremente definidos por cada sociedade. É esta convergência de ideais 
que procura dar sentido à existência da sociedade e de cada indivíduo. 
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� Nesta interação social forma-se em cada um de nós uma instância interior de 
orientação e de critica do nosso agir, a que chamamos consciência moral. 
� Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciência moral, 
costumamos compará-la a uma espécie de «juiz interior» que julga o que fazemos, 
provocando-nos, em certas situações, aquilo a que chamamos remorsos por termos 
praticado uma ação considerada má (ter a consciência pesada, ou ter um peso na 
consciência), ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos 
bem (estar de consciência tranquila). 
� O conceito de consciência moral inclui, então: 
 Um sentido apelativo, para valores e normas ideais a que não devemos renunciar 
(uma «bússola» orientadora do sentido da ação); 
 Um sentido imperativo (obrigação), que nos ordena uma ação compatível com os 
valores que defendemos (index); 
 Um sentido judicativo, pois assume-se como instância julgadora dos nossos atos e das 
próprias intenções do agente, conforme estão ou não de acordo com os valores e ideais 
a que aderimos (judex); 
 Um sentido de censura e de remorso, ou de elogio e satisfação, conforme a nossa 
vivência obedece ou não aos ideais e valores assumidos (vindex). 
� Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos, 
a consciência moral constitui-se na conjugação de duas orientações: 
CONSCIÊNCIA MORAL 
 Por um lado, cresce à medida que o 
indivíduo interioriza as regras e padrões 
do grupo (heteronomia). 
 Por outro, amadurece e assume-se como 
uma dimensão pessoal no sentido em 
que cada um se autodetermina por 
princípios racionalmente justificados 
(autonomia). 
 
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� Há pois, uma interação entre as estruturas do indivíduo e as influencias do meio 
social, uma articulação do querer individual com os padrões sociais, que conduz à 
transformação do indivíduo em pessoa. 
Noção de pessoa 
� Por pessoa entende-se o individuo humano que: 
 Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigações, para consigo mesmo, 
para com os outros e para com as instituições; 
 Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social; 
 Assume o caráter racional da sua autonomia e, portanto, a capacidade de agir livre e 
responsavelmente, isto é, em nome próprio; 
 Tem consciência do caráter inter-relacional da sua autonomia, uma vez que autonomia 
não significa autossuficiência nem indiferença pelos outros; 
 Assume a dignidade como atributo essencial do Homem, dignidade que se expressa 
numa exigência perante si mesmo, perante os outros e perante as instituições. 
� Podemos dizer então que ser pessoa exige viver em sociedade, reconhecer e respeitar 
princípios universais de relação com os outros, reconhecer-se como sujeito de direitos e 
deveres, estar aberto aos outros. 
Neste sentido foram fundadas, ao longo dos tempos, instituições políticas e sociais que 
visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e 
que demonstram a aceitação pelas sociedades da personalidade humana. 
Definição dos conceitos nucleares 
Responsabilidade: deriva etimologicamente da palavra latina «respondere», que 
significa responder pelos atos e ter a obrigação de prestar contas pelos atos praticados. 
A responsabilidade pode assumir diferentes formas: responsabilidade civil – referindo-
se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social; responsabilidade 
moral – referindo-se à obrigação de responder perante a nossa própria consciência. 
 
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II.A ação humana e os valores 
 
 
3. Dimensões da ação humana e dos valores 
 
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial 
 
3.1.3. A necessidade de fundamentação da moral – análise comparativa de duas 
perspetivas filosóficas 
 
Ética utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 d.C) 
� Filósofo e economista, considerado o mais importante representante do utilitarismo 
inglês. Embora mantenha a identificação base do utilitarismo da felicidade com prazer, 
Stuart Mill classifica os prazeres segundo um critério qualitativo, considerando em 
primeiro lugar a dignidade do Homem, e defende que o fim das nossas ações deve ser 
uma utilidade altruísta e não meramente egoísta. 
 
Duas objeções ao utilitarismo 
 
� O utilitarismo não funciona na prática, pois exige que estejamos sempre a calcular as 
consequências das nossas ações. 
� O utilitarismo, como não leva em conta as normas ou regras morais comuns, 
predispõe-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir, roubar ou matar. 
Uma resposta às objeções 
 
O utilitarismo é primariamente uma teoria sobre o que torna as ações certas ou erradas. 
O utilitarismo não é uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisões. 
 
Por isso, o utilitarismo não implica que: 
1. Temos de tomar todas as decisões calculando as consequências prováveis dos nossos 
atos. 
2. Temos de ser indiferentes às normas morais comuns quando decidimos o que fazer. 
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O utilitarista dirá que se tomássemos todas as decisões calculando as suas 
consequências acabaríamos por não promover o bem. 
O utilitarista dirá que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisões que, 
de uma maneira geral, serão boas. 
 
Dois níveis de pensamento moral 
� Nível intuitivo: Como o nosso conhecimento é muito limitado, tomamos as nossas 
decisões quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos, obedecendo às 
inclinações do nosso caráter, sem aplicar o princípio utilitarista. 
� Nível crítico: Aplicamos o princípio utilitarista para (1) tomar decisões em situações 
em que as regras morais comuns não nos permitem saber o que fazer, (2) avaliar 
criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou não o bem-estar. 
 
Duas objeções ao utilitarismo que não afetam as teorias deontológicas: 
1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que não são moralmente obrigatórios. 
É por isso, em certos aspetos, uma teoria moral demasiado exigente. 
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que não são moralmente permissíveis. 
É por isso, noutros aspetos, uma teoria moral demasiado permissiva.Integridade 
 
A excessiva exigência do utilitarismo ameaça a nossa integridade pessoal: para agir em 
conformidade com o utilitarismo, teríamos que abdicar de quase todos os nossos 
projetos e compromissos pessoais. 
 
Respeito e direitos 
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos 
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviço do fim 
do bem geral. 
 
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Dois egoísmos 
� Egoísmo psicológico: As pessoas agem sempre apenas em função do seu interesse 
pessoal. 
� Egoísmo ético: As pessoas devem agir sempre apenas em função do seu interesse 
pessoal. 
Somos todos egoístas? 
Dois argumentos a favor do egoísmo psicológico: 
1. Quando agimos voluntariamente, fazemos sempre aquilo que mais desejamos. Por 
isso, somos todos egoístas. 
2. Sempre que fazemos bem aos outros, isso dá-nos prazer. Por isso, só fazemos bem 
aos outros para sentirmos prazer. Ora, isso é o mesmo que dizer que somos todos 
egoístas. 
Em ambos os argumentos, a premissa não sustenta a conclusão: 
� Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntários as pessoas se limitam a 
fazer aquilo que mais desejam, daí não se segue que todos esses atos sejam egoístas. 
� Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros, isso não quer dizer que a 
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da ação. 
Devemos ser egoístas? 
 
Três objeções ao egoísmo ético: 
� O egoísmo ético tira todo o sentido a uma parte importante da ética, que consiste na 
atividade de aconselhar e julgar. 
� O egoísmo ético é moralmente inconsistente: não pode ser adotado universalmente. 
� O egoísmo ético derrota-se a si próprio: se uma pessoa optar por agir de forma 
egoísta, terá uma vida pior do que teria se não fosse egoísta. 
 
Utilitarismo 
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J. S. Mill defendeu o princípio utilitarista da maior felicidade: «As ações estão certas 
na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a 
produzir o reverso da felicidade.» 
 
� O utilitarismo, tal como o egoísmo ético, é uma perspetiva consequencialista. 
� Segundo o consequencialismo, agir moralmente é apenas uma questão de produzir 
bons resultados. 
� O egoísta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si próprio. 
� O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles 
que poderão ser afetados pela sua conduta. 
� Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de ação é aquele que apresentada a 
maior utilidade esperada. 
� Para determinar a utilidade esperada de um curso de ação, temos de pensar nas suas 
várias consequências possíveis e na probabilidade de essas consequências se 
verificarem. 
Hedonismo 
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa? 
� Hedonismo: O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausência de dor. 
� Hedonismo quantitativo de Bentham: Cada um dos diversos prazeres e dores da 
vida das pessoas tem um certo valor, que em última análise é determinado apenas pela 
duração e intensidade. 
� Hedonismo quantitativo de Mill: Alguns tipos de prazeres são, em virtude da sua 
natureza, intrinsecamente superiores a outros. Para vivermos melhor devemos dar uma 
forte preferência aos prazeres superiores, recusando-nos a trocá-los por uma quantidade 
idêntica ou mesmo maior de prazeres inferiores. 
O argumento da máquina de experiências contra o hedonismo: 
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� A máquina de experiências é um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma 
vida insuperavelmente aprazível. 
� Se o hedonismo é verdadeiro, então seria melhor ligarmo-nos para sempre à máquina 
de experiências. Mas é melhor não nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real. 
Logo, o hedonismo é falso. 
Satisfação de preferências 
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo: 
� O bem-estar consiste unicamente na satisfação dos desejos ou preferências. 
 
Os utilitaristas de preferências defendem esta teoria do bem-estar. 
Sustentam que a melhor maneira de agir é maximizar a satisfação das preferências 
daqueles que poderão ser afetados pela nossa conduta. 
 
O argumento da maioria fanática contra o utilitarismo de preferências: 
� Uma maioria fanática deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva. 
� Se o utilitarismo de preferências é verdadeiro, seria bom exterminar a minoria 
inofensiva. Mas é profundamente errado exterminar minorias inofensivas. Logo, o 
utilitarismo de preferências é falso. 
Ética deontológica de Kant 
Célebre filósofo alemão, um dos mais importantes filósofos da época moderna europeia. 
As mais notáveis das suas obras são a Crítica da Razão Pura (sobre gnoseologia), a 
Crítica da Razão Prática (sobre ética) e a Crítica da Faculdade de Julgar (sobre 
estética). 
Teorias deontológicas 
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontológicas colocando duas questões: 
1. O que torna as nossas ações certas ou erradas? 
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2. Quando é que nossas ações são certas ou erradas? 
No que diz respeito à primeira questão, temos estas respostas: 
� Utilitarismo: Apenas as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas. 
As nossas ações são certas ou erradas apenas em virtude de promoverem 
imparcialmente o bem-estar. 
� Deontologia: Nem só as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas. 
Muitas ações são intrinsecamente erradas, ou seja, erradas independentemente das suas 
consequências. Podemos dizer, aliás, que todos temos de respeitar certos deveres que 
proíbem a realização dessas ações. 
 
No que diz respeito à segunda questão, temos estas respostas: 
� Utilitarismo: Uma ação é certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou seja, 
quando promove tanto quanto possível o bem-estar. Qualquer ação que não maximize o 
bem-estar é errada. 
� Deontologia: Uma ação é errada quando com ela infringimos intencionalmente 
algum dos nossos deveres. Qualquer ação que não seja contrária a esses deveres não tem 
nada de errado. 
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas: 
� Fidelidade: Mantém as tuas promessas. 
� Reparação: Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito. 
� Gratidão: Retribui fazendo bem àqueles que te fizeram bem. 
� Justiça: Opõe-te às distribuições de felicidade que não estejam de acordo com o 
mérito. 
� Desenvolvimento pessoal: Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento. 
� Beneficência: Faz bem aos outros. 
� Não-maleficência: Não prejudiques os outros. 
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Deontologia 
� É na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática, que 
Kant procura esclarecer as bases teóricas em que assenta a ação moral. 
� Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant afirma a necessidade de se 
estabelecer uma filosofia moral pura, isto é, estabelecida a partir da análise da própria 
racionalidade humana e, deste modo, independentemente de tudo o que seja baseado na 
experiência. A razão é a autoridade final para a moralidade e esta não pode ter 
fundamento, isto é, não pode ser estabelecida e justificada, na observação dos costumes 
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos. Todas as ações precisam ser 
determinadas por um sentido de dever ditado pela razão, e nenhuma ação realizada por 
interesse ou somente

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