Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
(RE) ORGANIZAÇÃO SÓCIO-TERRITORIAL NO CERRADO PIAUIENSE. Anézia Maria Fonseca Barbosa¹, Maria do Socorro Lira Monteiro² (¹Faculdade Piauiense, Av. Jóquei Club Nº 710, Jóquei Club, 64.049-240 Teresina, PI, e-mail: aneziamaria.barbosa@gmail.com ² Universidade Federal do Piauí, Campus Universitário Ministro Petrônio Portella, Departamento de Economia, Bairro Ininga, 64.049-550, Teresina – PI. socorrolira@uol.com.br) Termos para indexação: (Re)produção sócio/territorial; Agronegócio no cerrado; Piauí. Introdução A atividade agrícola no Brasil historicamente é um dos carros chefes da economia do país, haja vista destinar-se à produção de bens para abastecimento do mercado interno e para a exportação (Prado Júnior, 2006). Dessa forma, com vista continuar atendendo as necessidades locais e do mercado externo, fez-se premente a inserção de novos espaços geográficos para produção. Nessa perspectiva o Nordeste, sobretudo as áreas de bioma cerrado da Bahia, Maranhão e Piauí consideradas como as últimas fronteiras agrícolas do país, atraíram empreendedores do Centro-sul com o objetivo de produzir grãos, em especial soja, torná-las competitiva com outras regiões brasileiras e promover o crescimento econômico. A ocupação do cerrado piauiense, em particular, Uruçuí nos anos de 1990, provocou profundas modificações nos espaços rural e urbano nos âmbitos espacial, ambiental, social, econômico e cultural. Embasado nesta constatação empírica, objetivou-se nesse artigo analisar como a implantação dos projetos produtores de grãos tem produzido uma reorganização sócio-territorial e ambiental em Uruçuí. Material e Métodos Em termos de procedimentos metodológicos, fez-se o levantamento dos dados secundários em material bibliográfico e documental em livros, periódicos, internet e instituições com o objetivo de analisar a temática relativa a organização espacial, territorial e as conseqüências socioeconômicos e ambientais, como também realizou-se pesquisa junto a órgãos como o IBGE, IBAMA, CONDEVASF, Ministério das Cidades, Ministério do Meio Ambiente (MMA), Secretária do Meio Ambiente e Recursos Naturais (SEMAR-PI), Prefeitura de Uruçuí e Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Agricultura, com a finalidade de subsidiar a pesquisa de campo. A obtenção dos dados primários deu-se por meio de aplicação de questionários, em março de 2008, junto a 216 moradores da cidade, 10 comerciantes do ramo de produtos agrícolas, 21 chefes de família da comunidade do Assentamento Santa Tereza, 02 produtores de grãos, 02 representantes do poder municipal, das Secretárias de Meio Ambiente e da Agricultura e 02 religiosos. Resultados e Discussão Uruçuí a partir dos anos de 1990 foi palco de grande quantidade de projetos agrícolas, redundando em mudanças significativas nas estruturas econômica, social e ambiental. Do total de 216 moradores que conformou o universo pesquisado 30,09% encontravam-se na faixa etária entre 18 e 25 anos, significando que o desenvolvimento desse montante da população coincidiu com o processo de uso e ocupação de Uruçuí alicerçado na produção de soja; 27,07% tinham entre 26 e 33 anos, os quais identificaram profundas mudanças no município sobretudo nos âmbitos econômico e ambiental. As faixas etárias de 34 a 65 anos e superior a 66 anos que correspondem a 36,57% e 9,26%, respectivamente, asseveraram que Uruçuí presenciou uma transformação radical, sobretudo no setor de serviços, os quais conduziram à melhoria das condições de vida da população, relativo a aquisição da casa própria, aumento do poder de compra de produtos alimentícios, como também na saúde e lazer. Contudo, verificou-se que tais melhorias não contemplam o conjunto de população do município. Através da pesquisa de campo identificou-se que 89,35% da população local eram oriundas do estado do Piauí. E, deste total 77,31% eram naturais de Uruçuí e 3,24% eram originários de Ribeiro Gonçalves que dista em torno de 100Km, cuja atividade econômica, embasa-se na produção de grão. Ressalta-se, outrossim, que 2,78% eram provenientes de Barras que localiza-se na região norte do Estado, porém se caracteriza por um intenso processo migratório de jovens e adultos e trabalhadores desempregados durante o período de colheita dos produtos, para realizar tarefas temporárias em empreendimentos agrícolas em todo o país e, em particular, em Uruçuí. A naturalidade dos 10,65% restante do público alvo da pesquisa, distinguiu-se em 9,26% do Maranhão, uma vez que este estado margea Uruçuí pelo lado direito do rio Parnaíba. E, os 1,39%, eram originários do Ceará, Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul, compondo os produtores de soja com suas respectivas famílias, os quais expressaram o processo de industrialização do capital ao incorporar progressivamente espaços rurais por meio da intensificação da mecanização com vista elevar a produtividade agrícola para atender as demandas do comércio internacional. Este contexto, marca a internalização do processo de territorialização e desterritorialização no município em função de provocarem novas formas de reorientar o espaço, para atender a acumulação de capital, personificadas pelo grande produtor rural. Sendo assim, as relações de trabalhos próprias da zona urbana foram introduzidas nos espaços rurais, revelando dessa forma a interdependência entre ambos. Destarte, Kageyama (2002) deixa claro que o espaço rural, não se define mais exclusivamente pela atividade agrícola, haja vista que o desenvolvimento das pluriatividades rural e a crescente procura por diferentes tipos de lazer e de moradia pela população urbana tem transformado o espaço rural em lugar de vida e não apenas em local de produção, como presenciado historicamente. Quanto ao tempo de moradia da população no município 25,93% residiam de 31 a 38 anos, 24,54% estavam entre 23 a 30 anos e 20,37% moravam a mais de 38 anos, perfazendo assim um total de 70,84% de residentes. Este cenário por outro lado explicou a longíngua temporalidade dos moradores de Uruçuí, além de evidenciar que o município é um pólo empreendedor e gerador de empregos temporários e permanentes com a finalidade de dinamizar a produção agrícola. Ademais, salienta-se que os residentes de 23 a 30 anos não reconheceram mudanças social, econômica, ambiental e espacial, no entanto, somente se manifestaram contraditoriamente, quando tais mudanças relacionavam-se com suas rotinas profissionais individuais, como a proibição de criação extensiva da pecuária em áreas urbanas. A pesquisa demonstrou ainda que 6,94% estavam morando em Uruçuí menos de 7 anos e 11,11%, residindo de 7 a 14 anos e de 15 a 22 anos. Tais intervalos de tempo revelaram que a implantação dos projetos produtores de grãos foram determinantes para o incremento populacional, haja vista atraírem trabalhadores de outros municípios do Piauí e dos demais Estados do Brasil para realizarem atividades na agricultura, no comércio e nos diferentes tipos de serviços ofertados em Uruçuí. Os 70,84% dos residentes no município que corresponde à soma da população de 18 a 32 anos, explicitaram que os empreendimentos produtores de soja, além de gerarem emprego para a população local, salientaram a necessidade da instalação da Bunge Alimentos que consiste em uma empresa de agribusiness e alimentos. Que atua de forma integrada em toda cadeia produtiva da soja, ou seja, desde o financiamento da produção, a transformação da soja em produtos industrializados e a comercialização. A implantação desta multinacional contribuiu de sobremaneira para o incremento da oferta de emprego para moradores locais nas funções que exigem menos qualificação,resultando na redução da migração e incremento da receita municipal, como também possibilitou a integração de atividades próprias do espaço urbano com tarefas específicas do espaço rural. Nesse sentido, esta nova forma de organização da produção, objetivou atender as necessidades dos empreendedores agrícolas no município, porém provocou também a constituição de uma nova configuração territorial, caracterizada pelo surgimento de serviços, e estabelecimentos comerciais diversos, em especial os relacionados ao agronegócio de soja e o de vestuário. Esse panorama expôs as novas formas de apropriação do espaço, que trazem em seu bojo comportamentos externos à comunidade da região, promovendo para um lado a integração e, por outro a exclusão de grupos sociais locais. Sendo assim, Haesbaert (2002, p.121) explicita que, Enquanto a dominação do espaço por um grupo ou classe traz como conseqüência um fortalecimento das desigualdades sociais, a apropriação e construção de identidades territoriais resultam num fortalecimento das diferenças entre os grupos, o que, por sua vez, pode desencadear tanto uma segregação maior quanto um diálogo mais fecundo e enriquecedor. Nessa perspectiva, o referido autor salienta que esta maneira de territorialidade embasa-se nas vertentes políticas no qual o território consiste em um espaço com delimitações, porém empoderado; cultural, quando o território se constitui em representações simbólicas e culturais da sociedade; e, econômica, quando o território é fonte de recursos fundado da relação capital-trabalho e, da conseqüente divisão social e territorial do trabalho. Assim, a pesquisa mostra que para 27,31% dos entrevistados a mudança mais significativa na cidade foi o crescimento econômico, pois na medida em que muitos moradores começaram desenvolver atividades nos projetos agrícolas, ocorreu melhoria das condições vida da população em geral. Enquanto, para 22,69% o adensamento urbano consistiu na transformação mais expressiva, ao incentivar o surgimento de bairros distante do centro da cidade acrescendo dessa forma o raio horizontal da mesma. Todavia, essa conformação aumentou os problemas de infra-estruturas, como distribuição de água, energia elétrica, calçamento, etc. e, 11,29% não perceberam nenhuma vantagem no município relacionadas à produção de grãos. As atividades desempenhadas pelos trabalhadores distinguem-se em, 21,30% de estudantes, 14,81% de domésticas, 10,65% de aposentados, 8,80% de comerciantes, 6,02% de lavradores, 2,31% de motoristas, 1,39% de diaristas, 0,93% de operadores de máquinas, 0,46% de tratoristas, e demais áreas profissionais com baixíssimos percentuais, como vigilantes, funcionários públicos, pescador, frentista, soldador, secretária, técnico em eletrônica, advogado, agente de saúde, etc. A diversificação das atividades proporcionou a melhoria da renda da população, o que redundou na elevação do poder de compra. Ademais, tal configuração territorial exigiu a expansão da rede bancária em Uruçuí que conta com o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste do Brasil e Bradesco, em função da necessidade de ampliar as linhas de créditos, em particular, para os empreendedores, como também para a população em geral. A pesquisa de campo demonstrou ainda que 61,69% dos trabalhadores reconheceram a importância da implantação dos projetos agrícolas no município para o crescimento da oferta de emprego, 12,10% destacaram que a geração de emprego, possibilitou o aumento da circulação de dinheiro, proporcionando o crescimento da arrecadação de impostos. Já para 4,44% a educação melhorou, haja vista a expansão de cursos superiores, sobretudo, com a criação do curso de agronomia na Universidade Estadual do Piauí. Portanto, ressalta-se que esta configuração embasada na produção de grãos, particularmente, soja em Uruçuí, com uso intensivo de tecnologia moderna, exigiu no espaço rural a pavimentação de estradas, a expansão do sistema de energia elétrica rural e o desmatamento, enquanto o espaço urbano, foi expandido em decorrência da incorporação de áreas territoriais virgem para atender as necessidades do processo de acumulação ampliada do capital. Tal cenário resultou na reterritorialização de ambos os espaços. Por conseguinte, inferiu-se que desenvolvimento do espaço rural possibilitou a participação da mão-de-obra urbana em atividades não-agrícolas, que segundo Basaldi (2001) são conhecidas como commuting que significa ir e vir da residência para o local de trabalho em áreas consideradas urbanas para áreas rurais, criando forte dependência das áreas rurais dos centros urbanos. Deste modo, o grande desafio da atualidade nos espaços rurais e urbanos é a promoção da valorização de ambos para que no momento em que um avance sobre o outro, a sustentabilidade possa ser fator principal de harmonia entre os espaços. Conclusões O estado do Piauí apresentou nos últimos anos do século passado significativa expansão urbana dos municípios localizados no bioma cerrado, inclusive sobressaindo- se entre os demais municípios do cerrado do Nordeste, os quais constituem a última fronteira agrícola do país. Este contexto, foi fruto da instalação de empreendimentos produtores de soja, atraídos pela conjuntura mundial favorável, pela aquisição de grandes quantidades de terras a preços baixissímos, pela favorabilidade das terras para a mecanização, pela disponibilidade de mão-de-obra local a baixo custo, e incentivos fiscais e financeiros concedidos pelos governos federal e estadual. Tal panorama proporcionou expressiva reorganização dos espaços urbano e rural de Uruçuí, com a finalidade de atender as expectativas dos empreendedores de grão a qual como conseqüência provocou o aumento da oferta de emprego, da renda municipal, melhorando assim as condições de vida da população do município. Referências bibliográficas BALSADI, O. V. Mudanças no meio rural e desafios para o desenvolvimento sustentável. São Paulo. São Paulo em Pespectiva, 15 (1), 155-165, 2001. HAESBAERT, R. Territórios alternativos. Niterói: EDUFF; São Paulo: Contexto, 2002 KAGEYAMA, A. Pluralidades e ruralidade: alguns aspectos metodológicos. Projeto RURBANO, 01-28, 2002. PRADO JÚNIOR, C. História Econômica do Brasil. 47ª reimpressão. São Paulo, Brasiliense, 2006.
Compartilhar