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Filosofia da matemática Como explicar a importância da matemática

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Filosofia da Física Clássica 
Cap. I 
 
1 
Filosofia da Matemática 
 
Questão: Como explicar a importância da matemática 
nas ciências naturais? 
 
 
1. A Desarrazoada Efetividade da Matemática 
 
Por que a matemática é tão importante na física? Essa é a questão que o importante 
físico húngaro Eugene Wigner (1902-95) discutiu em um artigo em que usou a curiosa 
expressão “desarrazoada (não razoável) efetividade (eficácia) da matemática”.1 A opinião de 
Wigner era que a gente não compreende porque a matemática é tão útil na física: seria uma 
espécie de “milagre”: “A lei da gravidade que Newton relutantemente estabeleceu, e que ele 
pôde verificar com uma acurácia de aproximadamente 4%, posteriormente se mostrou acurada 
numa porcentagem menor do que dez milésimos” (p. 231). Ou seja, usamos a matemática para 
descrever um domínio limitado da realidade, e às vezes essa descrição matemática se mostra 
eficaz em domínios muito mais amplos. Outro exemplo que Wigner cita é o sucesso da 
mecânica quântica (a partir de 1927) em explicar os níveis energéticos do átomo de hélio, um 
sistema bem mais complexo (por envolver dois elétrons interagentes) do que aqueles usados 
por Heisenberg para construir sua mecânica matricial. “Com certeza, neste caso, 
‘conseguimos extrair alguma coisa’ das equações que não pusemos nelas” (p. 232). 
A tese de Wigner, de que a efetividade da matemática na física é desarrazoada, 
inexplicável, exprime um certo aspecto de seu pensamento filosófico no início dos anos 60, 
uma sensibilidade a problemas não resolvidos, como o mistério da consciência humana ou o 
problema do colapso na mecânica quântica. No entanto, muitas outras respostas foram dadas a 
este problema, desde a época de Pitágoras, que considerava que a essência da natureza são 
números. Curiosamente, uma resposta semelhante à de Pitágoras foi proposta recentemente 
pelo cosmólogo Max Tegmark, para quem “nosso mundo físico é uma estrutura matemática 
abstrata”!2 
 
 
2. A Matemática na Grécia Antiga 
 
A matemática grega, partindo de Tales de Mileto (c. 625-546 a.C.) e Pitágoras de 
Samos (c. 575-495 a.C.), se caracterizou pelo esforço de demonstrar de maneira rigorosa os 
seus resultados. Os pitagóricos, reunidos onde hoje é a Sicília, defendiam que todas as 
relações científicas eram expressas por meio de números naturais (1, 2, 3, ...) ou razões entre 
tais números, os chamados números racionais, ½, ¾, etc. Em conseqüência desta concepção, 
supunham que o espaço, o tempo e o movimento eram constituídos de elementos discretos. 
Ao pitagórico Hipaso de Metaponto (nascido circa 500 a.C.) é atribuída a descoberta 
dos números irracionais, como 2 , que seria a medida da diagonal de um quadrado de lado 
1. Esta descoberta era vista como um problema para a filosofia pitagórica, e conta a lenda que 
 
1 WIGNER, E.P. (1960), “The Unreasonable Effectiveness of Mathematics in the Natural Sciences”, 
Communications in Pure and Applied Mathematics 13, 1-14, republicado em WIGNER (1967), Symmetries and 
Reflections, Indiana U. Press, Bloomington, pp. 222-37. Disponível na internet. Tradução disponível no saite do 
curso. 
 
2 TEGMARK, M. (2007), “The Mathematical Universe”, arXiv 0704.0646v1, 28 pp. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2009) Cap. I: Filosofia da Matemática 
 
 2
Hipaso teria sido lançado ao mar por seus colegas, em represália.3 Veremos no cap. II outro 
problema para a concepção pitagórica: os paradoxos de Zenão, que punham em xeque a 
concepção de que o espaço e o tempo são divisíveis. 
 Os matemáticos gregos passaram a dividir a matemática na teoria dos números, que 
estuda entidades discretas ordenadas, e na geometria, que envolve o contínuo. Essa divisão 
transparece nos Elementos, obra escrita por Euclides de Alexandria em torno de 300 a.C. Ele 
reuniu os trabalhos de Eudoxo, Teeteto e outros matemáticos, sistematizou-os, melhorou as 
demonstrações, e coligiu sua obra de acordo com o método axiomático. Os Elementos partem 
de definições, axiomas (noções comuns, princípios auto-evidentes) e postulados (suposições 
geométricas). O número 1 foi tratado como a “unidade”, e os outros como “números” 
propriamente ditos. O número 0 não estava presente, e só foi introduzido na Índia, onde se 
usava o sistema numérico posicional, juntamente com os números negativos, pelo matemático 
Brahmagupta, em 628 d.C. 
 
 
3. Os Postulados de Euclides 
 
Euclides partiu de 23 definições, como a de ponto, que é “aquilo que não tem partes”, 
e reta, que é “um comprimento sem espessura [...] que repousa equilibradamente sobre seus 
próprios pontos”. Em 1899, o alemão David Hilbert reformularia a axiomatização da 
geometria plana sem partir de definições primitivas: “ponto” e “reta” seriam definidos 
implicitamente pelos postulados. 
Os cinco axiomas usados por Euclides, em notação moderna, são: 
 
A1) Se A=B e B=C, então A=C. 
A2) Se A=B e C=D, então A+C = B+C. 
A3) Se A=B e C=D, então A–C = B–C. 
A4) Figuras coincidentes são iguais em todos os seus aspectos. 
A5) O todo é maior do que qualquer de suas partes. 
 
Os cinco postulados da geometria plana são: 
 
P1) Dois pontos determinam um segmento de reta. 
P2) Um segmento de reta pode ser estendido para 
uma reta em qualquer direção. 
P3) Dado um ponto, há sempre um círculo em que 
ele é centro, com qualquer raio. 
P4) Todos os ângulos retos são iguais. 
P5) Se a soma dos ângulos a e b for menor do que 
dois ângulos retos, então os segmentos de reta A 
e B se encontram, se forem estendidos 
suficientemente (ver Fig. I.1). 
 
 
 
 
 
 
Figura I.1: Quinto 
postulado de Euclides. 
O postulado P5 é logicamente equivalente à proposição de que, dados uma reta A e um 
ponto P fora dela, passa apenas uma reta por P que seja paralela a A. Veremos mais à frente 
como a discussão do quinto postulado levou no séc. XIX às geometrias não-euclidianas. 
 
3 Muitos detalhes da história da matemática podem ser obtidos de: EVES, H. (2004), Introdução à História da 
Matemática, trad. H.H. Domingues, Ed. Unicamp, Campinas (original em inglês: 1964). Sobre Hipaso, ver p. 
107. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2009) Cap. I: Filosofia da Matemática 
 
 3
Com esses axiomas e postulados, deduz-se boa parte da geometria plana, como o 
teorema de Pitágoras. No entanto, a base de postulados não é completa. Por exemplo, 
Euclides supôs tacitamente que uma reta que passa pelo centro de um círculo passa também 
por dois pontos do círculo, mas isso não é dedutível da base de postulados! Além disso, 
muitas verdades geométricas que dependem da noção de limite, algumas das quais formuladas 
por Arquimedes de Siracusa (287-212 a.C.), não são dedutíveis dos axiomas de Euclides.4 
A geometria euclidiana foi o paradigma de conhecimento certo e verdadeiro, na 
ciência e filosofia, até o séc. XIX. 
 
 
4. Questão Ontológica: Existem Objetos Matemáticos? 
 
Os números existem? Há 27 alunos nesta classe, isso é um fato indubitável: mas o 
número 27 existe de maneira independente, no mundo, ou apenas em minha mente? Há duas 
respostas básicas a esta questão. 
A tradição pitagórica, elaborada por Platão (428-348 a.C.), concebe que os números 
naturais são entidades reais, assim como outros objetos matemáticos, como o triângulo. Tais 
entidades, porém, não existiriam no mundo físico, mas em um mundo abstrato, ideal, para 
fora do espaço e do tempo. O filósofo Bertrand Russell, simpático a esta concepção no livro 
Problemas da Filosofia (1912), utilizou o verbo “subsistir” para designar este tipo de 
realidade, em oposição ao “existir” das coisas particulares. Essa noçãode subsistência, em 
Platão e Russell, não se limitava apenas a entidades matemáticas, mas se estendia para 
quaisquer propriedades ou relações abstratas, ditas “universais”. Assim, para Platão, aquilo 
que haveria em comum entre um ato justo de um magistrado romano e um ato justo de um rei 
asteca seria a “justiça”, um universal que subsistiria num mundo à parte do material. Os 
diferentes triângulos que desenhamos num papirus seriam cópias imperfeitas de triângulos 
ideais, e o que todos os triângulos têm em comum seria a “triangularidade”, um universal 
distinto de qualquer triângulo desenhável, pois cada triângulo é ou isósceles (ao menos dois 
lados de mesmo comprimento) ou escaleno, ao passo que a triangularidade não teria nenhuma 
dessas duas propriedades. 
A visão metafísica que defende a existência de universais, quer sejam números, quer 
sejam propriedades ou relações, pode ser chamada de realismo de universais. A visão 
antagônica é conhecida como nominalismo, e defende que no mundo físico há particulares 
concretos (coisas) com propriedades, mas tais propriedades não têm uma realidade autônoma, 
independente de cada particular. Ou seja, não se pode dizer que os universais subsistem. O 
que o realista chama de universais seriam apenas idéias em nossa mente (conceitualismo) ou 
nomes lingüísticos (nominalismo, em sentido estrito). A “querela dos universais” foi 
disputada intensamente na Idade Média, e Guilherme de Ockham (1285-1350) é o grande 
representante do nominalismo medieval, ao passo que o lógico Willard Quine (1908-2000) é 
um importante nominalista moderno.5 
Em filosofia da matemática, a oposição entre realistas e nominalistas é um pouco 
diferente da querela metafísica. Os realistas afirmam que os números, conjuntos e outros 
objetos matemáticos existem ou subsistem de alguma maneira, independentes dos seres 
 
4 O presente relato foi obtido de SKLAR, L. (1974), Space, Time, and Spacetime, U. California Press, Berkeley, 
pp. 13-6. O livro de Euclides está disponível na internet, ou como: EUCLIDES (1999), Os Elementos, trad. I. 
Bicudo, Ed. da Unesp, São Paulo. 
 
5 Uma excelente introdução ao debate metafísico entre realistas de universais e nominalistas é apresentada por 
LOUX, M.J. (2002), Metaphysics – A Contemporary Introduction, 2a ed, Routledge, Londres, caps. 1 e 2. Há um 
“resumão” em português na internet. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2009) Cap. I: Filosofia da Matemática 
 
 4
humanos. Já os nominalistas defendem que os objetos matemáticos são construções mentais, 
de forma que não se pode afirmar que os números naturais existam no mundo. 
Um dos argumentos dos realistas, em favor da existência dos objetos matemáticos, é 
justamente a sua grande utilidade nas ciências naturais. Segundo este “argumento da 
indispensabilidade”, formulado por Quine (que mencionamos ser um nominalista metafísico, 
mas que era um realista matemático) e por Hilary Putnam, como nossas melhores teorias 
científicas fazem referência a objetos matemáticos como números, conjuntos e funções, e tais 
entidades são indispensáveis para a ciência, então devemos nos “comprometer” com a 
existência real de objetos matemáticos, da mesma maneira que nos comprometemos com a 
existência de entidades físicas teóricas como quarks e partículas virtuais. Opondo-se a este 
argumento, o filósofo nominalista Hartry Field vem trabalhando num projeto para mostrar 
como é possível construir teorias científicas sem números e outros objetos matemáticos, numa 
certa linguagem relacional. Conseguiu aplicar seu método para a teoria da gravitação 
newtoniana, mas não para outras teorias mais contemporâneas. A matemática seria útil para a 
ciência pelo fato de ela simplificar muito os cálculos e a expressão de enunciados das ciências 
exatas, mas ela não seria indispensável.6 
 
 
5. Questão Metodológica: Números Imaginários se aplicam à Realidade Física? 
 
Na seção anterior, vimos que a questão sobre a existência do número natural 27 pode 
receber diferentes respostas. Mas a prática do físico não é afetada por esta questão filosófica: 
qualquer que seja a resposta a essa questão “ontológica” (ou seja, questão sobre o que é real), 
é seguro supor que o número inteiro 27 “se aplica” corretamente à descrição da realidade 
nessa sala de aula. 
Podemos investigar esta questão “metodológica” em relação a números não positivos, 
como os inteiros negativos. Talvez não possamos dizer que há –5 maçãs na cesta, mas 
podemos dizer que a temperatura é –5˚C. Ou seja, pode-se dizer que os inteiros negativos se 
aplicam a certos domínios da realidade. 
E quanto aos números que representam uma reta contínua? A estrutura do espaço 
físico é a estrutura dos números reais ou dos números racionais (ou de um subconjunto finito 
destes)? Na seção seguinte deixaremos clara a distinção entre os dois, com base na distinção 
entre conjuntos ordenados densos e completos. A questão levantada é também uma questão 
ontológica, mas não em relação à natureza dos objetos matemáticos, e sim em relação a uma 
entidade física, o espaço. Sendo assim, para examinar esta questão devemos levar em conta 
também as evidências experimentais. Deixaremos o estudo desta questão para o Cap. II. 
Associada a esta questão há também uma constatação metodológica: é usual representar o 
espaço físico como um espaço matemático tridimensional contínuo, envolvendo números 
reais, e não apenas números racionais. 
E os números imaginários? Tais números, múltiplos de i, ou 1− , surgiram com o 
matemático italiano Gerolamo Cardano, em 1545, como soluções de equações cúbicas. Em 
1637, René Descartes os chamou de “imaginários”, indicando que não os levava à sério. No 
entanto, Abraham de Moivre (1730) e Leonhard Euler (1748) os estudaram, chegando à 
notável equação que tanto fascinou o jovem Richard Feynman: 1−=πie . Isso levaria à noção 
 
6 Uma resumo sucinto da filosofia da matemática é: POSY, C.J. (1995), “Philosophy of Mathematics”, in AUDI, 
R. (org.), The Cambridge Dictionary of Philosophy, Cambridge U. Press, pp. 594-7. Sobre o argumento da 
indispensabilidade, ver: COLYVAN, M. (2004), “Indispensability Arguments in the Philosophy of Mathematics”, 
Stanford Encyclopedia of Philosophy, na internet. O filósofo brasileiro Otávio Bueno (U. Miami) tem trabalhado 
nesta e noutras questões da filosofia da ciência e da matemática; por exemplo: BUENO, O. (2005), “Dirac and the 
Dispensability of Mathematics”, Studies in History and Philosophy of Modern Physics 36, 465-90. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2009) Cap. I: Filosofia da Matemática 
 
 5
de plano complexo, formulado por Caspar Wessel (1797), Carl Gauss (1799) e Jean Argand 
(1806), que representa os números complexos a + bi em um plano. 
A questão ontológica, da realidade dos números imaginários, não parece ser diferente 
da questão ontológica de outros objetos matemáticos. A diferença está na questão 
metodológica, pois é costume afirmar-se que “nenhuma grandeza física observável é 
representada por um número imaginário”. Números imaginários aparecem na representação 
de movimentos oscilantes ou ondulatórios, mas na hora de exprimir valores de correntes (na 
engenharia elétrica) ou de probabilidades (na mecânica quântica), o resultado é sempre 
expresso por meio de números reais. Assim, num certo sentido, números imaginários não se 
aplicam à realidade observável. Mas e a realidade não-observável? Aqui recaímos na 
discussão sobre o estatuto da realidade não-observável (realismo x instrumentalismo), que 
veremos no cap. IV. 
Alguns autores argumentam que os númerosimaginários não podem ser eliminados da 
mecânica quântica e das modernas teorias de campo, a não ser por procedimentos artificiais, e 
portanto eles têm aplicação essencial na física7. Por outro lado, a discussão não é que os 
números imaginários não podem ser aplicados à realidade observada, pois por convenção 
poderíamos multiplicar todos os números que representam grandezas observáveis por i, de tal 
maneira que seriam os reais não-imaginários que não teriam aplicação direta. O ponto da 
discussão é que os números reais seriam suficientes para descrever a realidade observável, 
sem necessidade de ampliar, com os números imaginários, o sistema numérico utilizado. 
 
 
6. Noções de Continuidade 
 
Consideremos o intervalo entre os números 0 e 1, e imaginemos o conjunto ordenado 
de todos os números racionais (frações) deste intervalo. Este conjunto é denso, pois entre 
quaisquer dois números racionais existe pelo menos um número racional. É fácil intuir que há 
um número infinito de racionais neste intervalo. 
No entanto, sabemos que números como 2
2 e 8π não são racionais, mas fazem parte 
do conjunto dos reais. Está claro que este conjunto é denso, mas ele também tem a 
propriedade de ser completo. Considere a seguinte seqüência crescente infinita de números 
racionais,{ }...,,,, 4504516988346512891053831 , onde cada termo n=1,2,... é expresso por [ ]∑
=
−−−
n
m
mm
1
1)14)(34( . 
Tal seqüência tem limites superiores racionais, como 52 , ou seja, há números racionais 
maiores do que todos os termos da seqüência. O problema, porém, é que não há um racional 
que seja o menor limite superior, ou supremo. Se considerarmos agora esta seqüência como 
um subconjunto dos reais, mostra-se (a partir de fórmula derivada por Gregory e Leibniz no 
séc. XVII) que tal seqüência converge para 8π , que é o supremo da seqüência. Assim, os reais 
são completos, no sentido que todas as seqüências com limite superior têm um supremo. 
Na matemática, a noção de continuidade aplica-se a funções, como y = f(x) . 
Intuitivamente, diz-se que uma função é contínua se uma pequena variação no argumento x 
levar a uma pequena variação em y. Na disciplina de Cálculo I, aprendemos a definição 
rigorosa de continuidade de Cauchy para os reais, em termos de “εpsilons e δeltas”. Se uma 
função for definida para números racionais, parece ser possível aplicar essa noção de 
 
7 WIGNER (1960 [1967]), op. cit. (nota 1), pp. 225, 229. YANG, C.N. (1987), “Square Root of Minus One, 
Complex Phases and Erwin Schrödinger”, in Kilmister, C.W. (org.), Schrödinger: Centenary Celebration of a 
Polymath, Cambridge: Cambridge University Press, pp. 53-64. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2009) Cap. I: Filosofia da Matemática 
 
 6
continuidade também para os racionais. Por outro lado, o conjunto dos números reais é às 
vezes chamado de “o contínuo”. 
 
 
7. Existe o Infinito? 
 
Há uma longa história da noção de infinito na matemática, na ciência e na filosofia. 
Hoje em dia aceita-se que o Universo tenha uma extensão espacial finita, mas a questão do 
infinitamente pequeno ainda está em aberto, como discutiremos no Cap. II. 
Na matemática, um resultado importante foi obtido pelo russo-alemão Georg Cantor 
(1845-1918): podem se definir infinitos maiores do que o infinito contável! O tamanho de um 
conjunto é denominado sua “cardinalidade”. Cantor denotou a cardinalidade dos números 
naturais por ℵ0 (alef-zero), ou infinito contável. Para encontrar a cardinalidade de outro 
conjunto infinito, basta tentar mapear os elementos do conjunto nos números naturais. Por 
exemplo, mostra-se que a cardinalidade dos números racionais também é ℵ0, escrevendo 
todas as frações m/n em uma matriz na posição (m,n), e escolhendo uma seqüência de 
ordenamento, como o da Fig. I.2, que mapeia cada fração em um número natural (podem-se 
eliminar as frações de valores repetidos). 
Qual seria a cardinalidade dos números reais, entre 0 e 1? Cantor apresentou o 
“argumento da diagonal”, que permite construir um número real que escapa da tentativa de 
mapear bijetoramente os números reais nos inteiros. Façamos uma lista dos números reais 
entre 0 e 1, com i = 1, 2, ..., escrevendo cada um da seguinte forma: pi = 0 , ai1, ai2, ai3, ..., 
onde os aij são dígitos entre 0 e 9 (Fig. I.3). Por exemplo, 8π = 0,392... teria ai1=3, ai2=9, 
ai3=2, etc. Naturalmente, esta lista de números reais pi seria contavelmente infinita, mas há 
pelo menos um número real que não consta desta lista, o número q = 0 , b1, b2, b3, ..., 
construído da seguinte maneira. Consideremos os dígitos na diagonal i=j, ou seja, a11, a22, etc. 
Se o dígito aii = 5, então bi = 4; se aii ≠ 5, então bi = 5. Com isso, constrói-se um número real 
b que não consta da lista contavelmente infinita (que tem cardinalidade ℵ0). Isso mostra que a 
cardinalidade dos números reais, que Cantor mostrou ser igual a 2ℵ0, é maior do que a dos 
números racionais: 2ℵ0 > ℵ0 . 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura I.2: Numeros racionais são contáveis. Figura I.3: Argumento da diagonal de Cantor.

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