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Cultura e intelectualidade no Brasil na Primeira República

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11/04/2023, 15:51 Cultura e intelectualidade no Brasil na Primeira República
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03466/index.html# 1/50
Cultura e intelectualidade no Brasil na
Primeira República
Prof. Rodrigo Perez
Descrição
Movimentos intelectuais e suas relações com as trajetórias políticas nacionais na formação da República
brasileira.
Propósito
Conhecer as diversas formas de pensar a realidade brasileira que foram verbalizadas por intelectuais de
diferentes tendências ao longo do período compreendido entre a crise da Monarquia, em meados do século
XIX, e o fim da Era Vargas, em 1945.
Objetivos
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Módulo 1
Intelectuais em atuação no Brasil na transição da
Monarquia para a República
Identificar as disputas político-intelectuais que marcaram a fundação institucional do regime republicano
no Brasil.
Módulo 2
O atraso nacional como questão para intelectuais e
políticos durante a Primeira República
Reconhecer como os intelectuais que chegaram à maioria intelectual com a República tomaram a
modernização do Brasil como questão geracional.
Módulo 3
Pensamento social e político autoritário, ou iliberal,
na Era Vargas (1930-1945)
Examinar a formação de uma tradição intelectual iliberal que inspirou ideologicamente a Era Vargas.
Ao longo de sua história, as Ciências Sociais desenvolveram diversas abordagens para estudar os
intelectuais e as suas ideias. Uma certa tradição da história das ideias que se formou na Europa do
século XIX esteve fundada na concepção romântica de gênio autoral, tratando os pensadores como
psicologias criativas imanentes sem pertencimento ao tempo e ao espaço. Na primeira metade do
Introdução
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1 - Intelectuais em atuação no Brasil na
transição da Monarquia para a República
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car as disputas
político-intelectuais que marcaram a fundação institucional do regime
século XX, alguns estudiosos questionaram essa “abordagem romântica” da história das ideias.
Podemos destacar aqui o historiador inglês Arthur Lovejoy, com sua reflexão sobre as “ideias-
unidades”, e o sociólogo alemão Karl Mannheim, formulador da sociologia do conhecimento.
Esses estudiosos tentaram entender a produção intelectual, as “ideias”, em suas condições de
existência, sendo o pensador considerado sujeito social subordinado a diversos condicionantes,
como questões de época, ambiência política e filiação institucional. Essa tendência de sociologizar o
pensamento foi reforçada por diversos autores, como Pierre Bourdieu, Quentin Skinner, John Pocock.
Inspirados nesses estudos, nosso esforço é compreender a atuação dos intelectuais brasileiros entre
a crise da Monarquia, em meados do século XIX, e a Era Vargas, entre 1930 e 1945. Propomos aqui
uma história social das ideias intelectuais brasileiras nesse período, buscando entender como esses
intelectuais estavam afetados pelas questões do seu tempo e produziram interpretações da
realidade brasileira que apontam para os grandes dilemas nacionais da época.
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republicano no Brasil.
A ideia de República
O nascimento da ideia de República
A República não chegou ao Brasil de repente, do dia para a noite. O golpe militar que instituiu o novo regime
aconteceu ao longo do dia 15 de novembro de 1889, mas a crise da Monarquia vinha se arrastando desde o
final da década de 1860.
Foi resultado do acúmulo de diversas crises estruturais que se avolumavam no País desde meados do
século XIX, tais como o desmonte da escravidão, os conflitos entre civis e militares, a insatisfação das elites
paulistas com o regime monárquico.
Aqui, nos interessa especificamente um movimento de renovação intelectual que tomou corpo a partir da
década de 1870 e ficou sugestivamente conhecido como “geração de 1870”.
Proclamação da República, por Henrique Bernardelli (1900).
A socióloga Ângela Alonso (2002) defende que o movimento intelectual não esteve voltado para um debate
doutrinário alheio à realidade brasileira nem visava formular teorias universais.
Sua hipótese é que havia uma unidade política fruto de uma experiência compartilhada da marginalização
em relação aos postos de mando do Segundo Reinado.
Nesse sentido, o movimento intelectual da geração de 1870 recorreu ao repertório
da política científica e à tradição nacional em busca de instrumentos de crítica
intelectual e de formas de ação política para combater as instituições, as práticas e
os valores essenciais da ordem imperial. O movimento era, portanto, uma das
manifestações de contestação ao status quo imperial.
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A autora argumenta que, a partir de meados do século XIX, o desenvolvimento capitalista se intensificou no
Brasil, o que tornou ultrapassadas as estruturas da Monarquia. Ganhou forma na sociedade, então, uma
corrente de opinião político-intelectual que demandava por reformas na estrutura monárquica.
Algumas vozes, após a década de 1870, quando foi fundado o Partido Republicano, chegaram a defender a
mudança do regime político do País. Entre os principais nomes dessa corrente intelectual de contestação à
Monarquia, podemos destacar Joaquim Nabuco (1849-1910), Quintino Bocaiúva (1836-1912), Sílvio Romero
(1851-1914), Rui Barbosa (1849-1923), Alberto Campos Sales (1841-1913), Assis Brasil (1957-1938) e Silva
Jardim (1860-1891).
Ao centro, o presidente Campos Sales, acompanhado por seus ministros Epitáfio Pessoa (à esquerda) e Severino Vieira (à direita).
Todos tiveram destacada participação na política institucional nos anos que marcaram a transição da
Monarquia para a República, como deputados, ministros e até presidentes da República. É possível dividir as
ideias desses intelectuais em duas modalidades de críticas ao regime monárquico: o federalismo e o
republicanismo.
Os debates envolvendo o federalismo datavam do período de fundação do Estado brasileiro, na década de
1820. Na medida em que o republicanismo foi derrotado militarmente nas conjurações Mineira (1789) e
Baiana (1792), na Revolução Pernambucana (1817) e na Revolução Farroupilha (1835), o consenso
monárquico se estabeleceu entre os setores mais influentes das elites brasileiras, que passaram a discutir a
organização político-administrativa do Estado brasileiro.
Os federalistas defendiam a autonomia dos governos locais (provinciais e
municipais), em detrimento do governo central. Já os centralistas defendiam o
oposto, ou seja, o fortalecimento do governo central diante dos governos locais. As
disputas entre federalistas e centralistas marcaram a produção dos principais
textos que construíram o edifício institucional da Monarquia, tais como as
constituições de 1823 e 1824, o ato adicional de 1834 e a lei interpretativa do ato
adicional, de 1840.
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Mais do que discussões jurídicas, estavam em jogo interpretações conflitivas da realidade nacional, o que
mobilizou os intelectuais da época, os quais também eram políticos.
O Padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), regente entre 1831 e 1835, e o político e escritor alagoense
Tavares Bastos (1830-1875) são dois dos principais representantes do federalismo brasileiro, que acabou
sendo derrotado nas disputas internas ao regime monárquico, que durante seus 67 anos de existência
apresentou perfil muito mais centralista do que federalista.
Estátua de DiogoAntônio Feijó, parte integrante do Monumento à Independência, no Ipiranga, em São Paulo.
Nas disputas internas à Monarquia, portanto, o centralismo, de autores e políticos como Bernardo Pereira de
Vasconcelos (1795-1850) e Visconde de Rio Branco (1819-1880), venceu. Mas a agenda federalista voltou
com força no final da década de 1860, quando a Monarquia começava a enfrentar uma sucessão de crises
políticas que, ao longo dos anos seguintes, resultariam na crise estrutural do regime.
Rui Barbosa
Rui Barbosa chega ao cenário
O então jovem intelectual baiano Rui Barbosa começou a ter destaque na vida pública defendendo a
reforma da Monarquia, sobretudo o federalismo. Não se tratava naquele momento de defender a extinção
do regime monárquico, mas, sim, de “modernizar” a Monarquia, justamente para fortalecê-la dos
questionamentos, cada vez mais fortes.
O lema defendido por Rui Barbosa e por outras lideranças do Partido Liberal era “reforma para evitar a
revolução”. Revolução era entendida como sinônimo de mudança no regime, ou seja, instauração da
República. Em discurso proferido em 1873, Rui Barbosa afirmou:
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A corrente se avoluma, e dia a dia redobra de força: ontem pobre vertente,
depois regato: hoje rio majestoso, amanhã será oceano [...] como dizem todos
que verdadeiramente se interessam pela sorte da nação: reformai sem demora,
reformai radicalmente este sistema corrompido; aliás, quando procurardes
pelas instituições, elas se terão afundado no abismo com o sistema que a elas
se agarrando, como nociva parasita, as desconjuntam, e abalam em seus
fundamentos.
(BARBOSA, 1966, p. 12)
O jovem intelectual e deputado baiano se referia às insatisfações com a Monarquia, que se tornavam cada
vez mais frequentes, e convidava o regime a se autorreformar, pois só assim seria possível evitar a
República, entendida pela maior parte da elite intelectual e política como sinônimo de anarquia e caos
institucional.
Era ampla a agenda reformista que passou a ser defendida por liberais como Rui Barbosa: reforma eleitoral,
reforma educacional, abolição da escravidão. Porém, sem dúvida alguma, a agenda reformista mais forte
era o federalismo, bem recebido pela elite cafeicultora paulista, que desejava maior autonomia para tocar
seus negócios, sem grandes interferências do regime, controlado pelas elites fluminense e nordestinas.
Essa percepção de sub-representação das elites paulistas foi um dos fatores que
empurraram esses grupos para o republicanismo a partir da década de 1870.
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De mesma geração que Rui Barbosa, o pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910), intelectual e político,
foi liderança ativa nos debates envolvendo a reforma da Monarquia. Como demonstra Alonso (2002),
Joaquim Nabuco também se dedicou à defesa do federalismo, colocando-se na esteira de uma tradição que
remetia a seu pai, Nabuco de Araújo (1813-1878), e a Tavares Bastos.
A principal militância da vida pública de Joaquim Nabuco foi a defesa da abolição da escravidão, algo que
foi sistematizado no livro O abolicionista, publicado em 1883 e um dos principais textos do pensamento
político brasileiro do século XIX.
Da esquerda para a direita: Graça Aranha, Sylvino Gurgel do Amaral, Joaquim Nabuco, Domício da Gama e Oliveira Lima, em fotografia tirada
em Londres, em 1901.
Liberal e monarquista convicto, Nabuco achava perfeitamente possível que a própria Monarquia fizesse as
reformas estruturais que seriam capazes de “colocar o Brasil na marcha da civilização”, o que significava ser
parecido com os países da Europa Ocidental, sobretudo França e Inglaterra.
A escravidão era, para Nabuco, uma mácula que expunha o Brasil aos olhos do “mundo civilizado”, uma
vergonha nacional, algo que precisava ser resolvido pelas instituições estabelecidas.
A emancipação há de ser feita, entre nós, por uma lei que tenha os requisitos,
externos e internos, de todas as outras. É, assim, no Parlamento, e não em
fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das cidades, que se
há de ganhar, ou perder, a causa da liberdade. Em semelhante luta, a violência,
o crime, o desencadeamento de ódios acalentados, só pode ser prejudicial ao
lado que tem por si o direito, a justiça, a procuração dos oprimidos e os votos
da humanidade toda.
(NABUCO, 1977, p. 44)
Como podemos perceber, a defesa que Joaquim Nabuco faz da abolição da escravidão está fundada em
dois argumentos fundamentais: os valores cristãos e a necessidade de extinguir o regime escravocrata
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dentro da ordem, sem agitação social e ameaça à propriedade.
Assim como fazia Rui Barbosa, Nabuco acreditava que a reforma, controlada pelo
próprio sistema, era a maneira mais segura de evitar convulsões sociais e a tão
temida revolução.
O estabelecimento monárquico, contudo, se mostrou incapaz de acolher as demandas reformistas,
especialmente aquelas que vinham dos setores economicamente mais dinâmicos da sociedade, que, como
já sabemos, eram as elites cafeicultoras de São Paulo. Não à toa, foi nessa província que o Partido
Republicano foi fundado, na cidade de Itu, em abril de 1873.
Propaganda republicana
A propaganda republicana intelectual
Na história política e intelectual brasileira, a década de 1870 foi marcada por intensa propaganda
republicana, ou melhor, por propagandas republicanas, já que eram diversos os projetos de República em
circulação no Brasil nesse período. Entre os principais intelectuais e lideranças políticas do movimento
republicano, tiveram destaque os irmãos paulistas Alberto Sales (1855-1998) e Campos Sales (1841-1913),
o gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938) e os fluminense Antônio da Silva Jardim (1860-
1891) e Quintino Bocaiúva (1836-1912).
Símbolo utilizado pelos primeiros republicanos: o brasão imperial com um barrete frígio no lugar da coroa.
Como demonstra Carvalho (2011), o fortalecimento do movimento republicano
brasileiro se deu menos pela adesão ideológica da sociedade civil à causa
republicana e mais pelas dificuldades da Monarquia em se autorreformar,
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atendendo às demandas de setores sociais emergentes que se sentiam
desprestigiados e subvalorizados pelo regime.
Entre todas as agendas reformistas, o federalismo era a que mais atraía essas elites, e a dificuldade da
Monarquia em efetivá-las foi decisiva para que o grupo decidisse romper com o regime.
Segundo José Murilo de Carvalho, os discursos republicanos incorporaram quase todo o programa de
reformas políticas. Era comum aos grupos a ideia de extinção do Poder Moderador, do Senado vitalício e do
Conselho de Estado, e da descentralização político-administrativa.
Para os radicais, as propostas da separação da Igreja e do Estado e da expansão do sufrágio eram centrais
em seu programa. Por outro lado, a única mudança significativa dos republicanos era a transformação da
demanda de descentralização em exigência de federalismo.
Capa do Jornal A República de 3 de dezembro de 1870, contendo o Manifesto Republicano.
Podemos dizer, portanto, que havia relações entre o movimento reformista que se fortalece no seio do
Partido Liberal a partir do final da década de 1860 e a propaganda republicana, fundada, exatamente, nessa
agenda de reformas. É como se, ao longo da década de 1870, parte considerável do estabelecimento
político-intelectual brasileiro tivesse abandonado o consenso monárquico, convencida de que o regime
estabelecido não era capaz de tocar a agendade reformas que acreditava ser indispensável ao País.
Mas seria um erro, ainda segundo Carvalho (2011), acreditar que o movimento republicano foi mais radical
do que os liberais na proposta de transformação das estruturas fundamentais da sociedade brasileira.
Em várias pautas, como a abolição da escravidão e a ampliação de plenos direitos civis e políticos à
população liberta, os republicanos teriam sido ainda mais tímidos que a própria Monarquia. Alberto Sales e
Assis Brasil, por exemplo, afirmavam a “igualdade” como um princípio republicano fundamental, mas
direcionavam o conceito apenas para o fim dos privilégios estabelecidos pela Monarquia, sem descer às
senzalas, silenciando solenemente a respeito do tema da escravidão.
O movimento republicano brasileiro foi bastante diverso e marcado por disputas internas. A principal delas
foi protagonizada entre Quintino Bocaiúva e Silva Jardim. No centro do conflito, estava o tamanho do
alargamento da “inclusão republicana”.
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Quintino Bocaiuva, cacique do partido e um dos signatários do manifesto republicano de 1870, era adepto
de uma República de perfil oligárquico, que não alterasse o regime de propriedade e a estrutura de classe.
Bocaiuva argumentava que a “questão servil” era assunto a ser tradado pela Monarquia e que os
republicanos não deveriam se envolver na questão.
Quintino Bocaiúva, em ilustração na Revista Theatral, em 1894.
O objetivo era não criar tensões com os proprietários de escravos, que resistiam à abolição e exigiram
indenização do governo. Já Silva Jardim, adepto de um “republicanismo jacobino”, dialogava diretamente
com a positivista da “ditadura republicana”, segundo a qual apenas um governo forte, acima da sociedade,
poderia conduzir a transição rumo à igualdade democrática, o que envolvia, necessariamente, a abolição da
escravidão.
Silva Jardim perdeu a disputa interna, terminou a vida no ostracismo político, o que nos ajuda a entender os
rumos que tomou a República brasileira em seus primeiros anos de vida.
Fim do Império
Aponta o �m do Império
Conde d´Eu (com a mão na cintura no centro a direita) e, à sua esquerda, José Paranhos, futuro visconde do Rio Branco, e entre ambos, o
visconde de Taunay, cercados por oficiais brasileiros durante a Guerra do Paraguai.
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Na década de 1880, estourou a questão militar, série de conflitos entre militares do Exército e políticos civis,
que seria a pá de cal na Monarquia. Se é verdade que o novo regime foi proclamado por uma quartelada,
também é igualmente verdadeiro que os militares contaram com o apoio de parte importante das elites
civis, que aderiram em massa ao republicanismo.
O caso de Rui Barbosa, certamente, é o mais emblemático. Depois de vinte anos defendendo as reformas na
Monarquia, sem jamais questionar o regime, o intelectual baiano aderiu à causa republicana tardiamente, já
na década de 1880.
Rui Barbosa em sua biblioteca.
Rui Barbosa foi reformista até às vésperas da proclamação da República. Ele acreditava na capacidade da
Monarquia em transformar sua institucionalidade e na adoção da influência inglesa, tornando-se uma
“democracia federativa coroada”. Foi somente em junho de 1889 que Rui Barbosa aderiu publicamente à
causa republicana, ao recusar o convite para compor aquele que seria o último ministério da Monarquia. A
partir de então, Rui Barbosa passou a se articular abertamente com lideranças republicanas (PEREZ, 2019).
Pode parecer estranho o fato de Rui Barbosa ter se aliado a militares, pois ele era conhecido por seu
“espírito civilista”. A influência que exerceu sobre Deodoro da Fonseca ajuda a entender a aparente
contradição.
A partir do momento em que passou a participar das articulações pela República, Rui Barbosa estava
convencido de que essa era a grande chance de melhorar o País por meio da reformulação institucional à
luz de padrões anglo-saxões de organização social e política que ele acreditava serem mais evoluídos e
virtuosos do que aqueles que caracterizavam a tradição nacional. Nos tempos do reformismo, a referência
era a Monarquia britânica. Quando aderiu ao republicanismo, a referência passou a ser os EUA.
A crença de que instituições virtuosas eram capazes de provocar efeito pedagógico
e estimular costumes e práticas virtuosas na população, colaborando para o
desenvolvimento dos valores liberais no Brasil, atravessa a trajetória de Rui
Barbosa.
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Proclamada a República e instituído o governo provisório, Rui Barbosa se tornou um dos nomes fortes do
gabinete de Deodoro da Fonseca, ocupando o cargo de Ministro da Fazenda.
A partir de então, começou a disputa pela República. De um lado, Rui Barbosa chefiando a ala liberal,
daqueles que desejavam estabelecer no Brasil uma democracia liberal-representativa nos moldes norte-
americanos. Do outro lado, estavam os militares positivistas, autoritários, que tinham o interesse de
prolongar o período da ditadura republicana.
Segundo o cientista político Christian Lynch (2007), não seria exagerado dizer que Rui Barbosa venceu a
disputa pelo desenho institucional da Primeira República brasileira. Há o dedo de Rui Barbosa em todos os
atos jurídicos que desenharam institucionalmente o novo regime. Em 15 de novembro, o governo provisório
promulgou o Decreto n°1, que instaurava o regime republicano federativo do governo.
Ovação popular ao General Deodoro da Fonseca e Bucayuva, na Rua do Ouvidor, na cidade do Rio de Janeiro.
Rui Barbosa viu tornar-se realidade a federação, o fortalecimento dos poderes locais, que foi por décadas
um dos seus principais projetos reformistas. Até o Decreto n° 29, que regulou a formação da comissão
responsável por elaborar o projeto constitucional que seria submetido à apreciação da Assembleia Nacional
Constituinte, foram 28 textos que, entre outras disposições, instituíram o Estado laico, o casamento civil e a
eleição direta, medidas que Rui Barbosa defendia desde os anos 1870.
Finalmente a República
Consolida-se o golpe: do projeto à prática
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Compromisso Constitucional de 1891, por Aurélio de Figueiredo (1896).
A Constituição promulgada em fevereiro de 1891 coroou a vitória de Rui Barbosa. Finalmente, o jurista
baiano viu seu projeto de nação ganhar formato institucional. De acordo com Lynch, Rui Barbosa foi
responsável por aperfeiçoar os dispositivos de intervenção federal, visando que os poderes judiciários e
legislativos dos Estados pudessem solicitá-la, e a do Estado de sítio, destacando o dever do Congresso
Nacional em fiscalizar os atos do governo.
Em outro aspecto, quanto ao controle da constitucionalidade, foi Rui Barbosa quem enxertou no capítulo do
Poder Judiciário, que foi quase todo reescrito. Além disso, incluiu na Constituição a inviolabilidade
parlamentar e a ampliação da declaração de direitos (LYNCH, 2007, p. 51).
Mas a vitória do liberalismo barbosiano no formalismo jurídico não foi capaz de chegar à realidade política
efetiva e, especialmente após à posse do Marechal Floriano Peixoto na Presidência da República, o
autoritarismo e a violência foram rotinizados nas práticas da jovem República brasileira. Se durante o
governo de Deodoro da Fonseca a ditadura era vista como provisória, como um mal necessário no processo
de consolidação do novo regime, com Floriano Peixoto ela foi instituída como situação permanente. Rui
Barbosa, então, rompeu com a República e foi para a oposição. A partir dessemomento, o intelectual baiano
se esforçaria para entender e explicar os motivos do insucesso das instituições liberais republicanas no
Brasil. O tema ganha contornos de angústia existencial nos textos do pensador que por décadas militou em
defesa do liberalismo político.
Deodoro da Fonseca, por Aurélio de Figueiredo (1896).
Nas palavras do próprio Rui Barbosa, em representação ao Supremo Tribunal Federal na defesa dos
perseguidos pela ditadura florianista:
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Nós trouxemos todas as belezas das instituições americanas, naquilo que elas
têm de mais precioso, para o Brasil. E o que é que, presentemente, estamos
assistindo? (...) Podeis dizer, Sr. Presidente, se os frutos correspondem às
nossas esperanças? Podeis dizer se essas instituições tiveram, em nosso país,
a grandeza dos seus resultados? Não, Sr. Presidente. E por quê?
(BARBOSA, 1966, p. 76-78)
Como podemos notar, Rui Barbosa denunciou o não cumprimento de uma promessa institucional. Isso teria
acontecido não por culpa das instituições em questão, e sim pelo despreparo da sociedade brasileira em
acolhê-las. Em discurso no Senado proferido em 1903, o jurista baiano desenvolveu melhor o argumento.
Era fato assumido pelo legislador original da República que a Constituição liberal não impediu a
implementação de uma tirania militar no governo de Floriano Peixoto. “Por culpa dos executores do regime?
Não. Por culpa das instituições adotadas? Também não” (BARBOSA, 1966, p. 76).
De acordo com Rodrigo Perez, a defesa do formalismo constitucional republicano, significava, na prática,
uma defesa de si mesmo para Rui Barbosa, que atribuiu o fracasso da República aos “hábitos políticos
brasileiros”, segundo ele “maculados pela escravidão, pelo mandonismo e por toda sorte de violência”.
Entretanto, a defesa do formalismo constitucional não se relaciona com o argumento da inadequação das
instituições liberais à realidade nacional.
Na lógica de Rui Barbosa, as instituições liberais seriam capazes de regenerar costumes corrompidos, mas
isso não aconteceria rapidamente. Seria necessário dar tempo às instituições, protegê-las, e investir na
“educação cívica do povo” (PEREZ, 2019, p. 82).
A Primeira República brasileira foi alvo ainda de outras críticas, como aquelas feitas pelo intelectual paulista
Eduardo Prado (1860-1901), um dos principais nomes do pensamento político monarquista brasileiro em
fins do século XIX. Filho de uma influente e poderosa família da elite cafeicultora paulista, Eduardo Prado
saiu em defesa da Monarquia, literalmente, nos dias seguintes à proclamação da República.
Charge Fechamento das Câmaras – Au revoir, publicada na Revista Illustrada em 1892, por Angelo Agostini.
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Na ocasião, o autor estava em Portugal, onde tinha vínculos de amizade com os principais nomes da
intelectualidade lusitana, tais como Eça de Queirós (1845-1900) e Ramalho Ortigão (1836-1915).
Escrevendo ainda em novembro de 1889 na Revista de Portugal, editada por Eça de Queirós, Prado
denunciou na Europa aquilo que considerava ter sido um crime contra a dinastia dos Bragança.
O intelectual paulista se empenhou por desacreditar a República brasileira na
opinião pública europeia, com textos, entrevistas, o que fez com que o novo regime
enviasse um emissário ao velho mundo para confrontar as críticas de Eduardo
Prado. O principal argumento de Prado contra a República afirmava a inadequação
desse regime ao Brasil.
Para o autor, a República era devaneio de bacharéis que, como Rui Barbosa, se encantavam pelo formalismo
jurídico anglo-saxão, desprezando as tradições nacionais. A proclamação da República, segundo Prado, foi
um atentado contra os valores antigos que formaram o Brasil. O ato de negação teria sido promovido pela
aliança entre militares ambiciosos e indisciplinados com bacharéis formalistas e ingênuos.
Nas palavras do autor, “os militares, que no dia 15 de novembro necessitaram de alguns bacharéis com boa
prosódia para reduzirem a escrita a revolução do quartel, não andaram mal, chamando, entre outros
assessores, o Sr. Rui Barbosa” (PRADO, 1904 p. 10).
Eduardo Paulo da Silva Prado em 1870.
Para Eduardo Prado, o liberalismo republicano era semente exótica que não frutificaria no Brasil. Traria
apenas ruptura com o passado, com a tradição, com os vínculos do País com a Europa. A leitura do
liberalismo republicano na chave do exotismo institucional inspirou uma corrente conservadora/autoritária
do pensamento político brasileiro que influenciaria, anos mais tarde, a Ditadura do Estado Novo.
Esse é o tema do terceiro módulo do nosso estudo. A seguir, examinamos como ao longo da Primeira
República brasileira, artistas e intelectuais interpretaram o País a partir da imagem do atraso atávico,
assumindo para si a missão de modernizar a nação.
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República: das ideias à prática
Neste vídeo, o Prof. Rodrigo Perez apresenta os intelectuais em atuação no Brasil na transição da
Monarquia para a República e as disputas político-intelectuais que marcaram a fundação institucional do
regime republicano no Brasil.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
A geração de 1870 se caracterizou por forte atuação política. Assinale, entre as alternativas abaixo,
aquela que melhor define o conteúdo dessa atuação política.
A
A geração de 1870 se notabilizou pela defesa do trono, o que explica o fato de esses
intelectuais repudiarem os valores republicanos.
B
A geração de 1870 se notabilizou pelo militarismo, o que explica o fato de esses
intelectuais terem defendido a entrada do Brasil na Guerra do Paraguai.
C
A geração de 1870 se notabilizou pelas críticas que fez à Monarquia, o que explica o
fato de esses autores terem defendido o federalismo e a República.
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Parabéns! A alternativa C está correta.
A geração de 1870 era formada por uma classe intelectual emergente e sub-representada nas
estruturas da Monarquia, o que fez com que esses autores tenham sido críticos, buscando a
descentralização do poder e a mudança do regime.
Questão 2
O político e intelectual baiano Rui Barbosa foi uma das principais lideranças a defender a reforma da
Monarquia a partir de fins da década de 1860. Assinale, entre as alternativas abaixo, aquela que melhor
define a agenda reformista de Rui Barbosa.
D
A geração de 1870 se notabilizou pelas críticas que fez à Monarquia, o que explica o
fato de esses autores terem defendido o centralismo administrativo e a escravidão.
E
A geração de 1870 se notabilizou pela defesa do trono, o que explica o fato de esses
autores terem defendido o federalismo e a abolição da escravidão.
A
Rui Barbosa começou a defender a República ainda jovem, tornando-se, assim, a
principal liderança do reformismo estrutural que pretendia mudar o regime político
brasileiro.
B
Rui Barbosa estreou na vida pública em fins da década de 1860, quando a Monarquia
dava seus primeiros sinais de crise estrutural, defendendo a reforma do regime,
sobretudo o federalismo.
C
Rui Barbosa era um monarquista convicto, defensor do padroado, do centralismo
administrativo e da escravidão. A única reforma que apoiava era a econômica, propondo
a instauração de indústrias no País.
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Parabéns! A alternativa B está correta.
Rui Barbosa estreou na vida pública defendendo a reforma da Monarquia como único jeito de evitar a
revolução republicana. No centro da agenda reformista de Rui Barbosa, estava a adoção do
federalismo.
2 - O atraso nacional como questão para
intelectuais e políticos durante a Primeira
República
D Rui Barbosa defendia a República, mas apontava a necessidade de manutenção do
regime parlamentarista. Sua agenda reformista, portanto, buscava conciliar o
parlamentarismo monárquico com o regime republicano.
E
Rui Barbosa aderiu ao comunismo ainda em fins da década de 1860, o que explica sua
defesa da reforma agrária, da abolição da escravidão e da transformação da Monarquia
em uma federação de províncias socialistas.
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Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer como os
intelectuais que chegaram à maioria intelectual com a República
tomaram a modernização do Brasil como questão geracional.
Introdução e preceitos do pensamento
social brasileiro
A questão do atraso
A história do Brasil independente começou em 1822, com a ruptura dos vínculos formais com Portugal. O
debate intelectual nacional ao longo dos primeiros quarenta anos da existência do país teve o objetivo de
construir a identidade nacional. Nas letras, isso se refletia no romantismo de José de Alencar.
Proclamação da independência do Brasil, por François-René Moreaux (1844).
Na historiografia, a história do Brasil era exposta nos quadros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
o IHGB, com destaque para a História Geral da Civilização Brasileira, de Francisco Adolfo de Varnhagen
(1816-1878), publicado em 1854.
Tratava-se de inventar a nacionalidade, de produzir narrativas capazes de
convencer pessoas diferentes, vivendo em regiões diferentes, que faziam parte de
uma mesma totalidade orgânica chamada “nação”. Não era empreendimento
simples de ser feito.
Este era, e continua sendo, um território continental, com localidades culturalmente muito diferentes entre
si. Seja como for, fato é que, por volta da década de 1860, a “questão nacional” já estava resolvida, e o
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debate intelectual passou, como vimos na seção anterior, a girar em função da reforma e da modernização
da Monarquia.
A proclamação da República, portanto, aconteceu sob uma atmosfera cultural e intelectual preocupada com
a modernização do País e com a superação daquilo que se acreditava ser as “forças do atraso” que
impediriam o desenvolvimento nacional. A geração de intelectuais e artistas que chegou à maioridade
intelectual com a República era herdeira dos debates reformistas que datavam das décadas de 1860 e 1870.
Charge publicada no periódico El Mosquito, em 1889, retratando a Proclamação da República brasileira.
Em sua visão, “desenvolvida” seria uma sociedade urbana, industrial e organizada institucionalmente nos
moldes da democracia liberal. Esses signos de desenvolvimento foram diretamente buscados nos EUA e
nos países da Europa Ocidental, sendo alheios à história e às tradições brasileiras, o que explica a relação
agônica de alguns intelectuais e artistas brasileiros com o passado nacional. Lynch (2016), argumenta que
essa geração de intelectuais e artistas se apropriou do conceito de desenvolvimento importado da Europa, o
que configuraria certo colonialismo epistemológico.
Comentário
Para Lynch, o eixo temático do pensamento social brasileiro é o diagnóstico do atraso, da barbárie, do
retardo ou do subdesenvolvimento nacional, majoritariamente, em comparação ao imperativo do progresso,
da civilização, da evolução ou do desenvolvimento.
Esses elementos são vistos como meios conducentes à transformação das estruturas herdadas da
colonização para alcançar a modernidade. Ao imperativo modernizador, subordinaram-se quase sempre três
tópicos maiores da teoria política: o problema da organização da ordem pública; a liberdade individual; e a
igualdade social (LYNCH, 2016).
Pensamento social brasileiro
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Historiogra�a brasileira em debate
Essa relação agônica com o passado nacional caracteriza a produção de grande parte dos autores que se
tornaram cânones do pensamento social brasileiro. De Rui Barbosa a Raymundo Faoro (1925-2003),
passando por Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Caio Prado Jr. (1907-1990), a estrutura político-
administrativa de Estado que o Brasil teria herdado de Portugal é definida como o grande entulho a bloquear
o progresso e o desenvolvimento nacionais.
Antiga Usina Beltrão, primeira refinaria da América do Sul, inaugurado no Recife em 1895.
A modernização do Brasil, portanto, tinha como primeiro desafio a reinvenção do Estado, fosse pela reforma
à luz dos preceitos liberais, fosse pela ruptura via revolução socialista. Rui Barbosa, como vimos, bebeu na
fonte do liberalismo anglo-saxão para definir a estrutura da Monarquia ibérica como atrasada, centralizada
burocrática-administrativamente e incapaz de fomentar liberdades e direitos individuais.
Segundo Rubem Barboza Filho, foi Rui Barbosa o responsável por forjar a matriz interpretativa da história e
da realidade brasileiras nos quadros do liberalismo, o que levou toda uma geração de intelectuais a
desprezar a tradição brasileira e a tratar os costumes como potência deletéria da virtude e dos valores
nacionais. O problema do Brasil seria, então, nada mais que o próprio Brasil, seus costumes e tradições
fundacionais, sua história.
Nesse sentido, o liberalismo cria uma “utopia” para o Brasil, nas considerações do
autor, e gera simultaneamente um inimigo a ser vencido por esse projeto
modernizante: o passado, o patrimonialismo, o asiatismo, a “colônia portuguesa”.
Na mentalidade das elites, a herança da tradição, os seus personagens e as suas
expectativas estavam sendo desprezados em favor da modernização.
Como uma utopia, o liberalismo era visto como o começo de uma nova história no Brasil, na possibilidade
de democratização da tradição, nos termos do próprio liberalismo. Nesse movimento, elimina no horizonte e
da vida política da nação o sujeito dessa potência democrática: o povo (BARBOZA FILHO, 2010, p. 17).
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Debate de Sergio Buarque de Holanda e
Caio Prado Jr.
Raízes do Brasil
A “agonia” com o passado nacional ganharia seus contornos mais claros em dois dos principais livros que
compõem o repertório de textos clássicos de interpretação do Brasil: o Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque
de Holanda, publicado em 1936, e Os donos do poder, de Raymundo Faoro, publicado em 1958.
Sérgio Buarque de Holanda talvez tenha sido o autor que mais longe levou a relação agônica com o passado
colonial ao desenvolver os conceitos de “patrimonialismo” e “homem cordial”. Na interpretação do autor, o
Brasil herdou de Portugal uma cultura político-administrativa de Estado marcada pela dificuldade em
separar público e privado, afeto e razão. É como se todas as relações sociais fossem regidas pela lógica
familiar, dos sentimentos domésticos.
O “homem cordial” é a categoria que, na intepretação buarqueana, exerce a função de tipo ideal para a
análise do brasileiro médio, que seria incapaz de tratar a coisa pública com racionalidade e impessoalidade.
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Jáse disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de
cordialidade — daremos ao mundo o “ homem cordial”. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a
generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um
traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a
influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria
engano supor que essas virtudes possam significar “ boas maneiras” , civilidade. São antes de tudo
expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há
qualquer coisa de coercitivo — ela pode exprimir-se em mandamentos e em sentenças.
(HOLANDA, 1995, p. 146-147)
“Fundo emotivo extremamente rico e transbordante”, “hospitalidade”, “generosidade”. Lido de forma
descontextualizada e pouco cuidadosa, o trecho acima pode sugerir que Sérgio Buarque de Holanda está
elogiando a formação histórica brasileira, ou fazendo apologia da herança portuguesa. A verdade, no
entanto, é o exato oposto. Sérgio Buarque de Holanda é um dos principais críticos do iberismo. Sua obra é
exemplo da tal “relação agônica” com o passado e as tradições.
Comentário
Em sua crítica ao iberismo, Holanda destaca o predomínio das vontades particulares ordenada de maneira
pessoal e com círculos particulares. Dentre esses círculos, dá atenção especial à família e afirma que esse
núcleo se exprimiu com força na sociedade brasileira.
Como ponto de destaque dessa expressão de poder do núcleo familiar está o alcance que as relações que
se criam na vida doméstica forneceram um modelo obrigatório de qualquer composição social. Para
Holanda (1995), isso ocorre mesmo em instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e
abstratos.
O grande dilema da nacionalidade brasileira, o elemento responsável pelo atraso do País, seria exatamente a
projeção do afeto, da emoção e do familismo para o espaço público, resultado do patrimonialismo de
Estado, de funcionários públicos e políticos incapazes de abstração, subordinados aos interesses privados,
corruptos e corruptores.
Seria necessário, então, a modernização da coisa pública, do Estado, nos moldes da racionalidade
burocrática liberal, fundada na rígida distinção entre público e privado. Seria esta a fonte de toda a
corrupção: o Estado patrimonialista ocupado por agentes públicos que não separam as esferas pública e
privada.
Essa interpretação teve vida longa na história, inspirando outros autores e
capilarizando-se no imaginário coletivo. Raymundo Faoro, por exemplo, escrevendo
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no final da década de 1950, via o Estado brasileiro como espaço de reprodução de
uma elite burocrata parasitária e sem espírito público.
A natureza patrimonial do Estado brasileiro seria “herança direta recebida da metrópole, pois tanto em
Portugal como no Brasil, a independência sobranceira do Estado em relação à sociedade não seria uma
exceção de certos períodos históricos, mas a constante na evolução dos dois povos” (FAORO, 1958, p. 263).
A sobrevivência do patrimonialismo nas estruturas do Estado é vista por Faoro como o grande fator do
atraso nacional. A modernização e o desenvolvimento do país passariam pela superação desse passado
atávico, pela ruptura com as heranças ibéricas e pela reforma geral do Brasil à luz dos preceitos liberais.
Também Caio Prado Jr. se notabilizou pela crítica à herança portuguesa, fazendo-o em perspectiva bastante
distante daquela que caracterizou os escritos de Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro. O livro A
formação do Brasil Contemporâneo é a principal da obra de Caio Prado Jr., publicada em 1942, e escrita ao
longo das décadas de 1920 e 1930, quando o autor militava nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro, o
PCB. No livro, o autor argumenta que a colonização do Brasil é um dos desdobramentos da construção do
capitalismo europeu, tendo legado a inserção do País em posição periférica na divisão internacional do
trabalho.
Historiador e sociólogo Caio Prado Júnior.
A colonização teria forjado um “sentido” para a história do Brasil que acompanharia o País até o tempo
presente, tornando-o mero exportador de matéria-prima e importador de produtos de alto valor agregado.
Esse seria, na interpretação pradiana, o principal fator do atraso nacional.
Realmente a colonização portuguesa na América não é um fato isolado, a aventura sem
precedente e sem seguimento de uma determinada nação empreendedora; ou mesmo uma ordem
de acontecimentos, paralela a outras semelhantes, mas independente delas. É apenas a parte de
um todo, incompleto sem a visão desse todo. Incompleto que se disfarça muitas vezes sob noções
que damos como claras e que dispensam explicações; mas que não resultam na verdade senão de
hábitos viciados de pensamento. Estamos tão acostumados em nos ocupar com o fato da
colonização brasileira, que a iniciativa dela, os motivos que a inspiraram e determinaram, os rumos
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que tomou em virtude daqueles impulsos iniciais se perdem de vista. Ela aparece como um
acontecimento fatal e necessário, derivado natural e espontaneamente do simples fato do
descobrimento. E os rumos que tomou também se afiguram como resultados exclusivos daquele
fato. Esquecemos aí os antecedentes que se acumulam atrás de tais ocorrências, e o grande
número de circunstâncias particulares que ditaram as normas a seguir. A consideração de tudo
isso, no caso vertente, é tanto mais necessária que os efeitos de todas aquelas circunstâncias
iniciais e remotas, do caráter que Portugal, impelido por elas, dará à sua obra colonizadora, se
gravarão profunda e indelevelmente na formação e evolução do país.
(PRADO JR, 1986, p. 14-15)
A modernização do Brasil
A modernização e o desenvolvimento do Brasil, nessa perspectiva, implicariam na superação das estruturas
capitalistas que fundam a história nacional. O tema da modernização do Brasil também influenciou a
atividade artística do País durante os anos da Primeira República.
Ibapuru, de Tarsila do Amaral (1886-1973).
Entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, o Teatro Municipal de São Paulo foi agitado por grande movimentação
artística. Pintores como Di Cavalcanti (1897-1976) e Tarsila do Amaral (1886-1973), escritores como Mário
de Andrade e Oswald de Andrade (1893-1945) e músicos como Heitor Villa-Lobos (1887-1959) atenderam
ao chamado de Washington Luís (1869-1957), governador do Estado de São Paulo, do Partido Republicano
Paulista, o mais poderoso da época. O objetivo era passar a imagem de que a elite política paulista estava
comprometida com aquilo que havia de mais moderno em termos de arte e estética.
A Semana de 1922 simbolizou o ambiente político, intelectual e artístico que, desde o fim da I Guerra
Mundial (1914-1918), idealizava a modernização do Brasil, entendendo “modernidade” como sinônimo de
urbanização e industrialização. O clima de renovação inspirou muitos artistas a buscarem outras formas de
linguagem e expressão. As diversas manifestações dessa nova experimentação estética é o que muitos
autores chamam de “modernismo artístico brasileiro”.
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Ainda que, na época, a sociedade brasileira fosse predominantemente rural, desde fins do século XIX já era
possível perceber o avanço no ritmo de urbanização e industrialização do País, o que, obviamente, causou
mudanças sociais profundas.
Começava a se formar uma classe média urbana letrada, com novas demandas de
socialização e representação cultural, o que foi esgotando as escolasartísticas do
século XIX, sobretudo o romantismo nacionalista. As vanguardas artísticas
europeias eram recebidas e ressignificadas nesses círculos letrados urbanos, em
busca de um tipo de cultura artística que fosse capaz de alegorizar o País que se
pretendia moderno.
Segundo Elza Ajzenberg, a ideia de organizar uma semana de arte que reunisse a “fina flor da classe
artística inovadora brasileira” partiu de Marinete Prado, esposa do escritor Paulo Prado. A inspiração veio
dos festivais culturais de Deauville, nos EUA.
Apesar das especificidades, esses artistas possuíam uma agenda política em comum, que não era muito
diferente daquela que mobilizava os intelectuais que tinham relação agônica com o passado nacional.
Se os intelectuais desejavam superar o passado colonial, visto como atraso, os artistas buscavam
ressignificar as tradições, visando criar uma nação genuína, que pudesse se inserir de forma original no
mundo. Era essa a proposta da “Antropofagia Cultural” de Oswald de Andrade. Buscando inspiração nos
índios antropófagos, o Brasil moderno deveria digerir as tradições estrangeiras, tirando o que elas tivessem
de melhor, para assim construir uma identidade artística brasileira e original.
Tais como os intelectuais, os artistas apontavam a insuficiência das tradições, sem, contudo, pregar a total
ruptura com elas.
Mário de Andrade (primeiro à esquerda, no alto), Rubens Borba de Moraes (sentado, segundo da esquerda para a direita) e outros modernistas
em 1922, dentre os quais (não identificados) Tácito, Baby, Mário de Almeida e Guilherme de Almeida e Yan de Almeida Prado.
Antropófagos
Prática ritual em que se come pequenas partes do inimigo reconhecido para que ele continue vivendo no
vitorioso.
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Diversidade na cena intelectual e artística
brasileira
Aeria um equívoco acreditar que todos os intelectuais e artistas atuantes na Primeira República tiveram
relação crítica com as tradições nacionais. Rubem Barboza Filho demonstra que, já nos primeiros anos da
República, formou-se no Brasil certa tradição intelectual elogiosa com as origens históricas do País, com a
herança portuguesa e com a própria ideia de miscigenação racial.
Exemplo
Barboza Filho (2010, p. 38) destaca o papel de Euclides da Cunha e afirma que o literato flagra na vida do
sertanejo o exercício espontâneo da linguagem dos afetos, da multiplicidade de contato que o habilita a
enfrentar a natureza e a civilização da razão e do interesse.
Essa conversão emblemática, que condenava a imaginação puramente modernizante de nossas elites
políticas e intelectuais, foi um sopro libertador que fez nascer um dos ramos mais importantes da nossa
literatura. Segundo Eduardo Lourenço, a literatura dos sertões, que reúne Jorge Amado, José Lins do Rego,
Graciliano Ramos, entre outros autores, chega ao auge com Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
Nessa Literatura, o Brasil expõe suas vísceras, a sua miséria provocada pelo andamento insensível de uma
modernização que condena o povo à invisibilidade.
Guimarães Rosa.
Ao mesmo tempo, entretanto, a chamada Literatura dos sertões registra a riqueza da vida popular, os
sonhos dos homens comuns de um Brasil ainda rural (BARBOZA FILHO, 2010).
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O jornalista e escritor brasileiro Euclides da Cunha em 1900.
Euclides da Cunha (1866-1909) teria feito um gesto de interpretação do Brasil diferente daqueles
intelectuais da perspectiva agônica, que encontrou em Rui Barbosa seu principal representante. De Euclides
a Guimarães Rosa (1908-1967), portanto, passando por Graciliano Ramos (1892-1953), Jorge Amado (1912-
2001) e José Lins do Rego (1901-1957), teria se formado no Brasil uma imaginação literária que denunciou
a violência dos projetos modernizadores impostos tanto por liberais como por marxistas, que seriam
insensíveis ao cotidiano da população real.
Também Gilberto Freyre destoou do sentimento agônico que caracterizou essa geração de intelectuais que
começou a ganhar notoriedade na Primeira República, sobretudo no clássico Casa Grande e Senzala,
publicado em 1936. O sociólogo pernambucano definiu o colonizador português como um tipo específico de
europeu, um “branco mestiço”, por conta do contato com povos africanos da proximidade geográfica com o
Norte da África. O português, portanto, teria tido êxito no empreendimento colonial exatamente por sua
maior capacidade de “aclimatabilidade”, de adaptação à diferença.
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Outra circunstância ou condição favoreceu o português tanto quanto a miscibilidade e a
mobilidade, na conquista de terras e no domínio de povos tropicais: a aclimatabilidade. Estava
assim o português predisposto pela sua mesma mesologia ao contato vitorioso com os trópicos.
Ao contrário da aparente incapacidade dos nórdicos, é que os portugueses têm revelado tão
notável aptidão para se aclimatarem em regiões tropicais. É certo que por meio de muito maior
miscibilidade que os outros europeus: as sociedades coloniais de formação portuguesa têm sido
todas híbridas. É certo que os portugueses triunfaram onde outros europeus falharam: da
formação portuguesa é a primeira sociedade moderna constituída nos trópicos com
características nacionais e qualidades permanentes.
(FREYRE, 2003, p. 11-12)
Fica claro como, na pena de Gilberto Freyre, o colonizador português é pintado com cores bastante
diferentes daquelas que encontramos nas telas de Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. Não se trata
do patrimonialista parasitário, tampouco do colonizador capitalista mercantil.
Trata-se do branco não tão branco assim, vocacionado para o convívio com a alteridade e com a hostilidade
da natureza tropical. Se o português é tratado nesses termos por Freyre, seu legado para a formação
histórica brasileira não é lido como fator de atraso, mas, sim, como potencialidade para o progresso.
Vejamos nas palavras do próprio autor:
A partir do antagonismo inerente à cultura lusitana é possível compreender o especialíssimo
caráter que teve a colonização brasileira, igualmente equilibrada nos seus começos e ainda hoje
sobre antagonismos. Uma mobilidade espantosa. O domínio imperial realizado por um número
quase ridículo de europeus correndo de uma para outra das quatro partes do mundo então
conhecido como num formidável jogo de quatro cantos. A miscibilidade, mais do que a mobilidade,
foi o processo pelo qual os portugueses compensaram-se da deficiência em massa ou volume
humano para a colonização em larga escala e sobre áreas extensíssimas.
(FREYRE, 2003, p. 08-09)
Como podemos perceber, a cena intelectual e artística da Primeira República brasileira foi diversificada.
Temas como o atraso e desenvolvimento, vantagens e desvantagens das tradições estiveram na ordem do
dia. Tratava-se de mobilizar os estudos sociais para interpretar o Brasil e apresentar diagnósticos que
pudessem colaborar com o desenvolvimento nacional.
Comentário
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Esse tipo de engajamento intelectual chegou aos anos da chamada Era Vargas (1930-1945) na forma de um
pensamento social e político iliberal (considerado autoritário por alguns), tendo sido, inclusive, acionado
pelo regime em seus esforços de autolegitimação.
A questão do atraso em perspectiva dos
intelectuais brasileiros
Neste vídeo, o Prof. Rodrigo Perez aborda o atraso nacional como questão para intelectuais e políticos
durante a Primeira República e como eles tomaram a modernização do Brasil como questãogeracional.
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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
A proclamação da República se deu sob atmosfera intelectual caracterizada por uma grande discussão.
Assinale, entre as alternativas abaixo, aquela que melhor define essa discussão.
A
A proclamação da República se deu sob atmosfera intelectual marcada pela
preocupação em inventar a identidade nacional por meio da escrita da história e das
artes.
B
A proclamação da República se deu sob atmosfera intelectual marcada pelo
fortalecimento das ideias socialistas, o que levou à instauração de um governo
comunista já nos primeiros anos do novo regime.
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Parabéns! A alternativa C está correta.
A geração que chegou à maioridade intelectual com a República era herdeira dos debates reformistas
dos anos 1860/1870, que tinham o atraso e o desenvolvimento nacional como temas centrais.
Questão 2
A geração de intelectuais e políticos que chegou à maioridade intelectual com a República foi
caracterizada pela relação de agonia com a história e com as tradições brasileiras. Assinale, entre as
alternativas abaixo, aquela que melhor explica essa afirmação.
C
A proclamação da República se deu sob atmosfera intelectual marcada pela
preocupação em acelerar o desenvolvimento do Brasil, o que colocou o atraso nacional
na agenda dos intelectuais e artistas dessa geração.
D
A proclamação da República se deu sob atmosfera intelectual marcada pela
preocupação em devolver o País às suas origens agrárias, o que resultou na
desindustrialização das principais cidades brasileiras.
E
A proclamação da República se deu sob atmosfera intelectual conservadora, o que
fortaleceu a agenda da restauração monárquica nos primeiros anos do novo regime.
A
A relação agônica com a história e o passado nacionais se explica pelo fato de esses
intelectuais serem comunistas e o Brasil ter sido por séculos capitalista.
B
A relação agônica com a história e o passado nacionais se explica pelo fato de esses
intelectuais serem capitalistas e o Brasil ter sido por séculos comunista.
C
A relação agônica com a história e o passado nacionais se explica pelo fato de esses
intelectuais serem monarquistas e o Brasil ter sido por séculos republicano.
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Parabéns! A alternativa D está correta.
A geração que chegou à maioridade intelectual com a República via no passado ibérico a fonte dos
entulhos que impediam o desenvolvimento e o progresso nacionais e que precisavam ser removidos.
3 - Pensamento social e político
autoritário, ou iliberal, na Era Vargas
(1930-1945)
D A relação agônica com a história e o passado nacionais se explica pelo fato de esses
intelectuais terem se apropriado de signos de desenvolvimento importados dos EUA e
da Europa.
E
A relação agônica com a história e o passado nacionais se explica pelo fato de esses
intelectuais terem se apropriado de signos de desenvolvimento importados da África e
da Ásia.
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Ao �nal deste módulo, você será capaz de examinar a formação de uma
tradição intelectual iliberal que inspirou ideologicamente a Era Vargas.
A Era Vargas
Um breve contexto: a Revolução de 1930
Em 24 de outubro de 1930, uma frente política formada por militares do Exército, lideranças políticas
dissidentes e setores da classe média urbana articulou a derrubada do Presidente Washington Luís (1869-
1957), que estava nos últimos dias de seu mandato, iniciado em 1926.
Os rebeldes eram membros da “Aliança Liberal”, que havia sido formada para a disputa das eleições
presidenciais, realizadas em março de 1930. O movimento de ruptura, que seria conhecido como “Revolução
de 1930”, era o desfecho de uma década marcada por sucessivas crises políticas e intensa instabilidade
institucional.
A Reação Republicana (1922)
A Fundação do Partido Comunista (1922)
A Revolta do Forte de Copacabana (1922)
A Semana de Arte Moderna (1922)
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Diversos conflitos sugeriam que o pacto político que por anos sustentou a Primeira República, com base na
hegemonia das oligarquias mineira e paulista, estava se esgotando.
Como vimos antes, ao longo da Primeira República aconteceram mudanças
estruturais na sociedade e na economia brasileiras, sobretudo no que se refere à
industrialização e à urbanização, o que demandou mudanças no equilíbrio político
em virtude da ascensão de novos grupos que passam a reivindicar seu lugar na
estrutura do poder.
Foram, exatamente, esses grupos que formaram a Aliança Liberal, lançando a candidatura de Getúlio Vargas
(1882-1954), então governador do Rio Grande do Sul, para a corrida presidencial. Vargas disputou as
eleições com o paulista Júlio Prestes (1882-1946), candidato do Partido Republicano Paulista e
representante da máquina oligárquica até então dominante na política nacional.
Getúlio Vargas foi derrotado, e o resultado das eleições questionado pela Aliança Liberal, que tinha
remanescentes do tenentismo em seus quadros, oficiais do exército com algum controle sobre tropas
armadas. Washington Luiz foi deposto seis meses depois da divulgação do resultado das eleições. Júlio
Prestes nem chegou a assumir o cargo. Estava consumada, assim, a ruptura institucional que inauguraria
um novo momento na história brasileira: a Era Vargas, que se estenderia até 1945.
Júlio Prestes em 1930.
A Coluna Paulista (1924)
A Coluna Prestes (1924-1928)
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Segundo o historiador Boris Fausto, a Aliança Liberal era formada por um arco tão vasto e diversificado de
forças políticas, com diferenças notórias entre si, mas que não chegavam a discordar no que se refere às
estruturas sociais econômicas do País. Por isso, argumenta o autor, o “governo revolucionário” era, na
verdade, uma coalizão, um tipo de “Estado de compromisso”.
A possibilidade de concretização do Estado de compromisso é dada, porém,
pela inexistência de oposições radicais no interior das classes dominantes e,
em seu âmbito, não se incluem todas as forças sociais. O acordo se dá entre
as várias frações da burguesia; as classes médias – ou pelo menos parte delas
– assumem maior peso, favorecidas pelo crescimento do aparelho do Estado,
mantendo, entretanto, uma posição subordinada. À margem do compromisso
básico fica a classe operária, pois o estabelecimento de novas relações com a
classe não significava qualquer concessão política apreciável.
(FAUSTO; 1997, pp. 136-137)
A Era Vargas foi um período complexo, heterogêneo, mas que pode ser resumido em uma grande
característica: o fortalecimento do centralismo administrativo do Estado nacional diante dos interesses
particulares das oligarquias rurais, sobretudo a paulista. Tratou-se da consolidação de uma cultura política
que define o Estado como centro planejador do desenvolvimento nacional. Essa cultura-política, que
posteriormente foi chamada de “nacional-desenvolvimentismo”, teve vida longa na história brasileira.
Construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em 1941.
Os desenvolvimentistas nacionalistas defendiam, como os demais desenvolvimentistas, a constituição de
um capitalismo industrial moderno no País. Tinham como principal traço distintivo uma decidida inclinaçãopor ampliar a intervenção do Estado na economia, por meio de políticas de apoio à industrialização,
integradas, na medida do possível, em um sistema de planejamento abrangente e incluindo investimentos
estatais em setores básicos. Tratava-se de um conjunto de técnicos de órgãos do governo que pautavam
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seu exercício profissional pela ideologia da industrialização planejada como solução histórica para o atraso
da economia e da sociedade brasileiras.
Enfim, a preocupação dos desenvolvimentistas nacionalistas era garantir o processo de industrialização.
Dessa maneira, tanto podiam entusiasmar-se com inversões estatais em setores que consideravam
estratégicos quanto com inversões estrangeiras em setores cuja implantação poderia seguir, em sua
opinião, o curso privado, sem prejuízo do processo como um todo (BIELSHOWSKI, 2000).
Liberalismo e o pensamento social
brasileiro com foco no pensamento de
Alberto Torres
O pensamento político brasileiro nos anos
1930: a noção de organização nacional
O grande objetivo da situação política que ascendeu ao poder na Revolução de 1930, portanto, foi
consolidar aquilo que se considerava ser um capitalismo industrial nacionalista, que, sem mexer na
hegemonia do poder burguês, fosse capaz de promover o desenvolvimento nacional autônomo.
As estruturas desse modelo de ação política foram inspiradas por certa tradição de um pensamento político
que, ao longo da Primeira República, interpretou a realidade nacional na perspectiva da crítica ao liberalismo
que inspirou a constituição de 1891 e que, como já sabemos, encontrou em Rui Barbosa seu principal
representante.
Essa interpretação do Brasil, que pode ser encontrada nos textos de autores como
Eduardo Prado (1860-1901), Alberto Torres (1865-1917) e Oliveira Vianna (1883-
1951), via o liberalismo como elemento estranho às tradições brasileiras, como
mero estrangeirismo importado por intelectuais bacharelescos e descolados da
realidade nacional, como seria o caso do próprio Rui Barbosa.
O jurista baiano se tornou o grande alvo das críticas desses autores, que defendiam o fortalecimento das
instituições do Estado-Nação centralizado que representassem os “valores fundamentais” do Brasil. Já
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vimos como o intelectual paulista Eduardo Prado inaugurou as críticas a Rui Barbosa e a seu liberalismo
anglo-saxão logo nos primeiros anos da República ao defender a restauração da Monarquia.
O jurista fluminense Alberto Torres partiu dessas críticas para desenvolver sua reflexão sobre a organização
da sociedade brasileira. Em uma série de artigos publicados no jornal Gazeta de Notícias entre dezembro de
1910 e fevereiro de 1911, Torres defendeu que somente o “Estado Nacional, forte, centralizado e
rigidamente hierarquizado” seria capaz de atuar como “demiurgo” da organização da sociedade e do
desenvolvimento nacional. Mais tarde, esses textos formariam o livro A organização nacional, publicado em
1914, que seria reconhecido como a principal obra de Torres.
A autoridade política é, portanto, um poder que se cria a si mesmo, que se
impõe e se mantém por sua própria força de móveis opostos às tendências e
aos interesses sociais; que dita as normas. E comanda os destinos do povo,
obedecendo aos instintos de sua origem, ou a idéias arbitrariamente adotadas.
Sua ação é predominante e decisiva – soberana em todo o rigor da palavra.
(TORRES, 1938, p. 243-245)
Por si só, argumenta Torres, a sociedade é amorfa, sem energia vital, fragmentada pelos interesses e
apetites individuais. À autoridade orgânica, criada a partir das tradições e dos valores fundamentais, caberia
a função de forjar a solidariedade social e a identidade que cimenta o povo, fazendo-o marchar na direção
do progresso coletivo.
Comentário
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Nada mais distante do liberalismo barbosiano, fundado nas ideias de governo local e liberdade individual, do
que o nacional-estatismo de Alberto Torres, que aprofunda as críticas de Eduardo Prado ao modelo
institucional vigente na Primeira República. Diferente do que fez Eduardo Prado, Torres não negou a
República para pregar a restauração da Monarquia.
Na época em que Torres escreveu seus principais textos, a República já era fato consumado. O autor se
dedicou, então, à defesa daquilo que acreditava ser uma “República forte”, orgânica ao “espírito nacional” e
capaz de fomentar o desenvolvimento do País. Estado forte, centralizado, comandado por uma burocracia
profissional, racionalizada e treinada. Para Alberto Torres, essa seria a República que “organizaria” o Brasil.
Liberalismo e o pensamento social
brasileiro com foco no pensamento de
Oliveira Vianna
O pensamento político brasileiro nos anos
1930: o debate sobre o povo brasileiro
As ideias de Alberto Torres encontraram eco nos escritos do jurista fluminense Oliveira Vianna, um dos
autores mais influentes no período da Era Vargas, tendo ocupado cargos na burocracia do Estado, atuando
como um dos principais formuladores da legislação trabalhista que em 1943 resultaria na CLT
(Consolidação das Leis Trabalhistas). Entre os mais importantes trabalhos de Oliveira Vianna estão o
Populações Meridionais do Brasil, publicado em 1920, e o Evolução do Povo Brasileiro, de 1923.
Nesses textos, Vianna faz um duplo exercício: primeiro, atua como historiador interessado na formação
histórica do Brasil, sobretudo no período da crise da Monarquia e da proclamação da República. Depois,
apresenta a tese que afirma a inadequação do liberalismo ao Brasil, pois sendo estranho aos costumes
nacionais não poderia inspirar instituições capazes de governar o país e prover solidariedade social e
desenvolvimento econômico.
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É possível que essas condições objetivas de nossa atual estruturação
profissional e econômica não preocupem o espírito dos partidários da escola
voluntarista, para os quais a vontade do Estado pode tudo, inclusive plasmar
uma sociedade em novos moldes [...] Eu não posso pensar assim: venho
sustentando, em quase uma dezena de livros, uma tese diferente – a de que a
“sociedade existe”, encerra forças incoercíveis e incompreensíveis, com que o
Estado, apesar da sua onipotência atual, tem que contar, se não quiser
fracassar nas suas tentativas de reforma ou de transformação da sociedade.
(VIANNA, 1987, p. 243)
Diferente de Alberto Torres, Oliveira Vianna não afirma a amorfia da sociedade, reconhecendo que há
existência social independente da ação do Estado. Porém, por si só, essa existência social não se desdobra
em vínculos sociais orgânicos, e que para isso, o Estado precisa agir, fomentando, organizando,
potencializando virtudes e corrigindo vícios.
A concepção de “Estado provedor” era fundamental tanto na reflexão intelectual de
Oliveira Vianna como na sua atuação no Ministério do Trabalho. Para o autor, a
cidadania se efetivava pela inserção no mundo do trabalho industrial e urbano.
Caberia ao Estado, então, organizar a atividade produtiva, garantindo aos cidadãos
acesso ao trabalho e a direitos trabalhistas básicos. O próprio Oliveira Vianna usava
o termo “Estado corporativo” para sintetizar sua tese.
Segundo Ângela de Castro Gomes, Oliveira Vianna foi um dos arquitetos do “trabalhismo”, pois sua tese
inspirou diretamente a legislação trabalhista que por décadas regulou as relações produtivas no Brasil.
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Nesse sentido, seu objetivo principal era a construção de uma “ideologia da outorga”, como se
convencionou chamar na historiografia sobre questão social. Isto é, a legislação social brasileira, como
instrumento mediador das relações entre governantes e governados, teria sido outorgada pela
personalidade clarividente do chefe de Estado ao seu povo. A relação fundadora do Estado era uma relação
de doação, uma relação de dar e receber dádiva/presente/benefícios (GOMES, 1994, p. 211).
Comentário
Na perspectiva de Vianna, haveria entre Estado e sociedade relação de outorga recíproca. A sociedade,
sentindo-se representada afetivamente pelo líder, lhe outorgaria autoridade de comando. O Estado, por sua
vez, personificado no líder, outorgaria direitos à sociedade, não poupando esforços na promoção do
conforto material para a população trabalhadora, considerada honesta e digna de ter acesso a direitos
sociais.
O direito social, então, seria um tipo de reconhecimento pelo bom comportamento moral e social, assim
como a cidadania plena não era considerada direito natural, disponível a qualquer um. Era necessário
atender aos critérios disciplinares, evitar envolvimento com atividades consideradas criminosas, como
“vadiagem”, termo utilizado para definir o envolvimento com algumas práticas sociais, culturais e artísticas
que a disciplina trabalhista considerava serem perniciosas.
Autoritarismo e o pensamento político
brasileiro
Da teoria à prática no governo Vargas
A esfera das manifestações artísticas nos permite perceber com clareza como o projeto político nacional-
desenvolvimentismo liderado por Getúlio Vargas operou no plano simbólico. A arte e a cultura eram tão
estratégicas para o governo que, em 1939, já durante a ditadura do Estado Novo, foi criado o Departamento
de Imprensa e Propaganda, a DIP, cuja função era, exatamente, controlar o trabalho de artistas e intelectuais.
O governo investiu energia para criar o “samba de exaltação”, que utilizava um gênero musical já bastante
popular para louvar as belezas nacionais. Ary Barroso (1903-1964) foi o principal representante dessa
modalidade estética, com sua “Aquarela do Brasil”, lançada em 1939.
Por outro lado, manifestações populares, como o próprio samba, eram
acompanhadas com atenção pela polícia, sendo acusadas de comprometer a tão
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defendida “disciplina trabalhista”. Não eram raros os casos de perseguição a
artistas populares, de rua, acusados de vadiagem e arruaça. Rodas de samba e
rituais religiosos costumavam ser interrompidos na base da violência policial.
Como já sabemos, a dignidade, a honestidade e a cidadania eram condicionadas à atuação em um ramo
profissional controlado pelo Estado por meio do sindicalismo oficial. A carteira de trabalho era o grande
símbolo dessa cidadania desejada pelo poder.
Pensamento social e político na Era Vargas
Neste vídeo, o Prof. Rodrigo Perez vai falar sobre o pensamento social e político autoritário, ou liberal, na Era
Vargas (1930-1945) e a tradição intelectual liberal que inspirou ideologicamente esse governo.

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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Apesar da complexidade da Era Vargas, é possível afirmar que o período foi caracterizado por uma
grande tendência. Assinale, entre as alternativas abaixo, aquela que melhor define essa tendência.
A
A principal tendência da Era Vargas foi alterar radicalmente a estrutura social e
econômica brasileira, implantando o comunismo, fazendo a reforma agrária e
extinguindo a propriedade privada.
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Parabéns! A alternativa C está correta.
A Revolução de 1930 marcou o fortalecimento de uma cultura política que define o Estado nacional
como centro planejador do desenvolvimento nacional.
Questão 2
Ao longo da Primeira República, tomou forma no Brasil uma tradição de pensamento político que
criticou o liberalismo que havia inspirado a Constituição de 1891. Assinale, entre as alternativas abaixo,
aquela que melhor define essa crítica.
B
A principal tendência da Era Vargas foi reafirmar o privatismo oligárquico característico
da Primeira República, o que demonstra como a Revolução de 1930 não significou
mudanças substanciais no Brasil.
C
A principal tendência da Era Vargas foi afirmar o centralismo político-administrativo do
Estado diante do particularismo das oligarquias locais.
D
A principal tendência da Era Vargas foi afirmar o particularismo das oligarquias locais
diante do centralismo político-administrativo do Estado.
E
A principal tendência da Era Vargas foi afirmar a “vocação agrária” da economia
brasileira, o que implicou na total ausência de projetos de industrialização no período.
A
A principal crítica de autores como Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda foi à
dimensão rural e agrária da Primeira República. Esses autores defendiam a
industrialização.
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Parabéns! A alternativa D está correta.
Oliveira Vianna e Alberto Torres eram os principais representantes da crítica ao liberalismo da Primeira
República, defendendo o fortalecimento da autoridade central diante dos governos locais.
Considerações �nais
Neste conteúdo, aprendemos que as atividades culturais e intelectuais não se dão no vazio social, sem
interferência do meio social e político. O artista e o intelectual vivem no mundo que é o seu e tudo que
produzem aponta para seu pertencimento à sua realidade concreta.
B
A principal crítica de autores como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda foi à
ideia de que os governos locais deveriam ser mais fortes que a autoridade central, o que
comprometeria a organização do País.
C
A principal crítica de autores como Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda foi à
ausência de uma proposta de reforma agrária que, de fato, democratizasse o acesso à
terra e incluísse descendentes de escravos na sociedade de classes.
D
A principal crítica de autores como Alberto Torres e Oliveira Vianna foi à ideia de que os
governos locais deveriam ser mais fortes que a autoridade central, o que
comprometeria a organização do País.
E
A principal crítica de autores como Alberto Torres e Oliveira Vianna foi à ausência de
uma proposta de reforma agrária que, de fato, democratizasse o acesso à terra e
incluísse descendentes de escravos na sociedade de classes.
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Assim, a arte e o pensamento podem nos ajudar a compreender o clima de uma época, seus valores
fundamentais, suas crenças. Foi exatamente este o nosso esforço aqui: estudar o período compreendido
entre a proclamação da República e o fim da Era Vargas, tomando as manifestações artísticas, culturais e
intelectuais como fontes.
Nesses anos, foram criadas as bases do Brasil moderno, urbano e industrial, com todas as contradições e
violências que envolveram a construção do capitalismo periférico brasileiro. Intelectuais analisaram o
processo, tentando intervir nele, disputando os rumos das transformações sociais. Artistas alegorizaram o
que estava acontecendo, também com interesse de intervenção. Os resultados dessas atuações estão
materializados no repertório intelectual/artístico nacional, cujo conhecimento é fundamental para o
amadurecimento de nossa consciência crítica.
Podcast
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