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O Psicanalista e o 
Mito: Transferência e 
Contratransferência 
CICLO V– QUARTA-FEIRA - MANHÃ 
Aluna: Sueli Zalkind 
21/05/2014 
 
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¨O Psicanalista e o Mito¨ 
I. Introdução 
Este trabalho procura relacionar alguns conceitos de psicanálise discutidas no 
Ciclo V a questões desencadeadas pelo livro ¨Marylin Últimas Sessões¨, 
principalmente no que tange à técnica psicanalítica, transferência e contra- 
transferência. 
O livro é baseado na história real do controverso tratamento que Marilyn 
Monroe realizou com o psicanalista Dr. Ralph Greenson por 30 meses e que foi 
interrompido por sua morte. 
Na busca por apaziguar seus medos e fragilidades e lutando contra uma 
avassaladora depressão, Marilyn passa pelo divã de vários psicanalistas, inclusive 
da Anna Freud. Dois anos antes de sua morte, conhece o Dr. Raulph Greenson 
que decide empenhar todos os seus esforços para ajudar a atriz a ter uma vida 
normal. Entretanto, o psicanalista acaba sendo arrastado para as obsessões de 
Marilyn e acaba se afogando com ela. 
II. Breve história do mito 
Marilyn Monroe nasceu em junho de 1926, como Norma Jeane Mortenson. 
Abandonada pela mãe que trabalhava nos estúdios da Fox e de pai ignorado, 
Norma é dada para adoção tão logo nasce. Educada com severidade até os 7 
anos, a menina é devolvida à mãe biológica depois que entra em prostração 
devido à perda de um cãozinho, sacrificado por um vizinho. Alguns meses mais 
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tarde, sua mãe começa a sofrer uma série de problemas mentais até ser colocada 
em um manicômio. Então Norma fica sob a guarda do Estado até que a melhor 
amiga de sua mãe torna-se sua guardiã. Quando faz 9 anos, a amiga de sua mãe 
casa-se e seu marido passa a assediar Norma sexualmente. Então, ela se muda 
de novo e vai viver com sua tia-avó, onde novamente é molestada sexualmente. 
Mais uma vez, ela se muda de casa e, no início de 1938, vai viver com outra tia, 
em Los Angeles. Norma remonta a este período, de 1938 a 1942, como uma das 
poucas vezes em sua vida que ela se sentiu verdadeiramente feliz na sua infância. 
Em 1942, ela volta para casa da amiga de sua mãe, onde conhece o filho de 
um vizinho e se casa. Quando seu marido vai para a guerra, Norma Jeane 
começa a trabalhar em uma fábrica de armamentos e é descoberta por um 
fotógrafo. Assim, começa a sua carreira. Assim, Norma Jeane se traveste de 
Marilyn Monroe. Marilyn passa por diversos casamentos e abortos e mergulha 
cada vez mais em uma depressão sem fim, que culmina com o pânico em atuar. 
Marilyn Monroe decidiu iniciar a sua análise pessoal em 1955, fazendo 
análises sucessivas com três psicanalistas (Margaret Hohenberg, Mariane Kriss e 
Ralph Greenson). Ainda, durante um curto período de tempo, enquanto filmava em 
Londres, foi analisada por Anna Freud. 
III. Breve história do Psicanalista 
Rauph Greenson nasceu em 1911 no Brooklyn, filho de imigrantes russos 
judeus. Em 1931, foi estudar medicina em Berna na Suíça e, em 1933, foi para 
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Viena se analisar com Wilhem Stekel, discípulo de Freud, se aproximando do 
próprio Freud e tornando-se seu aluno. Na intimidade, chamava Freud de ¨o 
homem que ouvia as mulheres¨. 
Voltando aos EUA, se casou e se especializou em psiquiatria na Columbia 
University, em Nova Iorque. Logo após a II Guerra Mundial, Greenson começou a 
tratar soldados que sofriam de estresse pós-traumático, instalando-se em uma 
clínica em de Los Angeles. Aos 26 anos, começa a fazer nova análise pessoal 
com Otto Fenichel, que emigrara de Berlim para os EUA. 
Trabalhando com pacientes borderlines, ele enfatizou que o psicanalista deve 
manter uma posição neutra, e somente um mínimo desvio desta posição poderia 
ser admissível e/ou necessário. 
Na década de 60, concomitantemente ao tratamento de Marilyn Monroe, 
Greenson é nomeado professor titular de psiquiatria da Escola de Medicina de 
UCLA. Nesta época, preside o instituto de Formação de Psicanalistas filiado ao 
IPA. Em 1967, Greenson escreve um importante manual sobre técnica 
psicanalítica: ¨Técnica e Prática da Psicanálise¨ que foi usado na maioria das 
escolas de psicanálise da época – obra que começou a redigir quando tinha 50 
anos - quando Marilyn Monroe era sua paciente. Neste manual, Greenson 
compara a sessão de psicanálise a uma cena de teatro, configurando o que para 
ele representava a transferência - ¨Estranhamente, o analista se torna o ator 
silencioso de uma peça criada pelo paciente. O analista não representa 
verdadeiramente; ele se esforça para permanecer aquela figura fantasmática 
necessária aos fantasmas do paciente. E, no entanto, ele participa da criação 
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deste personagem, definindo seus contornos por meio da introspecção, da 
empatia e da intuição. Torna-se, de algum modo, o diretor da situação – uma 
engrenagem importante da peça, sem dela ser autor (p. 37). 
Greenson tinha gosto pelas aparições públicas e inclinação pela própria 
imagem. A maioria dos seus analisantes era do show biz. 
IV. Marilyn Monroe ou Norma Jeane? 
Marilyn está cansada de seu próprio mito. Em uma de suas últimas sessões de 
fotografia, Marilyn aparece como Norma Jeane. Ela exibe para o fotógrafo uma 
cicatriz no abdômen, resultado de uma colecistectomia. Esta cicatriz à mostra 
serve de representação simbólica das muitas outras cicatrizes de natureza 
emocional que foram marcando a sua vida: ser o fruto de uma gravidez 
adolescente não desejada, ter um pai desconhecido e uma mãe não 
suficientemente boa, que passou grande parte da sua vida internada em 
instituições psiquiátricas, deixando a educação e o cuidado da filha nas mãos de 
diferentes famílias de acolhimento, incluindo passagem pelo orfanato e, 
finalmente, a marca dos abusos sexuais de que foi vítima na adolescência, falhas 
básicas que contribuíram para fazer dela um sujeito frágil e com uma ferida 
narcísica importante. 
Marilyn Monroe nasce para tirar Norma Jeane do obscurantismo e fazer dela 
um sujeito. Norma inventou a máscara de Marilyn Monroe para conseguir ser 
amada - uma fantasia que a transformou em um ilusório objeto de desejo e fez 
com que vivesse à margem de si mesma. 
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V. As Sessões com Greenson e algumas interpretações 
Marilyn procurou o Dr. Greenson quando estava para filmar ¨Adorável 
Pecadora¨, pois se sentia paralisada no set durante as filmagens. Com a 
psicanálise, Marilyn estava disposta a escapar do ícone que ela havia se tornado. 
Na primeira sessão com Greenson, Marilyn estava deprimida e no limiar de 
suas forças, permaneceu muito tempo calada e disse, por fim: "Sempre me senti 
uma não-pessoa e a única maneira de ser alguém foi, provavelmente, ser alguém 
diferente. Foi por isso que eu quis representar e ser atriz. Tento me tornar uma 
atriz, tento ser verdadeira, mas frequentemente as janelas se abrem para o vazio. 
Tenho medo de ficar louca. Tento pôr para fora o que há de verdadeiro em mim, 
mas é muito difícil. O meu professor de atuação – diz que tenho que ser eu 
mesma. Eu lhe respondo: Eu mesma? Norma Jeane ou Marilyn Monroe?" 
 Durante as sessões Marilyn sempre dizia: "sou um fracasso como mulher. 
Os meus homens esperam tanto de mim devido à minha imagem de sex symbol e 
eu não sou capaz de corresponder a isso. Eles se deitam com Marilyn, mas 
acordam com Norma¨. 
Em sua análise com Greenson, Marilyn atestou como era importante ser 
olhada e admirada pelo Outro: ¨Sonhar com as pessoas a olharem para mim faz-
me sentir menos sozinha". 
Então, para Marilyn ser vista tornou-se igual a ser acolhida e a ter existência. 
Segundo Lacan, "não é fácil definir o que é um olhar. Esta chega a ser uma 
questão que pode muito bem sustentar e devastar uma existência"(1968-
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1969/2008, p.245). O sujeito Marilyn só existe como metáfora do atrativo sexual a 
partir do desejo do Outro. 
Assim, era mestra na arte de ser vista e dependia disso para existir. Ao mesmo 
tempo, precisava ser o objeto da fantasia masculina. 
VI. A condução do caso Marilyn 
O livro descreve as dificuldades de Greenson em preservar os limites 
recomendáveis de uma terapia analítica freudiana, durante a análise de Marilyn. 
Neste período, o analista torna sua própria família em uma família de acolhimento 
para ela, com o equivocado objetivo de transformar-se no substituto para as 
carências precoces que ela tinha tido em relação com as suas figuras parentais. 
Depois, Greenson começou a marcar as sessões com Marilyn em sua casa, 
permitindo a ela penetrar na intimidade da sua família. 
No último ano da vida de Marilyn, o psicanalista estimulou Marilyn a lhe 
telefonar a qualquer hora do dia ou da noite e passava parte da madrugada 
falando com ela ao telefone. Por fim, recomendou à atriz a compra de uma casa 
mais próxima da casa dele para que pudessem ficar mais perto. 
A estratégia de Greenson provocou a dependência da atriz em relação a ele 
contrariando seu próprio discurso de que a análise deve levar o paciente à 
independência. 
Ao tentar oferecer à Marilyn um ambiente reparador, Greenson sustentou a sua 
dependência do Outro. 
 
VII. Transferência 
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Segundo Freud, quando o paciente passa a se interessar por tudo o que se 
relaciona com a figura do médico, atribuindo a isso maior importância do que a 
suas próprias questões e parece se desviar de sua própria doença, estamos 
diante de uma relação transferencial. Na relação transferencial positiva observa-se 
a emergência de um vínculo muito agradável na situação analítica: o paciente tem 
empatia com o analista, supervaloriza suas qualidades, é amável e reage de modo 
favorável às interpretações. 
É este tipo de relação que sustenta o trabalho de análise. O que garante 
efetivamente a situação analítica é a posição simbólica de ¨ser de um suposto 
saber¨ assumida pelo analista no percurso de uma análise. 
Entretanto, em geral, esta relação amistosa não dura indefinitivamente, pois no 
decorrer do tratamento, surgem as resistências. A causa básica das resistências é 
o paciente transferir para o analista suas pulsões e seus afetos. Então, segundo 
Freud, a transferência pode emergir como uma exigência de amor, atenção, 
reconhecimento ou outros afetos. 
Durante suas sessões de psicanálise, Marilyn enamorou-se de seu analista. 
Por vezes, tinha desejo em receber dele um intenso amor erótico e, outras vezes, 
de ser sua filha predileta, replicando um conflito edípico. Sua exigência de afeto, 
sua pulsão erótica e a necessidade de ser vista por um Outro se aproximavam do 
conflito original infantil por ela vivido, vinculado ao objeto primário e impossível de 
ser satisfatoriamente resolvido, já que ela havia passado pela castração. 
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Greenson deveria reconhecer ¨que o enamoramento da paciente em relação a 
ele tinha sido induzido pela situação analítica e não deveria ser atribuído aos 
encantos de sua própria pessoa¨ (Freud, 1914). ¨Não pode haver dúvida que a 
irrupção de uma apaixonada exigência de amor, é em grande parte, trabalho de 
resistência.¨ (idem). Neste caso, para que o trabalho de análise fluísse, o analista 
deveria ¨negar à paciente qualquer retribuição deste amor, tratando-o como algo 
irreal, como uma situação que se deve atravessar no tratamento e remontar às 
suas origens inconscientes e que pode ajudar a trazer tudo o que se acha muito 
profundamente oculto na vida erótica da paciente para sua consciência e, 
portanto, para o seu controle¨(idem). 
Também segundo Freud (1912), o indivíduo, de forma não intencional, tende a 
repetir as escolhas dos objetos amorosos ao longo da vida. Neste sentido, Marilyn, 
que se casou 3 vezes e teve inúmeros casos amorosos, tentou com isso replicar 
as várias mudanças de casa a que foi submetida na sua infância. E mais uma vez, 
repete esse afeto com seu analista, com o objetivo da satisfação voraz de suas 
pulsões. Por isso, Greenson não deveria ceder às exigências do paciente. Ele 
deveria superar as demandas da transferência através da interpretação, 
mostrando ao paciente que a origem de seus sentimentos não está na situação 
atual, nem se aplica à pessoa do analista, tratando-se, antes, de uma repetição de 
algo pertencente ao seu passado. Desse modo, esta repetição pode ser 
finalmente transformada em lembrança (Freud, 1914). 
Também, segundo Freud: ¨uma pessoa que se tornou normal e livre da ação 
de impulsos instintuais reprimidos em sua relação com o médico, assim 
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permanecerá em sua própria vida, após o médico haver-se retirado dela". (Freud, 
1916-1917a, pp. 517-518). Portanto, ao rejeitar a amor de Marilyn, Greenson daria 
a ela uma oportunidade de se haver com os seus monstros e colocá-los debaixo 
de seus controle. Do contrário, o paciente poderia facilmente recair na "repetição 
do resultado anterior" e tudo aquilo que pôde ser pacientemente trazido à 
consciência pelo trabalho analítico cairia por terra e novamente deslizaria para o 
inconsciente, sob a força da repressão. Foi o que aconteceu na análise de Marilyn 
por Greenson, que culminou na morte da primeira por ingestão de barbitúricos. 
VIII. Contratransferência 
Freud descreve a contratransferência como resultado das influências exercidas 
pelo paciente sobre os sentimentos inconscientes do analista. Pode ser também 
definida como o conjunto de obstáculos imaginários que se opõe ao fato do 
analista ocupar o lugar de objeto do desejo pelo analisante, ou seja, é a 
resistência do analista. A contratransferência não se refere apenas ao desejo do 
analista, mas significa a utilização da subjetividade do próprio analista para a 
compreensão mais ampla e profunda do seu paciente. 
Freud, em 1910 nas reuniões da Sociedade das Quartas-feiras, preconiza que 
é ¨preciso reconhecer sua própria contratransferência e superá-la. Enquanto o 
paciente se apega ao médico, o médico está submetido a um processo similar¨. 
O Dr. Rauph, ao analisar Marilyn, ficou tão fascinado e envolvido pela sua 
figura mítica, que não pôde fazer emergir na análise o sujeito Norma Jeane. 
Segundo suas palavras, Marilyn havia se tornado sua criança, sua dor e sua 
loucura. Adorava admirá-la e tratá-la com uma filha. Assim, Greenson perpetuava 
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na análise o séquito de admiradores de Marilyn. Também gostava de ser admirado 
pelo mito - tinha inclinação pela própria imagem. 
IX. Considerações finais 
A análise de Marilyn pelo Dr. Greenson foi um fiasco. Reproduziu a pulsão de 
Marilyn de querer existir pelo olhar do Outro e a ilusão que ela tinha de existir para 
alguém. O fato de Greenson não ocupar a posição de analista de um suposto 
saber e ter atitudes iguais aos fãs e homens da diva, colocou a atriz em uma 
profunda depressão que culminou na sua morte. A relação entre médico e 
paciente era muito estreita – o analista cometeu o erro de querer ser seu protetor 
e acabou se afundando com o mito. 
A transferência pode se tornar, dada a intrínseca relação do ato com o real, 
uma forma de defesa do analista diante da contingência (Lacan, Sem. XV, 
22/11/1967, p.30), de modo a impedir o paciente de agir, mas conduzindo-o ao 
acting out. A história de Marylin está carregada de exemplos que mostram a 
transferência como uma simples repetição de relações objetais infantis. A 
condução da análise privilegiou o mito e foracluiu o sujeito. 
O resultado foi desastroso, pois a busca de uma espécie de totalização mítica 
que faria dela um sujeito sem furos a manteveassujeitada à devastação. Durante 
a análise, a diva buscou e exigiu do analista um olhar que confirmasse e a 
autorizasse a sua existência, enquanto uma celebridade. Diante desse olhar de 
admiração e veneração do analista ela se reconheceu e colou-se em uma 
transferência maciça de suas necessidades e sentimentos. Então, o sintoma 
persistiu até a morte da diva. 
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X. Bibliografia 
FREUD, S. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. (1912). In: 
Obras completas de Sigmund Freud. Vol. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
 
FREUD, S. A dinâmica da transferência. (1912). In: Obras completas de Sigmund 
Freud. Vol. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
 
FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar. (1914). In: Obras psicológicas completas. 
Vol. XVII e Vol. XII. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
 
FREUD, S. Observações sobre o amor transferencial. (1915). In: Obras 
psicológicas completas. Vol. XII. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: 
Imago, 1996. 
 
FREUD, S. Conferências introdutórias sobre psicanálise. Conferência XXVII. 
Transferência (1916-1917a). In: Obras psicológicas completas. Vol. XVI. Edição 
Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, 503-521. 
 
GREENSON, R. R. The working aliance and tranferece neuroses. (1965). In: 
Psycho-Analytic Quarterly, 34, 155-181.. 
 
LACAN, J. O Seminário, livro XV. O ato psicanalítico. (1967). Escola de Estudos 
Psicanalíticos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 
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LACAN, J. O seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. (1968-1969). Rio de 
Janeiro: Jorge Zahar, 2008. 
 
NASIO, J. D. Como trabalha um psicanalista? Cap. V. A contratransferência – 
Cap. VI. A contratransferência eo lugar do analista. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 
1999. 
 
SCHNEIDER, M. Marilyn últimas sessões. Rio de Janeiro. Objetiva, 2008.

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