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intelectuais estadonovistas e a construção do estado nacional

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Intelectuais Estadonovistas e a Construção 
do Estado Nacional 
 
 
Virna Ligia Fernandes Braga ∗ 
 
 
 
Resumo: Os intelectuais foram atores significativos na formação do pensamento 
estadonovista brasileiro. Atuaram em diversos setores do aparelho de Estado e também 
fora de suas instâncias. Esta intelectualidade, por meio de um projeto autoritário de 
identidade, aliou a valorização do trabalho à noção de cidadania em busca de um 
‘homem novo’. 
 
Palavras-Chave: Intelectuais; Estado Novo; Identidade. 
 
 
Abstract: The intellectuals were meaningful actors on the Brazilian New State 
(Brazilian history) thought. They acted in several sectors and also out of their 
instances. This intellectuality through an authoritarian project of identity allied the 
work valorization with the notion of citizenship searching for a new kind of man. 
 
KeyWords: Intellectuals; New State; Identity. 
 
 
 
 
(...) Na correspondência reservada que o secretário particular de Getúlio 
Vargas, Luís Vergara, enviou ao chefe, nalgum dia de 1938, pode-se ler a 
clarividente avaliação: já havia chegado a hora de se “fazer a justificação 
ideológica do Estado Novo”, pois o regime não poderia “apoiar-se 
exclusivamente na fidelidade das baionetas e numa permanente vigilância 
policial”. A tarefa exigia, portanto, “a adoção de diretrizes de alcance 
doutrinário e prático” a fim de edificar a “nova ordem institucional implantada 
no Brasil” depois do 10 de novembro. 1 
 
 
 
O ambiente de indefinições que compreendeu o intervalo entre a crise de hegemonia das 
oligarquias da República Velha e o fechamento político, culminando no Estado Novo brasileiro, 
estimulou o aparecimento de projetos radicais e mobilizantes que tentaram galvanizar a sociedade 
 
∗
 Mestra em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, área de concentração “História, 
Cultura e Poder”, linha de pesquisa ‘Poder, Mercado e Trabalho’. BRAGA, Virna Ligia Fernandes. Entre a Honra e 
o Mercado: análise do processo de formação do movimento sindical docente em Juiz de Fora (1934-1964). 
1
 CODATO, Adriano Nervo & GUANDALINI JR. Walter. 2003. Os autores e suas idéias: um estudo sobre 
a elite intelectual e o discurso político do Estado Novo. Rio de Janeiro, CPDOC/FGV Estudos Históricos nº. 32. p.1. 
com a idéia de mudança. As principais propostas desse tipo foram a Aliança Nacional 
Libertadora (ANL) e a Ação Integralista Brasileira (AIB). Ambos os movimentos faziam críticas 
aos preceitos liberais da República Velha e, ainda, aos desvios da Revolução de 1930. 2 
Dulce Pandolfi afirma que a instauração do Estado Novo no Brasil, em 1937, se constituiu 
em decorrência de uma política de massas, definida a após a Revolução de 1930, com a ascensão 
de Getúlio Vargas ao poder. Esse tipo de política, voltada para as classes populares, desenvolveu-
se no período entre guerras a partir da decepção com o sistema liberal, considerado incapaz de 
solucionar os problemas sociais. 3 Esta fase manifestou-se na Europa e em outras partes do 
mundo como uma crise do liberalismo: os impactos da Primeira Guerra e da Revolução Russa 
provocaram um conflito de consciência que, por sua vez, resultou em críticas à democracia 
representativa, parlamentar e de cunho individualista. 
Correntes intelectuais e políticas, antiliberais e antidemocráticas, de diferentes matizes, 
revelavam extrema preocupação com a questão social e muito se discutia sobre novas formas de 
controle das massas, com o intuito de evitar a eclosão de revoluções socialistas. Uma das 
soluções propostas era o controle social por meio da presença de um Estado forte, comandado por 
um líder carismático, capaz de conduzir as massas no caminho da ordem. Essa política foi 
adotada em alguns países europeus, assumindo características específicas em cada um deles. 
Regimes como o fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha, o salazarismo em Portugal e o 
franquismo na Espanha foram constituídos nessa época. 
O sucesso das experiências italiana e alemã serviu de inspiração para reformas políticas 
que ocorreram também em alguns países latino-americanos: Brasil e Argentina especialmente. 
Apesar de apresentar características próprias, o Estado Novo brasileiro teve inegável inspiração 
européia. Um traço comum pode ser encontrado na aversão à liberal democracia e na proposta de 
organização de um Estado forte e autoritário, corporativo, encarregado de gerar as mudanças 
consideradas necessárias para promover o progresso dentro da ordem. 4 
Ao assumir a Presidência da República, Getúlio Vargas preocupou-se com a montagem 
do aparato estatal, com a modernização e industrialização do país, articulando uma ‘aliança’ entre 
 
2
 MAIO, Marcos Chor e CYTRYNOWICZ, Roney. 2003. “Ação Integralista Brasileira: um movimento 
fascista no Brasil (1932-1938)”. 2003. In: FERREIRA, Jorge e NEVES, Lucília de Almeida (Orgs). O Brasil 
Republicano Vol.II. O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de 
Janeiro: Civilização Brasileira. p.41. 
3
 PANDOLFI, Dulce (org.). 1999. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. FGV. 
4
 CAPELATO, Maria Helena. 2003. “O Estado Novo: o que trouxe de novo?”. In: FERREIRA, Jorge e 
NEVES, Lucília de Almeida (Orgs). op. cit. p.109-110. 
Estado e setores sociais emergentes: empresariado, classes médias urbanas e classe trabalhadora. 
Esta última foi alvo de intensa política social e iniciou sua entrada na arena política sob tutela 
estatal, o que não impediu a luta dos trabalhadores por direitos historicamente reivindicados. 
 As decisões políticas, sociais e econômicas, tomadas pelo Estado, fundamentavam-se em 
um projeto de cunho autoritário-corporativo procurando responder às principais demandas 
geradas pela crise da economia agro-exportadora e pela decadência do regime liberal-
oligárquico.5 Tal projeto tinha por base o pensamento de intelectuais como Francisco Campos, 
Oliveira Vianna e Azevedo Amaral, ligando-se ainda ao ideário dos tenentes. Objetivava a 
construção de um Estado nacional forte, intervencionista e corporativo, com o fortalecimento do 
Poder Executivo, reduzindo-se a autonomia das esferas estaduais e municipais, substituindo a 
representação político-parlamentar pela representação técnica, de caráter classista. 
 Oliveira Vianna, um dos principais responsáveis pela ideologia estadonovista, afirmava 
que era necessário “unir o mundo que se partira no decorrer do século XIX, cabendo ao Estado a 
construção da ordem corporativa, alicerçada pela íntima colaboração com as demais instituições 
sociais”, com o intuito de elevar e dignificar o trabalhador. De acordo com Vianna, nesta 
sociedade, o trabalhador deixaria de ser um elemento relegado e inferior para ter lugar próprio no 
jogo das forças econômicas. Lindolfo Collor, Ministro do Trabalho em 1931, ressaltava a 
importância da implementação de políticas sociais no país para garantir aos trabalhadores o 
direito de associação. 6 
Para Lúcia Lippi Oliveira, os intelectuais que estavam direta ou indiretamente ligados ao 
regime tinham o cuidado de transformar o discurso varguista “em palavras de ordem e em linhas 
de conduta”. Esta estratégia os colocou como doutrinadores e intérpretes da nova ordem. Almir 
de Andrade merece destaque por ter militado a favor do Estado Novo utilizando a revista 
“Cultura Política”, à qual dirigiu entre 1941-1945. Andrade unia à ação política do governo as 
tradições culturais brasileiras, o que atraía grande número de intelectuais. Francisco Campos, 
intelectual e Ministro da Justiça em 1940, publicou neste mesmo ano o “Estado Nacional”, 
 
5
 ARAÚJO, Ângela (org.). 2002. Do corporativismo ao neoliberalismoEstado e trabalhadores no Brasil e na 
Inglaterra São Paulo: Boitempo Editorial. p.34. 
6
 VIANNA, Oliveira. 1939. As Novas Diretrizes da Política Social. Boletim do Ministério do Trabalho, 
Indústria e Comércio nº. 2. p. 93-94. 
reunindo uma série de trabalhos a respeito do ideário estadonovista, alguns anteriores a 1937. 7 
Azevedo Amaral, apesar de não participar administrativamente do governo Vargas, publicou em 
1938 “O Estado autoritário e a realidade nacional”. Lúcia Lippi afirma que Campos e Amaral 
constituíram “os pilares da ideologia do Estado Nacional”. 8 
A defesa do papel exclusivo das elites, na consolidação do processo de mudança social, 
foi uma diretriz fundamental para estes intelectuais. A inteligentzia da época deveria formar 
novos cidadãos, portadores de novas idéias e com treinamento especializado. A cultura e a 
política, portanto, se mesclam com a finalidade de valorizar as raízes nacionais e legitimar a nova 
ordem instalada no Brasil. Como conhecedores do mundo simbólico, a intelectualidade é quem 
formula as interpretações sobre o passado: 
 
(...) A tradição é construída pelo esforço de recuperação de uma dimensão do 
passado e contribui decisivamente para a legitimação da autoridade política. A 
importância dos intelectuais deriva do seu reconhecimento por parte das elites 
da sociedade, ou seja, deriva da posição que ocupam na hierarquia social. 9 
 
 
 
 Helena Bomeny destaca a importância de Gustavo Capanema no Ministério da Educação, 
cargo que ocupou de 1934 a 1945. A autora reitera que não é possível falar de educação e cultura 
no Brasil sem mencionar Capanema. E afirma não ser “igualmente possível lembrar aquele 
ministério sem a referência aos intelectuais que compuseram a assim chamada constelação 
Capanema”. 10 A participação destes no governo traz à tona os limites de sua aquiescência quanto 
à política autoritária do período, de fechamento político e restrição da liberdade. 
O livro de Sérgio Miceli - Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945) - 
publicado em 1979 é considerado “uma espécie de ícone desse tipo de cobrança”. Existem outras 
obras dedicadas ao tema, publicadas recentemente, que priorizam a tensão entre a ação política 
do governo e a posição particular dos intelectuais diante do cotidiano das engrenagens 
 
7
 OLIVEIRA, Lúcia Lippi. 1982. “Tradição e Política: O Pensamento de Almir de Andrade”. In: 
OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta & GOMES, Ângela Maria de Castro (Orgs.). Estado Novo: 
Ideologia e Poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores. p.31. 
8
 Idem. p.31-32. 
9
 OLIVEIRA, Lúcia Lippi. op. cit. p.33-34. 
10
 BOMENY, Helena. 2001. “Infidelidades eletivas: intelectuais e política”. In: BOMENY, Helena (Org.). 2001. 
CONSTELAÇÃO Capanema: intelectuais e política. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas. Bragança Paulista 
(SP): Ed. Universidade de São Francisco. p.15. 
institucionais. 11 Bomeny, entretanto, alerta para o cuidado com análises que desconsideram a 
“dinâmica de tensão e conflito” ligada à adesão destes atores ao Estado Novo, pois de outro modo 
“o passado é lido, então, com as tintas de um futuro já presente no momento da recuperação”. 12 
Em busca da construção de um Estado de Bem Estar, é possível uma interpretação que 
vincule a aceitação pelos intelectuais em participar da elite governamental, ao objetivo de 
modificar o país, tornando-o ‘melhor’, mais competitivo e com direitos sociais universalizados. 
Em artigo escrito para o Seminário Internacional da Revolução de 1930, Lúcia Lippi analisa a 
complexidade da combinação entre ‘tradição’ e ‘modernização’, bem como a influência que esta 
dicotomia exerceu sobre a intelectualidade brasileira. Modernistas, radicais, tradicionalistas, 
desembocaram em uma mesma corrente inserida “no projeto de construção do Estado Nacional. 
Literatos modernistas, políticos integralistas, positivistas, católicos, socialistas são encontrados 
trabalhando lado a lado”. 13 
 A literatura sobre os intelectuais ressalta que este tipo de movimento perpassou toda 
América Latina, não se restringindo ao Brasil. A montagem de um aparelho estatal capaz de criar 
políticas de proteção para importantes setores da vida social - educação, saúde, cultura, artes e 
arquitetura, patrimônio, administração - justificou a demanda por especialistas. De acordo com 
Bomeny “envolveu intelectuais de várias áreas do saber e deu chance a homens ilustrados 
propositivos, ou como quis Guerreiro Ramos, pragmáticos críticos, capazes de sugerir e desenhar 
propostas de ação para todos esses campos”. 14 
 Segundo Guerreiro Ramos, o cenário intelectual do período apresentou figuras centrais, 
‘representativas do pragmatismo crítico’: 
(...) indivíduos como Francisco Campos, o ideólogo da legalidade do Estado 
Novo; Gustavo Capanema, que, como ministro da Educação, não só presidiu a 
reforma institucional do sistema de ensino, como também exerceu o papel de 
mediador entre o Estado Novo e os escritores mais resistentes à cooptação 
direta pela configuração de poder; Lindolfo Collor e Agamenon Magalhães, 
 
11
 MICELI, Sérgio. 1979. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel. Ver 
também MICELI, Sérgio. 2001. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001; GOMES, Ângela 
Maria de Castro (Org.). 2000. O ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas; 
Bragança Paulista: EDUSF. 
12
 BOMENY, Helena. 2001. op. cit. p.16-17. 
13
 OLIVEIRA, Lucia Lippi. 1982. “As raízes da ordem: os intelectuais, a cultura e o Estado”. In: A Revolução 
de 30. Seminário Internacional. Coleção Temas Brasileiros, volume 54. Brasília: Editora da UNB. 
14
 BOMENY, Helena. 2001. op. cit. p.17. 
que, decisivamente, influíram na elaboração de nova legislação trabalhista e da 
organização sindical. 15 
 
 
 Atuando na esfera teórica Ramos inclui, ainda, Oliveira Viana e Azevedo Amaral, ambos 
com estudos diferentes acerca das condições peculiares do Brasil, seus trabalhos revelam um 
posicionamento crítico “em relação à ciência e à cultura importadas”. Como intelectuais 
independentes, o autor destaca Gilberto Amado, Martins de Almeida, Virgínio Santa Rosa, Caio 
Prado Júnior e Nestor Duarte. Diversas obras foram publicadas por eles na década de 1930: 
Brasil errado (1932), O sentido do tenentismo (1933), Evolução política do Brasil (1933) e A 
ordem privada e a organização política nacional (1939). Todos pretendiam diagnosticar os 
regimes políticos do país fundamentados por uma concepção ‘imune aos vícios típicos do 
posicionamento hipercorreto’. Entre a inteligentzia discordante e que confrontava o governo 
estavam Luís Carlos Prestes, Otávio Mangabeira e Aparício Toreli (o barão de Itararé). 16 
 A resposta dos intelectuais ao aceno da burocracia estatal no pós-30, pode ser 
compreendida por meio dos ideais reformistas atendidos pelo programa varguista de governo. A 
área educacional, um dos motes de ação direta do Estado, mobilizou uma série de caravanas 
espalhadas pelo país, que reivindicavam reforma educacional para todos os estados da federação. 
Os ‘reformadores’, pioneiros na defesa de um sistema nacional de educação, tinham como meta 
erradicar o alto índice de analfabetismo, responsável pelo atraso brasileiro. Culpavam as elites 
locais, com seu voluntarismo e imprevisibilidade de investimento na educação. 17 
 O país necessitava de uma política capaz de garantir “o acesso e o direito básicos à 
educação pública, leiga e gratuita”. A ausência de planejamento, organização, confiança e 
regularidade do Estado, em relação ao setor educacional, representavam um entrave para o 
desenvolvimento da sociedade. Quanto às outras áreas, como detentor de recursossuficientes 
 
15
 RAMOS, Alberto Guerreiro. 1982. “A inteligência brasileira na década de 1930, à luz da perspectiva de 
1980”. In: A revolução de 30. Seminário Internacional. op.cit. p.537. 
16
 Idem. 
17
 O primeiro documento de expressão da ideologia ‘escolanovista’ é o Manifesto dos Pioneiros da Educação 
Nova, de 1932, que buscava superar as tentativas parciais de reforma até então efetuadas e imprimir uma direção 
única, clara e definida do movimento de renovação da educação nacional. Para tanto, baseado no direito individual à 
educação, determinava que o Estado, representante da coletividade, assumisse a responsabilidade da organização do 
ensino, com a tarefa de tornar a escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos mantidos em condições de 
inferioridade econômica. Ver OLIVEIRA, Marcos Marques. 2004. As Origens da Educação no Brasil: Da 
hegemonia católica às primeiras tentativas de organização do ensino. Rio de Janeiro, Ensaio: aval. pol. públ. 
Educ.v.12, nº. 45. p. 945-958. out./dez. p.951. 
 
para iniciar uma política nacional de valorização da ciência e das raízes culturais brasileiras, 
cabia ao Estado a tarefa de promover a incorporação dos avanços científicos para que a sociedade 
fosse beneficiada. A construção desta ‘nova sociedade’ estava condicionada à idéia de edificação 
de um Estado mantenedor, provedor, com a função de prever necessidades e resguardar os 
espaços de convivência social. 18 
 Lippi afirma que “o clamor por políticas nacionais pode ser entendido (...) como uma 
saída ao particularismo local, ao privatismo predador”. As críticas ao tradicionalismo político, 
oriundo da República Velha (1889-1930), surgem como caixa de ressonância para reforçar a 
eficiência de um modelo de Estado Nacional promotor de políticas sociais. Ângela de Castro 
Gomes, ao pesquisar o discurso dos intelectuais nas publicações do Estado Novo, percebe a 
reformulação de uma “outra tradição”. 
 De acordo com os modernistas, esta nova tradição seria mediadora do processo de 
transição iniciado na década de 1920 e encerrado nos anos 1940. Ao investigar de forma 
específica a revista ‘Cultura Política’, Gomes demonstra como os modernistas estavam 
totalmente envolvidos nesta tarefa de ‘recriação’ de uma tradição brasileira, nacionalista. 
Estavam em perfeita sintonia com o governo “tanto porque reinstauravam a temática da 
brasilidade com feições militantes, quanto porque eram os intelectuais disponíveis para o 
preenchimento dos cargos públicos do Estado Novo”. 19 
 A imprensa, setor mais eficiente de propaganda do Estado Novo, subordinada ao DIP – 
Departamento de Imprensa e Propaganda sofria críticas severas por parte de alguns intelectuais. 
O artigo nº. 22 da Constituição de 1937 estabelecia a sanção do poder público sobre as 
publicações veiculadas em jornais, revistas, etc. Segundo Mônica Pimenta Velloso, Azevedo 
Amaral foi um dos que mais combateu tal medida restritiva, argumentando que “a elite intelectual 
tinha o direito de expor seus pontos de vista”. Amaral dizia que a “crítica construtiva” elaborada 
pela elite, diferia “da demagogia jornalística efetuada por outros setores da sociedade”. 20 
 Na visão de Amaral a elite não agia como os ‘jornalistas comuns’, pois as críticas 
advindas da intelectualidade serviam como instrumento de colaboração e engrandecimento do 
 
18
 BOMENY, Helena. 2001. op. cit. p.18-19. 
19
 GOMES, Ângela de Castro. 1996. História e Historiadores. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio 
Vargas. p.139. Apud BOMENY, Helena. 2001. op. cit. p.20. 
20
 VELLOSO, Mônica Pimenta. 1982. “Uma Configuração do Campo Intelectual”. In: OLIVEIRA, Lúcia 
Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta & GOMES, Ângela Maria de Castro (Orgs.). Estado Novo: Ideologia e Poder. 
Rio de Janeiro: Zahar Editores. p.73. 
Estado. A elite estava mais próxima dos interesses nacionais, por isso deveria apoiar e reforçar o 
poder público. Somente este poder “(...) dispõe de recursos de informação e de conhecimento das 
questões atinentes aos interesses nacionais para poder apreciar se a divulgação de uma notícia é 
ou não conveniente”. 21 
 Para Velloso este depoimento registra a presença fundamental de intelectuais que, como 
Azevedo Amaral, reivindicaram sua participação “na montagem do projeto ideológico 
estadonovista”. É importante a percepção de que no Estado Novo, a forte centralização do poder 
político foi, certamente, acompanhada pela centralização do poder simbólico. O DIP representou 
uma tentativa de controle da divulgação de discursos antagônicos ao governo Vargas, criando a 
idéia de um campo ideológico homogêneo. 
 Do mesmo modo que a participação política, a produção simbólica – literária, artística, 
jornalística, etc. – esteve restrita a um círculo de teóricos, especialistas, que se colocavam como 
“os guardiões privilegiados das ideologias”. Suas concepções são preservadas como se fossem 
dogmas, uma forma de se resguardar da crítica de militantes ou do público em geral. É este grupo 
da elite quem produz e manipula as representações que conformam o discurso estadonovista. Os 
intelectuais de “menor projeção” tinham como tarefa difundir para a sociedade o ideário 
estabelecido pelo Estado. 22 
 Velloso retoma as considerações de Gramsci sobre a inteligentzia ao analisar as funções 
sociais da intelectualidade do período. De acordo com Gramsci a atuação dos intelectuais no 
aparelho estatal está vinculada ao projeto político de uma classe fundamental. A influência de 
cada um sobre o governo, permite a configuração “de uma hierarquização de tarefas no campo 
ideológico”. Primeiramente, estão os ‘intelectuais criadores’ de cultura e, em segundo plano, ‘os 
administradores’ e ou ‘divulgadores’: 
(...) a atividade intelectual deve ser diferenciada em graus, inclusive do ponto 
de vista intrínseco; estes graus, nos momentos de extrema oposição, dão lugar a 
uma verdadeira e real diferença qualitativa: no mais alto grau, devem ser 
colocados os criadores das várias ciências, da Filosofia, da Arte, etc. ... no mais 
baixo, os administradores e divulgadores mais modestos da riqueza intelectual 
já existente, tradicional, acumulada. 23 
 
 
 
21
 VELLOSO, Mônica Pimenta. 1982. op. cit. p.73. 
22
 Idem. p.77-78. 
23
 GRAMSCI, Antonio. 1979. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização 
Brasileira. p.11. 
 A centralidade da ideologia propagada pelos intelectuais do ‘primeiro escalão’ é 
constituída por um encontro com o passado. A “linha evolutiva tradicional” é o único caminho 
para se “obter uma verdadeira fisionomia do social”, moldando a personalidade do indivíduo e da 
comunidade; discurso que recupera e formata a consciência nacional no Estado Novo. O Estado é 
“a corporificação do indivíduo”, de seu “subconsciente”, é ele quem possui a verdadeira 
brasilidade, pois proporciona o reencontro com o passado nacional. Este caráter - criador e 
tradicional - responde pela eficácia da ‘nova ordem’, mesclando a 
criação/transformação/revitalização do que já existe. 24 
 A figura de Getúlio Vargas personifica o regime, dando-lhe alma e corpo, sentido e força. 
É Vargas quem realiza os desejos do povo, materializando “um projeto político presente 
intuitivamente na realidade brasileira”, impedido até então de se concretizar devido às falhas do 
liberalismo. Nesta perspectiva, ressalta Velloso, o Estado Novo possibilitaria ao homem 
brasileiro a recuperação de seu “tempo perdido”, além de permitir à nação encontrar “sua 
verdadeira fisionomia”. O discurso estadonovista defende a instauração de ‘novo’ nacionalismo, 
diferente daquele propagado pelo ideário liberal. A refundação do nacionalismo brasileiro ligava 
o presente ao passado,enaltecendo a tradição, os costumes, a raça, definindo a característica 
orgânica de tal ideologia. A história do Brasil ressurge como “exemplo de renúncia, crença, 
sacrifício, generosidade e paz”. Dentro desta visão harmônica da sociedade recuperam-se antigos 
mitos e heróis, com o objetivo de caracterizar a personalidade nacional: o bandeirante altivo e 
dominador; o jesuíta, elemento capaz de corrigir os excessos em nome da fé e da moralidade. 25 
 De forma escatológica, o discurso anuncia o aparecimento de um “homem novo”, 
fundador de uma nova era. O Estado Novo permite, politicamente, que o indivíduo deixe de ser 
um “mero instrumento”, como afirmou Oliveira Viana; agora, ele é um componente importante 
do corpus social. Antes isolado pelo liberalismo, o homem brasileiro passa a se integrar à vida 
popular por meio do Estado, “o verdadeiro sujeito da liberdade”. Cada um é chamado a colaborar 
para “o bem maior”, cada um é responsável direto pelo destino da nação: 
 
(...) o homem novo, fruto da nova ordem é total porque pode viver, sem 
conflitos, sua dupla realidade: a de indivíduo (transitório, voltado para a 
transformação), e a de pessoa (eterno, voltado para a conservação): a pessoa é o 
que há de eterno em nós, o que quer permanecer, quer durar, conservar. A 
 
24
 VELLOSO, Mônica Pimenta. 1982. op. cit. p.83. 
25
 Idem. p.85. 
transformação pode ser ‘individual’, mas a ‘conservação’ é pessoal (...) dizer-se 
que o homem reconhece o seu destino é o mesmo que se afirmar a sua 
composição de corpo e alma. 26 
 
 
 A máxima “Ordem e Progresso”, afirma Bomeny, foi apropriada pelos intelectuais 
brasileiros do período estadonovista como uma forma de se criar raízes democráticas mais sólidas 
e confiáveis. Ainda que progresso e ciência não tenham caminhado conjuntamente, esta última 
poderia ser a chave de procedimentos mais racionais para a “criação de sistemas nacionais nas 
áreas de política social – saúde, educação, cultura, patrimônio, relações de trabalho, previdência”. 
A crença na intervenção do Estado e a fé nos progressos da ciência sedimentaram o projeto 
intelectual de parte significativa da geração do pós-1930 no Brasil. 27 
 Esta crença foi genuína em muitos casos, como se percebe por meio de uma carta enviada 
por Anísio Teixeira ao colega Monteiro Lobato. Teixeira, “intelectual indiscutivelmente 
associado à democracia e à liberdade”, estava empolgado com o clima político vigente no país, 
comparando-o à atmosfera “que devia dominar a Europa em 1848”. O novo regime a as reformas 
situava-se no caminho das liberdades políticas e civis, como também o aspecto organizacional do 
Estado Novo, que exerceu grande impacto em Teixeira e em outros pensadores. 28 
 Bomeny menciona o fato de Anísio Teixeira ter sido uma das vítimas preferenciais “do 
autoritarismo que prevaleceu no governo Vargas”, apesar de todo júbilo do intelectual quanto à 
criação do Ministério da Educação e Saúde em 1930. O mesmo ocorreu quando foi convidado 
pelo então ministro da Educação, Francisco Campos, a colaborar com o governo na Reforma do 
Ensino Médio. Deste modo, é possível compreender as motivações de parte “da vida inteligente” 
brasileira ao aceitar participar de um governo que “se ungia em modelo de intervenção costurado 
 
26
 FUSCO, Rosário. 1943. “Realismo e bom senso”. In: O Pensamento Político do Presidente (separata de 
artigos e editoriais dos primeiros 25 números da revista Cultura Política). p.200. Apud VELLOSO, Mônica Pimenta. 
1982. op. cit. p.91. 
27
 BOMENY, Helena. 2001. op. cit. p.20. 
28
 “(...) Estamos em cheio na atmosfera que devia dominar a Europa em 1848. À busca ainda de liberdades 
políticas e liberdades civis! Quando veremos que o problema da organização, e não o problema político, é o que 
realmente importa? Preparem-se os homens. Criem-se os técnicos. Eles organizarão. Da organização virá a riqueza. 
E tudo mais, política sã, liberdades etc etc - virá de acréscimo”. Carta de Anísio Teixeira a Monteiro Lobato. In: 
Conversa entre amigos: correspondência escolhida entre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato. 1986. Salvador: Rio de 
Janeiro, Fundação Cultural Estado da Bahia/CPDOC/FGV. p.56. Apud BOMENY, Helena. 2001. op. cit. p.21. 
com argumentos de racionalidade, planejamento, combate ao regionalismo, às oligarquias e ao 
mandonismo local, um Estado moderno, enfim”. 29 
 Os grupos de intelectuais da geração de fins do século XIX e início do XX tiveram a 
chance de vivenciar uma conjuntura particular, na qual cultura e política interagiam fortemente, 
característica que proporcionou à dimensão da política formas distintas de atuação. Grande parte 
das produções acadêmicas, especializadas no período do Estado Novo, converge quanto à extensa 
participação dos intelectuais na formulação de projetos políticos para áreas diversas que 
necessitavam da intervenção estatal. A cooperação na criação de um sistema doutrinário capaz de 
legitimar o ‘novo Estado’, o ‘novo homem’, não deve ser considerada somente pelo princípio de 
‘uma elite autoritária e comprometida com projetos pessoais’. Alguns intelectuais não 
conseguiram escapar das cobranças do regime, nem da brutalidade conferida àqueles que 
ousassem desafiar a suposta ‘homogeneidade’ ideológica estadonovista. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
29
 BOMENY, Helena. 2001. op. cit. p.21. 
 
 
 
 
 
Referências Bibliográficas: 
 
 
ARAÚJO, Ângela (org.). 2002. Do corporativismo ao neoliberalismo: Estado e trabalhadores no 
Brasil e na Inglaterra. São Paulo: Boitempo Editorial. 
 
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