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Instrumentalidade parte 2

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15
que os homens passam a perceber-se e relacionar-se entre si como coisas,
objetos e meios de realização das finalidades dos outros homens, estes,
possuidores do capital.
"ao trabalhar o trabalhador deixa de lado suas necessidades enquanto pessoa
humana e se converte em instrumento para a execução das necessidades de
outrem" (Lessa, 1999).
Entretanto, foi necessário "chegar ao século XVIII, à 'sociedade civil',
para que as distintas formas de trabalho social se enfrentem ao indivíduo
como simples meios para seus fins privados, entendidos como uma ne-
cessidade exterior" (Marx, 1985c:2). Com isso estão postas as condições
para o desenvolvimento da racional idade instrumental (individualista e
subjetivista). Aqui, o indivíduo passa a considerar o conjunto de mediações
sociais como instrumentos para si, esse indivíduo que pode ver-se a si
mesmo como capaz de instrumentalirar todo o conjunto de conexões
\ sociais, que pode contemplar-se como indivíduo isolado, como indivíduo
que não está submetido à família, ao clã, à tribo, dispõe de liberdade de
escolha, de livre-arbítrio no plano histórico-social, indivíduo esse que
somente por estar inteiramente vinculado com a teia universal de conexões
sociais desenvolvidas pode-se perceber como indivíduo.
Se é possível. considerarmos a tecnologia como a expressão desen-
volvida da instrumental idade do processo de trabalho numa determinada
forma social, na ordem burguesa, o desenvolvimento da instrumentalidade
posta no controle do homem sobre a natureza não vem acompanhado do
~ desenvolvimento das potencial idades de autonomia dos homens. Se a
instrumentalidade é um pressuposto para a condição de existência do
homem como ser social, sua realização efetiva não possibilita ao homem
alçar à sua emancipação. A afirmação de Marx de que "os meios de
trabalho não são só medidores do grau de desenvolvimento da força de
trabalho hurriana, mas também indicadores das condições sociais nas quais
se trabalha" (1985a: 151), é bastante pertinente."
Como sugere Habermas, o próprio "método científico que levou à
dominação cada vez mais eficaz da natureza passou assim a fornecer tanto
os conceitos puros como os instrumentos para a dominação cada vez mais
eficaz do homem pelo homem, através da dominação da natureza. Hoje
a dominação se perpetua e se estende não apenas através da tecnologia,
mas enquanto tecnologia, e esta garante a formidável legitimação do poder
político em expansão que absorve todas as esferas da cultura" (Marcuse,
in Habermas, 1975:305) (grifos meus).~
Em síntese, podemos inferir que o desenvolvimento do trabalho exige
o desenvolvimento das próprias relações sociais, para o que necessita de
mediações (que Lukács chama de "segunda ordem", já que a de primeira
ordem refere-se ao trabalho), de complexos sociais para a reprodução
o trabalho abstrato é a: forma social do trabalho no capitalismo. Diz.
Marx: "partindo do ato troca o indivíduo mesmo e cada um deles, reflete-se
em si mesmo como sujeito exclusivo e dominante. Alcança-se, assim, a
liberdade total do indivíduo: transações baseadas na vontade. Cada um
colocado enquanto meio para afirmar-se enquanto fim, para dominar"
(l985c: l35), resultando daí a entronização de valores individualistas,
interesses particularistas e fins egoístas.
Para manter tais inversões, um conjunto de mecanismos de regulação
social é instituído. Dentre eles, uma racional idade que se torna hegemônica
no mundo burguês moderno: a racionalidade formal-abstrata. Com isso, há
uma expansão da racional idade posta no processo de trabalho na ordem
burguesa: a mercantilização das relações sociais, a coisificação dos homens
- para todas as esferas da vida humana. Como diz Netto,
"nas .fronteiras da racionalidade analítico-formal, o projeto iluminista foi perdendo
densidade em face da consolidação da ordem burguesa. Nesta, o crescente
co~trole da natureza - implicando uma prática (social) basicamente manipuladora
e instrumental - revela-se funcional ao movimento do capital e aquela racio-
nalidade se identifica com a razão tout court" (Netto, 1994:40).
, . O desenvolvimento das forças produtivas (das quais fazem parte:
~ecl1icas, ferramentas, divisão social do trabalho, conhecimentos, ciências,
IdeOlogias, direito) potencializa o desenvolvimento dos homens. Representa
o vetar positivo do desenvolvimento social. Mas como demonstramos o
trabalho, de meio de satisfação de necessidades, se transforma em meio
de c~nverter os homens em mercadorias e como tal uma coisa. Ocorre
tambem que com o revolucionamento do meio de trabalho _ do modo
como se produz -, com a transformação do instrumento simples de
trabalho em máquinas, estas passam a exercer seu domínio sobre o
trabalhador ab t . d Ih bi . id d . .. '. s ram 0- e sua su jetivi a e e potencializando a extraçãode mais-valia N ~ bit ,,-, b. esse am I o, nao e o tra alhador quem usa as condiçõesde trabalho p I ' . - .,; e o contrano, sa~ as condições de trabalho que usam o
trabalha?o! (Marx, 1985a:44). E o modo de produção capitalista criando
as condições para a sua reprodução.
14
9. Diz Marx: "não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz é o
que distingue as épocas econômicas (I 985a: I5 I).
* ~._.....-..
social, tais como: a ideologia, a filosofia, a arte, o direito, o Estado, a
racional idade, a ciência e a técnica.
Tais complexos sociais têm como objetivo proporcionar uma dada
organização das relações entre os homens e localizam-se no âmbito da
reprodução social. Funcional a ela e como exigência da mesma, tem-se a
racional idade jurídica, presente nas formas de regulação social, na estrutura
legal que regula o direito de propriedade, nos contratos sociais, nos pactos,
visando 'controlar os finsegoistas e os interesses individualistas, mas que,
ao fim e ao cabo, constituem-se em formas instrurrientais que tomam
exeqüíveis os fins do capital.
As maneiras de conceber homem e mundo e as formas de objetivação
humana, dentre elas pensamento e linguagem, ao serem invadidas por uma
racionalidade operativo-instrumental - em que a dimensão técnica é
exacerbada - reduzem-se a técnicas. Ao serem abstraídos do sentido e
da possibilidade da reflexão crítica, pensamento e linguagem abandonam
sua autonomia, com o que a razão toma-se instrumento.
A razão instrumental é subjetivista e formalista. Ela é a expressão
intelectual do individualismo possessivo. É a razão subjetiva que se coloca
no confronto entre a adequação de meios e fins e a adequação com modos
de alcançar os fins, sem que, com isso, questione-se axiologicamente sobre
as implicações "ético-políticas dos objetivos, já que para ela os fins, como
obra e construção dos homens, são sempre e necessariamente racionais,
no sentido de que servem à automanutenção da sociedade, entendida como
a soma dos indivíduos (cf. Horkheimer, 1973:16). É essa razão que atribui
ao sujeito a possibilidade de decidir sobre os aspectos da realidade exterior,
de acordo com seus interesses individuais. Por ser justificadora da realidade,
essa racionalidade reforça o pressuposto burguês de que
"o. tr~b.alho social de cada indivíduo na sociedade burguesa é mediatizado pelo
pnncrpm do si-mesmo; deve restituir a uns o capital acrescido, a outros, a força
para o mais trabalho" (Horkheimer e Adorno, 1975:115).
A razão instrumental é uma racionalidade subordinada e funcional:
subordinada ao alcance dos fins particulares, dos resultados imediatos e
fun~ional às estruturas. Constitui-se num conjunto de atividades, n~m
conjunto de funções, não se importando nem com a correção dos meios
nem ~om a legitimidade dos fins. Por isso funcional ao capital. Subsume
os a~butos da.s coisas aos seus aspectos quantitativos. Limita-se a garantir
eficácia e efiCIência.
16
A razão substantiva é emancipatória, é a razão voltada para os fins
universalistas, para valores sociocêntricos. Pergunta-se sobre o "para que".
Preocupa-secom as implicações acerca das escolhas dos meios e no
estabelecimento de finalidades. Mas há que se considerar que, se os valores
adquirem significados de acordo com as necessidades objetivas de reprodução
social, na ordem burguesa os valores vigentes são instrumentais. Isto porque
essa sociedade não se reproduz sem que todas as coisas se constituam
em valores instrumentais, melhor dizendo, vocacionados para atender às
l necessidades capitalistas.
Postas as bases para a compreensão do processo de trabalho, de sua
instrumentalidade e do modo como esta se metamorfoseia em processo de
instrumentalização das coisas e pessoas, vejamos como essas determinações
colocam as mediações para a existência e o desenvolvimento da profissão
Serviço Social.
2. A instrumentalidade do serviço social
,
Com~ decorrência das formas lógicas de reprodução da ordem burguesa
e como modalidade sócio-histórica de tratamento da questão social, o
Estado passa a necessitar de um conjunto de práticas, ramos de especialização
e instituições que lhe sirvam de instrumento para o alcance dos fins
econômicos e políticos que representa, em conjunturas sócio-históricas
diversas.
Nesse âmbito entende-se que o Serviço Social gesta-se e desenvolve-se
num quadro sócio-histórico mediado por processos político-econômicos e
ideoculturais, como expressão das necessidades da ordem burguesa no
período dos monopólios. Daí por que há uma auto-implicação entre Serviço
Social e as relações sociais do mundo capitalista. Dito de outro modo, o
Serviço Social é constituído, constituinte e constitutivo das relações sociais
capitalistas, que são relações portadoras de interesses antagônicos, incom-
patíveis e inconciliáveis. Isso atribui um determinado perfil à profissão.
Como enfatiza Netto (1992), "a sociedade burguesa, com o monopólio
organizando e regulando o mercado, produz e reproduz os seus agentes
sociais particulares" (ibidem:37). E mais ainda, cria as estruturas, instituições,
políticas e práticas capazes de dar-lhe sustentação nos planos da sua
produção e reprodução.
Assim, a utilidade social das práticas profissionais advém das neces-
sidades das classes sociais, que se transformam, por ineiode muitas
17
-
18 19
,
mediações, em demandas para as profissões." Há que se evidenciar que
o espaço sócio-ocupacional de qualquer profissão, neste caso do Serviço
Social, é criado pela existência de tais necessidades sociais (que se traduzem
em demandas) e que historicamente a profissão adquire esse espaço quando
o Estado passa a interferir sistematicamente na questão social (de conteúdo
fundamentalmente econômico e político), através de uma determinada
modalidade de atendimento, qual seja, as políticas sociais. Com a com-
plexificação da questão social e como decorrência do tratamento que o
Estado lhe atribui, recortando-a como questões sociais a serem atendidas
pelas políticas sociais, instituiu-se um espaço na divisão sociotécnica do
trabalho para um profissional que implementasse as políticas sociais,
contribuindo para a produção e reprodução material e ideológica da força
de trabalho (melhor dizendo, da sua subjetividade como força de trabalho).
Cabe resgatar que as políticas sociais se constituem, ao longo da história,
em uma das estratégias de que o Estado dispõe para alcançar o consenso
e ser legitimado politicamente pelas classes sociais fundamentais, quais
sejam, trabalhadores e capitalistas. Ao mesmo tempo, as políticas sociais
são expressão das conquistas dos trabalhadores.
Com essa configuração, as políticas sociais vão instituir um mercado
de trabalho para o assistente social. O Serviço Social sendo um trabalho,
.e como tal de natureza não liberal, tem nas questões sociais a base de
sustentação da sua profissionalidade e sua intervenção se realiza pela
mediação organizacional de instituições públicas, privadas ou entidades de
cunho filantrópico. Pela dinâmica particular que se estabelece no capitalismo
no estágio monopolista, as políticas sociais - embora se constituindo
numa totalidade de elementos econômicos, políticos e sociais, resultante
da fusão entre economia e política, e da capacidade de organização da
classe operária - são formalizadas em planos e programas governamentais.
Mais ainda. As políticas sociais nos países dependentes!' são focalistas,
setorizadas, fragmentadas, autonomizadas, formalistas, abstraídas de con-
teúdos (político-econômicos) concretos.P Sua natureza compensatória e
seu caráter fragmentado e. abstrato expressam o seu limite: elas não visam
romper e, de fato, não rompem com a lógica capitalista. Ao contrário, as
políticas sociais tornam-se formas racionalizadoras e instrumentais de
resolução imediata dos problemas sociais, bem como, ao serem formalizadas
no âmbito jurídico-formal, elas convertem-se em procedimentos racionali-
zadores das necessidades, interesses e lutas da classe trabalhadora (Guerra,
\ -1998). O resultado é que, cada vez mais, as políticas sociais vão se
instrumentalizando para o atendimento das necessidades dos monopólios.
A chamada "socialização dos custos da reprodução da força de trabalho"
por parte do Estado nada mais é do que a transferência para o trabalhador
dos custos de sua própria reprodução e, mais ainda, as políticas sociais
operam o controle da tendência ao subconsumo das classes trabalhadoras
o que adquire relevância no controle da tendência (imanente ao modo de
produção capitalista) da queda da taxa de lucro.
É irpportante observar que a lógica de constituição das políticas
sociais re~ide na sua conversão em instrumento a serviço do capital. No
caso das políticas educacionais e assistenciais isso fica muito claro, pois
que ambas visam a uma mudança de atitudes, valores e comportamentos
no sentido de forjarem a sociabilidade do trabalho, formar as novas
subjetividades frente às novas materialidades das condições objetivas e
subjetivas dó trabalho.
A esse respeito, Antonacci considera que
"criar um aparato institucional racional, que, com modernas tecnologias orga-
nizacionais e exercício de poderes funcionais, instaurasse novas relações de
disciplina social e promovesse a racionalização, imprimindo a todas as questões
soluções técnicas adequadas, significou projetar um Estado como coordenador
de serviços sociais e disseminador de normas e padrões regulamentares (...)"
(Guerra, 1995:137) (grifos meus).
10. Cabe enfatizar que as demandas que chegam ao profissional, oriundas das necessidades
imediatas e heterogêneas das classes sociais, gestadas na vida cotidiana dessas classes, são
apenas "requisições técnico-operativas que, através do mercado de trabalho, incorporam as
exigências dos sujeitos demandantes", de modo que apenas sua identificação "não encerra o
desvelarnento das necessidades reais que as determinam" (Amaral e Mota, 1998:25).
ll. A concepção de política social aqui utilizada é a de Vieira (\ 992), para quem as
políticas sociais são maneiras de expressar as relações sociais cujas raízes localizam-se no mundo
da produção, não podendo ser compreendidas autonomizadas da política econômica. Nos países
dependentes e periféricos, as políticas sociais não se constituem em políticas propriamente ditas,
mas planos, programas governamentais, resultantes de revoluções e crises econômicas e de
reivindicações operárias ou da sociedade civil organizada, em decorrência dos quais se avança
no processo dernocrátíco. .
Para tanto, o Estado recorre às diversas disciplinas sociais, de modo
que "as próprias referências teóricas e pragmáticas de discursos como da
Psicologia, Biologia, Fisiologia, Sociologia, Higiene Mental e do Trabalho
- que tiveram seus desenvolvimentos articulados à produção de formas
de conhecimento e de intervenção para construir a fábrica e a sociedade
12. A própria configuração das políticas sociais, a qual esconde a indissociabilidade entre
as funções econômicas e políticas, atribui aos assistentes sociaisuma intervenção de caráter
terminal e instrumental.
"o Serviço Social se institucionaliza como profissão na sociedade brasileira,
como um dos recursos mobilizados pelo Estado, pelo capital, com o apoio
decisivo da Igreja, informado pela doutrina social para atuar perante a questão
social. Nos anos 30, reconhecidas as tensões de classe que acompanham o
processo de constituição e consolidação do mercado capitalista de trabalho, o
Serviço Social se institucionaliza como um tipo de ação social, que, no âmbito
das relações Estado/sociedade civil, tem como alvo a situação do proletariado
urbano e do exército industrial de reserva, no sentido de atenuar as seqüelas
materiais e morais derivadas do trabalho assalariado" (1992: 174) (grifos meus).
Essa idéia, que ainda encontra ampla aceitação no interior da categoria
profissional, considera que mudando-se o paradigma, o qual supostamente
forneceria os indicativos técnico-operativos e os instrumentos para a in-
tervenção, a profissão ajustaria a sua intervenção às demandas. Aqui, o
que fundamenta a legitimidade da profissão é o estatuto profissional -
suas rnetodologias e seu instrumental técnico-operativo - como variável
dependente do seu estatuto científico.P
Não é demais reforçar que essa concepção desborda de uma razão
subjetivista, na qual a fundação de um espaço sócio-ocupacional seria
decorrência' da ação de sujeitos individuais, proveniente de seus interesses
particulares e de seu nível de qualificação técnico-instrumental. É, no
mínimo, complicado (e, efetivamente, equivocado) pensar que a profissão
Serviço Social possa ter sido criada pelas práticas voluntárias ou supor
que a necessidade da profissão tenha sido engendrada por ela mesma.
Nessa linha de argumentação, em que pese a continuidade que se
estabelece entre o Serviço Social e a assistência organizada, no que se
refere ao universo ideopolítico e teórico-cultural favorável ao pensamento
conservador - no qual se movimentam racionalismo formal abstrato e
li
sob a lógica da razão técnica - canalizaram atenções e projetaram visões
sociais a respeito da modernidade industrial dentro destes encaminhamentos"
(Antonacci,1993:11).
Assim, o Serviço Social nasce como parte de uma estratégia de
classe, dentro do projeto burguês de "reformas dentro da ordem", articulado
pelas forças sociais que representam o grande capital (no Brasil, pela
articulação entre Estado, empresariado e Igreja católica), visando à integração
da classe trabalhadora, dadas as possibilidades econômico-sociais postas
pelo monopólio, no momento em que o Estado assume para si o tratamento
da questão social. 13
Diz Iamamoto,
lismo. Os que dessa visao partilham, remetem o surgimento da profissão
ao momento em que atividades caritativas e filantrópicas, realizadas por
voluntários, recebem um tratamento teórico e convertem-se num conjunto
de recomendações. Consideram que a profissão vai se constituindo como
um prolongamento das práticas voluntárias e assistenciais, de modo que
o estatuto profissional seria decorrente da sistematização dessas práticas
por parte de indivíduos especiais." Nessa perspectiva, a concepção é a
de que o diferencial entre as atividades caritativas e o Serviço Social
'. estaria localizado no seu sistema de saber, no estatuto teórico da profissão
.e na sua base técnica, esta decorrente da utilização de um acervo técni-
co-instrumental, ambos resultado da iniciativa de agentes sociais "ilumi-
nados".
Ao recolher a particularidade da profissão na divisão sociotécnica do
trabalho, essa forma de compreender o surgimento do Serviço Social
contribui para a apreensão do significado sócio-histórico da profissão e de
sua instrumentalidade. Permite apreender a instrumentalidade da profissão
como um conjunto de condições que a profissão cria e recria no exercício
profissional e que se diversifica em função de um conjunto de variáveis
tais como: o espaço sócio-ocupacional, o nível de qualificação de seus
profissionais, os projetos profissional e societário hegemônicos, a correlação
das forças sociais, dentre outros.
Ao ser compreendido como um trabalho, o Serviço Social rompe
com aquelas concepções que consideram a profissão como uma decorrência
necessária da racionalização e organização da filantropia e do assistencia-
13. As condições de emergência do Serviço Social estão, segundo Netto, vinculadas à
dinâmica e às contradições próprias do capitalismo monopolista, as quais exigem que o Estado,
para ser legitimado, incorpore as demandas democrático-populares. Nessas condições, as seqüelas
da questão social se colocam como possibilidades de uma intervenção sistemática e contínua
do Estado, melhor dizendo, são nessas condições que a questão social se coloca como alvo das
políticas sociais (cf. Netto, 1992:22).
14. A esse respeito, ver Netto (1992). Ver também Manrique Castro (1984) e Montaüo
(1998).
15. Não cabe, aqui, retomar a discussão sobre a relação intrínseca e equivocada que os
profissionais estabelecem entre os fundamentos teórico-metodológicos e o estatuto profissional,
análise original e brilhantemente realizada por Netto na obra publicada em 1992, que nos serve
de referência neste texto. O que entendemos ser necessário é situar o leitor nas conseqüências
de se desconsiderar que o fundamento de existência de uma profissão localiza-se nas demandas
histórico-sociais e na capacidade de responder a elas, e não em ações e finalidades de .sujeitos
que,supostarnenle, a tenham instaurado.
20 21
"atuando no campo da prestação dos serviços SOCW!S e, em especial, da
assistência pública e privada, o Serviço Social se conforma com as estratégias
de apropriação/distribuição da riqueza e de dominação/subordinação que se
verificam no âmbito das relações de poder entre as classes sociais, cuja dinâmica
tensa vai configurando e conformando o espaço ocupacional do assistente social
em quadros conjunturais específicos" (1992:186) (grifas meus).
que pressupõe preparo técnico e intelectual e o assistente social como
aquele que vende a sua força de trabalho, e junto com ela um conjunto
de procedimentos de natureza instrumental socialmente reconhecidos, os
quais constituem-se no acervo cultural da profissão, que se pode expressar
de maneira mais aproximada a natureza da profissão e os significados que
adquire.l" Nessa perspectiva pode-se pensar a instrumentalidade do trabalho
do assistente social como propriedades/capacidades historicamente construí-
das e reconstruídas pela profissão, como uma condição sócio-histórica do
Serviço Social, em três níveis:
1. no que diz respeito à sua funcionalidade ao projeto reformista da
burguesia (reformar conservando); .
2. no que se refere a sua peculiaridade operatória, ao aspecto
instrumental-operativo das respostas profissionais (ou nível de competência
requerido) frente às demandas das classes, donde advém a legitimidade
da profissão;
3. cçmo uma mediação que permite a passagem das análises ma-
croscópicas, genéricas e de caráter universalista às singularidades da
intervenção profissional, em contextos, conjunturas e espaços historicamente
determinados. Aqui, a instrumentalidade como categoria constitutiva do
Serviço Social permite pensar nos indicativos teórico-práticos de intervenção
imediata (entendidos como os instrumentos teóricos, políticos e técnicos),
bem como vinculá-los aos objetivos, finalidades e valores profissionais e
humano-genéricos. Em outros termos, permite acionar, potencializar os
diversos elementos que compõem a cultura profissional.
No primeiro caso, a instrumentalidade do Serviço Social remete a
sua condição de instrumento de controle, que serve à manutenção da
produção material e reprodução ideológica da força de trabalho, tendo em
vista a sua função de intervir (planejar, executar, avaliar) nas seqüelas da
questão social, através de políticas e/ou serviços sociais. Esses espaços
irracionalismo _, e uma determinadamodalidade de intervenção: as ações
instrumentais, o que efetivamente funda o Serviço Social, são as condições
que possibilitaram a constituição de um mercado de trabalho para os
assistentes sociais e o estatuto profissional é dado pelas respostas que a
profissão é capaz de engendrar ao processo de produção e reprodução
da vida social.
Nas palavras de Netto: "não é a continuidade evolutiva das protoformas
ao Serviço Social que esclarece a sua profissionalização, e sim a ruptura
com elas, concretizada com o deslocamento (...) possível (...) pela instauração
(...) de um espaço determinado na divisão social (e técnica) do trabalho"
(1992:69), espaço esse decorrente da dinâmica do capitalismo no estágio
dos monopólios.
A funcionalidade do Serviço Social está vinculada à funcionalidade
da política social na preservação e controle da força de trabalho, quer
dizer, a uma das formas de produção e reprodução da força de trabalho,
mas esta é apenas uma possibilidade: as políticas sociais decorrem da
capacidade de mobilização e organização das classes operária e dos
trabalhadores, pois, como afirmamos anteriormente, para a reprodução da
sociedade o trabalho não basta. São necessárias outras instâncias, tais
como: a ideologia, o Estado, o Direito, as políticas sociais, as práticas
profissionais, a ciência e a técnica.
Com isso, segundo Iamamoto,
Em que pese esse seu significado sócio-histórico, como um instrumento
de racionalização de conflitos, a representação social da profissão, dada
pela sua aparência, é a da "moça boazinha, que o governo paga para
sentir dó dos pobres" (Estevão, 1984). Na sua essência, a profissão contém
uma vocação "filantrópico-moralizadora" (Iamamoto, 1982), que traz consigo
a "ilusão de servir" (Martinelli, 1989), bem como o "feitiço da ajuda"
(Mota, 1987).
É somente quando o Serviço Social passa a ser considerado um
trabalho, um ramo da divisão do trabalho, cuja inserção se dá no âmbito
da prestação de serviços (cf. Karsch, 1987), uma ocupação especializada
16. Entendemos não ser este o lugar para apresentar os resultados parciais e provisórios
a que chegamos, no que diz respeito às tendências no debate profissional que enfrentam a
razão instrumental. Entretanto, não podemos deixar de reconhecer as contribuições de alguns
intelectuais do Serviço Social cujas abordagens temáticas, ainda que indiretamente, assim o
fazem. Apenas para citar alguns, no âmbito da vertente da intenção de ruptura tem-se: I)
abordagens que buscam o significado sócio-histórico da profissão nas relações sociais (e não
na prática dos agentes) - cf. Iamamoto (1982), Faleiros (1986), Mota (1987) e Netto (1991
e 1992); 2) abordagens que tematizam a questão da identidade profissional (e não as atitudes
dos agentes individuais) - cf. Martinelli, 1989; 3) abordagens que criticam os voluntarismos,
messianismos, fatalismos - cf. Iamamoto (1992).
22 23
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