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Capítulo 33 Câncer do Testículo

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195GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
Capítulo 33
Miguel Srougi
Câncer do Testículo
Tumores de testículo no adulto
Os tumores malignos do testículo ocorrem de forma in-
freqüente, mas adquirem grande relevância clínica por aco-
meterem indivíduos jovens. Ademais, constituem doença con-
sistentemente curável, já que atualmente cerca de 90% dos
pacientes sobrevivem à doença. Cerca de 95% desses casos
correspondem aos tumores germinativos, que constituem as
lesões de maior interesse clínico.
Classificação e epidemiologia
Os tumores germinativos do testículo (TGT) são dividi-
dos em dois grupos, de acordo com o comportamento bioló-
gico da lesão: seminomas e não-seminomas (f igura 1). Os se-
minomas, responsáveis por cerca de 45% dos casos, acome-
tem indivíduos entre 25 e 40 anos, e os tumores não-semino-
matosos, que incluem o carcinoma embrionário, os teratocar-
cinomas, os teratomas e os coriocarcinomas, correspondem a
cerca de 55% dos casos e incidem em indivíduos entre 18 e 30
anos. Por motivos desconhecidos, os TGT são mais raros em
negros, estimando-se que a proporção de casos brancos/ne-
gros seja de 5:1.
Tumores germinativos do testículo surgem em 1:50.000
homens e esta incidência aumenta para cerca de 1:1.000 a
1:10.000 em casos de criptorquidia ou atrofia testicular.
Etiologia
Os mecanismos implicados no desenvolvimento dos TGT
são desconhecidos, sabendo-se que a doença é muito mais
comum em indivíduos com criptorquidia ou atrofia testicular
e, talvez, naqueles com antecedentes maternos de ingestão de
estrógeno no período gestacional. Alguns estudos têm sugeri-
do que pacientes com AIDS apresentam maior incidência de
tumores germinativos, mas essa relação não foi bem estabele-
cida até o presente.
A ocorrência de TGT em membros de uma mesma famí-
lia estimulou a pesquisa de alterações genéticas implicadas no
desenvolvimento destes tumores. Dessa forma, verif icou-se
que todos os pacientes com TGT evidenciam um isocromos-
somo do braço curto do cromossomo 12-i (12p), com excesso
de material genético localizado neste segmento, o que sugere
a presença de proto-oncogene local. A esse defeito associam-
se, freqüentemente, perdas de segmentos cromossômicos no
braço longo do cromossomo 12-12q, indicando a existência
de gens supressores nesta região.
História natural
Na apresentação inicial, cerca de 85% dos TGT evi-
denciam doença localizada e 15% demonstram metástases
a distância. Este último fenômeno é três vezes mais comum
nos tumores não-seminomatosos, que tendem a ser mais
agressivos que os seminomas (tabela 1). O desenvolvimen-
to de metástases nesses pacientes obedece a um padrão cons-
tante de comportamento e inicia-se por envolvimento lin-
fático do cordão espermático, com aparecimento de depó-
sitos tumorais nos linfonodos periaórticos localizados ao
nível dos vasos renais. Deste ponto, a neoplasia progride
cranialmente em direção ao mediastino e pulmão ou caudal-
Endereço para correspondência:
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 FREQÜÊNCIA DOS DIVERSOS TIPOS DE
NEOPLASIAS TESTICULARES
 Figura 1
(Cadwell, J. Urol 119: 754, 1978)
196 GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
Histologia Freqüência Sobrevida
de 10 anos
Seminoma 45-50% 92%
Teratocarcinoma 20-25% 74%
Teratoma 8-10% 72%
Carcinoma embrionário 15-20% 64%
Coriocarcinoma 0-1% 44%
mente, em direção aos vasos ilíacos. A disseminação he-
matogênica se faz principalmente para o pulmão e ocorre
preferencialmente nos casos de coriocarcinoma. Raramen-
te são acometidos outros órgãos e, quando isto acontece,
surgem lesões no fígado e no cérebro. As metástases, tanto
linfáticas como hematogênicas, manifestam-se quase sem-
pre antes de dois anos do diagnóstico inicial nos tumores não-
seminomatosos e antes de cinco anos nos seminomas. Dessa
forma, os pacientes podem ser considerados curados quan-
do ultrapassam esses períodos sem recorrência da doença.
A análise do subtipo histológico nos casos de tumor ger-
minativo do testículo tem várias implicações prognósticas e
terapêuticas. Com certa freqüência os tumores não-semino-
matosos surgem associados a seminomas. Nesses casos, o tra-
tamento deve ser orientado de acordo com as regras adotadas
em tumores não-seminomatosos, que constituem o componente
mais agressivo e que determinam a evolução do paciente. Essa
mesma orientação deve ser instituída nos casos de seminomas
com alfafetoproteína elevada. Como os seminomas puros nun-
ca produzem esse marcador, níveis aumentados de alfafeto-
proteína indicam a presença de elementos não-seminomato-
sos no tumor, não identificados pelo patologista.
Os seminomas apresentam uma variante menos freqüen-
te chamada seminoma espermatocítico (4% do total), que in-
cide em homens mais idosos (média de 60 anos), e que tem
um comportamento biológico extremamente favorável, já que
não produz metástases. Esses pacientes são curados com a or-
quiectomia, não havendo necessidade de se administrar qual-
quer tratamento complementar.
Os teratomas maduros, constituídos por elementos celu-
lares diferenciados, podem-se acompanhar de metástases em
10% a 30% dos pacientes adultos, contrastando com a evolu-
ção totalmente benigna que se evidencia nas crianças. Devem,
portanto, ser tratados, em adultos, como os demais tumores
não-seminomatosos.
Os coriocarcinomas puros caracterizam um subtipo
bastante agressivo, de crescimento extremamente rápido e
que produz metástases hematogênicas difusas. Estes pacien-
tes em geral necessitam de terapêutica sistêmica mesmo
quando a doença se apresenta inicialmente sob forma loca-
lizada.
O prognóstico dos pacientes com TGT depende não ape-
nas do tipo histológico da lesão, mas também da extensão ini-
cial da doença, definida pelo estagiamento clínico (figura 2).
Sob o ponto de vista prático tem-se utilizado a classificação
de Boden, definida no quadro 1. A sobrevida de dez anos os-
cila entre 90% e 100% nos casos de TGT em estágio I, entre
85% a 90% nos pacientes com TGT em estágio II e entre 60%
e 85% nos TGT em estágio III.
INFLUÊNCIA DA HISTOLOGIA DO TUMOR
PRIMÁRIO NA SOBREVIDA DE PACIENTES COM
TUMOR GERMINATIVO DO TESTÍCULO
SISTEMAS DE ESTAGIAMENTO DAS
NEOPLASIAS TESTICULARES
 Tabela 1
 Figura 2
 Quadro 1
 ESTAGIAMENTO DOS TUMORES
GERMINATIVOS DO TESTÍCULO
 Estágio
 (Boden) Definição
I Tumor intra-escrotal
Ia Lesão intratesticular
Ib Invasão do cordão
II Metástases em nodos retroperitoneais
IIa Metástases microscópicas
IIb Metástases < 2 cm
IIc Metástases > 2 cm
III Metástases supradiafragmáticas/viscerais
IIIa Metástases pulmonares
IIIb Metástases mediastinais ou viscerais
197GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
Clínica e diagnóstico
Os TGT manifestam-se sob forma de aumento recente e
indolor de volume do testículo. Em 4% a 21% dos casos exis-
te história de trauma local, prevalecendo atualmente o con-
senso de que o trauma não representa a causa do tumor mas
apenas chama a atenção do paciente para um processo já em
desenvolvimento. Em alguns casos o quadro se inicia com dor
aguda testicular, em decorrência de infarto e hemorragia tu-
moral, levando ao diagnóstico incorreto de orquiepididimite
aguda. Por isso, todo paciente jovem, com manifestações es-
crotais que não melhoram após dez dias de tratamento com
antibióticos, deve ser reavaliado cuidadosamente e submetido
a estudo de ultra-som para descartar-se neoplasia local.
Sintomas iniciais devidos à presença de metástases ab-
dominais ou torácicas são encontrados em 4% a 14% dos pa-
cientes, incluindo-se aqui dor abdominal ou lombar intensas,
desconforto respiratório ou massas cervicais.
Ao exame físico, os pacientes com TGT evidenciam massa
testicular dura e pesada, que rebaixa o hemiescroto acometi-
do, e hidrocele, presente em 10% a 20% dos casos. Gineco-
mastia é encontrada em2% a 10% dos pacientes e tende a
desaparecer com a remissão da doença.
O diagnóstico dos TGT é feito, inicialmente, com a ca-
racterização da lesão testicular primária, realizada através de
exames de ultra-som local. Esse método de imagem permite
definir com bastante precisão a presença de tumores testicula-
res, que aparecem sob forma de lesões hipoecóicas homogê-
neas (seminomas) ou heterogêneas (não-seminomas).
Os TGT têm a capacidade de sintetizar glicoproteínas atí-
picas que servem para caracterizar e def inir a atividade de
neoplasias locais. Cerca de 8% dos seminomas produzem pe-
quenas quantidades de gonadotrofina coriônica fração β (β-
HCG) e aproximadamente 85% dos tumores não-seminoma-
tosos secretam grandes quantidades de β-HCG e/ou de alfafe-
toproteína (AFP) (tabela 2). Em pacientes com o tumor pri-
mário não-tratado, elevação acentuada da β-HCG e da AFP
indicam, com certeza, a presença de elementos não-semino-
matosos na lesão. A persistência de altos níveis desses marca-
dores depois do tratamento inicial, def inem, de forma quase
certa, a presença de doença metastática, mesmo quando isto
não puder ser caracterizado pelos métodos de imagem. Rara-
mente os resultados falsos-positivos acompanham as medidas
dos marcadores tumorais, incluindo-se aqui hepatite tóxica,
tumores primários do fígado ou tumores digestivos (falsos-
positivos para AFP) e aumento dos níveis de LH hiposifário
por hipogonadismo ou por consumo de marijuana (falsos-po-
sitivos para β-HCG).
Os níveis séricos de deidrogenase lática (DHL) elevam-
se em 80% dos pacientes com TGT, incluindo os com semino-
mas. Apesar de inespecíf ico, este marcador acaba tendo gran-
de valor prático, já que ele permite monitorizar pacientes com
seminoma e também definir a extensão e prognóstico da doen-
ça, uma vez que os níveis séricos são proporcionais à massa
tumoral.
A avaliação da extensão da doença (estagiamento clíni-
co) é feita através de tomografia computadorizada do abdome
e tórax e de radiografias de tórax. Com esses métodos podem
ser identificados depósitos tumorais nos linfonodos retroperi-
toneais e em pulmão ou mediastino. Vale enfatizar que linfo-
nodos com mais do que 2 cm em região dos vasos renais indi-
cam a presença quase certa de metástases locais. Quando os
linfonodos têm entre 1 e 2 cm, a chance de existirem focos de
doença metastática é de 50% a 70%. A linfografia bipodálica,
bastante empregada no passado, deixou de ser utilizada em
função do elevado número de resultados falsos-negativos e do
caráter invasivo do procedimento.
 Tabela 2
Histologia No Elevação Sérica
Casos AFP βββββ-HCG Ambos
Seminoma 130 0% 8% 8%
Não-Seminomas 226 65% 57% 84%
(Srougi, 1995)
FREQÜÊNCIA DE ELEVAÇÃO DE
MARCADORES SÉRICOS EM PACIENTES COM
TUMORES GERMINATIVOS DO TESTÍCULO
 Quadro 2
Risco Clínico Marcadores Doença Abdominal Doença Torácica
Baixo Elevados Não-palpável < 5 lesões/campo
Risco e/ou Lesões < 2 cm
somente abdominal Metástase única > 2 cm
Alto Normais Massas palpáveis > 10 lesões/campo
Risco e Lesões > 3 cm
doença torácica Metástases viscerais
CRITÉRIOS QUE DEFINEM O RISCO CLÍNICO EM TUMORES GERMINATIVOS DO TESTÍCULO
(UNIVERSIDADE DE INDIANA)
198 GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
Tratamento
Tratamento do tumor primário
A lesão testicular primária deve ser removida através de
orquiectomia realizada por via inguinal, com ressecção alta do
cordão espermático. Quando a intervenção é executada por
incisão escrotal, existe risco de derramamento de células neo-
plásicas, com recidiva local da neoplasia em 10% a 20% dos
pacientes. Nos casos de violação dos envoltórios escrotais im-
põe-se tratamento preventivo, que em seminomas é feito atra-
vés de radioterapia aplicada sobre o hemiescroto e região in-
guinal homolateral, e em tumores não-seminomatosos com-
preende a ressecção cirúrgica do hemiescroto correspondente.
Em pacientes com doença metastática já presente de início, o
tratamento quimioterápico elimina os riscos de recidiva local e,
por isso, as medidas acima descritas tornam-se desnecessárias.
Tratamento dos seminomas
Metástases microscópicas em linfonodos retroperitoneais
são encontradas em cerca de 10% dos pacientes com semino-
ma em estágio clínico I. Como os seminomas puros são bas-
tante radiossensíveis, a radioterapia representa a principal for-
ma de tratamento dos linfonodos retroperitoneais nos casos
de doença local mínima, que incluem os estágios I e II
A
 (f igu-
ra 3). Nos pacientes com estágios II
b
, II
c
 e III a radioterapia
nem sempre elimina as lesões metastáticas, o que torna a qui-
mioterapia citotóxica o método terapêutico de eleição para
esses casos. O tratamento quimioterápico de primeira linha
mais utilizado no momento incorpora a cisplatina, o ectoposi-
do e a bleomicina (PEB), e seu emprego em casos de semino-
ma acompanha-se de respostas completas e duradouras em
95% dos pacientes.
Tratamento dos tumores não-seminomatosos
Os tumores não-seminomatosos são relativamente radior-
resistentes, de modo que radioterapia não está indicada nestes
casos. Os pacientes com doença em estágio I podem ser man-
tidos sob vigilância clínica, sem tratamento adjuvante, indi-
cando-se linfadenectomia retroperitoneal ou quimioterapia
citotóxica se surgirem evidências de metástases retroperitoneais
ou a distância (figura 4). Alguns pacientes em estágio I apre-
sentam riscos elevados de portarem doença retroperitoneal
microscópica, incluindo-se aqui os tumores primários com in-
vasão do cordão, as neoplasias primárias acompanhadas de
invasão vascular, os casos de carcinoma embrionário puro e os
pacientes com marcadores séricos iniciais acima de 500. Nes-
ses casos deve-se realizar linfadenectomia retroperitoneal, que
demonstra a presença de metástases microscópicas em 40% a
50% dos pacientes. Neoplasias em estágios II
b
, II
c
 e III podem
ser eficientemente controladas com quimioterapia citotóxica,
que promove regressão completa das metástases em 60% a 95%
dos casos. O esquema PEB (cisplatina, ectoposido e bleomici-
na) é recomendado como tratamento de primeira linha, poden-
do-se recorrer às associações de ectoposido, ifosfamida e cis-
platina (VIP), de taxol, ifosfamida e cisplatina (TIP) ou de car-
boplatina, ectoposido e ciclofosfamida em altas doses (com
transplante de medula) nos pacientes com doença de alto risco
(quadro 2) ou com persistência/progressão da neoplasia após o
emprego do esquema de primeira linha (figura 5). Massas resi-
duais após a quimioterapia devem ser ressecadas cirurgicamen-
te, já que cerca de 50% a 60% delas evidenciam elementos
tumorais viáveis malignos ou benignos, cuja remoção contri-
bui para curar um contingente significativo destes casos.
Tumores do testículo na infância
As neoplasias testiculares representam cerca de 1% dos tu-
mores pediátricos, surgindo um caso a cada 100.000 crianças.
Nesse grupo, os tumores apresentam características bio-
lógicas que os diferenciam das neoplasias do adulto e, por
isto, devem ser estudados à parte. Neste sentido, cinco aspec-
tos específicos merecem ser enfatizados:
 ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA EM PACIENTES
COM SEMINOMA DO TESTÍCULO
 (Srougi, 1995)
 Figura 3
 ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA EM
PACIENTES COM TUMORES
NÃO-SEMINOMATOSOS DO TESTÍCULO
 (Srougi, 1995)
 Figura 4
199GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
1- Enquanto nos adultos os tumores de origem não-
germinativa são raros, compreendendo entre 5% e
10% das neoplasias locais, na infância esses tumores
são mais comuns, envolvendo entre 25% e 40% das
crianças (f igura 1).
2 - Seminomas e coriocarcinomas não ocorrem na infân-
cia e, por isto, a freqüência relativa dos diversos tipos
de tumores germinativos difere da observada nos
adultos. Cerca de 70% das neoplasias da criança
são representadas pelos tumores do saco vitelino,
16% pelos teratomas e 2% pelosteratocarcinomas
(tabela 3).
3 - O tumor do saco vitelino é por vezes confundido com
o carcinoma embrionário do adulto, mas tem melhor
prognóstico, por se apresentar, freqüentemente, sob
forma de doença localizada.
4 - Os teratomas da infância representam neoplasias be-
nignas, tendo sido relatados raros casos que se acom-
panharam de metástases.
5 - Cerca de 10% dos tumores de testículo da infância
são identif icados no período neonatal e neste grupo
em particular aproximadamente 2/3 dos casos são re-
presentados pelos tumores do estroma gonadal.
Tumor do saco vitelino
Estes tumores, também denominados “Yolk sac”, carci-
noma embrionário juvenil, tumor do seio endodérmico, or-
quioblastoma ou tumor de Teilum, constituem neoplasias de
células germinativas diferenciadas em linhagens extra-embrio-
nárias.
História natural
Existe alguma controvérsia quanto à agressividade bio-
lógica dos tumores do saco vitelino. Até recentemente, preva-
leceu a idéia de que essas neoplasias tinham um comporta-
mento mais benigno e não produziam metástases em crianças
com menos de dois anos de idade. Neste sentido, Pierce et al.
analisaram a evolução de 13 crianças portadoras desse tipo de
tumor e observaram sobrevida prolongada em 9/9 (100%) dos
casos com menos de dois anos de idade e em 0/4 (0%) dos
pacientes com mais de dois anos. Esse fenômeno foi confir-
mado por estudo recente no qual foram avaliadas 207 crian-
ças, constatando-se o aparecimento de metástases em 14% e
25%, respectivamente, dos pacientes com menos de dois anos
e mais de dois anos de idade. Ao que parece, portanto, a idade
da criança relaciona-se com o prognóstico da doença.
A maioria dos pacientes com tumor do saco vitelino apre-
senta-se inicialmente com neoplasia localizada. Em 175 casos
avaliados pelo “Prepubertal Testicular Tumor Registry”, 90%
evidenciaram lesão restrita ao escroto (estágio I) e apenas 10%
demonstraram metástases retroperitoneais (estágio II) ou pul-
monares (estágio III).
Nos pacientes com doença metastática, os sítios prefe-
renciais de depósitos secundários são representados pelo pul-
mão (50%), retroperitônio (25%) e pulmão mais retroperitô-
nio (25%). Essa distribuição sugere que a disseminação dos
tumores do saco vitelino se faz tanto por via hematogênica
 (Srougi, 1995)
 Figura 5
Tumores germinativos 253 (77%)
Saco vitelino (“Yolk sac”) 207 (63%)
Teratoma 46 (14%)
Seminoma 0 ( - )
Tumores do estroma gonadal 27 (9%)
Células de Leydig 4 (1%)
Células de Sertoli 4 (1%)
Células granulosas 4 (1%)
Células indeterminadas 15 (5%)
Gonadoblastoma 3 (1%)
Cisto epidermóide 6 (2%)
Outros (rabdomio, leucemia) 37 (11%)
Desconhecido 1 ( - )
(Srougi, 1995)
CLASSIFICAÇÃO E FREQÜÊNCIA DOS
TUMORES DE TESTÍCULO NA INFÂNCIA
EM 327 PACIENTES COLETADOS PELO
“PREPUBERTAL TESTICULAR TUMOR REGISTRY”
 SELEÇÃO DOS ESQUEMAS DE QUIMIOTERAPIA
SISTÊMICA EM TUMORES GERMINATIVOS
METASTÁTICOS DO TESTÍCULO
Doença Metastática
Tratamento Inicial Recorrência Tardia
VIP x 4
Baixo Risco Alto Risco TIP x 4
PEB x 3 PEB x 4
Resposta Resposta Resposta Resposta
Completa Incompleta Completa Incompleta
Seguimento VIP x 4 Seguimento QT Altas
TIP x 4 Doses
 Tabela 3
200 GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
como linfática. Esse padrão de disseminação permite definir
os seguintes estágios de evolução da doença (classificação de
Boden e Kaplan):
Estágio I – Tumor limitado ao escroto.
Estágio II A – Envolvimento microscópico dos linfono-
dos retroperitoneais, descoberto após linfadenectomia.
Estágio II B – Envolvimento macroscópico dos linfono-
dos retroperitoneais, demonstrado pelos métodos de imagem.
Estágio III – Metástases viscerais ou torácicas.
Os índices de cura dos tumores do saco vitelino aproxi-
mam-se, atualmente, de 90%. É importante ressaltar que no
grupo de pacientes estudados por Kaplan et al. metástases sur-
giram no máximo 14 meses após o diagnóstico inicial, de modo
que os pacientes sem recorrência da neoplasia após dois anos
podem ser considerados curados.
Quadro clínico
A maioria dos casos de tumor do saco vitelino surge an-
tes dos dois anos e a média de idade situa-se em torno de 17
meses. Os tumores do saco vitelino caracterizam-se por cres-
cimento testicular progressivo indolor, sem outras manifesta-
ções gerais (tabela 4). Como neoplasias testiculares nessa fai-
xa etária são raras, as manifestações escrotais são em geral
confundidas com hidrocele ou hérnia, o que retarda o diag-
nóstico nesses casos. Algumas vezes, o quadro instala-se agu-
damente, sob forma de massa local e dor intensa, associados a
torÇão do testículo, mais freqüentes em gônadas com tumor.
Ao exame físico essas crianças apresentam-se bem nutri-
das e, ao contrário dos adultos, raramente são palpadas mas-
sas abdominais ou supraclaviculares.
Diagnóstico e estadiamento
A dosagem de marcadores séricos tumorais é extrema-
mente relevante em crianças com tumor vitelino, uma vez que
a alfafetoproteína (AFP) encontra-se aumentada em 80% dos
casos. Elevações desses marcadores também ocorrem em ca-
sos de hepatomas, tumores gastrintestinais ou hemopatias, de
modo que, na ausência destas afecções, medidas de AFP per-
mitem monitorizar com precisão a evolução das crianças com
neoplasma testicular. Convém enfatizar que a persistência de
níveis elevados de AFP após a orquiectomia não indica neces-
sariamente a existência de doença metatástica residual, já que
em algumas crianças normais este marcador pode se apresen-
tar aumentando até os dois anos de idade. Gonadotrofina co-
riônica-β (GCH-β) eleva-se em alguns pacientes adultos com
tumores germinativos, mas não é detectada nas crianças com
tumores do saco vitelino do testículo.
Dada a distribuição preferencial das metástases em linfo-
nodos retroperitoneais e pulmão, o estadiamento das crianças
com tumor do saco vitelino deve ser feito com tomografia
computadorizada do abdome e pélvis e com radiografia do
tórax. Resultados falsos-negativos no estudo tomográfico são
raros, ocorrendo em cerca de 2% das crianças. Por outro lado,
resultados falsos-positivos ocorrem em 40% dos casos, o que
torna necessário o emprego de outros métodos de imagem, ou
até mesmo cirurgia exploradora nos pacientes com adenome-
galia retroperitoneal suspeita mas não inequívoca.
Tratamento
A lesão primária é sempre tratada através de abordagem
inguinal, da mesma forma que em adultos. Quando existe vio-
lação escrotal, alguns autores preconizam a realização de he-
miescrotectomia, uma vez que as chances de recidiva escrotal
ou inguinal da lesão são elevadas e situam-se em torno de 30%.
Os pacientes com tumor do saco vitelino em estágio I
(doença clinicamente restrita ao escroto) são tratados através
de orquiectomia radical e, teoricamente, isto deveria curar to-
dos esses casos. Contudo, cerca de 12% dos mesmos apresen-
tam metástases retroperitoneais microscópicas inaparentes e,
por isso, tem-se preconizado o emprego de medidas adjuvan-
tes após a orquiectomia, de modo a melhorar a sobrevida glo-
bal desses pacientes. Sendo a linfadenectomia uma interven-
ção de maior porte, portanto acompanhada de morbidade, e
também levando-se em conta que em mais de 80% dos casos a
exploração dos linfonodos revela-se negativa para tumor, al-
guns autores têm questionado a indicação rotineira desta in-
tervenção em pacientes com doença em estágio I. Como nas
crianças com tumor do saco vitelino recorrências da doença
podem ser precocemente detectadas através de medidas de AFP,
parece razoável realizar apenas a orquiectomia nesses casos e
segui-los clinicamente com dosagens repetidas desse marca-
dor (quadro 3). Quimioterapia sistêmica estaria indicada se a
AFP continuar elevada após a orquiectomia. Por outro lado,
exploração cirúrgica retroperitoneal deve ser realizada se a AFP
permanecer alterada após a orquiectomia e quimioterapia.
Em pacientescom doença metastática (estágios II e III) o
tratamento deve ser feito através de orquiectomia seguida de
quimioterapia sistêmica. Com os esquemas quimioterápicos
atualmente disponíveis, cerca de 60% dos pacientes eviden-
ciam remissão completa da doença e nestes casos nenhum
Manifestações Iniciais Freqüência
No (%)
Massa indolor 156/174 (90%)
Escroto agudo 9/174 (5%)
História de trauma 5/174 (3%)
Hidrocele 2/174 (1%)
Dor abdominal 2/174 (1%)
 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS INICIAIS EM
CRIANÇAS COM TUMOR DO SACO VITELINO
 Tabela 4
201GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
tratamento adicional é necessário. Nos pacientes com mas-
sas residuais após a quimioterapia, justifica-se a ressecção
cirúrgica dessas lesões, seguida de quimioterapia adicional
nos pacientes em que for comprovada neoplasia residual. Ra-
dioterapia também pode ser utilizada em pacientes com mas-
sas residuais, observando-se desaparecimento das lesões em
alguns casos. O inconveniente de se empregar rotineiramen-
te radioterapia como tratamento de salvamento é que parte
dessas massas não contém neoplasia ativa, mas apenas ne-
crose e f ibrose.
Convém ressaltar que alguns pacientes com doença em
estágio clínico II devem ser submetidos à exploração retrope-
ritoneal antes da quimioterapia. Aqui se enquadram os casos
com AFP normal e que evidenciam, na tomografia, pequenos
nódulos retroperitoneais. A possibilidade de ocorrerem re-
sultados falsos-positivos na tomograf ia abdominal justif i-
ca a exploração cirúrgica, já que na ausência de neoplasia
local a criança é poupada da quimioterapia e de seus inconve-
nientes.
Diferentes esquemas de quimioterapia citotóxica são
empregados em tumores do saco vitelino e, embora não exista
um consenso quanto à melhor associação, parece que as mais
ef icientes são aquelas que incluem actinomicina-D e vin-
cristina. Em crianças com menos de oito anos de idade tem-
se utilizado mais comumente o esquema VAC (vincristina,
actinomicina-D e ciclofosfamida), com respostas comple-
tas e persistentes em 60% dos casos. Nas crianças com mais
de oito anos são empregadas as associações ativas em tu-
mores germinativos do adulto, ou seja, PVB (cisplatina, vim-
blastina e bleomicina) e PEB (cisplatina, ectoposido e bleomi-
cina).
Prognóstico e seguimento
O prognóstico das crianças com tumor do saco vitelino
costuma ser bastante favorável, com uma média de cura da
doença, para todos os estágios, da ordem de 85%. A evolução
desses casos relaciona-se intimamente com a idade da crian-
ça, observando-se índices de recorrência da doença duas ve-
zes maiores em crianças cujo diagnóstico é feito depois dos
dois anos de idade.
Como a maioria dos tumores do saco vitelino secreta AFP,
esses pacientes podem ser acompanhados de forma segura e
prática. Medidas séricas de AFP, radiografias de tórax e ultra-
som abdominal devem ser realizados a cada dois meses por
dois anos, a fim de detectar precocemente eventuais recorrên-
cias da neoplasia e favorecer os índices de sucesso do trata-
mento desses pacientes. Recorrência da doença surge antes de
dois anos do tratamento inicial, de modo que, decorrido esse
período, o paciente pode ser considerado curado.
Teratomas
História natural
Os teratomas constituem o segundo tumor testicular da
infância, envolvendo crianças com idade mediana de 14 me-
ses. Diferentemente do que ocorre com adultos, os teratomas
de testículo da infância são lesões benignas, estimando-se que
apenas 0,5% dos mesmos apresentam-se inicialmente ou de-
senvolvem posteriormente metástases. Isso faz com que o prog-
nóstico desses casos, após a orquiectomia, seja excelente.
Clínica e diagnóstico
As manifestações clínicas dos teratomas de testículo res-
tringem-se à região escrotal, e o diagnóstico desses casos é
feito após a remoção cirúrgica da gônada. Esses tumores não
secretam AFP ou GCH-β, de modo que as medidas de marca-
dores séricos não auxiliam no diagnóstico ou seguimento dos
casos de teratoma.
Tratamento
Os teratomas puros da infância são quase sempre neo-
plasias benignas. Por isso, essas crianças devem ser tratadas
apenas com orquiectomia, sem nenhuma forma de terapêutica
adjuvante posterior se os estudos de imagem do tórax e retro-
peritônio forem normais.
Massa Testicular Suspeita
AFP Sérico
Ultra-som Testicular
Orquiectomia Radical
Diagnóstico: Tumor no Saco Vitelino
Repetir AFP Sérico
PROTOCOLO DE TRATAMENTO DOS
TUMORES DO SACO VITELINO
 Quadro 3
Tomografia
Abdome & Tórax
Estádio I Estádio II Estádio III
AFP Mensal Linfadenectomia VAC por 1 ano
Ultra-som/Tomografia VAC por 1 ano +/- Linfadenectomia
3/3 meses +/- Radioterapia
(Connolly e Gearhart, 1993)
202 GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
Tumor de células de Leydig
Incidência
Os tumores de células de Leydig, também chamados de
tumores de células intersticiais, compreendem 1% dos tumo-
res do testículo na infância, envolvendo crianças entre três e
dez anos. Tais tumores têm sempre comportamento benigno,
embora histologicamente possam evidenciar graus diferentes
de anaplasia celular.
Clínica
Essas neoplasias manifestam-se sob forma de crescimento
testicular lento, e isso as diferencia dos tumores germinativos,
cuja evolução local da lesão é rápida. A produção de hormô-
nios androgênicos que ocorre nesses casos é responsável pelo
aparecimento de virilização precoce, caracterizada por pilifi-
cação pubiana, aumento do pênis, engrossamento da voz e
acne facial.
O diagnóstico diferencial desses casos deve ser feito com
neoplasias da adrenal, síndrome de Klinefelter e quadros de
intersexo. Em todas essas situações, obviamente não existe
crescimento testicular concomitante, mas isto pode também
não ser notado nos casos iniciais de tumores de células de
Leydig, cuja lesão freqüentemente não é palpável.
Diagnóstico
O diagnóstico clínico da lesão primária é usualmente fei-
to através de exame ultra-sonográfico do testículo. A diferen-
ciação com os outros tipos de neoplasias locais, especialmen-
te os tumores germinativos, é realizada através de dosagens
hormonais séricas. Pacientes com tumor de células de Leydig
apresentam altos níveis séricos de testosterona e taxas nor-
mais de hormônios adrenais. Em crianças com puberdade pre-
coce de causa hipofisária existe elevação das gonadotrofinas
(FSH e LH), enquanto nos casos de causa adrenal encontram-
se aumentados os níveis séricos de diidroepiandrosterona e
androstenediona.
Bibliografia recomendada
1. SROUGI M, SIMON SD. Câncer urológico. Platina, São Paulo, 1995.
2. BOSL GJ, MOTZER RJ. Testicular germ-cell cancer. New Engl J Med 1997; 337: 242.
3. SROUGI M. Tumores germinativos do testículo na infância. In: Srougi M, Simon SD. Câncer urológico.
Platina, São Paulo, 1995; pág. 431.
4. KAY R. Prepubertal testicular tumor registry. Urol Clin North Am 1993; 20: 1.
5. CONNOLLY JA, GEARHART JP. Management of Yolk sac tumors in children. Urol Clin North Am 1993;
20: 7.
6. CORTEZ JC, KAPLAN GW. Gonadal stromal tumors, gonadoblastomas, epidermoid cysts, and secon-
dary tumors of the testis in children. Urol Clin North Am 1993; 20: 15.
Tratamento e evolução
Ao contrário dos tumores de células de Leydig do adul-
to, em que 10% dos casos são malignos, estes tumores na in-
fância são sempre benignos, de modo que a orquiectomia cura
todos os casos. Vale ressaltar que as manifestações de viriliza-
ção não costumam regredir após a remoção do tumor se a doen-
ça for de longa duração. Por isso, a persistência dessas altera-
ções não indica necessariamente a existência de metástases.
Nos pacientes com tumores diagnosticados precocemente e
com virilização menos pronunciada, o quadro clínico tende a
se reverter quase completamente.
Tumores de células de Sertoli
Incidência e história natural
Os tumores de células de Sertoli da criança, também de-
nominados androblastomas e tumores do estromagonadal, são
quase sempre benignos e, neste grupo etário, 60% dos casos
ocorrem no primeiro ano de vida. Raros casos de metástases
retroperitoneais foram descritos em crianças portadoras dessa
neoplasia, todos com evolução desfavorável e óbito mesmo
após tratamento combinado radical.
Clínica
Os pacientes com tumores de células de Sertoli apresen-
tam-se com aumento do volume testicular e com gineco-
mastia, que surge em 30% a 50% dos casos. Dessa forma,
neoplasias dos testículos acompanhadas de virilização as-
sociam-se a tumores de células de Leydig e, quando acom-
panhadas de ginecomastia, relacionam-se com tumores de cé-
lulas de Sertoli.
Tratamento e evolução
O tratamento e a evolução desses casos assemelham-se
aos dos tumores de células de Leydig. A orquiectomia radical
cura quase todos os pacientes, não sendo indicado nenhum
tratamento adicional. Nos casos de doença maligna, o cresci-
mento lento do tumor justifica a ressecção dos depósitos me-
tastáticos, quer eles se apresentem em linfonodos retroperito-
neais ou em pulmão, fígado e ossos.

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