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2017­6­19 Fonte
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/rt/printerFriendly/60/48 1/23
Estudos de Sociologia, v. 1, n. 18 (2012)
DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA À
REFORMA PSIQUIÁTRICA: as sete vidas da
agenda pública em saúde mental no brasil1
 
 
FROM INSTITUTIONALIZATION OF
MADNESS TO PSYCHIATRIC REFORM: THE
SEVEN LIVES OF THE PUBLIC AGENDA ON
MENTAL HEALTH IN BRAZIL
 
 
Eliane Maria Monteiro da Fonte
 
_______________________________________________________________________
Resumo
Este artigo tem por objetivo examinar, de forma sucinta, a
estruturação das políticas de saúde mental no Brasil, desde
os seus primórdios até o período atual. As políticas de
saúde mental são aqui consideradas como um acordo
político­jurídico que se estabelece numa determinada
sociedade sobre a concepção e respostas aos problemas da
loucura/doença mental. Com base em fontes secundárias e
em trabalhos de terceiros, buscou­se esboçar as principais
tendências na trajetória das políticas para esse setor, que
tem sua origem em 1830, com o projeto de medicalização
da loucura e se materializa com a criação dos primeiros
hospícios para alienados, no final da segunda metade do
século XIX, culminando no processo que se convencionou
chamar de reforma psiquiátrica, no final do século XX. Este
exercício sobre a história da agenda pública no cuidado
com a saúde mental no Brasil nos permitiu identificar sete
fases nessa trajetória, as quais são discutidas por etapa
desta evolução, apresentando ao final algumas das
principais tendências nas políticas de saúde mental no
Brasil na atualidade.
 
Palavras­chave
Loucura. Políticas de Saúde Mental. Instituição Psiquiátrica.
Reforma Psiquiátrica.
________________________________________________________________________
Abstract
2017­6­19 Fonte
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/rt/printerFriendly/60/48 2/23
This article aims to analyse, briefly, the structuring of
mental health policies in Brazil, from its beginnings to the
current period. The mental health policies are considered
here as a legal­political agreement that is established in a
particular society on the conception and answers to the
problems of madness/mental illness. Based on secondary
sources and other’s studies, we attempted to outline the
main trends in the trajectory of policies for this sector,
which has its origin in 1830, with the project
medicalization of madness and it is materialized with the
creation of the first hospices for the insane, at the end of
the second half of the nineteenth century, culminating in
what has been called the psychiatric reform, in the late
twentieth century. This exercise on the history of the public
agenda in mental health care in Brazil allowed us to identify
seven phases in this trajectory, which are discussed by
stages of this evolution, presenting at the end some of the
main trends in mental health policies in Brazil today.
 
Keywords
Madness. Mental Health Policy. Psychiatric Institution.
Psychiatric Reform.
 
 
Introdução
A construção da loucura como doença mental e a
propagação de instituições asilares especialmente
destinadas aos alienados, assinalando “a formulação de
políticas públicas de tratamento e/ou repressão dos
doentes mentais, identificados com base nos limites cada
vez mais abrangentes da anormalidade”, distingue­se como
um processo desencadeado no Brasil entre os anos 1830 e
os anos 1920, marcado por continuidades e
descontinuidades (ENGEL, 2001, p. 330). Este artigo, de
caráter exploratório, baseado em fontes secundárias e em
trabalhos de terceiros, tem por objetivo examinar, de forma
sucinta, a estruturação e transformações das políticas de
saúde mental no Brasil, desde os seus primórdios até o
período atual. As políticas de saúde mental são aqui
consideradas como um acordo político­jurídico que se
estabelece numa determinada sociedade sobre a concepção
e respostas aos problemas da loucura/doença mental. O
foco da análise são as transformações da instituição
psiquiátrica no Brasil, constituída historicamente em seu
modelo asilar como o lugar de confinamento e tratamento
especialmente destinado aos loucos. O que se convencionou
denominar como “reforma psiquiátrica”, que está em curso
no país nos últimos 35 anos, poderia deixar transparecer a
ideia de reformas que caracterizam os rearranjos
institucionais sem transformá­los em sua essência.
Entretanto, este é um processo multifacetado e muito mais
complexo do que a mera reorganização dos serviços de
assistência em saúde mental, extrapolando o campo da
2017­6­19 Fonte
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/rt/printerFriendly/60/48 3/23
psiquiatria enquanto um saber­fazer especializado
(AMARANTE, 1998b). O caráter abrangente e radical que
dá significado a essa expressão se deve aos
desdobramentos que o processo de reforma psiquiátrica
adquire, a partir de 1978, como um movimento social de
base ao adotar o lema “Por uma sociedade sem
manicômios”,
[...] que significou abraçar a
bandeira da eliminação
progressiva dos hospitais
psiquiátricos e sua substituição
por outros tipos de
equipamentos comunitários,
territorialmente circunscritos e
voltados para a inserção social
dos usuários, como passam a
ser chamados os “doentes
mentais”, no contexto de
recuperação de sua cidadania,
identidade e condições de
sujeitos (PASSOS, 2009a, p.
159).
Não se pretende empreender aqui uma exaustiva
reconstituição histórica das práticas de cuidados à loucura,
entendida também como “um tipo especial de existência­
sofrimento, que faz apelo a saberes especializados para seu
alívio” 
2
, mas esboçar as principais tendências na trajetória
das políticas de saúde mental no Brasil. Este exercício
sobre a história da agenda pública no cuidado com a saúde
mental nos permitiu identificar sete fases nessa trajetória,
as quais são discutidas a seguir, por etapa desta evolução.
Na seção final são apresentadas algumas das principais
tendências nas políticas de saúde mental no Brasil na
atualidade, apontando os progressos nos modelos de
cuidados que estão sendo criados, mas também as
dificuldades e obstáculos que ainda persistem.
 
 
1. A institucionalização da loucura no Brasil
A loucura só vem a ser objeto de intervenção por parte do
Estado no início do século XIX, com a chegada da Família
Real ao Brasil, depois de ter sido socialmente ignorada por
quase trezentos anos. Nesse período de modernização e
consolidação da nação brasileira como um país
independente, passa­se a ver os loucos como “resíduos da
sociedade e uma ameaça à ordem pública”. Aos loucos que
apresentassem “comportamento agressivo não mais se
permitia continuar vagando nas ruas, principalmente
quando sua situação socioeconômica era desfavorável, e
“seu destino passou a ser os porões das Santas Casas de
Misericórdia, onde permaneciam amarrados e vivendo sob
péssimas condições de higiene e cuidado” (PASSOS, 2009a,
p. 104).
2017­6­19 Fonte
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/rt/printerFriendly/60/48 4/23
Em 1830, a recém­criada Sociedade de Medicina e Cirurgia
lança uma nova palavra de ordem: “aos loucos o hospício”.
Para Machado (1978, p. 376), só é possível compreender o
nascimento da psiquiatria brasileira a partir da medicina
que incorpora a sociedade como novo objeto e se impõe
como instância de controle social dos indivíduos e da
população. O hospício, considerado na época o principal
instrumento terapêutico da psiquiatria, aparece como
exigência de uma critica higiênica e disciplinar às
instituições de enclausuramento e ao perigo presente em
uma população que começa a ser percebida como
desviante, a partir de critérios que a própria medicina
social estabelece.
O projeto de medicalização da loucura, esboçadas nos
textos médicos deste período, que defendiam novosparâmetros para a loucura e a necessidade de reclusão dos
loucos, começaria a ser concretizado a partir da criação
dos primeiros hospícios nas décadas seguintes. Entretanto,
as funções saneadoras dos primeiros hospitais
psiquiátricos fornecem às origens da assistência
psiquiátrica brasileira um caráter bastante peculiar, que é
“o da precedência da criação de instituições destinadas
especificamente para abrigar loucos sobre o nascimento da
psiquiatria3, enquanto corpo de saber médico
especializado” (RESENDE, 2007, p. 39).
Pode­se situar o marco institucional da assistência
psiquiátrica brasileira com a fundação do primeiro hospital
psiquiátrico, o Hospício D. Pedro II, explicitamente
inspirado no modelo asilar francês (elaborado por Pinel e
Esquirol), que ocorreu em 1852, no Rio de Janeiro. De
acordo com Machado (1978, p. 431), o isolamento foi uma
“característica básica do regime médico e policial do
Hospício Pedro II” e era o próprio hospício, concebido como
o lugar do exercício da ação terapêutica, que deveria
realizar a transformação do alienado. Nesse primeiro
momento, o isolamento em relação à família é prioritário e
indispensável apenas para um tipo especifico de louco: o
caso do louco que vaga pela rua, pois a família pobre não
tem possibilidade alguma de garantir a segurança e o
tratamento. Para famílias ricas, que quisessem manter
junto dela o alienado, o internamento não deveria ser
imposto, pois, ainda que com limitações, acreditava­se que
ela poderia reproduzir um hospício no interior de sua
ampla residência.
Durante o Segundo Reinado (1840­1889), foram criadas
outras instituições, que se denominavam “exclusivas para
alienados” em São Paulo (1852), Pernambuco (1864), Pará
(1873), Bahia (1874), Rio Grande do Sul (1884) e Ceará
(1886).4 Conforme aponta Resende,
...as primeiras instituições
psiquiátricas surgiram em meio
a um contexto de ameaça à
ordem e à paz social, em
resposta aos reclamos gerais
contra o livre trânsito de doidos
2017­6­19 Fonte
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/rt/printerFriendly/60/48 5/23
pelas ruas das cidades;
acrescentem­se os apelos de
caráter humanitário, as
denúncias contra os maus
tratos que sofriam os insanos.
A recém­criada Sociedade de
Medicina engrossa os
protestos, enfatizando a
necessidade dar­lhes
tratamento adequado, segundo
as teorias e técnicas já em
prática na Europa (RESENDE,
2007, p. 38).
Entretanto, a ênfase no caráter religioso e caritativo das
instituições criadas durante este período acabaria por
restringir o caráter medicalizado destes hospícios, onde,
até o fim do Império, não havia presença significativa de
médicos. Não só a nosologia psiquiátrica estava ausente
das instituições, como também eram leigos os critérios de
seleção dos pacientes, a juízo da autoridade pública em
geral. Os poucos médicos existentes nas instituições
tinham pouca influência nas questões administrativas e,
somente no início do século XX, os médicos conseguiram
desmontar as poderosas administrações leigas das Santas
Casas, bem como as ordens religiosas que prestavam
serviços nestes locais, instalando­se na direção dessas
instituições (ENGEL, 2001; ODA e DALGARRONDA, 2005).
[...] por mais parciais e
ambíguas que tenham sido as
primeiras conquistas dos
alienistas brasileiros, elas
estiveram pautadas, desde o
início, na ampliação do
significado da moléstia mental
que, ultrapassando em muito
os limites da loucura associada
ao delírio, procurava legitimar a
reclusão de indivíduos que
manifestassem os mais
diversos comportamentos
considerados moral e/ou
socialmente perigosos, ao
mesmo tempo em que
viabilizava as perspectivas de
ampliação de poder do alienista
(ENGEL, 2001, p. 331).
Nas análises dos relatórios dos presidentes das províncias
estudadas, Oda e Dalgarronda (2005, p. 1005) identificam
“uma clara contradição entre o discurso que enunciava um
projeto de assistência oficial e moderno aos loucos e uma
prática realmente efetivada”. De fato tratava­se de pessoas
pobres submetidas a uma reclusão forçada e a péssimas
condições de vida. Nos documentos analisados por estes
autores há claras indicações da existência de pressão para
internação dos portadores de transtorno mental, de sua
retirada das ruas, ação operacionalizada através das
2017­6­19 Fonte
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/rt/printerFriendly/60/48 6/23
autoridades policiais. Para eles, o processo de
institucionalização dos alienados no Brasil foi marcado pela
construção de uma opinião pública consensual quanto à
necessidade e legitimidade de sua reclusão em hospícios
próprios.
 
 
2. A medicalização da loucura
Com o advento da República, em 1889, tem início um
período que se caracteriza pelo “redimensionamento das
políticas de controle social, cuja rigidez e abrangência eram
produzidas pelo reconhecimento e pela legitimidade dos
novos parâmetros definidores da ordem, do progresso, da
modernidade e da civilização” (ENGEL, 2001, p. 331). Asilo
de alienados, quartel de polícia, hospital psiquiátrico,
hospício, asilo de mendicidade e casa de correção tinham
como função principal realizar a exclusão social do louco,
garantindo que ele não ficasse perambulando pela rua, à
vista dos passantes, o que era incompatível como nosso
pretenso grau de civilidade. Entretanto, se os arranjos
realizados nas distintas unidades da Federação foram
diferenciados, uma tendência geral serviu de pano de
fundo para todas as respostas distintas e práticas
diferenciadas no tratamento da loucura pelo poder público:
a exclusão em instituições asilares de milhares de ‘homens
livres’, “onde só aguardavam o dia de sua morte,
encarcerados nesses imensos cemitérios dos vivos”
(JABERT, 2005, p. 714).
Em 1890, o Hospício Pedro II é desvinculado da Santa
Casa, ficando subordinado à administração pública,
passando a denominar­se Hospício Nacional de Alienados,
primeira instituição pública de saúde estabelecida pela
República. Para Resende,
Pode­se estabelecer
grosseiramente o período
imediatamente posterior à
proclamação da república como
o marco divisório entre a
psiquiatria empírica do vice­
reinado e a psiquiátrica
científica, a laicização do asilo,
a ascensão dos representantes
da classe médica ao controle
das instituições e ao papel de
porta­vozes legítimos do
Estado, que avocara a si as
atribuições da assistência ao
doente mental, em questões de
saúde e doença mental tal como
a gravidade da situação exigia
(RESENDE, 2007, p. 43).
Nesse período, a loucura é gradativamente medicalizada e o
tratamento psiquiátrico continua a ter como principal
2017­6­19 Fonte
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/rt/printerFriendly/60/48 7/23
fundamento o isolamento do louco da vida social. “Os
hospícios e as colônias agrícolas, destinadas aos loucos
curáveis, para tratamento através da práxis ou da
ergoterapia, foram surgindo e se multiplicando pelos
principais centros urbanos do país como ícones de sua
modernização” (PASSOS, 2009a, p. 107). Para Amarante
(1998a, p. 76), “este conjunto de medidas caracterizam a
primeira reforma psiquiátrica no Brasil, que tem como
escopo a implantação do modelo de colônias de assistência
aos doentes mentais” 
5
.
Nesta época, a maioria dos Estados brasileiros incorpora
colônias agrícolas à sua rede de oferta de serviços, seja
como complemento aos hospitais psiquiátricos tradicionais,
seja como opção única ou predominante. De acordo com
Resende (2007, p. 47), o entusiasmo na adesão “à política
de construção de colônias agrícolas não se deu apenas por
exclusão de outras estratégias terapêuticas, de eficiência
duvidosa, mas por ter encontrado um ambiente político e
ideológico propícia ao seu florescimento”.
Como a prática psiquiátrica não
existe num vazio social, era de
se esperar que ela assimilasse
aos seus critérios de
diferenciaçãodo normal e do
patológico os mesmos valores
da sociedade onde se inseria, e
se empenhasse em devolver à
comunidade indivíduos tratados
e curados, aptos para o
trabalho. O trabalho passou a
ser ao mesmo tempo meio e fim
do tratamento (RESENDE,
2007, p. 47).
Entretanto, apesar das intenções de recuperação dos
doentes mentais, nas propostas de seus criadores, as
colônias continuaram a manter na prática a mesma função
que caracterizava a assistência ao alienado no Brasil desde
a sua criação: a de excluir o louco de seu convívio social e
de escondê­lo dos olhos da sociedade. Este período, que se
encerra em 1920, mantém “inalterada a destinação social
do hospital psiquiátrico a despeito da substituição da
psiquiatria empírica pela cientifica” (RESENDE, 2007, p.
52) e se destaca pela ampliação do espaço asilar.
 
 
3. Da higiene mental à psiquiatria comunitária
A década de 1920 é marcada pela “ampliação e o
aprofundamento da influência dos princípios eugênicos no
âmbito da psiquiatria brasileira, que sem romper com os
referenciais organicistas, passaria a caracterizar­se, cada
vez mais, pela presença de perspectivas preventistas”
(ENGEL, 2001, p. 175). Em 1923, com a fundação da Liga
2017­6­19 Fonte
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/rt/printerFriendly/60/48 8/23
Brasileira de Higiene Mental (LBHM), se cristaliza o
movimento de higiene mental, como um programa de
intervenção no espaço social com características
marcadamente eugenistas, xenofóbicas, antiliberais e
racistas. A psiquiatria passa também a pretender a
recuperação das raças e a constituição de coletividades
sadias, colocando­se definitivamente em defesa do Estado,
levando­o a uma ação rigorosa de controle social e
reivindicando um maior poder de intervenção (AMARANTE,
1998a, p. 78).
As palavras de ordem da Liga eram “controlar, tratar e
curar” e os fenômenos psíquicos eram vistos como
produtos da raça ou do meio, decorrentes de obscuros
fatores biológicos ou orgânicos. A visão da vertente mais
radical da Liga, liderada por Gustavo Riedel, seu fundador,
guiava­se por um princípio moralizador e saneador dos
comportamentos, pregando a pureza da raça ainda que
fosse à custa da esterilização dos “tarados e degenerados”.
A vertente higienista propunha melhorias sanitárias e
modificação dos costumes e dos modos de vida da
população como forma de prevenir as doenças mentais,
pois embora tivessem origem em fatores individuais, as
condições sanitárias, tais como “o aumento do alcoolismo e
da sífilis”, eram consideradas como “fatores
desencadeantes” (COSTA, 1989 apud PASSOS, 2009a, p.
108).
De acordo com Venâncio (2007), as ações político­
assistenciais para a área da psiquiatria, iniciadas na década
de 1940, foram organizadas no contexto de um processo
de modernização, centralização e nacionalização da
assistência mais ampla em saúde. Esse processo foi
iniciado em 1930, articulado a uma reforma das políticas
de saúde, com a criação de serviços nacionais por doenças
produzindo uma verticalização das ações, atreladas a
enfermidades especificas. Em 1941, foi criado o Serviço
Nacional de Doenças Mentais (SNDM), vinculado ao
Ministério da Educação e Saúde6. Neste período
predominavam os hospitais públicos responsáveis por
80,7% dos hospitais psiquiátricos no Brasil. Os famosos
asilos, como o Juqueri (em São Paulo), o Hospital de
Alienados (no Rio de Janeiro) e o São Pedro (em Porto
Alegre), exerciam um papel orientador da assistência
psiquiátrica, consolidando a política macro­hospitalar
pública como o principal instrumento de intervenção sobre
a doença mental. Embora existissem alguns hospitais
privados e ambulatórios, estes eram bastante incipientes
diante do vigor dos hospitais públicos (PAULIN e TURATO,
2004).
As décadas de 1940 e 1950 se caracterizam pela expansão
de hospitais públicos em vários estados brasileiros, cujo
crescimento foi propiciado pela aprovação do decreto­lei
8.555, de 3 de janeiro de 1946, que autorizava o SNDM a
realizar convênios com os governos estaduais para a
construção de hospitais psiquiátricos.7 O Código Brasileiro
de Saúde, publicado em 1945, condenava as denominações
‘asilo’, ‘retiro’ ou ‘recolhimento’, reconhecendo a categoria
2017­6­19 Fonte
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‘hospital’, se afirmando o espaço de atuação do hospital
psiquiátrico. Naquela época a psiquiatria buscava se
estabelecer como especialidade médica e os instrumentos
mais avançados da psiquiatria biológica foram introduzidos
no país, como o choque cardiazólico, a psicocirurgia, a
insulinoterapia e a eletroconvulsoterapia (SAMPAIO, 1988;
AMARANTE, 1998a).
A criação de novos hospitais não amenizou a situação
caótica dos hospitais públicos que, na década de 1950,
viviam em total abandono e apresentando excesso de
pacientes internados, continuando os hospitais
psiquiátricos a terem basicamente a função social de
exclusão. A assistência psiquiátrica pública apresentava
enorme lentidão em tomar conhecimento das importantes
transformações que ocorriam na prática psiquiátrica na
Europa e Estados Unidos no período pós­segunda guerra e
as drogas psicóticas, parcialmente responsáveis por
grandes transformações nas práticas terapêuticas dos
asilos, só fariam sua aparição no mercado em 1955.
Segundo Resende (2007, p. 56), o descrédito que os
hospitais públicos atingiram junto à população,
“expressada em marchinhas de carnaval, anedotas e
rótulos pejorativos atribuídos a determinados hospitais”,
seria utilizado posteriormente como “evidência
incontestável de sua incompetência e um forte argumento
em favor da excelência da iniciativa privada”.
 
 
3. O surgimento da “indústria da loucura”
O tratamento asilar foi sendo modificado, questionado e
mesmo substituído desde o pós­guerra em vários países.
Neste período vários movimentos de contestação ao saber e
prática psiquiátrica instituída se fizeram notar no cenário
mundial, dos quais se destacam os movimentos
denominados Psiquiatria de Setor, na França; as
Comunidades Terapêuticas, na Inglaterra; e a Psiquiatria
Preventiva, nos EUA8. Esses movimentos se caracterizaram
por visar uma reforma do modelo de atenção psiquiátrica,
propondo rearranjos técnico­científicos e administrativos da
psiquiatria. Apesar disso, observa­se uma grande expansão
da rede de hospitais psiquiátricos no Brasil a partir da
década de 1960.9
O período que se seguiu ao golpe militar de 1964 foi o
marco divisório entre uma assistência eminentemente
destinada ao doente mental indigente e uma nova fase, a
partir da qual se estendeu a cobertura à massa de
trabalhadores e seus dependentes. Foram os governos
militares que consolidaram a articulação entre internação
asilar e privatização da assistência, com a crescente
contratação de leitos nas clínicas e hospitais psiquiátricos
conveniados, que floresceram rapidamente para atender a
demanda. As internações passaram a ser feitas não apenas
em hospitais públicos (que, dadas as suas precárias
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condições, permaneceram reservados aos indivíduos sem
vínculos com a previdência social), mas em instituições
privadas, que eram remuneradas pelo setor público para
isso.10 Na maioria das vezes, as clínicas contratadas
funcionavam totalmente as expensas do Sistema Único de
Saúde (SUS) – antes via INPS (Instituto Nacional de
Previdência Social). Sua única fonte de receita era a
internação psiquiátrica, remunerada na forma de diária
paga para cada dia de internação de cada paciente.
Como na psiquiatria, ao contrário de outras especialidades
da medicina, a indicação de internação nem sempre é clara
ou indiscutível, a decisão, com grande margem de escolha,
fica a critério do médico ou da família do paciente. Como o
pressuposto disseminado no meioespecializado e na
sociedade era de que lugar de louco é no hospício, e diante
da inexistência de dispositivos de assistência intensiva
alternativos ao modelo asilar, o sistema impulsionava a
internação, mesmo onde havia boa fé (TENÓRIO, 2002:
34). O sistema e a mentalidade vigentes estavam
organizados em torno da internação (e da internação
prolongada), as empresas hospitalares auferiam benefícios
significativos com as internações (sua única fonte de
lucro), com total falta de controle pelo estado, observando­
se um verdadeiro empuxo a internação, razão pela qual
este sistema veio a ser chamado de “indústria da loucura”.
A discussão acerca da necessidade de humanização do
tratamento do doente mental teve início na década de 1970,
momento em que diversos setores da sociedade brasileira
se mobilizaram em torno da redemocratização do país. A
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em ações
políticas para defender médicos que haviam sido presos e
torturados, revitalizou, no cotidiano profissional, discussões
éticas acerca dos direitos humanos e da necessidade de
ampliação dos direitos individuais no país. Apelos para que
"ninguém fosse submetido à tortura, a tratamento ou
castigo cruel, desumano e degradante" e nem
"arbitrariamente preso, detido ou exilado" foram estendidos
para a condição de opressão do doente mental nos
manicômios e sua humilhação moral na sociedade em geral
(FIRMINO, 1982, p. 35). Os hospitais psiquiátricos,
centralizando a assistência e sendo praticamente únicos na
oferta de serviços psiquiátricos no contexto nacional,
tiveram as condições internas de maus­tratos aos
internados, desnudadas e denunciadas no processo social
brasileiro de "abertura democrática". A discussão acerca da
violência, dos maus tratos e da tortura praticada nos asilos
brasileiros produziu, em grande parte, a insatisfação que
alimentou o Movimento Antimanicomial. Entretanto, ainda
não estava muito claro qual deveria ser o modelo de
cuidado e nem havia uma proposta estruturada da
intervenção clínica.
 
 
3. A deflagração da reforma psiquiátrica
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A derrocada da denominada “indústria da loucura”,
capitaneada pelo Movimento de Trabalhadores em Saúde
Mental (MTSM), dá início a quinta fase, que se inicia em
1978, identificada por Amarante e Torre (2010: 119), como
“fase de crítica institucional”, que deflagra a reforma
psiquiátrica. Segundo os autores mencionados, foi neste
ano que culminaram as denúncias e a mobilização de atores
sociais decisivos para a transformação do sistema
psiquiátrico vigente. Para eles, o acontecimento decisivo foi
a “crise da DINSAM”, órgão do Ministério da Saúde
responsável pela formulação das políticas de saúde do
subsetor saúde mental. Vários fatores, tais como, a
precarização das condições de trabalho, e as frequentes
denúncias de agressão, estupro, trabalho escravo e mortes
não esclarecidas, nas grandes instituições psiquiátricas
brasileiras, provocaram a união dos trabalhadores da saúde
mental para a luta pelas as mudanças necessárias no
sistema. A partir daí começam a ocorrer, em diversos
estados brasileiros, congressos e encontros decisivos na
militância do MTSM, dando origem à trajetória da Reforma
Psiquiátrica Brasileira (AMARANTE e TORRE, 2010: 117­
118).
A influência dos movimentos de crítica à psiquiatria
começou a se fazer sentir no contexto social brasileiro,
principalmente a partir da década de 1980, no ocaso da
ditadura militar e aguda crise econômica que
caracterizaram o período (OLIVEIRA e ALESSI, 2005). A
sociedade reencontrava as vias democráticas de expressão
e reivindicação e, neste contexto, as ideias de Foucault
(2005), Goffman (1996), Szasz (1961), Laing (1969,
1982), Scheff (1966), Basaglia (1985) e outros tiveram
uma forte influência. A situação crítica em que se
encontrava a assistência psiquiátrica brasileira era favorável
à crítica proposta por esses pensadores e por esses
movimentos sociais.
Alguns grupos de técnicos de saúde, acadêmicos,
militantes sociais, organizações comunitárias e afins,
influenciados pela Psiquiatria Democrática Italiana –
especialmente o pensamento de Franco Basaglia ­ começam
a criar uma sistematização de pensamento contra
hegemônico na assistência em Saúde Mental. No final da
década de 1980, surgem os primeiros Centros de Atenção
Psicossocial – CAPS e fecham­se alguns manicômios e se
inicia um embate epistemológico, político e técnico em prol
de “uma sociedade sem manicômios”. Em 1987 foi
realizada, no Rio de Janeiro, a I Conferência Nacional de
Saúde Mental e, em 1989, foi dada a entrada no Congresso
Nacional do Projeto de Lei do Deputado Paulo Delgado
(PT/MG), que propunha a regulamentação dos direitos da
pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva
dos manicômios no Brasil, marcando “o início das lutas do
movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e
normativo” (DELGADO et al, 2007, p. 41).
Entre os protagonistas desse movimento contra­
hegemônico surge o Movimento Nacional da Luta
Antimanicomial como um movimento social deveras
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heterogêneo, mas com um importante consenso entre seus
integrantes: não é mais aceitável que o infortúnio do
acometimento de um transtorno mental leve qualquer
indivíduo ao encarceramento num manicômio por décadas
de sua vida, muitas vezes sem cuidados integrais a sua
saúde e com desrespeito a seus direitos Humanos e civis.
 
 
3. A “institucionalização” da reforma psiquiátrica
Em função do compromisso firmado pelo Brasil na
Declaração de Caracas11 e pela realização da II Conferência
Nacional de Saúde Mental, passaram a entrar em vigor no
país, a partir da década de 1990, as primeiras normas
federais regulamentando a implantação dos serviços de
atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros
CAPS, NAPS e Hospitais­dias. Também foram aprovadas as
primeiras normas para fiscalização e classificação dos
hospitais psiquiátricos. As macro mudanças legislativas,
jurídicas e administrativas foram, no período de
institucionalização da Reforma Psiquiátrica, consideradas
necessárias e, até mesmo, as garantias de
operacionalização de novas práticas terapêuticas.
Nesta fase a Reforma Psiquiátrica efetivamente começou a
se materializar em serviços extra­hospitalares, sejam
intermediários ou substitutivos ao manicômio e os novos
serviços de saúde mental são normatizados, estabelecendo­
se algumas definições administrativas e operacionais. Se,
por um lado, isso assinala a inclusão da questão na agenda
governamental, definindo legalmente sua existência como
uma nova forma de assistência oficial, por outro lado, há
uma homogeneização dos serviços pela criação de um
modelo único, denominado nos documentos como
“NAPS/CAPS”, limitando “a criação de experiências
inovadoras, induzindo à criação de novas formas de
assistência estritamente sanitárias e tecnologias de
tratamento e organização de serviços padronizados sob um
modelo operacional” (AMARANTE e TORRE, 2010, p. 122).
No contexto da reforma psiquiátrica, duas leis solidificaram
a direção da política de saúde mental no Brasil, no sentido
da desospitalização da assistência psiquiátrica,
atendimento na comunidade e respeito aos direitos
humanos do paciente: a Lei Federal nº. 10.216, de abril de
2001, com base na famosa "Lei Paulo Delgado", sobre a
extinção dos manicômios, criação de serviços substitutivos
na comunidade e regulação da internação psiquiátrica
compulsória (aprovada no Congresso após 12 anos de
tramitação); e a Lei Federal nº. 10.708, de julho de 2003,
instituindo o Programa De Volta para Casa (conhecida como
"Bolsa­Auxílio"), que assegura recursos financeiros que
incentivam a saída de pacientes com longo tempo de
internação dos hospíciospara a família ou comunidade12.
Outras Portarias importantes foram também a nº 106, de
2000, que dispõe sobre as residências terapêuticas e a
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Portaria de nº 336, de 2002, que regulamenta os novos
serviços e o modelo assistencial, introduzindo as
modalidades CAPS I, II e III, CAPSi e CAPSad. Entretanto,
apesar do processo de expansão dos CAPS e NAPS (que em
2002 já somavam 424 serviços em todo o país), as normas
para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos
não previam mecanismos sistemáticos para a redução de
leitos e cerca de 80% dos recursos do Ministério da Saúde
ainda eram destinados aos hospitais psiquiátricos (BRASIL,
2007).
Nesse período merece destaque ainda a realização da III
Conferência Nacional de Saúde Mental, ao final de 2001,
em Brasília, com ampla participação dos movimentos
sociais, de usuários e seus familiares que, segundo
Delgado et al (2007, p. 43) “consolida a Reforma
Psiquiátrica como política de governo, confere aos CAPS o
valor estratégico para a mudança do modelo de assistência
e estabelece o controle social como garantia da reforma
Psiquiátrica”, fornecendo “os substratos políticos e teóricos
para a [atual] política de Saúde mental no Brasil”.
 
 
3. A consolidação da reforma psiquiátrica
A partir de 2003, na gestão presidencial do Governo Lula, o
processo de desinstitucionalização vem avançando
significativamente, graças à criação de alguns mecanismos
para a redução de leitos psiquiátricos no país e a expansão
de serviços substitutivos como os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), levando ao fechamento de vários
hospitais psiquiátricos. A reflexão sobre essas medidas,
que será feita a seguir, apresenta um breve balanço da
implantação dos principais programas, dos novos serviços
e dos modelos assistenciais.
No que se refere à Atenção Psiquiátrica Hospitalar, salienta­
se o Programa Nacional de Avaliação do Sistema
Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria), instituído em
2002, que é essencialmente um instrumento de avaliação
que permite aos gestores um diagnóstico da qualidade da
assistência dos hospitais psiquiátricos conveniados e
públicos existentes na rede de saúde, descredenciando os
hospitais considerados de baixa qualidade. De fato trata­se
da instauração do primeiro processo avaliativo sistemático
dos hospitais psiquiátricos. O Programa Anual de
Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no
SUS (PRH), aprovado em 2004 pelo Ministério da Saúde,
tinha como principal estratégia a redução progressiva e
planejada de leitos de macro­hospitais (acima de 600
leitos) e hospitais de grande porte (240 a 600 leitos
psiquiátricos), evitando a falta de assistência. Para tanto,
foram definidos os limites máximos e mínimos de redução
anual de leitos para cada classe de hospitais (definidos pelo
número de leitos existentes, contratados pelo SUS). Além
disso, se deveria garantir que os recursos que deixassem
de ser utilizados nos hospitais, com a progressiva redução
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dos leitos, fossem redirecionadas para incremento das
ações territoriais e comunitárias de saúde mental (BRASIL,
2005). Dados do Ministério da Saúde mostram, no final de
2011, uma clara reversão dos recursos gastos com
hospitais psiquiátricos para os serviços extra­hospitalares,
quando mais de 70% dos recursos são destinados aos
gastos destes serviços (BRASIL, 2012).
Outro dado importante com relação à atenção hospitalar é a
mudança do perfil dos hospitais psiquiátricos que, desde
2002, vem ficando menores. Com o PNASH/Psiquiatria e o
Programa de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica
(PRH), observa‐se uma mudança do perfil dos hospitais
psiquiátricos a partir da redução de leitos. Tal cenário foi
reforçado com a publicação da Portaria GM 2.644/09, de 28
de outubro de 2009, que vem induzindo o sistema, a partir
do reagrupamento dos hospitais psiquiátricos em quatro
classes13, a remunerar melhor os hospitais de menor porte,
buscando­se a redução dos problemas presentes nos
macro hospitais e se configurando como uma estratégia,
em contextos mais difíceis de fechamento de leitos. Dados
de 2011 mostram que 49,53% dos leitos psiquiátricos
estão situados em hospitais de pequeno porte (até 160
leitos), enquanto em 2002 apenas 24,11% estavam nestes
hospitais. Os leitos em hospitais de grande porte (acima de
400 leitos) reduziram­se, no período 2002­2011, de
29,43% para 10,48% (BRASIL, 2012, p. 18). A expansão
de leitos psiquiátricos nos Hospitais Gerais é ainda um
problema para a rede de saúde mental, necessitando­se
investigar suas causas. Enquanto o número total de leitos
SUS em hospitais psiquiátricos, em 2011, era de 35.426
leitos, a estimativa de leitos habilitados de psiquiatria em
Hospitais Gerais era de apenas 3.910 leitos, distribuídos
em 646 Hospitais Gerais, localizados de forma muito
desigual no território nacional (BRASIL, 2012, p. 20).
A implantação e o financiamento de Serviços Residenciais
Terapêuticos se constituem em componentes decisivos para
a concretização da superação do modelo de atenção
centrado no hospital psiquiátrico. As Residências
Terapêuticas são casas localizadas no meio urbano, que
devem ser utilizadas para resolver o problema de moradia
de pessoas com transtornos mentais graves,
preferencialmente as egressas de hospitais psiquiátricos,
devendo auxiliar o morador em seu processo de construção
progressiva de autonomia, como também de reintegração
na comunidade. Para aquelas pessoas que passaram anos
de suas vidas hospitalizadas o significado de habitar uma
residência terapêutica não significaria apenas o uso da
casa, mas “um processo de (re)apropriação da própria
vida”, a passagem do lugar de “pacientes” para o de
“residentes” A metáfora “retorno para casa” pode ser
considerada “a primeira referência simbólica de um rito de
passagem que sinaliza uma nova vida, uma nova
identidade, uma nova referência” (ROEDER, 2010, p. 319).
No final de 2011 existiam 779 residências em
funcionamento, com um total de 3.470 moradores, e ainda
154 residências em implantação (BRASIL, 2012, p. 11).
Vale salientar que a cobertura deste serviço ainda é muito
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baixa em relação às necessidades existentes, e a oferta
desses serviços no território nacional também é muito
desigual (até 2011 não existiam residências terapêuticas
em quatro dos estados brasileiros).
O Programa de Volta para Casa tem como objetivo
contribuir para o processo de reinserção social e resgate da
cidadania das pessoas com longa história de internações
em hospitais psiquiátricos, através do pagamento mensal
de um auxílio­reabilitação pago aos seus beneficiários.
Entretanto, o programa tem encontrado algumas
dificuldades na sua implementação. A grande maioria dos
beneficiários, sendo egressos de longas internações
psiquiátricas, não possui a documentação pessoal mínima
para cadastramento no programa. Muitos não possuem
certidão de nascimento ou carteira de identidade (BRASIL,
2005; DELGADO et al, 2007). A inclusão de beneficiários
no programa depende de vários fatores, entre os quais se
destacam o ritmo efetivo da desinstitucionalização, da
organização de Residências Terapêuticas e da reinserção de
pacientes em suas famílias, o que explica a disparidade no
número de beneficiários por estado da federação. Dados
desagregados por estado mostravam que, em 2010, os
estados do Sudeste, com um total de 2.347 beneficiários,
concentravam 65,7% do total de beneficiários, enquanto
nos estados do Norte apenas quatro pessoas recebiam o
auxílio (BRASIL, 2010, p. 12).
A substituição do modelo hospitalocêntrico tem se dado
através da criação e fortalecimentode uma rede de serviços
substitutivos, como os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS)
14
, Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS),
Hospitais­Dia, Centros de Convivência, Serviço de Urgência
e Emergência Psiquiátrica em Pronto­Socorro Geral, etc.
Compete aos CAPS o acolhimento e a atenção às pessoas
transtornos mentais graves e persistentes, procurando
preservar e fortalecer os laços sociais em seu território. São
serviços de saúde municipais abertos, comunitários, que
oferecem atendimento diário, que buscam realizar “o
acompanhamento clínico e reinserção social” de seus
usuários “por meio de acesso ao trabalho, ao lazer,
exercício de dos direitos civis e fortalecimento dos laços
familiares e comunitários” (DELGADO et al, 2007: 59).
Embora os primeiros CAPS tenham surgido no país desde
meados da década de 1980, só a partir de 2002 passaram
a receber uma linha específica de financiamento do
Ministério da Saúde, quando se observa uma grande
expansão destes serviços. Com o cadastramento de 122
novos CAPS em 2011, entre eles cinco CAPSad 24h, a
cobertura nacional em saúde mental chegou a 72%, com
1.742 CAPS em funcionamento (BRASIL, 2012). Apesar do
crescimento numérico extraordinário dessas unidades de
serviço, estes números ainda estão aquém do parâmetro
estabelecido pelo Ministério da Saúde, que é de um CAPS
para cada 100.000 habitantes. Além disso, a distribuição
espacial desses serviços no território nacional também é
bastante desigual (BRASIL, 2010). Embora o perfil
populacional seja um dos principais critérios para o
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planejamento da rede de atenção à saúde mental nas
cidades, este é apenas um critério orientador para o
planejamento das ações.
 
 
Tendências atuais das políticas de saúde mental no
Brasil: começo de uma nova história?
Em uma rápida avaliação do processo aqui historiado,
pode­se perceber que a reforma psiquiátrica brasileira tem
se apresentado, de forma geral, bem sucedida e os fatos e
dados aqui apresentados demonstram que ela vem
alcançando alguns de seus objetivos, especialmente no que
tange à provisão de recursos extra­hospitalares e redução
da internação asilar. Um dos êxitos da política de saúde
mental atual foi ter conseguido o redirecionamento do
financiamento público e um maior controle sobre o
funcionamento dos hospitais. Entretanto, os dados
discutidos apontam também para desigualdades regionais
na inserção da Reforma Psiquiátrica nos estados da
federação.
Pode ser temerário afirmar que a era asilar tenha sido
suplantada no Brasil, considerando que, em muitos casos,
o internamento psiquiátrico como ato de exclusão e
isolamento ainda persiste em muitas localidades. O que se
pode afirmar é que a assistência à saúde mental no Brasil
apresenta uma clara tendência para a perda de hegemonia
institucional do hospital psiquiátrico e aponta para uma
nova convergência no modelo assistencial. Mas, o fato de
um serviço ser externo não garante sua natureza não­
manicomial e sua qualidade. Uma das críticas mais
contundentes da Reforma Psiquiátrica diz respeito à
identificação de certo processo de “reinstitucionalização”
nas políticas de saúde mental, que é demonstrado pela
configuração de uma “CAPScização” do modelo assistencial,
na forma como os CAPS são colocados como “centro do
sistema” (AMARANTE e TORRE, 2010, p. 130).
Integra ainda o processo de reforma psiquiátrica brasileira
a disseminação do recurso dos psicofármacos nos
tratamentos terapêuticos, o que pode ser corroborado pelo
aumento vertiginoso nos gastos de recursos federais
destinados ao pagamento de medicações “antipsicóticas
atípicas”, que se amplia de 35.817 milhões, em 2002, para
263.440 milhões em 2009, valores excessivamente altos,
se aproximando do custeio federal para toda a rede CAPS
no período considerado (BRASIL, 2010, p. 23). Se não se
pode negar que os médicos são, de modo geral, levados a
receitar remédios (por uma série de fatores que não cabe
aqui discutir), é verdade também que grande parte dos
usuários dos serviços espera do médico exatamente isso e,
por vezes, identifica a boa consulta ou o bom tratamento à
prescrição de medicamentos.
Mas, mesmo considerando­se alguns possíveis exageros
nessa medicalização em massa dos usuários dos serviços
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de saúde mental, deve­se reconhecer a enorme importância
dos psicofármacos como instrumentos terapêuticos. Como
afirma Perrusi (2010: 102­103), o uso de psicotrópicos
produziu um processo de diferenciação na clientela
psiquiátrica, que não precisa mais ser identificada como
reclusa no asilo, produzindo internamentos intermitentes
(com duração limitada) e possibilitando a boa parte dos
pacientes o uso de serviços extra­hospitalares. Atualmente
no Brasil, assim como em muitos outros países, os serviços
psiquiátricos e de atenção psicossocial são utilizados
voluntariamente pelos pacientes, identificados como
“usuários”, no papel de doentes, ou seja, “num papel
reconhecido e sancionado socialmente, como qualquer
outro serviço de saúde pública ou privada”, contribuindo
para minimizar o estigma da intervenção psiquiátrica. Como
resultado conjunto da reforma institucional (hospitalização
do asilo + instituições extra­hospitalares), o portador do
sofrimento psíquico pôde deixar de ocupar uma linha
biográfica, a carreira moral de paciente psiquiátrico, cujo
resultado era a cronicidade do paciente, se transformando
em usuário.
“Assim, os estados psicóticos
cronificados estão deixando de
povoar os hospitais
psiquiátricos e um bom número
de pacientes reencontrou o
meio social, embora muitos
sejam dependentes de uma
assistência extra­hospitalar e
sofram de uma socialização
precária. Talvez, a dependência
dos serviços extra­hospitalares
e da ajuda social seja a grande
contrapartida da reforma
psiquiátrica” (PERRUSI, 2010,
p. 103).
Atualmente, a visão do louco e da loucura como algo a ser
excluído do convívio social tem sido amplamente
questionado na medida em que a proposta de
desinstitucionalização vem sendo incorporada na agenda
pública. Mas, interessa saber também qual é a visão dos
profissionais de saúde, da população em geral e dos
familiares dos portadores de sofrimento psíquico e como
estes atuam neste processo.
Perrusi (2010, p. 103) salienta que o portador de
transtorno mental, mesmo deixando de ser um recluso no
asilo, pode perseverar num estado de invalidez permanente
ou sucumbir a uma exclusão social “aberta” ou outras
formas de exclusão, e até sofrer um processo de
mendigação. Um dos maiores desafios da reforma
psiquiátrica parecer ser ainda a superação do estigma do
“louco” como pessoa perigosa ou incapaz no imaginário
social. A permanência do estigma em relação ao portador
de sofrimento psíquico pode colaborar na perpetuação da
exclusão social, na dificuldade de inserção no mercado de
trabalho e na comunidade, na construção de relações
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afetivas e no isolamento, muitas vezes levado a efeito pela
própria família, na intenção de proteger seus membros do
risco da chacota e do escárnio social.
 
 
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década de 1980 aos dias atuais. História, Ciências e Saúde
– Manguinhos, 9 (1): 25­59.
 
2017­6­19 Fonte
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/rt/printerFriendly/60/48 22/23
VENÂNCIO, A. T. A. 2007. Sobre a desinstitucionalização
psiquiátrica: história e perspectivas. História, Ciências e
Saúde – Manguinhos, 14 (4): 1415­1420.
 
 
1Texto  produzido  no  âmbito  de  um  projeto  de  investigação
financiado  pelo  CNPq  (A  reforma  psiquiátrica  no  Brasil:  o
papel das redes sociais e os desafios nas novas práticas de
cuidados  na  saúde mental  ­  Edital  MCT/CNPq/MEC/CAPES
Nº 02/2010).  Constitui­se  em  versão  revisada  e  ampliada
de  Comunicação  apresentada  no  XXVIII  Congresso
Internacional  da  Associação  Latino­Americana  de
Sociologia (ALAS), Recife, setembro de 2011.
* Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.
2Segundo Passos  (2009b,  p.  35)  essa  é  a  expressão  utilizada
pelos  praticantes  da  desinstitucionalização  italiana,  como
forma  de  renomear  a  doença  mental  por  criticar  o  seu
conteúdo médico­patológico original e estrito.
3Segundo Machado  (1978,  p.  382),  em meados do  século XIX
surgem  no  Brasil  os  primeiros  trabalhos  teóricos  sobre
alienação mental, entretanto, a  teorização psiquiátrica não
reflete qualquer articulação  com a prática,  se  constituindo
em  “um  exercício  de  cunho  universitário,  escolar  e
burocrático”. Apenas em 1881 é que seria criada a cadeira
de Psiquiatria na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
4Conforme informações de Moreira (1905) e Medeiros (1977,
apud ODA E DALGARRONDA, 2005).
5No  âmbito  da  assistência  foram  criadas  as  Colônias  de  São
Bento e de Conde Mesquita (para tratamento de alienados
indigentes do sexo masculino) na cidade do Rio de Janeiro,
as  duas  primeiras  colônias  dealienados  do  Brasil  e  da
América Latina.  Logo depois  foram criadas as Colônias de
Juqueri,  em São Paulo, e a de Vargem Alegre, no  interior
do  Rio  de  Janeiro.  Em  1911,  foi  criada  a  Colônia  de
Alienadas  de  Engenho  de  Dentro  (para  mulheres
indigentes) e, em 1920,  são  iniciadas as obras da Colônia
de  Alienados  de  Jacarepaguá  e  as  obras  do  manicômio
Judiciário (AMARANTE, 1998a, p. 76).
6O  SNDM  mais  tarde  se  constituiu  na  Divisão  Nacional  de
Saúde Mental (DINSAM) e hoje é a Coordenadoria Geral de
Saúde Mental do Ministério da Saúde.
7Entre 1841 e 1954  foram criadas 56  instituições psiquiátricas,
concentradas  principalmente  na  região  Sudeste
(predominantemente  no  Rio  de  janeiro  e  São  Paulo),
Nordeste e Norte (PASSOS, 2009a, p.107).
8Para  um  mapeamento  dos  movimentos  reformistas  da
psiquiatria  na  contemporaneidade  consultar  Amarante
(1998b).
9Em  1961  existiam  140  hospitais  psiquiátricos  no  Brasil,  dos
quais 54 pertenciam à esfera pública e 86 à esfera privada.
Dez anos depois, quando se deu a mais ampla privatização
de  serviços  de  saúde  da  história  do  país,  340  hospitais
distribuíam­se pelo  território  nacional,  sendo  277  privados
e  63  públicos.  Em  1981,  a  rede  hospitalar  privada  havia
crescido  ainda  mais,  alcançando  425  hospitais.  Nenhum
hospital  público  foi  aberto  entre  1971  e  1981  (MESSAS,
2008, p. 93).
2017­6­19 Fonte
http://www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/rt/printerFriendly/60/48 23/23
10O  direcionamento  do  financiamento  público  para  a  esfera
privada  durante  o  regime  militar  pode  ser  percebida  no
fato  de  que  entre  1965  e  1970  a  população  internada  em
hospitais  públicos  permaneceu  inalterada,  enquanto  a
clientela  das  instituições  privadas  remuneradas  pelo  setor
público  saltou  de  14  mil  para  30  mil,  chegando  a  uma
proporção  de  80%  de  leitos  contratados  junto  ao  setor
privado  e  20%  diretamente  públicos  (TENÓRIO,  2002,  p.
34).
11O principal documento norteador das políticas adotadas pelo
governo  brasileiro  nesta  área  foi  a declaração de Caracas,
aprovada  em 1990.  Este  documento  estabeleceu  a  diretriz
da  saúde mental,  centrando­a na  comunidade e dentro de
sua  rede  social.  Os  recursos,  cuidados  e  tratamentos
devem  salvaguardar  a  dignidade  pessoal,  direitos  civis  e
humanos,  propiciando  a  permanência  do  doente  em  seu
meio  comunitário.  O  principal  efeito  nocivo  do  sistema
asilar  era  diagnosticado  como  o  isolamento,  a
desintegração social e a exclusão do portador de transtorno
mental (DUNKER e KYRILLOS NETO, 2004, p. 119) .
12O  período  1990­2003  concentra  a  máxima  intensidade
política  e  normativa  do  que  chamamos,  no  Brasil,  de
Reforma  Psiquiátrica.  Para  uma  visão  do  conjunto  de
normativo  no  período,  ver  publicação  do  Ministério  da
Saúde  (BRASIL,  2004a),  que  se  constitui  em  uma
antologia  de  documentos  legais,  capaz  de  ajudar  na
compreensão do esforço de construção da agenda de saúde
mental do SUS.
13Macro hospitais  (acima  de  600  leitos);  hospitais  de  grande
porte  (240  a  600  leitos  psiquiátricos);  hospitais  de  médio
porte (161 a 240 leitos) e hospitais de pequeno porte (até
160 leitos).
14Os CAPS estão estabelecidos em três níveis: CAPS I e CAPS
II  (para  atendimento  diário  de  adultos)  e  CAPS  III  (para
atendimento  diário  e  noturno  de  adultos),  definidos  por
ordem  crescente  de  porte,  complexidade  e  abrangência
populacional.  Os  CAPSi  são  destinados  ao  tratamento  de
crianças  e  adolescentes  com  transtornos  mentais  e  os
CAPSad são destinados à população dependente de álcool e
outras  drogas.  Os  CAPSad  III  ou  CAPSad  24h,  que
começaram  a  ser  implantados  em  2012,  são  serviços
destinados  ao  cuidado  de  pessoas  que  fazem  uso  abusivo
do  álcool  e  outras  drogas,  que  funcionam  24  horas,  nos
sete  dias  da  semana,  inclusive  finais  de  semana  e
feriados.

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