Buscar

ap - analiser6

Prévia do material em texto

A noc¸a˜o de func¸a˜o contı´nua
Parte 6
Func¸o˜es contı´nuas
1. A noc¸a˜o de func¸a˜o contı´nua
Definic¸a˜o 1.1 Dizemos que uma func¸a˜o f : X −→ R e´ contı´nua no ponto
a ∈ X, quando para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − f(a)| < ε
para todo x ∈ X, |x− a| < ε.
Simbolicamente, f : X −→ R e´ contı´nua no ponto a se, e so´mente
se:
∀ ε > 0∃ δ > 0 ; x ∈ X , |x− a| < δ =⇒ |f(x) − f(a)| < ε
Observac¸a˜o 1.1 Em termos de intervalos, temos que f e´ contı´nua no
ponto a se, e so´ se:
• ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; f(I ∩ X) ⊂ J, onde I = (a− δ, a+ δ) e J = (f(a) − ε, f(a) + ε) .
ou
• Para todo intervalo aberto J contendo f(a) existe um intervalo aberto I
contendo a tal que f(I ∩ X) ⊂ J.
Definic¸a˜o 1.2 Dizemos que uma func¸a˜o f : X −→ R e´ contı´nua quando
e´ contı´nua em todos os pontos de X.
Observac¸a˜o 1.2 Se a e´ um ponto isolado de X, enta˜o toda func¸a˜o
f : X −→ R e´ contı´nua no ponto a.
De fato, seja δ0 > 0 tal que (a− δ0, a+ δ0) ∩ X = {a}.
Instituto de Matema´tica - UFF 189
Ana´lise na Reta
Enta˜o, dado ε > 0, existe δ = δ0 > 0, tal que |f(x) − f(a)| < ε para todo
x ∈ X ∩ (a− δ0, a+ δ0) = {a}.
Em particular, se todos os pontos de X sa˜o isolados, enta˜o toda func¸a˜o
f : X −→ R e´ contı´nua.
Observac¸a˜o 1.3 Seja a ∈ X ∩ X ′. Enta˜o f e´ contı´nua no ponto a se, e
so´ se, lim
x→a f(x) = f(a).
Enta˜o, se a ∈ X ′, temos que lim
x→a f(x) = L se, e so´ se, a func¸a˜o
g : X ∪ {a} −→ R dada por g(x) =
f(x), se x ∈ X− {a}L, se x = a
e´ contı´nua no ponto a.
Observac¸a˜o 1.4 Sejam Y ⊂ X e f : X −→ R. Se f e´ contı´nua num ponto
a ∈ Y, enta˜o f|Y e´ contı´nua no ponto a. Mas a recı´proca na˜o e´ verdadeira.
Basta tomar f descontı´nua no ponto a e Y ⊂ X finito ou discreto com
a ∈ Y.
Exemplo 1.1 Toda func¸a˜o f : Z −→ R e´ contı´nua, pois todo ponto de Z
e´ isolado, ou seja, Z e´ um conjunto discreto.
Pela mesma raza˜o, toda func¸a˜o f :
{
1,
1
2
,
1
3
, . . . ,
1
n
. . .
}
−→ R e´ contı´nua.
Mas se Y =
{
0, 1,
1
2
,
1
3
, . . . ,
1
n
. . .
}
, uma func¸a˜o f : Y −→ R e´ contı´nua se,
e so´ se, e´ contı´nua no ponto 0, ou seja, se, e so´ se, f(0) = lim
n→∞ f
(
1
n
)
.�
Os resultados enunciados abaixo decorrem dos fatos ana´logos ja´
demonstrados para limites na parte anterior e das observac¸o˜es 1.2 e 1.3
acima.
Teorema 1.1 Seja f : X −→ R contı´nua no ponto a ∈ X.
Se a ∈ Y ⊂ X e g = f|Y, enta˜o g e´ contı´nua no ponto a.
Em particular, toda restric¸a˜o de uma func¸a˜o contı´nua e´ contı´nua.
Teorema 1.2 Sejam a ∈ X, f : X −→ R e g = f|Y, onde Y = I ∩ X e I e´
um intervalo aberto que conte´m a.
J. Delgado - K. Frensel190
A noc¸a˜o de func¸a˜o contı´nua
Enta˜o f e´ contı´nua no ponto a se, e so´ se, g e´ contı´nua no ponto a.
Observac¸a˜o 1.5 Este resultado diz que a continuidade de uma func¸a˜o
f e´ uma propriedade local, ou seja, se f coincide com uma func¸a˜o contı´nua
no ponto a numa vizinhanc¸a do ponto a, enta˜o f tambe´m e´ contı´nua no
ponto a.
Teorema 1.3 Se f e´ contı´nua no ponto a ∈ X, enta˜o f e´ limitada numa
vizinhanc¸a de a, ou seja, existe δ > 0 tal que f(Uδ) e´ limitado, onde
Uδ = X ∩ (a− δ, a+ δ).
Teorema 1.4 Se f, g : X −→ R sa˜o contı´nuas no ponto a ∈ X, e f(a) <
g(a), enta˜o existe δ > 0 tal que f(c) < g(x) para todo x ∈ X∩ (a−δ, a+δ).
Corola´rio 1.1 Sejam K ∈ R e f : X −→ R uma func¸a˜o contı´nua no
ponto a ∈ X. Se f(a) < K, enta˜o existe δ > 0 tal que f(x) < K para todo
x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).
Prova.
Dado ε = K− f(a) > 0, existe δ > 0 tal que f(a) − ε < f(x) < f(a) + ε = K
para todo x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).�
Observac¸a˜o 1.6 De modo ana´logo, podemos provar que:
• se f(a) > K, enta˜o existe δ > 0 tal que f(x) > K ∀ x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).
• se f(a) 6= K, enta˜o existe δ > 0 tal que f(x) 6= K ∀ x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).
Observac¸a˜o 1.7 Sejam f : X −→ R uma func¸a˜o contı´nua e K ∈ R.
Enta˜o, A = {x ∈ X | f(x) > K} e´ a intersec¸a˜o de X com um conjunto U
aberto em R.
De fato, seja a ∈ A, ou seja, f(a) > K. Enta˜o, pelo corola´rio acima, existe
δa > 0 tal que f(x) > K para todo x ∈ X ∩ Ia, onde Ia = (a− δa, a+ δa).
Seja U =
⋃
a∈A
Ia. Enta˜o, U e´ aberto e A = U ∩ X, pois U ∩ X ⊂ A e
A ⊂ U ∩ X.
• Em particular, se X e´ aberto, enta˜o A e´ aberto.
Instituto de Matema´tica - UFF 191
Ana´lise na Reta
Teorema 1.5 Uma func¸a˜o f : X −→ R e´ contı´nua no ponto a ∈ X se,
e so´ se, lim
n→∞ f(xn) = f(a) para toda sequ¨eˆncia (xn) de pontos de X que
converge para a.
Corola´rio 1.2 Uma func¸a˜o f : X −→ R e´ contı´nua no ponto a ∈ X se,
e so´ se, lim
x→∞ f(xn) existe e independe da sequ¨eˆncia (xn) de pontos de X
com lim
n→∞ xn = a.
Corola´rio 1.3 Uma func¸a˜o f : X −→ R e´ contı´nua no ponto a ∈ X se,
e so´ se, existe lim
n→∞ f(xn) para toda sequ¨eˆncia (xn) de pontos de X com
lim
n→∞ xn = a.
Teorema 1.6 Se f, g : X −→ R sa˜o contı´nuas no ponto a ∈ X, enta˜o
f ± g e f · g sa˜o contı´nuas em a. Se g(a) 6= 0, enta˜o f
g
: X0 −→ R e´
contı´nua em a, onde X0 = {x ∈ X |g(x) 6= 0}.
Em particular, se f e´ contı´nua no ponto a ∈ X, enta˜o cf e´ contı´nua
em a, onde c ∈ R. E, se f(a) 6= 0, enta˜o 1
f
e´ contı´nua em a.
Teorema 1.7 Se f : X −→ R e´ contı´nua no ponto a ∈ X e g : Y −→ R e´
contı´nua no ponto b = f(a) e f(X) ⊂ Y, enta˜o g ◦ f : X −→ R e´ contı´nua
no ponto a.
Em particular, a composta de duas func¸o˜es contı´nuas e´ contı´nua no
seu domı´nio de definic¸a˜o.
Observac¸a˜o 1.8 A restric¸a˜o de uma func¸a˜o f : X −→ R a um subcon-
junto Y ⊂ X e´ um caso particular de func¸a˜o composta, pois f|Y = f ◦ i :
Y −→ R, onde i : Y −→ R e´ a inclusa˜o, ou seja, i(y) = y para todo y ∈ Y.
Observac¸a˜o 1.9 Como a func¸a˜o identidade x 7−→ x e´ contı´nua, temos,
pelo teorema 1.6, que a func¸a˜o x 7−→ xn e´ contı´nua para todo n ∈ N.
Pelo mesmo teorema, temos que toda func¸a˜o polinomial p : R −→ R,
p(x) = anx
n + . . .+ a1x+ a0, e´ contı´nua, e, portanto, toda func¸a˜o racional
J. Delgado - K. Frensel192
A noc¸a˜o de func¸a˜o contı´nua
f(x) =
p(x)
q(x)
, onde p e q sa˜o func¸o˜es polinomiais, e´ contı´nua nos pontos
onde o denominador q na˜o se anula.
Exemplo 1.2 Seja f : R −→ R dada por f(x) =
x+ 1, se x ≥ 516− 2x, se x < 5
Enta˜o, f e´ contı´nua em todos os pontos do conjunto (−∞, 5) ∪ (5,+∞),
pois f restrita ao conjunto aberto (−∞, 5) coincide com a func¸a˜o contı´nua
x 7−→ x+ 1 e f restriga ao conjunto aberto (5,+∞) coincide com a func¸a˜o
contı´nua x 7−→ 16− 2x.
Ale´m disso, f tambe´m e´ contı´nua no ponto 5, pois
lim
x→5+ f(x) = limx→5− f(x) = 6 = f(5) .
�
Exemplo 1.3 Seja f : R −→ R definida por
f(x) =

x
|x|
, se x 6= 0
1 , se x = 0 .
Enta˜o f e´ contı´nua em todos os pontos do conjunto (−∞, 0) ∪ (0,+∞),
mas na˜o e´ contı´nua em x = 0, pois lim
x→0+ f(x) = 1 6= limx→0− f(x) = −1, ou
seja, na˜o existe lim
x→0 f(x).�
Observac¸a˜o 1.10 O motivo que assegura a continuidade da func¸a˜o do
exemplo 1.2, mas permite a descontinuidade da func¸a˜o do exemplo 1.3, e´
fornecido pelo teorema abaixo.
Teorema 1.8 Sejam f : X −→ R e X ⊂ F1∪F2, onde F1 e F2 sa˜o conjuntos
fechados. Se f|X∩F1 e f|X∩F2 sa˜o contı´nuas enta˜o f e´ contı´nua.
Prova.
Sejam a ∈ X e ε > 0 dados. Precisamos analisar treˆs casos:
(1) a ∈ F1 ∩ F2
Como f|X∩F1 e f|X∩F2 sa˜o contı´nuas no ponto a, existem δ1 > 0 e δ2 > 0
tais que:
Instituto de Matema´tica - UFF 193
Ana´lise na Reta
|f(x) − f(a)| < ε se x ∈ (X ∩ F1) ∩ (a− δ1, a+ δ1) ,
e
|f(x) − f(a)| < ε se x ∈ (X ∩ F2) ∩ (a− δ2, a+ δ2) .
Seja δ = min{δ1, δ2} > 0. Enta˜o,
|f(x) − f(a)| < ε

∀ x ∈ (X ∩ F1) ∩ (a− δ), a+ δ)
e
∀ x ∈ (X ∩ F2) ∩ (a− δ), a+ δ) .
Mas, como X ⊂ F1 ∩ F2, temos que
( (X ∩ F1) ∪ (X ∩ F2) ) ∩ (a− δ, a+ δ) = (X ∩ (F1 ∪ F2) ) ∩ (a− δ, a+ δ)
= X ∩ (a− δ, a+ δ)
Logo, |f(x) − f(a)| < ε para todo x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ) .
(2) a ∈ F1 e a 6∈ F2 .
Como f|X∩F1e´ contı´nua no ponto a, existe δ1 > 0 tal que |f(x) − f(a)| < ε
para todo x ∈ (X ∩ F1) ∩ (a− δ1, a+ δ1).
Ale´m disso, como a 6∈ F2 e F2 e´ fechado, existe δ2 > 0 tal que (a − δ2, a +
δ2) ∩ F2 = ∅.
Seja δ = min{δ1, δ2} > 0. Enta˜o, se x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ) temos que
|f(x) − f(a)| < ε, pois
X ∩ (a− δ, a+ δ) = ((X ∩ F1) ∩ (a− δ, a+ δ)) ∪ ((X ∩ F2) ∩ (a− δ, a+ δ))
= (X ∩ F1) ∩ (a− δ, a+ δ),
ja´ que (X ∩ F2) ∩ (a− δ, a+ δ) = ∅ .
(3) a ∈ F2 e a 6∈ F1 .
Este caso prova-se de modo ana´logo ao anterior.�
Corola´rio 1.4 Sejam f : X −→ R e X = F1 ∪ F2, onde F1 e F2 sa˜o conjun-
tos fechados. Se f|F1 e f|F2 sa˜o contı´nuas enta˜o f e´ contı´nua.
Observac¸a˜o 1.11 O teorema 1.8 e o corola´rio 1.4 sa˜o va´lidos tambe´m
quando se tem um nu´mero finito de conjuntos fechados. Mas, para uma
infinidade de conjuntos, o resultado e´, em geral, falso.
Por exemplo, para uma func¸a˜o f : X −→ R que na˜o e´ contı´nua num ponto
J. Delgado - K. Frensel194
A noc¸a˜o de func¸a˜o contı´nua
x0 ∈ X, temos X =
⋃
x∈X
{x}, com {x} fechado, e f|{x} contı´nua em x, para
todo x ∈ X.
Observac¸a˜o 1.12 No exemplo 1.2, R = F ∪ G, onde F = (−∞, 5] e
G = [5,+∞) sa˜o fechados. Como f|F e f|G sa˜o contı´nuas, temos que f e´
contı´nua.
Mas, no exemplo 1.3, R = A ∪ B, onde A = (−∞, 0) e B = [0,+∞), f|A
e f|B sa˜o contı´nuas e f na˜o e´ contı´nua no ponto 0. Isso ocorre porque A
na˜o e´ fechado.
Teorema 1.9 Sejam f : X −→ R e X ⊂ ⋃
λ∈L
Aλ uma cobertura de X por
meio de abertos Aλ, λ ∈ L. Se f|Aλ∩X e´ contı´nua para todo λ ∈ L, enta˜o f
e´ contı´nua.
Prova.
Sejam a ∈ X e ε > 0 dados. Enta˜o existe λ0 ∈ L tal que a ∈ Aλ0 .
Como Aλ0 e´ aberto, existe δ1 > 0 tal que (a− δ1, a+ δ1) ⊂ Aλ0 .
Ale´m disso, como f|X∩Aλ0 e´ contı´nua no ponto a, existe δ2 > 0 tal que
|f(x) − f(a)| < ε , ∀ x ∈ (X ∩Aλ0) ∩ (a− δ2, a+ δ2) .
Seja δ = min{δ1, δ2} > 0. Enta˜o,
|f(x) − f(a)| < ε , ∀ x ∈ (X ∩Aλ0) ∩ (a− δ, a+ δ) = X ∩ (a− δ, a+ δ),
pois (a− δ, a+ δ) ⊂ Aλ0 . Logo, f e´ contı´nua no ponto a.�
Corola´rio 1.5 Sejam f : X −→ R e X = ⋃
λ∈L
Aλ, onde cada Aλ e´ aberto.
Se f|Aλ e´ contı´nua para todo λ ∈ L, enta˜o f e´ contı´nua.
Exemplo 1.4 Seja f : R− {0} −→ R a func¸a˜o definida por:
f(x) =
1, se x ∈ (0,+∞)−1, se x ∈ (−∞, 0) .
Enta˜o f : R − {0} −→ R e´ contı´nua, pois R − {0} = (−∞, 0) ∪ (0,+∞), os
conjuntos A = (−∞, 0) e B = (0,+∞) sa˜o abertos e as func¸o˜es f|A e f|B
sa˜o contı´nuas.�
Instituto de Matema´tica - UFF 195
Ana´lise na Reta
2. Descontinuidades
Definic¸a˜o 2.1 Dizemos que uma func¸a˜o f : X −→ R e´ descontı´nua no
ponto a ∈ X quando f na˜o e´ contı´nua no ponto a.
Ou seja, f e´ descontı´nua no ponto a se existe ε0 > 0 tal que para
todo δ > 0 existe xδ ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ) tal que |f(xδ) − f(a)| ≥ ε0.
Exemplo 2.1 Seja f : R −→ R a func¸a˜o f(x) =
0, se x ∈ Q1, se x ∈ R−Q .
Enta˜o f e´ descontı´nua em todos os pontos de R, pois na˜o existe lim
x−→a f(x)
qualquer que seja a ∈ R.�
Exemplo 2.2 Seja f : R −→ R a func¸a˜o
f(x) =

0, se x ∈ R−Q
1, se x = 0
1
q
, se x = p
q
∈ Q e´ uma frac¸a˜o irredutı´vel, com q > 0 .
Pela observac¸a˜o 2.1 da parte 5, temos que lim
x→ag(x) = 0 para todo a ∈ R.
Logo, g e´ contı´nua nos nu´meros irracionais e descontı´nua nos racionais.
Ver o exercı´cio 18 do livro. Mas na˜o existe uma func¸a˜o f : R −→ R que seja contı´nua nos pontos
raiconais e descontı´nua nos pontos irracionais. �
Exemplo 2.3 Seja f : R −→ R definida por f(x) =

0, se x = 0
x+
x
|x|
, se x 6= 0 .
Enta˜o o ponto 0 e´ o u´nico ponto de descontinuidade de f.�
Exemplo 2.4 Sejam K ⊂ [0, 1] o conjunto de Cantor e f : [0, 1] −→ R a
func¸a˜o definida por
f(x) =
0, se x ∈ K1, se x 6∈ K .
Enta˜o o conjunto dos pontos de descontinuidade de f e´ K.
J. Delgado - K. Frensel196
Descontinuidades
De fato, como A = [0, 1] −K e´ aberto e f|A ≡ 1 e´ constante, temos que f e´
contı´nua em todos os pontos de A.
Mas, como intK = ∅, para cada x ∈ K, existe uma sequ¨eˆncia (xn) de
pontos de A com lim
n→∞ xn = x.
Enta˜o, lim
n→∞ f(xn) = 1 6= 0 = f(x).
Logo, f e´ descontı´nua em todos os pontos de K.�
Definic¸a˜o 2.2 Dizemos que f : X −→ R possui uma descontinuidade
de primeira espe´cie no ponto a ∈ X quando f e´ descontı´nua em a, mas
existe lim
x→a+ f(x) se a ∈ X ′+ e existe limx→a− f(x) se a ∈ X ′−.
Definic¸a˜o 2.3 Dizemos que f : X −→ R possui uma descontinuidade de
segunda espe´cie no ponto a ∈ X se f e´ descontı´nua no ponto a quando
• a ∈ X ′+ e lim
x→a+ f(x) na˜o existe
ou
• a ∈ X ′− e lim
x→a− f(x) na˜o existe.
Exemplo 2.5 Seja f : R −→ R a func¸a˜o
f(x) =

0, se x ∈ R−Q
1, se x = 0
1
q
, se x = p
q
∈ Q e´ uma frac¸a˜o irredutı´vel, com q > 0 .
Como lim
x→a f(x) = 0 para todo a ∈ R, todas as descontinuidades de f sa˜o
de primeira espe´cie.
Neste exemplo, os limites laterais nos pontos de descontinuidade existem
e sa˜o iguais, mas sa˜o diferentes do valor da func¸a˜o nesses pontos.�
Exemplo 2.6 No exemplo 2.3, o zero e´ um ponto de descontinuidade
de primeira espe´cie, pois, os limites laterais existem nesse ponto, embora
sejam diferentes.�
Exemplo 2.7 No exemplo 2.1, todos os nu´meros reais sa˜o desconti-
nuidades de segunda espe´cie, pois na˜o existem os limites lim
x−→a+ f(x) e
lim
x−→a− f(x) para todo a ∈ R.�
Instituto de Matema´tica - UFF 197
Ana´lise na Reta
Exemplo 2.8 No exemplo 2.4, todos os pontos do conjunto de Cantor
sa˜o descontinuidades de segunda espe´cie, pois ou na˜o existe lim
x→a+ f(x)
ou na˜o existe lim
x→a− f(x), para todo a ∈ K.
De fato:
• se a e´ a extremidade superior de um dos intervalos abertos retirados na
construc¸a˜o do conjunto de Cantor K, temos que a ∈ K ′+ e a ∈ A ′+, pois
intK = ∅ (lembre que A = [0, 1] − K), enta˜o, existem sequeˆncias (xn) e
(yn) tais que xn ∈ K, xn > a, yn ∈ [0, 1] − K = A, yn > a, xn → a e
yn → a.
Logo, f(xn) → 0 e f(yn) → 1. Portanto, na˜o existe lim
x→a+ f(x), apesar
de existir lim
x→a− f(x) = 1, pois a e´ a extremidade superior de um intervalo
aberto contido em A.
• se a = 0, na˜o existe o limite lim
x→0+ f(x) pelo mesmo motivo exposto acima,
e lim
x→0− f(x) na˜o faz sentido, pois 0 6∈ [0, 1] ′− e´ o domı´nio da func¸a˜o.
• se a e´ a extremidade inferior de um dos intervalos retirados na cons-
truc¸a˜o do conjunto K, temos que a ∈ K ′− e a ∈ A ′−, pois intK = ∅, enta˜o,
existem sequ¨eˆncias (xn) de pontos de K e (yn) de pontos de A tais que
xn < a, yn < a, xn → a e yn → a. Logo, lim
n→∞ f(xn) = 0 e limn→∞ f(yn) = 1.
Portanto, na˜o existe lim
x→a− f(x), mas existe limx→a+ f(x) = 1, pois a e´ a extre-
midade inferior de um intervalo aberto contido em A.
• se a = 1, o limite lim
x→1− f(x) na˜o existe pelo mesmo motivo exposto acima,
e lim
x→1+ f(x) na˜o faz sentido, pois 1 6∈ ([0, 1]) ′+.
• se a na˜o e´ extremidade de intervalo algum retirado na construc¸a˜o de K,
enta˜o a ∈ K ′− ∩ K ′+ e a ∈ A ′− ∩A ′+, pois intK = ∅.
Logo, na˜o existem lim
x→a+ f(x) e limx→a− f(x).�
Exemplo 2.9 Seja f : R −→ R a func¸a˜o
f(x) =
sen 1x , se x 6= 0a, se x = 0 .
J. Delgado - K. Frensel198
Descontinuidades
Enta˜o, para qualquer a ∈ R, o zero e´ um ponto de descontinuidade de
segunda espe´cie, pois os limites laterais a` esquerda e a` direita em 0 na˜o
existem.�
Exemplo 2.10 Seja f : R −→ R a func¸a˜o
f(x) =

sen
1
1+ e
1
x
, se x 6= 0
0, se x = 0 .
Enta˜o, 0 e´ o u´nico ponto de descontinuidade de f e e´ de primeira espe´cie,
pois lim
x→0+ f(x) = 0 = f(0) e limx→0− f(x) = sen 1 6= f(0).�
Exemplo 2.11 Seja f : R −→ R a func¸a˜o f(x) =

sen( 1x)
1+ e
1
x
, se x 6= 0
0, se x = 0 .
Enta˜o, 0 e´ a u´nica descontinuidade de f e e´ de segunda espe´cie, pois
lim
x→0+ f(x) = 0 = f(0), mas limx→0− f(x) na˜o existe, ja´ que f
(
−
1
2pin
)
−→ 0 e
f
(
−
1
2pin+ pi2)
−→ −1 .�
Exemplo 2.12 Seja f : R −→ R a func¸a˜o dada por
f(x) =
0, se x ∈ R− ∪ (R+ ∩Q)1, se x ∈ (R+ −Q).
Enta˜o lim
x→0− f(x) = f(0) = 0, mas na˜o existe limx→0+ f(x). Logo, 0 e´ um ponto
de descontinuidade de segunda espe´cie, no qual um dos limites laterais
existe.�
Teorema 2.1 Uma func¸a˜o mono´tona f : X −→ R na˜o admite desconti-
nuidades de segunda espe´cie.
Prova.
Se a ∈ X e´ um ponto isolado, enta˜o f e´ contı´nua em a. Seja a ∈ X ∩ X ′.
Se a ∈ X ∩ X ′+, enta˜o existe δ > 0 tal que a + δ ∈ X. Logo, f|X∩[a,a+δ] e´
limitada e mono´tona e, portanto, existe lim
x→a+ f(x).
Instituto de Matema´tica - UFF 199
Ana´lise na Reta
Se a ∈ X ∩ X ′−, enta˜o existe δ > 0 tal que a − δ ∈ X. Logo f|X∩[a−δ,a] e´
limitada e mono´tona e, portanto, existe lim
x→a− f(x).
Logo, para todo a ∈ X ∩ X ′, existem os limites laterais que fac¸am sentido
nesse ponto.�
Teorema 2.2 Seja f : X −→ R mono´tona. Se f(X) e´ denso em algum
intervalo I, enta˜o f e´ contı´nua.
Prova.
Se a e´ ponto isolado de X, enta˜o f e´ contı´nua em a.
Seja a ∈ X ∩ X ′. Se a ∈ X ∩ X ′+, existe lim
x→a+ f(x) = f(a+) e se a ∈ X ∩ X ′−,
existe lim
x→a− f(x) = f(a−), pelo teorema anterior.
Afirmac¸a˜o: f(a+) = f(a) se a ∈ X ∩ X ′+ e f(a−) = f(a) se a ∈ X ∩ X ′−.
Suponhamos que f e´ na˜o-decrescente.
Nesse caso, f(a+) = inf{f(x) | x > a}. Como f(a) ≤ f(x) para todo x > a,
x ∈ X, temos que f(a) ≤ f(a+).
Vamos supor, por absurdo, que f(a) < f(a+).
Seja I um intervalo que conte´m f(X), ou seja, f(X) ⊂ I.
Como a ∈ X ′+, existe x > a tal que x ∈ X. Sendo f(x) ≥ f(a+), temos que
( f(a), f(a+) ) ⊂ I, pois ( f(a), f(a+) ) ⊂ ( f(a), f(x) ) e f(a), f(x) ∈ f(X).
Mas ( f(a), f(a+) ) ∩ f(X) = ∅, pois se x < a, f(x) ≤ f(a) e se x > a,
f(x) ≥ f(a+).
Enta˜o, se f(X) e´ denso em I, ou seja, f(X) ⊂ I e I ⊂ f(X), chegamos
a uma contradic¸a˜o, pois 1
2
( f(a) + f(a+) ) ∈ I e ( f(a), f(a+) ) e´ um inter-
valo aberto que conte´m 1
2
( f(a) + f(a+) ) tal que ( f(a), f(a+) )∩ f(X) = ∅.
Logo, f(a+) = f(a).
De modo ana´logo, podemos provar que f(a−) = f(a) se a ∈ X ′−.
Logo, f e´ contı´nua em todos os pontos de X.�
Corola´rio 2.1 Se f : X −→ R e´ mono´tona e f(X) e´ um intervalo, enta˜o f
e´ contı´nua.
J. Delgado - K. Frensel200
Descontinuidades
Exemplo 2.13 Seja f : R −→ R a func¸a˜o dada por
f(x) =
x, se x ∈ Q−x, se x ∈ R−Q .
Enta˜o f e´ contı´nua apenas no ponto 0, pois:
• se a ∈ Q− {0}, existe uma sequ¨eˆncia (xn), xn ∈ R−Q, tal que xn −→ a
e f(xn) = −xn −→ −a 6= a = f(a) ,
e
• se a ∈ R − Q, existe uma sequ¨eˆncia (xn), xn ∈ Q, tal que xn → a e
f(xn) = xn → a 6= −a = f(a).
Ale´m disso, f e´ uma bijec¸a˜o, ou seja, f e´ injetiva e f(R) = R. Em particular,
f(R) e´ um intervalo. Isto so´ e´ possı´vel porque f na˜o e´ mono´tona.�
• Seja f : X −→ R uma func¸a˜o cujas descontinuidades sa˜o todas de
primeira espe´cie. Seja σ : X −→ R a func¸a˜o definida por
σ(x) =

max { |f(x) − f(x+)| , |f(x) − f(x−)| } , se x ∈ X ′+ ∩ X ′−
|f(x) − f(x+)|, se x ∈ X ′+ e x 6∈ X ′−
|f(x) − f(x−)|, se x ∈ X ′− e x 6∈ X ′+
0, se x e´ um ponto isolado de X ,
onde f(a+) = lim
x→a+ f(x) e f(a−) = limx→a− f(x).
O valor σ(x) e´ chamado o salto de f no ponto x.
Observac¸a˜o 2.1 Se a ≤ f(x) ≤ b para todo x ∈ X, enta˜o 0 ≤ σ(x) ≤
b− a. De fato:
• Se x0 ∈ X ′+, existe uma sequ¨eˆncia (xn), xn > x0, xn ∈ X, tal que
f(xn) −→ f(x+0 ).
Logo, |f(x0) − f(x+0 )| ≤ b− a, pois |f(x0) − f(xn)| ≤ b− a para todo n ∈ N.
• Se x0 ∈ X ′−, existe uma sequ¨eˆncia (xn), xn < x0, xn ∈ X, tal que f(xn)→
f(x−0 ).
Logo, |f(x0) − f(x−0 )| ≤ b− a, pois |f(x0) − f(xn)| ≤ b− a para todo n ∈ N.
Observac¸a˜o 2.2 σ(x) > 0 se, e so´ se, x e´ uma descontinuidade de f.
Instituto de Matema´tica - UFF 201
Ana´lise na Reta
Teorema 2.3 Seja f : X −→ R uma func¸a˜o cujas descontinuidades sa˜o
todas de primeira espe´cie. Enta˜o o conjunto dos pontos de descontinui-
dade de f e´ enumera´vel.
Prova.
Para cada n ∈ N, seja Dn =
{
x ∈ X
∣∣∣σ(x) ≥ 1
n
}
.
Enta˜o o conjunto dos pontos de descontinuidade de f e´
D =
⋃
n∈N
Dn .
Se provamos que, para todo n ∈ N, o conjunto Dn so´ possui pontos isola-
dos, enta˜o Dn e´ enumera´vel e, portanto, D sera´ enumera´vel.
Afirmac¸a˜o: Para todo n ∈ N, Dn so´ possui pontos isolados.
Seja a ∈ Dn, ou seja, σ(a) ≥ 1
n
. Enta˜o a ∈ X ′, pois f e´ descontı´nua em a.
Suponhamos que a ∈ X ′+.
Pela definic¸a˜o de limite lateral a` direita, existe δ > 0 tal que
f(a+) −
1
4n
< f(x) < f(a+) +
1
4n
,
para todo x ∈ (a, a+ δ) ∩ X.
Enta˜o, σ(x) < 1
2n
<
1
n
para todo x ∈ (a, a+δ)∩X. Logo, (a, a+δ)∩Dn = ∅.
Se a 6∈ X ′+, existe δ > 0 tal que (a, a+δ)∩X = ∅. Logo, (a, a+δ)∩Dn = ∅.
Assim, para todo a ∈ X ′, existe δ > 0 tal que (a, a+ δ) ∩Dn = ∅.
De modo ana´logo, podemos provar que para todo a ∈ X ′ existe δ > 0 tal
que (a− δ, a) ∩Dn = ∅.
Enta˜o, se a ∈ Dn, existe δ > 0 tal que (a− δ, a+ δ) ∩Dn = {a}, ou seja a
e´ um ponto isolado de Dn.�
Corola´rio 2.2 Seja f : X −→ R uma func¸a˜o mono´tona. Enta˜o o conjunto
dos pontos de descontinuidade de f e´ enumera´vel.
Prova.
Pelo teorema 2.1, todas as descontinuidades de f sa˜o de primeira espe´cie.�
J. Delgado - K. Frensel202
Func¸o˜es contı´nuas em intervalos
3. Func¸o˜es contı´nuas em intervalos
Teorema 3.1 (Teorema do valor intermedia´rio)
Seja f : [a, b] −→ R contı´nua. Se f(a) < d < f(b) enta˜o existe c ∈ (a, b)
tal que f(c) = d.
Prova.
Primeira demonstrac¸a˜o.
Como f e´ contı´nua no ponto a, dado ε = d − f(a) > 0, existe δ > 0,
δ < b− a, tal que f(x) < f(a) + ε = d para todo x ∈ [a, a+ δ).
Enta˜o A = { x ∈ (a, b) | f(x) < d } 6= ∅, pois (a, a+δ) ⊂ A, e e´ aberto, pela
observac¸a˜o 1.7.
Como f tambe´m e´ contı´nua no ponto b, dado ε = f(b)−d > 0 existe δ > 0,
δ < b − a, tal que d = f(b) − ε < f(x) para todo x ∈ (b − δ, b]. Enta˜o o
conjunto B = {x ∈ (a, b) | f(x) > d} e´ na˜o-vazio, pois (b − δ, b) ⊂ B, e e´
aberto, pela observac¸a˜o 1.7.
Se na˜o existir c ∈ (a, b) tal que f(c) = d, terı´amos (a, b) = A ∪ B, o que e´
absurdo pela unicidade da decomposic¸a˜o de um aberto como reunia˜o de
intervalos abertos dois a dois disjuntos, ja´ que A 6= ∅, B 6= ∅ e (a, b) e´
um intervalo aberto (ver corola´rio 1.1 da parte 4).
Segunda demonstrac¸a˜o.
Seja A = {x ∈ [a, b] | f(x) < d}. Enta˜o, A e´ limitado e na˜o-vazio, ja´ que
f(a) < d. Seja c = supA.
Afirmac¸a˜o: c 6∈ A.
Suponhamos, por absurdo, que c ∈ A, ou seja, que f(c) < d.
Como c ≤ b e f(b) > d, temos que a ≤ c < b. Sendo f contı´nua em c,
dado ε = d − f(c) > 0, existe δ > 0, δ < b − c, tal que f(x) < f(c) + ε = d
para todo x ∈ [c, c + δ) ⊂ [a, b), o que e´ absurdo, pois c e´ o supremo de
A e (c, c+ δ) ⊂ A.
Ale´m disso, como c e´ o limite de uma sequ¨eˆncia de pontos xn ∈ A, temos
f(c) = lim
n→∞ f(xn) ≤ d.
Logo, f(c) = d, pois c 6∈ A, ou seja, f(c) ≥ d.�
Instituto de Matema´tica - UFF 203
Ana´lise na Reta
Observac¸a˜o 3.1 O teorema continua va´lido quando f(b) < d < f(a).
Corola´rio 3.1 Seja f : I −→ R uma func¸a˜o contı´nua num intervalo I
qualquer. Se a < b pertencem a I e f(a) < d < f(b) (ou f(b) < d < f(a)),
enta˜o existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = d.
Prova.
Basta restringir f ao intervalo [a, b] e aplicar o teorema anterior.�
Corola´rio 3.2 Seja f : I −→ R uma func¸a˜o contı´nua num intervalo I.
Enta˜o f(I) e´ um intervalo.
Prova.
Sejam α = inf{f(x) | x ∈ I} e β = sup{f(x) | x ∈ I}.
Podemos ter α = −∞ se f e´ ilimitada inferiormente, e β = +∞ se f e´
ilimitada superiormente.
Afirmac¸a˜o: f(I) e´ um intervalo, cujos extremos sa˜o α e β.
Seja α < y < β. Enta˜o, pelas definic¸o˜es de sup e inf, ou pela definic¸a˜o
de conjunto ilimitado, quando um dos extremos α ou β e´ infinito ou ambos
sa˜o infinitos, existem a, b ∈ I tais que f(a) < y < f(b). Pelo Teorema do
Valor Intermedia´rio, existe x entre a e b tal que f(x) = y, ou seja, y ∈ f(I).
�
Observac¸a˜o3.2 No corola´rio acima, podemos ter f(I) = [α,β], f(I) =
(α,β], f(I) = [α,β) ou f(I) = (α,β).
Exemplo 3.1 Seja f : (−1, 3) −→ R dada por f(x) = x3. Enta˜o, f((−1, 3)) =
[0, 9).�
Observac¸a˜o 3.3 Se I e´ um intervalo e f : I −→ R e´ uma func¸a˜o
contı´nua tal que f(I) ⊂ Z, enta˜o f e´ constante, pois todo intervalo con-
tido em Z e´ degenerado. Mais geralmente:
• Se f : X −→ R e´ contı´nua, f(X) ⊂ Y e int Y 6= ∅, enta˜o f e´ constante em
cada intervalo contido em X.
Observac¸a˜o 3.4 Seja p : R −→ R, p(x) = anxn+ . . .+a1x+a0, an 6= 0
J. Delgado - K. Frensel204
Func¸o˜es contı´nuas em intervalos
um polinoˆmio de grau n ı´mpar. Enta˜o, p possui uma raı´z real, ou seja,
existe c ∈ R tal que p(c) = 0.
Suponhamos que an > 0. Se a0 = 0, temos p(0) = 0. Caso contra´rio,
para todo x 6= 0, p(x) = an xn r(x), onde
r(x) = 1+
an−1
an
1
x
+ . . .+
a1
an
1
xn−1
+
a0
an
1
xn
.
Como lim
x→±∞ r(x) = 1, limx→∞anxn = +∞ e limx→−∞anxn = −∞, temos que
lim
x→+∞p(x) = +∞ e limx→−∞p(x) = −∞. Logo, p(R) = R, pois p(R) e´ um
intervalo ilimitado superior e inferiormente.
Ou seja, p e´ sobrejetiva. Enta˜o para todo d ∈ R existe c ∈ R tal que
p(c) = d. Em particular, existe c ∈ R tal que p(c) = 0.
Exemplo 3.2 Para cada n ∈ N, seja f : [0,+∞) −→ [0,+∞) a func¸a˜o
definida por f(x) = xn.
Como f e´ contı´nua, f(0) = 0 e lim
x→+∞ xn = +∞, temos que
f([0,+∞)) = [0,+∞),
ou seja, f e´ sobrejetiva. Ale´m disso, f e´ crescente e, portanto, injetiva.
Enta˜o f : [0,+∞) −→ [0,+∞) e´ uma bijec¸a˜o contı´nua.
Assim, dado y ≥ 0 existe um u´nico x ≥ 0, que denotamos por x = n√y, tal
que xn = y.
A inversa g da func¸a˜o f, g : [0,+∞) −→ [0,+∞), g(y) = n√y, e´ tambe´m
contı´nua e crescente, pelo teorema que provaremos abaixo.�
Teorema 3.2 Seja f : I −→ R uma func¸a˜o contı´nua, injetiva, definida
num intervalo I. Enta˜o f e´ mono´tona, sua imagem J = f(I) e´ um intervalo
e sua inversa f−1 : J −→ I e´ contı´nua.
Prova.
Para verificar que f e´ mono´tona, basta provar que f e´ mono´tona em todo
intervalo limitado e fechado [a, b] ⊂ I.
Como f e´ injetiva, temos f(a) 6= f(b).
Vamos supor que f(a) < f(b).
Afirmac¸a˜o: A func¸a˜o f e´ crescente.
Instituto de Matema´tica - UFF 205
Ana´lise na Reta
Suponhamos, por absurdo, que existem x, y ∈ [a, b] tais que x < y e
f(x) > f(y). Ha´, enta˜o, duas possibilidades: f(a) < f(y) ou f(a) > f(y).
1o caso: f(a) < f(y) < f(x).
Pelo Teorema do Valor Intermedia´rio, existe c ∈ (a, x) tal que f(c) = f(y),
o que e´ absurdo, pois c < y e f e´ injetiva.
2o caso: f(y) < f(a) < f(b).
Pelo Teorema do Valor Intermedia´rio, existe c ∈ (y, b) tal que f(c) = f(a),
o que e´ absurdo, pois c > a e f e´ injetiva.
Logo, f e´ mono´tona e J = f(I) e´ um intervalo, pois f e´ contı´nua. Enta˜o,
f : I −→ J e´ uma bijec¸a˜o contı´nua e mono´tona.
Ale´m disso, f−1 : J −→ I e´ tambe´m mono´tona, pois se y < z, y, z ∈ J, enta˜o
f−1(y) < f−1(z) se f e´ crescente e f−1(y) > f−1(z) se f e´ decrescente, ja´
que y = f(f−1(y)) < z = f(f−1(z)).
Enta˜o, pelo corola´rio 2.1, f−1 : J −→ I e´ contı´nua, pois f−1 e´ mono´tona e
f−1(J) = I e´ um intervalo.�
Observac¸a˜o 3.5 Se f : I −→ R e´ contı´nua, injetiva e, portanto, mono´tona,
enta˜o o intervalo J = f(I) e´ do mesmo tipo (aberto, fechado, semi-aberto)
do intervalo I.
Mas, um dos intervalos I e J pode ser ilimitado e o outro limitado.
Por exemplo, para a func¸a˜o f : (0, 1] −→ R dada por f(x) = 1
x
, temos
f((0, 1]) = [1,+∞).
Definic¸a˜o 3.1 Sejam X, Y ⊂ R. Uma bijec¸a˜o contı´nua f : X −→ Y, cuja
inversa f−1 : Y −→ X tambe´m e´ contı´nua, chama-se um homeomorfı´smo
entre X e Y
• Pelo teorema anterior, se f : I −→ R e´ uma bijec¸a˜o contı´nua definida
num intervalo I, enta˜o f(I) = J e´ um intervalo e f−1 : J −→ I e´ tambe´m
contı´nua, ou seja f : I −→ J e´ um homeomorfismo.
Mas, nem toda bijec¸a˜o contı´nua f : X −→ Y tem inversa contı´nua.
Por exemplo, seja f : X = [0, 1)∪[2, 3] −→ Y = [1, 3] definida por f(x) = x+1
se x ∈ [0, 1) e f(x) = x se x ∈ [2, 3).
J. Delgado - K. Frensel206
Func¸o˜es contı´nuas em conjuntos compactos
Enta˜o, f e´ uma bijec¸a˜o contı´nua e crescente, mas a func¸a˜o inversa
f−1 : [1, 3] −→ [0, 1) ∪ [2, 3] e´ descontı´nua no ponto 2. De fato, como
f−1(y) = y se y ∈ [2, 3) e f−1(y) = y − 1 se y ∈ [1, 2), enta˜o f−1(2) = 2 e
lim
y−→2− f−1(y) = 1 6= f−1(2).
4. Func¸o˜es contı´nuas em conjuntos compac-
tos
Teorema 4.1 Seja f : X −→ R uma func¸a˜o contı´nua. Se X e´ compacto
enta˜o f(X) e´ compacto.
Prova.
Primeira demonstrac¸a˜o.
Seja (Aλ)λ ∈ L uma cobertura aberta de f(X), ou seja, f(X) ⊂
⋃
λ∈L
Aλ e
cada Aλ, λ ∈ L, e´ aberto.
Enta˜o, para todo x ∈ X, existe λx ∈ L tal que f(x) ∈ Aλx .
Como f e´ contı´nua, para cada x ∈ I, existe um intervalo aberto Ix centrado
em x tal que f(Ix ∩ X) ⊂ Aλx.
Logo, como X ⊂
⋃
x∈X
Ix e X e´ compacto, existem x1, . . . , xn ∈ X tais que
X ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn .
Assim, f(X) ⊂ Aλx1 ∪ . . . ∪Aλxn , o que prova a compacidade de f(X).
Segunda demonstrac¸a˜o.
Seja (yn) uma sequeˆncia de pontos de f(X).
Para cada n ∈ N, existe xn ∈ X tal que f(xn) = yn. Como X e´ compacto,
(xn) possui uma subsequ¨eˆncia (xnk)k∈N que converge para um ponto x ∈
X.
Enta˜o, pela continuidade de f, temos que ynk = f(xnk) −→ f(x), ou
seja, (yn) possui uma subsequ¨eˆncia que converge para um ponto de f(X).
Logo, f(X) e´ compacto.�
Instituto de Matema´tica - UFF 207
Ana´lise na Reta
Corola´rio 4.1 (Weierstrass)
Toda func¸a˜o contı´nua f : X −→ R definda num compacto X e´ limitada e
atinge seus valores extremos, ou seja, existem x1, x2 ∈ X tais que
f(x1) ≤ f(x) ≤ f(x2) ,
para todo x ∈ X.
Prova.
Pelo teorema acima, f(X) e´ compacto e, portanto, limitado e fechado.
Enta˜o, inf f(X) e sup f(X) existem e pertencem a f(X), ou seja, existem
x1, x2 ∈ X tais que f(x1) = inf f(X) e f(x2) = sup f(X).�
Exemplo 4.1 A func¸a˜o f : (−1, 1) −→ R definida por f(x) = 1
1− x2
e´
contı´nua, mas na˜o e´ limitada, pois f((−1, 1)) = [1,+∞). Isto e´ possı´vel,
porque o domı´nio (−1, 1) na˜o e´ compacto, pois, apesar de ser limitado,
na˜o e´ fechado.�
Exemplo 4.2 A func¸a˜o f : (−1, 1) −→ R definida por f(x) = x e´ contı´nua
e limitada, mas na˜o possui um ponto de ma´ximo nem de mı´nimo em seu
domı´nio. Observe que, nesse exemplo, o domı´nio (−1, 1) na˜o e´ compacto,
ja´ que na˜o e´ fechado.�
Exemplo 4.3 A func¸a˜o f : [0,+∞) −→ R definida por f(x) = 1
1+ x2
e´ contı´nua e limitada, pois f([0,+∞)) = (0, 1]. A func¸a˜o f assume seu
ma´ximo 1 no ponto zero, mas na˜o existe x ∈ [0,+∞) tal que
f(x) = 0 = inf{f(x) | x ∈ [0,+∞)}.
Isto e´ possı´vel porque o domı´nio de f na˜o e´ compacto, pois, apesar de ser
fechado, na˜o e´ limitado.�
Observac¸a˜o 4.1 Dados a ∈ R e um subconjunto fechado na˜o-vazio
F ⊂ R, existe x0 ∈ F tal que |a− x0| ≤ |a− x| para todo x ∈ F.
Seja n ∈ N tal que K = [a−n, a+n]∩F 6= ∅. Como K e´ limitado e fechado,
K e´ compacto.
Seja f : K −→ R a func¸a˜o definida por f(x) = |a− x|. Sendo f contı´nua e K
compacto, existe x0 ∈ K tal que f(x0) = |a − x0| ≤ f(x) = |a − x| para todo
x ∈ K.
J. Delgado - K. Frensel208
Continuidade Uniforme
Se x 6= K e x ∈ F, temos que |a− x| > n > |a− x0|. Logo, |a− x0| ≤ |a− x|
para todo x ∈ F.
Observac¸a˜o 4.2 Se F na˜o e´ fechado e a ∈ F− F, enta˜o
inf{|a− x| | x ∈ F} = 0.
De fato, como a ∈ F, existe uma sequ¨eˆncia (xn) de pontos de F tal que
xn −→ a.
Logo, |a− xn| −→ 0 e, portanto inf{|a− x| | x ∈ F} = 0.
Mas, como a 6∈ F, na˜o existe x0 ∈ F tal que |a − x0| ≤ |a − x| para todo
x ∈ F, pois, neste caso, |a− x0| = inf{|a− x| | x ∈ X} = 0, ou seja, a = x0, o
que e´ absurdo, pois a 6∈ F e x0 ∈ F.
Teorema 4.2 Seja X ⊂ R compacto. Se f : X −→ R e´ contı´nua e
injetiva, enta˜o Y = f(X) e´ compacto e f−1 : Y −→ R e´ contı´nua.
Prova.
Seja b = f(a) ∈ f(X) = Y e seja yn −→ b, onde yn = f(xn) ∈ f(X).
Afirmac¸a˜o: xn = f−1(yn) −→ f−1(b)= a.
Como X e´ compacto e xn ∈ X para todo n ∈ N, a sequeˆncia (xn) e´
limitada. Enta˜o, basta mostrar que a e´ o u´nico valor de adereˆncia da
sequeˆncia (xn).
Seja (xnk)k∈N uma subsequ¨eˆncia de (xn) que converge para a ′ ∈ R. Como
X e´ compacto, a ′ ∈ X. Logo, ynk = f(xnk) −→ b e ynk = f(xnk) −→ f(a ′),
pois f e´ contı´nua em a ′. Enta˜o, b = f(a ′) = f(a) e, portanto, a ′ = a, pois
f e´ injetiva. �
5. Continuidade Uniforme
Definic¸a˜o 5.1 Dizemos que uma func¸a˜o f : X −→ R e´ uniformemente
contı´nua quando, para cada ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que x, y ∈ X,
|x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε.
Observac¸a˜o 5.1 Toda func¸a˜o uniformemente contı´nua e´ contı´nua.
De fato, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que
Instituto de Matema´tica - UFF 209
Ana´lise na Reta
x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε.
Se a ∈ X, temos que |f(x)−f(a)| < ε para todo x ∈ X, |x−a| < δ. Observe
que o nu´mero real positivo δ na˜o depende do ponto a ∈ X, apenas de ε.
Observac¸a˜o 5.2 Uma func¸a˜o f : X −→ R na˜o e´ uniformemente contı´nua
se, e so´ se, existe ε0 > 0 tal que para todo δ > 0 existem xδ, yδ ∈ X tais
que |xδ − yδ| < δ e |f(xδ) − f(yδ)| ≥ ε0.
Observac¸a˜o 5.3 Nem toda func¸a˜o contı´nua e´ uniformemente contı´nua.
Por exemplo, seja f : (0,+∞) −→ R dada por f(x) = 1
x
. Enta˜o, f e´
contı´nua, mas na˜o e´ uniformemente contı´nua em (0,+∞).
De fato, sejam ε > 0 e δ > 0 dados.
Sejam aδ ∈ R tal que 0 < aδ < δ e 0 < aδ < 1
3ε
e bδ = a +
δ
2
. Enta˜o,
|bδ − aδ| =
δ
2
< δ e
|f(bδ) − f(aδ)| =
∣∣∣∣ 1aδ + δ2 − 1aδ
∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ 22aδ + δ − 1aδ
∣∣∣∣
=
δ
aδ(2aδ + δ)
>
δ
3δaδ
=
1
3aδ
> ε .
Exemplo 5.1 Seja f : R −→ R definida por f(x) = ax+ b, a 6= 0.
Dado ε > 0, existe δ = ε
|a|
> 0 tal que
x, y ∈ R, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| = |c| |x− y| < |c| ε
|c|
= ε.
Logo, f e´ uniformemente contı´nua em R.�
Definic¸a˜o 5.2 Dizemos que uma func¸a˜o f : X −→ R e´ lipschitziana
quando existe uma constante c > 0 tal que |f(x)−f(y)| ≤ c |x−y| quaisquer
que sejam x, y ∈ X. A menor de tais constantes c > 0 e´ chamada a
constante de Lipschitz de f.
Exemplo 5.2 A func¸a˜o f : R −→ R, f(x) = ax + b, a 6= 0 e´ lipschitziana
em toda a reta com constante de Lipschitz c = |a|.�
J. Delgado - K. Frensel210
Continuidade Uniforme
Observac¸a˜o 5.4 Toda func¸a˜o f : X −→ R lipschitziana e´ uniforme-
mente contı´nua, pois dado ε > 0, existe δ = ε
c
> 0 tal que
x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| ≤ c|x− y| < c · ε
c
= ε.
Exemplo 5.3 Se X ⊂ R e´ limitado, a func¸a˜o f : X −→ R, f(x) = x2, e´
lipschitziana. De fato, seja A > 0 tal que |x| ≤ A para todo x ∈ X. Enta˜o,
|f(x) − f(y)| = |x2 − y2| = |x− y| |x+ y| ≤ 2A|x− y| ,
quaisquer que sejam x, y ∈ A.
Mas, se X = R, a func¸a˜o f(x) = x2 na˜o e´ sequer uniformemente contı´nua.
De fato, dados ε = 1 e δ > 0, sejam xδ > 1
δ
e yδ = xδ +
δ
2
. Enta˜o,
|xδ − yδ| =
δ
2
< δ e |f(xδ) − f(yδ)| =
(
xδ +
δ
2
)2
− x2δ = xδ δ+
δ2
4
> xδ δ > 1 .
�
Exercı´cio.
Mostrar que a func¸a˜o f : R −→ R
dada por f(x) = xn na˜o e´ uni-
formemente contı´nua para todo
n > 1.
Teorema 5.1 Seja f : X −→ R uniformemente contı´nua. Se (xn) e´ uma
sequ¨eˆncia de Cauchy em X, enta˜o ( f(xn)) e´ uma sequ¨eˆncia de Cauchy.
Prova.
Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que
x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε .
Como (xn) e´ de Cauchy, existe n0 ∈ N tal que |xm−xn| < δ param,n > n0.
Logo, |f(xn)−f(xm)| < ε param,n > n0, ou seja, (f(xn)) e´ uma sequ¨eˆncia
de Cauchy.�
Corola´rio 5.1 Se f : X −→ R e´ uniformemente contı´nua, enta˜o existe
lim
x→a f(x) para todo a ∈ X ′.
Prova.
Seja (xn) uma sequ¨eˆncia de pontos de X − {a} tal que xn −→ a. Enta˜o,
pelo teorema anterior, (f(xn)) e´ de Cauchy e, portanto, convergente. Logo,
pelo corola´rio 1.4 da parte 5, existe lim
x→a f(x).�
Observac¸a˜o 5.5 Para provar o corola´rio acima podemos usar tambe´m
o Crite´rio de Cauchy para func¸o˜es(teorema 1.9, parte 5).
Instituto de Matema´tica - UFF 211
Ana´lise na Reta
De fato, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que
x, y ∈ X, |x− y| < δ
2
=⇒ |f(x) − f(y)| < ε .
Enta˜o, se x, y ∈ X,
|x− a| <
δ
2
e |y− a| <
δ
2
=⇒ |x− y| ≤ |x− a| + |a− y| < δ
=⇒ |f(x) − f(y)| < ε .
Logo, existe lim
x→a f(x) para todo a ∈ X ′.
Exemplo 5.4 As func¸o˜es f, g : (0, 1] −→ R, f(x) = sen(1
x
)
e g(x) =
1
x
,
na˜o sa˜o uniformemente contı´nuas, pois na˜o existem lim
x→0g(x) e limx→0 f(x),
no ponto 0 ∈ (0, 1] ′.�
Observac¸a˜o 5.6 Uma func¸a˜o f : X −→ R na˜o e´ uniformemente contı´nua
se, e so´ se, existem ε0 > 0 e duas sequ¨eˆncias (xn), (yn) de pontos de X
tais que |xn − yn| −→ 0 e |f(xn) − f(yn)| ≥ ε0 para todo n ∈ N.
Exemplo 5.5 A func¸a˜o f : R −→ R, f(x) = x3, na˜o e´ uniformemente
contı´nua em R. De fato, existem ε = 3 e duas sequ¨eˆncias xn = n +
1
n
e
yn = n tais que |xn − yn| =
1
n
−→ 0 e
|f(xn) − f(yn)| =
∣∣∣∣ (n+ 1n)3 − n3
∣∣∣∣ = ∣∣∣∣n3 + 3n2n + 3 nn2 + 1n3 − n3
∣∣∣∣
= 3n+
3
n
+
1
n3
≥ 3 , para todo n ∈ N .
�
Teorema 5.2 Seja X compacto. Enta˜o toda func¸a˜o contı´nua f : X −→ R
e´ uniformemente contı´nua.
Prova.
Primeira demonstrac¸a˜o.
Dado ε > 0. Para cada x ∈ X existe δx > 0 tal que
y ∈ X, |y− x| < 2δx =⇒ |f(y) − f(x)| < ε
2
Seja Ix = (x− δx, x+ δx). Enta˜o a cobertura aberta X ⊂
⋃
x∈X
Ix admite uma
J. Delgado - K. Frensel212
Continuidade Uniforme
subcobertura finita X ⊂ Ix1 ∪ . . . ∪ Ixn .
Seja δ = min{δx1 , . . . , δxn} > 0. Se x, y ∈ X e |x−y| < δ, tome j ∈ {1, . . . , n}
tal que x ∈ Ixj .
Enta˜o, |x− xj| < δxj e |y− xj| ≤ |y− x| + |x− xj| < δ+ δxj ≤ 2δxj .
Logo, |f(x) − f(xj)| <
ε
2
e |f(y) − f(xj)| <
ε
2
, donde |f(x) − f(y)| < ε.
Segunda demonstrac¸a˜o.
Suponhamos que f na˜o e´ uniformemente contı´nua.
Enta˜o existe ε0 > 0 tal que, para todo n ∈ N existem xn, yn ∈ X com
|xn − yn| <
1
n
e |f(xn) − f(yn)| ≥ ε0.
Como X e´ compacto, a sequ¨eˆncia (xn) possui uma subsequ¨eˆncia (xnk)k∈N
que converge para um ponto x ∈ X.
Enta˜o ynk −→ x, pois (xnk − ynk) −→ 0.
Sendo f contı´nua, temos que lim
k→+∞ f(xnk) = limk→+∞ f(ynk) = f(x), o que
contradiz a desigualdade |f(xnk) − f(ynk)| ≥ ε0, para todo k ∈ N.
Logo, f e´ uniformemente contı´nua.�
Exemplo 5.6 A func¸a˜o f : [0, 1] −→ R, f(x) = √x, e´ contı´nua e, portanto
uniformemente contı´nua, pois [0, 1] e´ compacto.
Mas, f na˜o e´ lipschitziana, pois o quociente |
√
x−
√
y|
|x− y|
=
1√
x+
√
y
na˜o e´
limitado, ja´ que lim
x→0+
1√
x+
√
y
= +∞.
Por outro lado, a func¸a˜o g : [0,+∞) −→ R, g(x) = √x, da qual f e´ uma
restric¸a˜o, e´ uniformemente contı´nua, embora seu domı´nio [0,+∞) na˜o
seja compacto.
De fato, g|[1,+∞) e´ lipschitziana, pois
|g(x) − g(y)| =
|x− y|√
x+
√
y
≤ 1
2
|x− y|, para x, y ∈ [1,+∞) .
Como g|[0,1] e g|[1,+∞) sa˜o uniformemente contı´nuas, temos que g|[0,+∞) e´
uniformemente contı´nua, pois dado ε > 0 existem δ1, δ2 > 0 tais que:
Instituto de Matema´tica - UFF 213
Ana´lise na Reta
• x, y ∈ [0, 1], |x− y| < δ1 =⇒ |g(x) − g(y)| < ε
2
;˙
• x, y ∈ [1,+∞), |x− y| < δ2 =⇒ |g(x) − g(y)| < ε
2
.
Seja δ = min{δ1, δ2} > 0 e sejam x, y ∈ [0,+∞), |x− y| < δ.
Assim, se
• x, y ∈ [0, 1] =⇒ |g(x) − g(y)| < ε
2
< ε ;
• x, y ∈ [1,+∞) =⇒ |g(x) − g(y)| < ε
2
< ε ;
• x ∈ [0, 1] e y ∈ [1,+∞) =⇒ |x− 1| < δ e |y− 1| < δ
=⇒ |g(x)−g(1)| < ε
2
e |g(y)−g(1)| <
ε
2
=⇒ |g(x)−g(y)| < ε
2
+
ε
2
≤ ε .�
Definic¸a˜o 5.3 Dizemos que uma func¸a˜o ϕ : Y −→ R e´ uma extensa˜o
da func¸a˜o f : X −→ R, quando f e´ uma restric¸a˜o de g, ou seja, X ⊂ Y e
ϕ(x) = f(x) para todo x ∈ X.
Quando ϕ e´ contı´nua, dizemos que f se estende continuamente a` func¸a˜o
ϕ.
Teorema 5.3 Toda func¸a˜o uniformemente contı´nua f : X −→ R admite
uma extensa˜o contı´nua ϕ : X −→ R. A func¸a˜o ϕ e´ a u´nica extensa˜o
contı´nua de f aX e e´ uniformemente contı´nua.
Prova.
Vamos definir ϕ no conjunto X = X ∪ X ′.
Como f e´ uniformemente contı´nua, pelo Corola´rio 5.1, existe lim
x→x ′ f(x) para
todo x ′ ∈ X ′.
Definimos, enta˜o, ϕ da seguinte maneira:
ϕ(x ′) = lim
x→x ′ f(x) se x ∈ X ′ e ϕ(x) = f(x) se x ∈ X.
Se x ′ ∈ X ′ ∩ X, enta˜o ϕ(x ′) = lim
x→x ′ f(x) = f(x ′), pois f e´ contı´nua em x ′.
Logo, ϕ esta´ bem definida em X.
Observe que se x ∈ X, xn −→ x, xn ∈ X, enta˜o ϕ(x) = lim
n→+∞ f(xn).
Afirmac¸a˜o: ϕ : X −→ R e´ uniformemente contı´nua.
J. Delgado - K. Frensel214
Continuidade Uniforme
De fato, como f e´ uniformemente contı´nua em X, dado ε > 0 existe δ > 0
tal que x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε
2
.
Sejam x, y ∈ X tais que |x− y| < δ.
Enta˜o existem sequ¨eˆncias (xn) e (yn) em X tais que xn −→ x e yn −→ y.
Como |xn − yn| −→ |x− y| e |x− y| < δ, existe n0 ∈ N tal que |xn − yn| < δ
para todo n ≥ n0. Enta˜o, |f(xn) − f(yn)| < ε
2
para todo n ≥ n0 e, portanto,
|ϕ(x) −ϕ(y)| = lim
n→+∞ |f(xn) − f(yn)| ≤ ε2 < ε .
Unicidade: Seja ψ : X −→ R outra extensa˜o contı´nua de f e seja x ∈ X.
Enta˜o existe uma sequ¨eˆncia (xn) em X com lim
n→+∞ xn = x.
Logo,
ψ(x) = lim
n→+∞ψ(xn) = limn→+∞ f(xn) = limn→+∞ϕ(xn) = ϕ(x) .
�
Corola´rio 5.2 Seja f : X −→ R uniformemente contı´nua. Se X e´ limi-
tado, enta˜o f(X) e´ limitado, ou seja, f e´ limitada.
Prova.
Seja ϕ : X −→ R a extensa˜o contı´nua de f.
Como X e´ limitado, X e´ compacto. Logo, ϕ(X) e´ compacto e, portanto,
f(X) e´ limitado, pois f(X) ⊂ ϕ(X).�
Instituto de Matema´tica - UFF 215

Continue navegando