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10 - UNIDADE VIII 1ª parte

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UNIDADE VIII – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
8.1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA:
É também chamada de responsabilidade da administração Pública. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, com razão, critica esta última expressão, já que a Administração Pública não tem personalidade jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem civil.
Na verdade, a capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais.
A expressão passou a ser usual para indicar não só a responsabilidade do Estado propriamente dita (pessoa jurídica de direito público), mas também da Administração Indireta. Isto porque a CF/88 estendeu aos prestadores de serviços públicos (pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da chamada Administração Indireta), responsabilidade objetiva tal qual a do Estado.
A responsabilidade do Estado encontra-se entre os casos de responsabilidade objetiva previstos na nossa legislação. Nem sempre, entretanto, foi assim. Houve uma longa e lenta evolução até chegar-se ao estágio atual. O grande responsável por esta evolução foi o Direito Francês.
8.1.1- IRRESPONSABILIDADE DO ESTADO:
No Estado despótico e absolutista vigorou o princípio da irresponsabilidade. A ideia de uma responsabilidade pecuniária da Administração era considerada como um entrave perigoso à execução de seus serviços.
Retrata muito bem essa época as tão conhecidas expressões “O REI NÃO ERRA”; 	“O ESTADO SOU EU”; “O QUE AGRADA AO PRINCIPE TEM FORÇA DE LEI etc.
Nesta época, os administrados tinham apenas ação contra o próprio funcionário causador do dano, jamais contra o Estado, que se mantinha distante do problema.
Ante a insolvência do funcionário, a ação de indenização quase sempre resultava frustrada.
Sustentava-se que o Estado e o funcionário são sujeitos diferentes, pelo que o funcionário, mesmo agindo fora dos limites de seus poderes, ou abusando deles não obrigava, com seu fato, o Estado.
8.1.2 – CONCEPÇAO CIVILISTA:
A teoria da irresponsabilidade era a própria negação do direito. De fato, se no Estado de Direito o Poder Público também se submete à lei, a responsabilidade estatal é simples corolário, consequência lógica e inevitável dessa submissão.
Como sujeito dotado de personalidade, o Estado é capaz de direitos e obrigações como os demais entes, inexistindo motivos que possam justificar a sua irresponsabilidade. Se o Estado é o guardião do Direito, como deixar ao desamparo o cidadão que sofreu prejuízos por ato próprio do estado?
A doutrina da irresponsabilidade do Estado, apesar da resistência dos conservadores, aos poucos foi sendo vencida pela própria lógica e repelida pela doutrina e pelos tribunais.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Melo, o reconhecimento da responsabilidade do Estado, à margem de qualquer texto legislativo, teve por marco relevante o famoso aresto Blanco, do Tribunal de Conflitos, proferido em 1º de fevereiro de 1873, ainda que nele se fixasse a responsabilidade do Estado NÃO É GERAL, NEM ABSOLUTA, e que se regula por regras especiais.
Somente muito mais tarde, entretanto, os EUA e a Inglaterra vieram a admitir a responsabilidade civil do Estado.
Foi assim que passou numa segunda fase, para uma concepção civilista da responsabilidade estatal, fundada na culpa do funcionário e nos princípios da responsabilidade por trato de outrem.
8.1.3 – TEORIA DO ÓRGÃO:
Percebeu-se que o Estado não é representado por seus agentes, mas age através deles e dos órgãos em que atuam. Como pessoa jurídica que é, o Estado não tem vontade e nem ação, no sentido de manifestação psicológica e vida anímica própria. Estas, só os seres humanos possuem.
Não podendo o estado agir diretamente, por não ser dotado de individualidade fisiopsíquica, sua vontade e suas ações são manifestadas pelos agentes, na medida em que se apresentem revestido desta qualidade e atuem em seus órgãos.
Pela teoria do órgão, ou organicista, idealizada por Otto Gierke, o Estado é concebido como um organismo vivo, integrado por um conjunto de partes, às quais correspondem outras tantas funções que, combinadas, servem a manter o todo; mas cada uma das partes, separadamente, não tem função alguma, não desempenha nenhum fim fora do organismo em que se integra.
Tal como o corpo humano, o Estado é dotado de órgãos de comando (políticos) que manifestam a vontade estatal e órgãos de execução (administrativos) que cumprem as ordens dos primeiros. 
A vontade e as ações desses órgãos. Todavia, não são dos agentes humanos que neles atuam, mas sim do próprio Estado. 
O órgão supõe a existência de uma só pessoa, a própria pessoa do Estado, razão pela qual o dano causado ao particular imputa-se diretamente à pessoa jurídica de cuja organização faz parte o funcionário causador do dano.
As atividades do funcionário configuram-se como atividades da própria pessoa jurídica, e, por conseguinte, devem ser atribuídas a esta todas as consequências danosa ou não dessa atividade.
8.1.4 – CULPA ANÔNIMA:
Com base nesses princípios publicísticos evoluiu-se da culpa individual para a culpa anônima ou impessoal.
A noção civilista da culpa ficou ultrapassada, passando-se a falar em CULPA DO SERVIÇO ou FALTA DO SERVIÇO, que ocorre quando o serviço não funciona, ou funciona mal, ou funciona atrasado.
Noutras palavras, o dever de indenizar do Estado decorre da FALTA DO SERVIÇO, não mais da FALTA DO SERVIDOR.
Bastará a falha ou o mau funcionamento do serviço público para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes aos administrados.
De acordo com essa nova concepção, a culpa anônima ou falta do serviço público, geradora de responsabilidade do Estado, não está necessariamente ligada a ideia de falta de algum agente determinado, sendo dispensável a prova de que funcionários nominalmente especificados tenham incorrido em culpa. 
Basta que fique constatado um mau agenciador geral, anônimo, impessoal, na defeituosa condução do serviço, à qual o dano possa ser imputado.
8.1.5 RESPONSABILIDADE OBJETIVA:
Na última fase dessa evolução proclamou-se a responsabilidade objetiva do Estado, isto é, independentemente de qualquer falta ou culpa do serviço, desenvolvida no terreno próprio do Direito Público.
Chegou-se a esta posição com base nos princípios da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais.
Se a atividade administrativa do Estado é exercida em prol da coletividade, se traz benéficos para todos, justo é, também, que todos respondam pelos seus ônus, a serem custeados pelos impostos.
O que não tem sentido nem amparo jurídico é fazer com que um, ou alguns administrados sofram todas as consequências danosas da atividade administrativa.
Nesta fase, descarta-se qualquer indagação em torno da culpa do funcionário causador do cano, ou, mesmo, sobre a falta do serviço ou culpa anônima da administração.
Responde o Estado porque causou dano ao seu administrado, simplesmente porque há relação de causalidade entre a atividade administrativa e o dano sofrido pelo particular.
8.1.6 TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO:
Em busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado, valeram-se os juristas da teoria do risco, adaptando-a para a atividade pública.
A administração gera risco para os administrados, entendendo-se como tal, a possibilidade de dano que os membros da comunidade podem sofrer em decorrência da normal ou anormal atividade do Estado.
A teoria do risco administrativo importa atribuir ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa.
Esta teoria surge como expressão concreta do princípio dos indivíduos diante dos encargos públicos.
É a forma democrática de repartir os ônus e encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública.
Toda lesão sofrida pelo particular deve ser ressarcida, independentemente de culpa do agente público que a causou. O que se tem que verificar é apenas a relação decausalidade entre ação administrativa e o dano sofrido pelo administrado.
Com efeito, a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos caso de exclusão do nexo causal – fato exclusivo da vítima – fato exclusivo de terceiro – caso fortuito e força maior. 
8.1.7 – TEORIA DO RISCO INTEGRAL:
A teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco para justificar o dever de indenizar mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior.
Se fosse admitida a teoria do risco integral em relação à Administração Pública, ficaria o Estado obrigado a indenizar sempre e em qualquer caso do dano suportado pelo particular, ainda que não decorrente de sua atividade, posto que estivesse impedido de invocar as causas de exclusão do nexo causal, o que, a toda evidência conduziria ao abuso e à iniquidade. 
8.2 – A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO:
No Brasil, não passamos pela fase da irresponsabilidade do estado. Mesmo à falta de disposição legal específica, a tese da responsabilidade do Poder Público sempre foi aceita como princípio geral e fundamental de Direito.
A Constituição do império (1824), em seu art. 178, nº 29 estabelecia que ”Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticadas no exercício de suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos.”
A Constituição republicana (1891), por seu turno, em seu art. 79 continha disposição idêntica, responsabilizando os funcionários públicos pelos abusos e omissões em que incorressem no exercício dos seus cargos.
Cuidava-se, todavia, de responsabilidade fundada na culpa civil, para cuja caracterização era indispensável a prova da culpa do funcionário. O Estado só respondia pelos danos decorrentes de atos praticados por seu funcionário se provado restasse ter este agido com negligência, imprudência ou imperícia. 
8.2.1 – O ARTIGO 15 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916:
O primeiro dispositivo legal que tratou especificamente da responsabilidade civil do Estado foi o art. 15 do CC/1916, que dizia: “As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nesta qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao Direito, faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.” 
Vê-se que o artigo consagra a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil do Estado. Tanto é assim que fala em representantes, ainda ligado à ideia de que o funcionário representaria o Estado, seria o seu preposto, como ocorre no Direito Privado.
8.2.2 – PRECURSORES DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO:
Ainda na vigência do art. 16 do CC/1916, alguns autores, valendo-se da ambiguidade da sua redação começaram a sustentar a tese da responsabilidade objetiva do Estado, inspirados nas ideias que prevaleciam na França e em outros países europeus.
Destacam-se nesse período: Rui Barbosa, Pedro Lessa Amaro Cavalcante e outros.
Em luminosos votos, proferidos no STF, os ministros Orozimbo Nonato e Filadelfo Azevedo esboçaram nitidamente o alcance da teoria do risco administrativo. De onde se conclui que também entre nós a responsabilidade objetiva do Estado chegou primeiro à jurisprudência. 
8.2.3 – A CONSTITUIÇÃO DE 1946:
Apenas na Constituição de 1946, em seu art. 194, a responsabilidade objetiva do Estado foi expressamente acolhida em nossa ordem jurídica: “ As pessoas jurídicas de Direito Público Interno – dizia o referido artigo – são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários , nessa qualidade, causem a terceiros”.
Como se vê, este artigo não fazia nenhuma referência à culpa do funcionário como condição ensejadora da responsabilidade do Estado.
A culpa surgia apenas no seu parágrafo único, para determinar a ação regressiva do ente público contra seu servidor, extraindo-se daí o seguinte raciocínio: se somente para a ação regressiva do Estado contra o funcionário se exige a prova de culpa e dolo, é porque para a ação da vítima contra o Estado se prescinde desses elementos.
Uma vez entronizado no texto constitucional brasileiro, a responsabilidade objetiva do Estado de lá não mais foi retirada. Até mesmo nas Constituições de 1967 e 1969, outorgadas pelo regime militar autoritário, foi mantida nos arts. 105 e 107, respectivamente, nos mesmos termos da Constituição de 1946.
Destarte, a partir de 1946, a responsabilidade civil do Estado brasileiro passou a ser objetiva, com base na teoria do risco administrativo, onde não se cogita de culpa, mas, tão somente, da relação de causalidade.
8.3 – A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO PREVISTAS NO ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO DE 1988:
“As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
8.3.1 – ACOLHIMENTO DA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO:
O exame desse dispositivo revela, em primeiro lugar, que o Estado só responde objetivamente pelos danos que OS SEUS AGENTES, NESSA QUALIDADE CAUSAREM A TERCEIROS.
A expressão seus agentes, nessa qualidade, está a evidenciar que a Constituição adotou expressamente a TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO como fundamento da responsabilidade da Administração Pública, e não a TEORIA DO RISCO INTEGRAL, porquanto, isto é, condicionou a responsabilidade objetiva do Poder público ao dano decorrente da sua atividade administrativa , isto é, aos casos em que houver relação de causa e efeito entre a atuação do agente público e o dano.
Nesse terreno, a única questão que ainda enseja certa dificuldade é a que diz respeito à relação que deve existir entre o ato do agente ou da atividade administrativa e o dano. Terá o ato que ser praticado durante o serviço, ou bastará que seja em razão dele?
De acordo com a essência de vários julgados do STF, o mínimo necessário para determinar a responsabilidade do Estado é que o cargo, a função ou a atividade administrativa tenha sido a oportunidade para a prática do ato ilícito.
Sempre que a condição do agente do Estado tiver contribuído de algum modo para a prática do ato danos, ainda que simplesmente lhe proporcionando a oportunidade para o comportamento ilícito, responde o estado pela obrigação ressarcitória.
Não se faz imprescindível que o exercício da função constitua a causa eficiente do evento danoso; basta que ela ministre a ocasião para praticar o ato.
Em síntese, haverá a responsabilidade do Estado sempre que se possa identificar um laço de implicação recíproca entre a atuação administrativa (ato de seus agentes), ainda que fora do estrito exercício da função, e o dano causado a terceiro.
8.3.1.1 – A QUESTÃO DA BALA PERDIDA:
É pelo enfoque da teoria do risco administrativo que deve ser analisada a questão da bala perdida.
No confronto entre policiais e bandidos, pessoas inocentes são atingidas. Deve o Estado responder nesses casos? A resposta é indiscutivelmente positiva porque o dano (morte, ou ferimento de um transeunte) teve por causa da atividade administrativa.
Em que pese o entendimento contrário, é desnecessário saber se a bala partiu da arma do policial ou do bandido; relevante é o fato de ter o dano ter decorrido da atuação desastrosa do Poder Público.
A responsabilidade civil do Estado é objetiva pelo risco da atividade. Terá o Poder Público que exercê-la com absoluta segurança de modo a garantir a incolumidade dos cidadãos.
Assim sendo, sempre que o dano resultar da atividade estatal haverá o dever de indenizar objetivamente. Se a vítima foi atingida na troca de tiros entre policiais e bandidos, não há dúvida de que a ação dos agentes contribuiu de forma decisiva para o evento, pelo que o dever de indenizar do Estado. 
8.3.2– CONCORRÊNCIA DE CAUSAS. CULPA CONCORRENTE:
Havendo concorrência de causas, a responsabilidade do poder público deverá ser atenuada ou circunscrita ao dano efetivamente causado pela atividade administrativa.
Há quem não admita a atenuação da responsabilidade do Estado por entender que, sendo ela objetiva, é inadmissível falar em culpa concorrente. 
Atente-se, todavia, a que o fenômeno não é de CONCORRÊNCIA de CULPAS, mas de CAUSAS.
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