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ARAÚJO O direito à história: o(a) historiador(a) como curador(a) de uma experiência histórica socialmente distribuída.

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O	direito	à	história:	o(a)	historiador(a)	como	curador(a)	de	uma	experiência	histórica	socialmente	distribuída.	[1: Ao	longo	do	texto,	mesmo	não	utilizando	o	recurso	de	apontar	para	as	diferenças	de	gênero,	espero	que	os	leitores	e	leitoras	tenham	na	mente,	e	no	corpo,	a	experiência	dessa	presença	da	mulher,	tão	importante	em	nosso	campo	de	estudos,	mas	ainda	assim	não	suficientemente	reconhecida.		]
Valdei	Lopes	de	Araujo	(UFOP)	[2: Pesquisador	do	CNPq.	Membro	do	NEHM-PPGHIS-UFOP.	]
	
	
Aos	alunos,	docentes	e	técnicos	administrativos	da	UERJ	que	lutam	hoje	pelo	futuro	da	universidade	e	da	democracia.	
	
Apresentação	
Muito	do	debate	sobre	o	valor	do	historiador	e	da	historiografia	parte	de	problemas	ligados	ao	conhecimento	da	história,	seja	da	realidade	ou	sua	representação.	Sem	abdicar	dessa	dimensão,	gostaria	de	refletir	sobre	o	desafio	contemporâneo	de	responder	à	percepção	de	que	todos	têm	e	fazem	história,	inclusive	no	sentido	de	serem	cada	vez	mais	produtores	e	difusores	de	narrativas	e	apresentações	históricas.	Esse	texto	é	um	convite	a	repensar	a	função	social	do	historiador	de	modo	a	entendê-la	também	como	reposta	ao	direito	de	todo	humano,	em	sendo	histórico,	poder	ter	essa	condição	reconhecida	ao	realizar-apresentar	suas	histórias.	Pretendemos	assim	juntar	nossa	voz	ao	convite	feito	pelo	Simpósio	Nacional	de	História	ao	definir	o	tema	de	seu	XXIX	encontro:	“Contra	os	preconceitos:	história	e	democracia”.			[3: Este	texto	foi	inicialmente	produzido	e	apresentado	por	convite	da	Comissão	Organizadora	do	Simpósio	Nacional	de	História	da	Anpuh.	Agradeço	igualmente	aos	colegas	Benito	Bisso	Schmidt,	Henrique	Estrada,	Mara	Rodrigues,	Eliana	Dutra,	Pedro	Teixerense,	Rodrigo	Perez,	Rodrigo	Turim,	Mateus	Pereira,	Estevão	de	Rezende	Martins	e	Temístocles	Cezar	pelas	sugestões	e	textos	que	me	foram	enviados	à	época	da	elaboração	deste	artigo.	Pude	discutir	uma	primeira	versão	das	ideias	aqui	apresentadas	com	os	discentes	da	disciplina	“Teorias	contemporâneas	do	tempo	histórico”,	que	ministrei	no	primeiro	semestre	de	2017	no	PPGHIS	da	UFOP.	]
Gostaria	de	argumentar	que	historiografia	poderia	ampliar	suas	funções	tradicionais	ligadas	às	expectativas	de	"aprender	com	a	história"	a	partir	das	representações	privilegiadas	dos	historiadores	para	se	tornar	também	um	espaço	de	acolhimento,	amplificação	e	crítica	das	mais	diversas	apresentações	históricas	produzidas	pelos	atores	sociais.	No	lugar	de	se	pensar	apenas	como	um	centro	irradiador,	o	campo	historiográfico	poderia	projetar-se	como	espaço	de	acolhimento	e	convergência	crítica	da	pluralidade	de	histórias.	De	imediato	gostaria	de	salientar	que	essas	duas	funções	não	são	contraditórias,	nem	excludentes,	embora	não	possam	ser	tomadas	como	idênticas.		
O	que	esse	movimento	poderia	significar	na	reestruturação	da	formação	do	historiador?	Qual	o	papel	que	o	campo	da	Teoria	&	História	da	Historiografia	tem	tido	e	poderá	ter	nessa	transformação?	O	que	podemos	fazer	a	partir	de	nossos	cursos	de	história	para	qualificar	nossos	alunos	no	enfrentamento	desses	desafios?		
Um	rápido	panorama	da	conjuntura	
Desde	2013	que	presenciamos	o	questionamento	progressivo	do	alcance	da	democracia	no	Brasil,	foram	para	as	ruas	contingente	muito	diverso	de	sujeitos	sociais	insatisfeitos	com	a	representação	política	e	o	papel	do	Estado	brasileiro	em	seus	diferentes	níveis.	Parte	das	forças	sociais	liberadas	em	2013	são	conduzidas	e	ressignificadas	de	modo	a	serem	usadas	como	legitimação	social	para	o	golpe	políticojurídico	de	2016,	que	abriu	a	conjuntura	de	incertezas	que	vivemos	e	o	alçamento	ao	poder	de	forças	políticas	e	sociais	que	conjugam	velhas	oligarquias	corruptas	e	parte	da	elite	econômica	que	vê	no	enfraquecimento	da	democracia	uma	oportunidade	para	implementar	sua	agenda	de	reformas	e	uma	concepção	de	sociedade	desigual	e	hierárquica.		
Como	a	construção	das	Ciências	Humanas	e	da	Historiografia	esteve	sempre	intimamente	relacionada	com	as	fundações	do	Estado	nacional	e	suas	instituições,	esses	questionamentos	se	retroalimentam.	De	todas	as	direções	do	espectro	políticoideológico	emergem	questionamentos	e	desafios	às	Humanidades.	Bem	antes	de	2013,	reforçado	pela	crise	de	2008,	multiplicam-se	notícias	sobre	o	desinvestimento	público	nas	Humanidades	orientados	por	uma	concepção	de	ensino	e	pesquisa	mercantilizado	e,	desde	o	Brexit	e	a	última	eleição	norte-americana,	o	questionamento	agressivo	das	funções	de	mediação	da	universidade	e	das	ciências	humanas,	em	particular.	A	emergência	de	uma	direita	“identitária”	aparelhada	por	grandes	grupos	econômicos	interessados	em	saquear	o	Estado	e	a	Sociedade	alimenta	uma	guerra	cultural	de	escala	inédita.						[4: Há	um	intenso	debate	global	sobre	os	limites	e	as	consequências	das	política	identitárias	na	conjuntura	recente,	ver,	por	exemplo,	Mark	Lilla	2017.	]
	Em	nossos	espaços	universitários,	observamos	um	movimento	crescente	de	questionamento	de	programas	e	bibliografias	supostamente	indiferentes	às	novas	demandas	dos	coletivos	sociais	que	reivindicam	que	suas	questões,	seus	saberes,	epistemologias	e	presenças	sejam	reconhecidos	nos	currículos,	programas	e	salas	de	aula.	As	questões	de	raça,	gênero	e	sexualidade	não	são	apenas	novos	temas	ou	problemas	que	poderiam	ser	simplesmente	incorporados,	os	seus	sujeitos	reivindicam	novas	epistemologias,	novas	disciplinas	e	institucionalidades.	
A	perda	de	espaço	nos	currículos	de	ensino	médio,	projeto	que	surge	antes	do	atual	governo,	mas	que	as	condições	de	fragilização	da	democracia	que	vivemos	ajudou	a	acelerar,	resultando	na	nova	lei	do	ensino	médio	que	aboliu	a	obrigatoriedade	do	ensino	de	História	neste	segmento	da	educação	básica,	é	outro	exemplo	bem	concreto	dessas	ameaças.	A	tentativa	de	redução	do	debate	sobre	a	educação	ao	numeramento	e	letramento,	amplamente	patrocinada	pela	OCDE,	sem	um	enfretamento	político,	levará	ao	aprofundamento	dessa	tendência.	Esse	cenário	de	fragmentação	e	disputa	ficou	evidente	nas	reações	de	historiadores	e	não	historiadores	às	diversas	versões	sobre	o	futuro	do	ensino	de	história	que	foram	projetadas	no	texto	da	Base	Nacional	Curricular	Comum,	colocando	em	lados	opostos	as	demandas	por	reconhecimento	e	acolhimento	das	lutas	identitárias	e	aspectos	da	tradição	disciplinar.	
	A	politização	crescente	dessa	bandeira	do	esvaziamento	e	ataque	às	
Humanidades	se	revela	com	todo	o	seu	risco	no	movimento	auto-intitulado	“Escola	Sem	Partido”.	Seu	objetivo	é	nada	menos	do	que	dissolver	qualquer	vestígio	de	autonomia	docente,	mas	certamente	é	a	Historiografia	o	alvo	preferencial	dessas	iniciativas.	Como	destacou	Marco	Napolitano	(2017),	para	a	direita	identitária	as	Humanidades	são	um	aparelho	doutrinador	de	esquerda,	e	para	a	direita	liberal,	representariam	um	gasto	inútil	de	desempenho	duvidoso.			[5: Ver	também	(Rodrigues	2016),	sobre	a	ideologia	judicialista	do	movimento.	O	autor	propõe	a	retomada	a	aprofundamento	das	dimensões	de	colegialidade	como	horizonte	de	enfretamento	progressista	das	exigências	por	maior	participação	social	no	ambiente	escolar	e	acadêmico.		]
Nas	redes	sociais	o	historiador	ficou	mais	exposto.	Assim	como	os	demais	especialistas,	precisa	negociar	sua	autoridade	em	outros	espaços	que	não	aqueles	academicamente	controlados.	No	Facebook,	Twitter,	Youtube,	blogs,	dentre	outras	medias,	esse	espaço	de	indiferenciação	discursiva	se	alarga,	nele	o	historiador	fala,	ao	mesmo	tempo,	como	cidadão,	especialista	e	panfletário	(militante	partidário),	sem	os	protocolos	e	códigos	internos	que	o	discurso	disciplinar	produziu	para	diferenciar	e	autorizar	o	seu	“discurso”.	O	cidadão	comum,	por	sua	vez,	mais	do	que	nunca	tem	acesso	aos	meios	de	difusão	da	comunicação.	O	comentário	e	outras	seções	de	opinião	adquirem	uma	força	“pessoal”	e	massiva,	sem	mencionar	a	captura	e	distorção	dessas	novas	formas	de	comportamento	por	grupos	políticos	e	empresariais,	seja	pela	renovada	fórmula	da	propaganda,	seja	pelo	uso	de	robôs	capazes	de	induzir	comportamentos.	Outro	elemento	desafiador	nessaconjuntura	é	a	política	de	segredo	que	organiza	a	economia	dos	algorítmos	e	códigos	das	grandes	empresas	que	controlam	e	moldam	essa	nova	realidade	social.	
Do	ponto	de	vista	da	produção	científica,	apesar	da	reversão	recente	provocada	pelo	corte	de	verbas	e	pelo	retrocesso	de	expectativas	abertas	pelas	leis	que	ampliavam	o	orçamento	para	a	ciência	e	educação,	as	avaliações	em	geral	são	positivas.	O	modelo	de	pesquisa	na	Historiografia	e	nas	Humanidades	adaptou-se	à	lógica	avaliativa	construída	ao	longo	das	últimas	décadas.	A	quantidade	e	qualidade	da	produção	científica,	o	número	de	programas	de	pós-graduação,	periódicos	e	pesquisadores	têm	crescido	solidamente	e	se	desconcentrado.	Mas	mesmo	aqui	não	têm	faltado	sinais	de	certo	esgotamento	do	modelo,	seja	pelo	risco	de	produtivismo,	seja	pelo	insulamento	dessa	produção,	cujos	impactos	sociais	são	atualmente	rediscutidos	(Araujo	2016).	Nada	parece	ter	revelado	mais	a	complexidade	desse	problema	do	que	as	batalhas	de	memória	em	torno	do	significado	da	ditadura	civilmilitar.	Essa	percepção	tem	levado	a	esforços	variados	na	busca	de	novas	formas	de	mediação	entre	a	historiografia	acadêmica	e	seus	públicos,	seja	no	ensino	de	história	ou	nos	debates	da	história	pública.		
Nesta	conjuntura	de	retrocessos	dos	valores	e	estruturas	da	democracia,	a	luta	pela	regulamentação	da	profissão	de	historiador	abriu	um	saudável	debate	acerca	da	necessidade	de	repensarmos	os	currículos	e	os	modelos	de	cursos	de	graduação	em	história	que	temos	hoje	no	Brasil.	O	cenário	atual	não	parece	apontar	movimentos	de	superfície,	mas	um	novo	status	quo.	Portanto,	é	urgente	entender	como	podemos	não	apenas	nos	adaptar	a	ele,	mas	trabalhar	para	extrair	dessa	nova	situação	suas	potencialidades	emancipadoras.	Como	poderemos	defender	a	ampliar	nossa	democracia,	como	refundar	o	pacto	entre	historiografia	e	democratização	que	tem	marcado	a	história	moderna,	mesmo	sem	ignorarmos	as	ambivalências	e	retrocessos	nessa	relação.		
Na	seção	seguinte	faremos	um	breve	balanço	de	algumas	respostas	a	essas	questões	que	pesquisadores	brasileiros	do	campo	da	Teoria	e	História	da	Historiografia	têm	oferecido.	Nossa	intenção	não	será	esgotar	essa	bibliografia,	mas	apenas	indicar	alguns	de	seus	caminhos.	
Fronteiras	da	Historiografia:	publicidade	e	diversidade	
Nas	últimas	duas	décadas	o	campo	da	Teoria	&	História	da	Historiografia	se	consolidou	como	um	espaço	dinâmico	e	articulado	de	debates	no	Brasil.	Vimos	surgir	eventos	regulares	e	especializados,	com	destaque	para	o	Seminário	Brasileiro	de	História	da	Historiografia,	que	no	ano	de	2018	estará	em	sua	décima	edição;	revistas	dedicadas	a	esses	recortes,	como	a	História	da	Historiografia,	Revista	de	Teoria	da	História,	Revista	Expedições,	dentre	outras.	Diversos	núcleos	de	pesquisa	e	linhas	de	investigação	estão	presentes	em	Programas	de	Pós-graduação	espalhados	pelo	Brasil,	com	particular	ênfase	em	instituições	como	PUC-Rio,	UFRGS,	UFOP,	UFES,	UFG,	UnB,	UFMG,	UERJ,	UFRRJ,	UNIRio,	UFBA,	UFCG,	dentre	outras.	Fóruns	de	debates	regulares	estão	organizados	e	movimentam	uma	cena	dinâmica,	sem	falar	em	iniciativas	como	o	“Observatório	da	História”,	recentemente	lançado	por	pesquisadores	da	Unifesp,	que	busca	ser	um	espaço	interinstitucional	de	pesquisa	da	cultura	histórica.	É	portanto	razoável	perguntar-se	como	o	campo	tem	respondido	à	conjuntura	que	descrevemos	acima.	
Em	artigo	publicado	em	2009	Raquel	Glezer	&	Sarah	Albiere	analisaram	os	impactos	sobre	a	historiografia	do	que	chamavam	de	obras	de	fronteira,	,	ou	“quasehistórias”	(Glezer	and	Albieri	2009).	Referiam-se	a	grande	expansão	no	mercado	editorial	brasileiro	de	biografias	e	outras	obras	voltadas	para	a	demanda	crescente	de	material	com	conteúdo	histórico.	Enfatizavam	que	“[...]	nos	anos	1990,	ao	serem	lançados	os	primeiros	volumes	das	edições	que	denominamos	de	“fronteiriças”,	a	comunidade	se	manifestou	de	forma	contrária	a	tais	produtos,	com	certo	estardalhaço”	(Glezer	&	Albieri,	2009,	p.	19).	O	artigo	concentra-se	em	um	esforço	de	estabilizar	as	fronteiras	entre	o	histórico	(disciplinar)	e	o	quase-histórico,	distinção	que,	as	autoras	reconhecem,	o	público	ignora.	Já	apontavam	as	transformações	epistemológicas	do	final	do	século	XX	como	uma	das	causas	dessa	crescente	indiferenciação:	“[...]	a	fragmentação	das	identidades	individuais	faz	com	que	o	passado	assuma	[...]	a	característica	de	ser	objeto	de	busca	de	algo	mitificado	como	homogêneo,	como	contraponto	do	momento	vivido,	ou	como	curiosidade	pela	diferença	e	exotismo,	mas	deva,	por	outro,	estar	inserido	no	mercado	de	consumo	e	lazer	cultural	[...].	Tais	processos	teriam	levado	à	“[...]	fragmentação	do	que	parecia	ser	um	campo	homogêneo	—	a	história-ciência	cedeu	espaço	a	campos	historiográficos	diversos,	cada	qual	com	seus	objetos,	fontes,	metodologia,	conceitual	analítico,	resultados	e	forma	de	apresentação”.	(Glezer	&	Albieri,	2009,	p.	24).	As	autoras	concluíam	afirmando	a	necessidade	de	qualquer	campo	científico	diferenciarse	das	práticas	de	divulgação	e	mesmo	da	falsa	ciência,	embora	admitissem	que	essa	distinção	é	mais	possível	no	enfrentamento	de	casos	concretos	do	que	a	partir	de	uma	definição	teórica	fechada.	Sua	resposta	apontava	ainda	o	papel	heurístico	positivo	que	esses	discursos	de	fronteira	poderiam	ter	ao	inspirar	o	campo	científico	por	seu	uso	mais	abundante	da	imaginação	e	por	operar	por	fora	dos	constrangimentos	da	ciência.	Uma	de	suas	afirmações	parece	ter	adquirido	contornos	mais	dramáticos	desde	então:	“Contudo,	há	um	razoável	consenso	quanto	a	todas	as	especialidade	acadêmicas	serem	produtoras	de	conhecimento	confiável	–	incluindo	as	humanidades.	E	nesse	sentido,	as	falsas	representações	dos	pseudo-historiadores	seriam	de	natureza	muito	semelhante	àquelas	dos	alquimistas	ou	criacionistas”	(Idem,	p.	28).	Hoje	esse	consenso	parece	mais	ameaçado	quando	os	governos	desafiam	o	discurso	da	ciência	e	da	autoridade	em	geral,	colocando	em	risco	o	pacto	frágil	entre	Estado	democrático	e	produção	de	conhecimento.	[6: Aqui	citam	Jean	Chesneaux.	De	la	modernité.	Paris:	La	Découverte-Maspero,	s.d.		]
Em	artigo	publicado	em	2013	na	Revista	História	da	Historiografia,	Jurandir	Malerba	deslocava	o	problema	das	relações	entre	a	história	acadêmica	e	a	história	leiga	para	o	campo	da	“Public	History”,	no	contexto	do	debate	acerca	do	projeto	de	regulamentação	da	profissão	de	historiador.	Após	um	relevante	balanço	do	debate	internacional,	aponta	que	“Desde	o	final	dos	anos	1990,	nos	Estados	Unidos,	a	Public	History	encontra--se	institucionalizada	dentro	das	universidades.”	(p.	29).	Segue	demonstrando	como	por	diferentes	formas	esse	novo	campo	de	atuação	do	historiador	vai	se	desenvolvendo	em	países	como	Austrália	e	Grã-bretanha.	Fica	evidente	o	aspecto	central	da	produção	de	história	como	entretenimento,	controlado	por	grandes	grupos	empresariais	de	mídia,	nessa	configuração	a	atuação	do	historiador	não	é	distinta	daquela	de	outros	profissionais	da	indústria.	Como	o	autor	resumo	de	modo	lapidar:	“Hoje	o	passado	significa	“negócios”	e,	não	menos	importante,	“poder”!	(Idem,	p.	32).	Passando	pela	análise	de	franquias	como	Eduardo	Bueno,	Laurentino	Gomes	e	Leandro	Narloch,	Malerba	desmonstra	como	esse	segmento	do	mercado	editorial	e	do	entretenimento	tem	no	confronto	caricato	com	a	historiografia	acadêmica	uma	de	suas	marcas	de	definição,	juntamente	com	a	manipulação	e	amplificação	de	preconceitos	e	valores	antidemocráticos,	além	de	ignorarem	as	conquistas	cognitivas	da	historiografia	desde	o	século	XIX.	(Idem,	p.	36).	O	artigo	conclui	com	um	amplo	chamamento	aos	historiadores	acadêmicos	entrarem	na	disputa	e	na	crítica	dessa	chamada	“história	pública”.	(Idem,	p.	43)	Embora	já	aqui	apareçam	algumas	referências	acerca	da	conjuntura	política,	em	especial	o	processo	de	eliminação	da	disciplina	nos	currículos	a	partir	de	iniciativas	dos	Estados	e	alguns	municípios,	não	há	ainda	a	conexão	que	hoje	parece	bastante	evidente	entre	essa	“história	pública”	e	o	seu	aparelhamento	direto	por	grupos	políticos	cuja	agenda	passa	pelo	enfraquecimentodos	valores	democráticos	e	a	promoção	da	ignorância	e	do	preconceito.		
Analisando	questões	semelhantes	Marcelo	Abreu	e	Marcelo	Rangel	(UFOP),	em	artigo	de	2015	publicado	na	revista	História	e	Cultura,	analisam	as	modalidades	de	resposta	quando	o	ensino	de	história	é	desafiado	pelas	tensões	do	mundo	contemporâneo.	Para	os	autores,	as	condições	de	produção	da	memória	no	mundo	atual,	que	parece	desafiado	pela	austeridade	econômica	e,	ao	mesmo	tempo,	marcado	por	pressões	homogeneizadoras	que	se	organizam	em	torno	de	fenômenos	como	o	Presentismo	e	o	Presente	Amplo,	nos	convidam	a	pensar	a	aula	como	o	“terreno	em	que	memórias	múltiplas	podem	ganhar	expressão”,	e	em	que	a	“[...]	a	autoridade	do	discurso	histórico	escolar	[...]	é	questionada	a	todo	momento	na	medida	em	que	ecoam	na	sala	de	aula	as	incessantes	produções	de	passados	efetivadas	no	mundo	da	comunicação/informação	e	outros	âmbitos	da	“cultura	histórica”.	Para	competir	com	essas	fontes	o	discurso	histórico	escolar	seria	preciso,	segundo	os	autores,	“[...]	fazer	das	aulas	um	exercício	de	sensibilidade	histórica”	ao	lado	dos	“[...]	investimentos	já	consolidados	da	razão	histórica”.	(Abreu	&	Rangel,	2015,	p.	21).	Aproximando-se	tanto	dos	problemas	levantados	por	Glezer	&	Albiere	e	Malerba,	deslocados	para	o	espaço	do	ensino	de	história,	reivindicam	a	necessidade	de	“[...]	sustentar	a	didática	da	história	na	oscilação	entre	entendimento	e	imaginação,	entre	sentido	e	presença.”	(Idem,	ibidem).	O	caminho	para	uma	resposta	eficaz	estaria	no	equilíbrio	entre	as	demandas	disciplinares	por	consciência	histórica	e	cognição	e	a	demandas	contemporâneas	por	presença	e	performance	participativa.	
Em	outra	dimensão	deste	debate,	a	história-memória	da	ditadura	civil-militar	tornou-se	um	espaço	privilegiado	para	a	observação	dos	fenômenos	da	democratização	da	história	e	seus	desafios	para	o	historiador.	Mateus	Pereira,	em	artigo	publicado	na	revista	Varia	História	em	2015,	observa	dois	movimentos	contraditórios	nesse	campo.	Por	um	lado,	o	aumento	da	negação	e	do	revisionismo	em	relação	ao	nosso	último	período	autoritário,	por	outro,	o	desenvolvimento	do	que	chama	de	“inscrição	frágil”	da	memória	da	ditadura,	motivados	pelos	trabalhos	da	Comissão	Nacional	da	Verdade.	
Afirma,	ao	estudar	as	discussões	nos	fóruns	de	editores	de	verbetes	da	Wikipedia	que	tratam	de	64,	que	as	"batalhas	de	Memória"	acerca	do	significado	da	
Ditadura-Civil	militar	foram	e	estão	sendo	cotidianamente	travadas	e	que	muitos	de	seus	elementos	que	pareciam	latentes	emergiram	nos	últimos	anos,	produzindo	novos	lances	em	diferentes	constelações.	Pereira	procura	responder	à	pergunta	de	como	a	memória	autoritária,	fundada	em	gestos	negacionistas	e	revisionistas,	consegue	sobreviver	aos	esforços	historiográficos	de	crítica	e	estabelecimento	factual.	Conclui,	que	“ao	contrário	do	que	parece	defender	Ricoeur	em	‘A	memória,	a	história	e	o	esquecimento’	(2007),	conhecer	a	factualidade	do	que	ocorreu	anteriormente	por	meio	da	lembrança	talvez	não	tenha	nenhum	resultado	terapêutico,	pelo	menos	ligado	à	cura,	à	reconciliação	ou	à	pacificação”.	(Pereira,	2015,	p.	880)	Sendo	assim,	o	papel	da	historiografia	não	se	encerraria	no	estabelecimento	de	uma	verdade	factual,	mas	passaria	pela	compreensão	dos	modos	de	funcionamento	dessas	complexas	comunidades	de	“memória	em	rede”	(Pereira,	2015,	p.	874).	A	crítica	histórico-factual	por	si	só	não	seria	capaz	de	refutar	o	discurso	revisionista-negacionista,	colocando-se	para	o	historiador	os	desafios	de	compreender,	mediar	e	(des)qualificar	os	movimentos	táticos	e	estratégicos	dessas	comunidade	de	memória	em	conflito,	além	do	imperativo	ético	de	se	colocar	ao	lado	da	luta	por	reparação	e	justiça.	
Em	artigo	ainda	inédito	intitulado	“O	professor	universitário	de	história	é	um	professor?	Reflexões	sobre	a	docência	de	Teoria	e	Metodologia	da	História	e	Historiografia	no	Ensino	Superior”,	Mara	Rodrigues	e	Benito	Schmidt	(UFRGS)	partem	do	diagnóstico	semelhante	aos	que	já	temos	tratado	para	se	perguntar	o	quanto	a	área	de	Teoria	e	Historia	da	Historiografia	tem	avançado	em	pensar	as	transformações	recentes	em	termos	didáticos.	Destacam	a	importância	de	ações	político-acadêmicas	que	visaram	trazer	a	licenciatura	e	a	função	social	do	historiador	como	professor	da	educação	básica	para	o	centro	do	debate.	Citam	diretamente	a	criação	do	Pibid	pelo	CNPq	e	os	Mestrados	profissionais	voltados	para	o	ensino	em	âmbito	da	Capes,	em	particular	o	ProfHistória.	Apesar	disso,	constatam	“[...]	a	carência	de	discussões	sobre	a	atuação	do/a	docente	desta	área	de	conhecimento	no	Ensino	Superior”	(Schmidt	and	Rodrigues	2017).	
Os	autores	nos	convidam	a	diferenciar	os	objetivos	do	ensino	de	História	na	universidade	e	no	ensino	básico.	No	primeiro	seria	formar	pesquisadores-
historiadores,	no	segundo	contribuir	para	a	cidadania	plena,	salientando	a	elasticidade	desse	objetivo,	a	depender	do	tempo	e	dos	grupos	sociais	em	disputa,	a	cidadania	pode	significar	coisas	muito	distintas	e,	por	vezes,	contraditórias.		Destacam	a	democratização	do	acesso	e	a	maior	diversidade	de	nossos	cursos	de	história	e	se	perguntam	como	podem	os	nossos	planos	de	curso	e	currículos	permanecerem	os	mesmos?	(Idem,	p.	8)	E	ainda:		
“Como	podemos	manter	nossa	lista	de	leituras	e	estratégias	de	ensino	sem	modificações,	se	quando	as	elaboramos,	as	pensamos,	mesmo	que	inconscientemente,	para	um	grupo	de	características	genéricas	(seriam	leitores	e	ouvintes	universais,	conformados	a	partir	de	um	modelo	branco,	masculino,	de	classe	média,	com	um	repertório	de	leituras	e	viagens	relativamente	comum?)	e	homogêneas?”	(Idem,	p.	10)	
A	partir	de	um	diálogo	com	a	hermenêutica	de	Ricoeur	a	Gadamer,	destacam	a	necessidade	de	relativizar	a	concepção	romântica	de	autoria	que	celebra	a	individualidade	solar	e	o	momento	de	produção	como	uma	espécie	de	isolamento	na	intimidade,	para	enfatizar	a	leitura	como	evento	constitutivo	dos	sentidos	dos	textos:		
“Sob	esta	ótica,	a	abordagem	do	conhecimento	histórico	em	sala	de	aula	não	se	restringiria	à	invocação	de	um	passado	histórico,	mas	se	ampliaria	às	possibilidades	abertas	por	um	passado	prático,	“utilizável”	por	diferentes	grupos,	instituições,	pessoas	particulares	e	agências,	conforme	sua	constituição	identitária,	subsidiando	suas	tomadas	de	decisões	na	vida	cotidiana	(White,	2014:	XIII)”	(Idem,	p.	11).	
Insistem	que	as	diferenças	entre	a	história	pesquisada	e	a	história	escolar	poderiam	ser	melhor	definidas	como	entre	uma	história	pesquisada	e	uma	história	ensinada,	salientando	o	fato	evidente	de	que	nossa	prática	acadêmica	não	se	reduz	à	pesquisa,	embora	as	pressões	do	modelo	de	pós-graduação	tenda	a	fazê-lo,	mas	envolve	igualmente	o	ensino.	
Rodrigo	Turim	(UNIRIO),	em	artigo	disponibilizado	para	debate	(2017)	na	plataforma	academia.edu	intitulado	“Entre	o	passado	prático	e	o	passado	histórico:	figurações	do	historiador	no	Brasil	contemporâneo”,	aborda	as	consequência	das	transformações	contemporâneas	do	tempo	para	a	história	disciplina	em	seu	formato	universitário.	Analisa	um	conjunto	de	textos	publicados	no	site	da	Anpuh	nacional	que	versa	sobre	os	desafios	atuais	da	historiografia,	em	particular	o	projeto	de	profissionalização	e	a	Base	Nacional	Curricular	Comum.	Também	aqui	parte-se	do	mesmo	diagnóstico	que	temos	destacado:		
“[...]	o	historiador	vê	sua	autoridade	sendo	intensamente	disputada	na	arena	pública,	esmaecendo	aquela	forte	distinção	entre	profissionais	e	amadores	estabelecida	desde	o	século	XIX.	O	que	resta	dessa	distinção?	No	que,	hoje,	pode	se	sustentar	a	profissão	do	historiador	e	seu	papel	na	sociedade	diante	dessas	novas	experiências	sociais	e	políticas?”.	(Turin,	2017,	p.	4)	
Em	sua	análise	percebe	a	continuidade	de	elementos	justificativos	e	virtudes	epistêmicas	construídas	pela	disciplina	desde	o	século	XIX.	Valores	como	a	objetividade	do	conhecimento	histórico	e	seus	compromissos	com	a	nação	precisam	mediar	sua	relevância	no	contexto	de	pluralização	de	narrativas	identitárias,	em	suas	palavras,	a	historiografia	estaria	então	entre	este	passadodisciplinar	“[...]	e	um	passado	prático,	constituído	pelas	pressões	de	um	cenário	marcado	pela	difusão	e	ampliação	dos	meios	de	representação	do	passado	e	pela	globalização	das	memórias	sociais	e	nacionais”.	(Idem,	p.	10).	
Em	outro	artigo	disponível	para	debate	no	site	“Academia.edu”,	e	agora	publicado	na	Revista	Maracanã,	Francisco	Souza,	Géssica	Gaio	e	Thiago	Nicodemo,	três	professores	do	departamento	de	História	da	UERJ,	refletem	sobre	os	desafios	da	historiografia	como	resposta	à	terrível	crise	que	atravessa	aquela	instituição.	Perguntam-se,	muito	diretamente,	“como	refletir	sobre	a	história	diante	da	experiência	de	desmantelamento	da	universidade	pública	[...]”	(Souza	et	al.,	2017,	p.	1).	Propõem	pensar	sobre	a	disciplina	e	as	formas	de	engajamento	com	o	tempo	presente,	questão	que	retorna	com	força	renovada	à	ordem	do	dia	desde	o	momento	em	que	ficou	evidente	a	articulação	antidemocrática	de	forças	políticas	que	viam	nas	sequências	dos	governos	petistas	e	de	suas	políticas	de	inclusão	a	maior	ameaça	a	seus	projetos	de	hegemonia	econômica	e	social.	O	objetivo	do	artigo	é	pensar	a	“reativação	dos	vínculos	entre	universidade	e	sociedade”	(idem,	ibidem).	
Analisando	o	comprometimento	de	historiadores	do	começo	do	século	XX,	Crocce,	Bloch,	Sérgio	Buarque,	com	os	vínculos	entre	presente	e	escrita	da	história,	salientam	a	persistência	do	conceito	moderno	da	história	como	um	singular-coletivo	como	um	horizonte	naturalizado.	Afirmam	que	a	manutenção	dessa	conjunção	entre	disciplina,	ciência	e	realidade	como	singular-coletivo	resulta	em	que	“[...]	a	história	como	disciplina	tem	participado	do	amplo	movimento	de	produzir	para	públicos	cada	vez	mais	concentrados”	(idem,	p.	7).	No	enfrentamento	dessa	conjunção,	afirmam	que	a	historiografia	precisa	enfrentar	os	efeitos	limitadores	de	sua	adesão	a	um	conceito	moderno	de	autor	que	limita	o	processo	da	produção	de	conhecimento	a	uma	concepção	de	linguagem	difusionista.	Retornam	a	Bakhtin	para	pensar	a	linguagem	como	circulação,	reivindicando	uma	nova	ética	tanto	na	produção	do	conhecimento,	quanto	na	sua	configuração	escolar,	no	acontecimento	da	aula.	Assim,	colocam	a	seguinte	pergunta:	“Não	é	evidente	hoje,	por	exemplo,	se	produzimos	como	arquipélagos	ou	se	seremos	capazes	de	produzir	conjuntamente”	(Idem,	p.	8).	[7: “Nossa	imaginação	intelectual	tendeu	a	ser	configurada	numa	universidade	de	caráter	excludente	(no	sentido	de	um	privilégio	para	poucos	indivíduos),	o	que	marca	não	apenas	a	questão	do	acesso,	mas	também	os	procedimentos	de	pesquisa,	o	repertório	de	temas	a	serem	investigados,	de	protocolos	de	inclusão	e	exclusão	social	e	de	formas	de	comunicação	com	o	público”.	(Idem,	p.	16)	]
Em	conferência	no	9	SNHH,	cujo	tema	foi	“O	historiador	brasileiro	e	seus	públicos”,	Jurandir	Malerba	expandiu	suas	reflexões	sobre	história	pública	de	2014	para	incorporar	de	modo	decisivo	aquilo	que	estava	ausente	naquele	texto,	os	impactos	da	revolução	digital	e	a	mudança	do	enfoque	das	“audiências”	para	´”o	público	gerador	de	história”	(Malerba	2017,	p.	141).	O	texto	avança	no	debate	ao	propor	não	apenas	o	reforço	das	fronteiras	em	história	disciplinar	e	leiga,	mas	a	compreensão	de	“[...]	como	esse	conhecimento	vem	sendo	testado	e	negociado”	(idem,	p.	144).	O	caminho	sugerido	por	Malerba	passaria	por	uma	reafirmação	da	autoriadade	e	responsabilidade	do	historiador	pela	cultura	história	democratizada	(idem,	p.	147).		
O	historiador	como	curador	
Parece-me	que	a	ênfase	hoje	dada	no	debate	a	uma	explosão	da	demanda	por	história	e	de	novas	formas	de	representação	tende	a	exagerar	o	seu	aspecto	recente,	pois	desde	o	XIX,	pelo	menos,	que	a	historia	disciplinar	teve	de	disputar	e	conviver	com	inúmeras	outras	fontes	de	história,	uma	tarefa	atual	da	HH	tem	sido	repensar	essa	relação	que	foi	silenciada	como	parte	da	estratégia	discursiva	da	disciplina.		
No	século	XIX,	a	escolarização	do	ensino	de	história	universal	e	nacional	foi	um	passo	ousado	e	importante	naquela	conjuntura	em	que	democratização	da	história,	a	ampliação	de	seu	valor	social,	político	e	cultural	fez	emergir	novos	sujeitos	e	cenários	de	disputa.	Os	regimes	de	autonomia	dos	discursos	históricos	disciplinar	e	escolar	constituíram-se	em	competição	aberta	com	o	discurso	histórico	literário,	consagrado	no	romance,	com	o	regime	compilatório	e	popular	que	se	espalhava	pela	imprensa	periódica	em	expansão	e	pelo	negócio	do	livro.	Portanto,	não	podemos	exagerar	o	ineditismo	da	situação	contemporânea,	com	o	risco	de	opor	nosso	estado	atual	a	um	passado	nostálgico	cuja	existência	não	resistiria	a	uma	análise	mais	rigorosa.	O	aspecto	positivo	dessa	constatação	é	que	podemos	olhar	para	o	passado	da	disciplina	em	busca	de	algumas	respostas.	Inúmeras	pesquisas	em	andamentos	têm	revelado	uma	rica	“historiografia	popular”	no	século	XIX	que	disputava	e	negociava	fronteiras	com	a	disciplina.	Nomes	como	Justiniano	José	da	Rocha,	Francisco	Solano	Constâncio,	Abreu	e	Lima,	João	Francisco	Lisboa,	Joaquim	Felício	dos	Santos,	Mello	Moraes,	entre	outros,	têm	se	destacado	nessas	novas	pesquisas.	Estes	autores	produziram	no	século	XIX	uma	historiografia	voltada	para	o	livro	impresso	ou	mesmo	para	as	folhas	periódicas	com	o	duplo	objetivo	de	intervir	na	vida	prático-política	e	atender	a	um	desejo	crescente	por	história.		
Do	mesmo	modo,	não	podemos	absolutizar	a	oposição	entre	historiografia	disciplinar	e	outras	formas	de	discurso	no	esquema	binário	prático	versus	científicoteórico,	como	tem	sido	difundido	a	partir	da	recepção	das	reflexões	mais	recentes	de	Hayden	White	acerca	dos	“passados	práticos”.	Se	deixarmos	o	campo	das	definições	típico-ideias	para	o	da	história	da	historiografia	veremos	facilmente	que	nem	o	mais	cientificista	projeto	historiográfico	esteve	desprovido	de	dimensões	e	objetivos	práticos,	éticos	e	políticos.	A	história	no	século	XIX	só	pôde	tornar-se	uma	ciência	no	momento	em	que	conseguiu	convencer	a	sociedade	e	o	Estado	das	vantagens	práticas	evidentes	do	conhecimento	que	poderia	produzir,	em	particular	em	sua	pretensão	de	orientar	na	conjuntura,	amplificar	novas	identidades	políticas	e	mediar	conflitos	nas	relações	internacionais.	Esse	processo	de	delimitação	de	fronteiras	entre	o	prático	e	o	científico	não	foi	linear	nem	carente	de	ambivalências,	mas	construído	por	meio	de	disputas	e	polêmicas	que	podem	e	estão	sendo	reconstruídas.	(Maleval	2015;	Varella	2011;	Santos	2013;	Ferreira	2017;	Araujo	2015).		
O	cenário	atual	se	destaca	não	tanto	pela	centralidade	da	noção	do	público	como	audiência,	mas	pela	reivindicação	de	uma	cidadania	que	quer	ser	pensada	como	polo	ativo	na	produção	de	uma	historiografia	socialmente	distribuída,	ou	seja,	da	democratização	das	condições	de	escrita	e	apresentação	de	histórias,	aqui	entendida	como	intervenções	sobre	a	historicidade	que	extrapolam	os	regimes	discursivos	estabelecidos	ao	longo	do	processo	de	modernização.		Esse	fenômeno	não	pode	ser	visto	apenas	como	uma	ameaça	à	historiografia	profissional,	mas	como	uma	reação	compensatória	que	não	tem	sido	suficientemente	respondida	no	interior	do	campo.		
Em	artigo	recente	procurei	caracterizar	o	que	chamei	de	“regime	de	autonomia	avaliativo”,	fruto	do	modelo	de	pós-graduação	implantado	e	monitorado	pela	Capes	desde	meados	dos	anos	1970.	Sem	ignorar	os	grandes	avanços	que	este	regime	discursivo	tem	permitido,	dois	aspectos	precisam	ser	apontados:	a	exterioridade	dos	modelos	científicos	e	de	avaliação	construídos	a	partir	de	uma	elite	administrativa	fortalecida	nas	agências,	e	(2)	a	baixa	comunicação	e	legitimidade	social	do	conhecimento	academicamente	produzido	neste	contexto.	A	legitimação	pelo	desempenho,	para	retomar	a	reflexão	clássica	de	Lyotard	de	1979	(Marques	2015),	surge	como	efeito	e,	ao	mesmo	tempo,	aprofunda	a	crise	de	legitimação	da	ciência,	portanto,	a	cena	atual	não	poderá	ser	respondida	apenas	pelo	reforço	da	lógica	da	produção	de	conhecimento	científico-especializado,	embora	essa	mesma	lógica	precise	ser,	no	caso	das	Humanidades,	defendida	frente	das	forças	destrutivas	que	se	levantam	contra	a	disciplina.A	legitimação	pelo	desempenho,	celebrado	no	modelo	de	avaliação	das	agências,	em	especial	da	Capes,	é	não	apenas	uma	força	domesticadora	das	Humanidades,	mas	tem	igualmente	aprofundado	sua	crise	de	legitimação.	
Uma	das	direções	da	resposta	passa	necessariamente	pelo	aprofundamento	crítico	do	modelo	disciplinar,	seja	pelo	enfrentamento	das	armadilhas	da	política	de	desempenho	e	do	modelo	avaliativo,	que	ampliam	a	pesquisa	reduzindo	seu	auditório	e	impacto.	A	busca	de	novas	ferramentas	críticas	passa	por	conceitos	mais	complexos	que	atualizem	a	aporia	do	discurso	histórico,	para	me	utilizar	da	formulação	de	Luiz	Costa	Lima.	Para	este	autor,	uma	das	condições	definidoras	da	escrita	da	história	está	na	reivindicação	de	alguma	autoridade	na	busca	da	verdade	do	que	aconteceu.	Naturalmente	as	formas	pelas	quais	as	sociedades	administram	seus	regimes	de	verdade	são	diversas	e	precisam	ser	continuamente	recolocadas,	mais	do	que	singelamente	abandonadas.	Como	a	intrigante	epígrafe	do	grande	romance	de	João	Ubaldo,	“O	problema	da	verdade	é	o	seguinte:	não	existem	fatos,	só	existem	histórias”,	assim,	o	problema	da	verdade	não	começa	ou	termina	pelos	fatos,	mas	pelas	condições	de	verdade	das	histórias	que	tornam	os	fatos	eventos	significativos.	Ao	lado	dessa	tarefa,	é	urgente	a	busca	de	novas	formas	de	organizar	e	representar	a	avalanche	de	informações	da	era	digital	e	a	complexidade	de	nosso	mundo	integrado.	A	promessa	da	chamada	web	3.0	de	transformar,	através	das	redes	semânticas,	toda	informação	em	dado,	é,	para	as	Humanidades,	ao	mesmo	tempo,	uma	ameaça	e	um	desafio.	Em	todas	essas	frentes	a	disciplina	precisa	ser	defendida	e	renovada.	[8: Agradeço	a	Luana	Melo	ter	chamado	minha	atenção	para	essa	frase	que	abre	o	romance	“Viva	o	povo	brasileiro”.	]
Essa	nova	onda	democratizante	e	esse	desejo	renovado	por	histórias	precisa	ser	respondido	em	diversas	frentes	que	articulem	um	conceito	mais	amplo	de	“direito	à	história”.		Quando	digo	direito	à	história	me	refiro	ao	acesso	às	condições	plenas	de	desenvolvimento	e	experiência	de	nossa	condição	humana,	e	não	uma	espécie	de	difusão	de	versões	simplificadas	de	caráter	pragmático	a	serviço	de	projetos	de	estados,	nações,	especialistas	ou	mercados:	“A	afirmação	da	disciplina	passou	sempre	pela	consciência	da	dificuldade	em	negociar	constantemente	suas	fronteiras	frente	às	múltiplas	pressões,	afirmar	que	a	historiografia	foi	apenas	uma	“ferramenta”	dessas	forças	é	ignorar	o	que	ela	tem	de	mais	fundamental,	a	capacidade	de	alargar	nossa	experiência	e	conhecimento	da	história,	de	voltar-se	contra	si	mesma,	mesmo	que	buscando	fora	de	suas	fronteiras	os	recursos	para	fazê-lo,	pois	a	ideia	de	autonomia	disciplinar	não	é	alheia	à	porosidade	de	suas	fronteiras,	muito	antes	a	exige”	(Araujo,	2016,	p.	89)	
Portanto,	há	importantes	diferenças	na	natureza	do	trabalho	do	historiador	quando	definimos	sua	tarefa	como	a	de	garantir	o	“direito	à	história”	e,	por	outro	lado,	afirmar	que	“Saber	história	é	um	direito”,	como	muito	oportunamente	foi	definido	pela	Anpuh	como	uma	bandeira	de	luta	para	o	campo.	A	disciplina	produz	um	conhecimento	controlado	e	é	natural	que	espere	que	a	sociedade	possa	ter	livre	e	amplo	acesso	a	esse	“produto”.	Por	outro	lado,	isso	não	deve	nos	impedir	de	reconhecer	que	o	saber	histórico	sempre	teve	outras	fontes,	em	última	instância	pelo	simples	fato	de,	em	existindo,	o	ser	humano	constantemente	produzir	interpretações	sobre	sua	situação.	Produzir	historiografias	depende	da	constante	interpretação	da	situação	histórica,	é	impossível	separar	completamente	esses	dois	polos.	O	mundo	moderno	tem	constantemente	democratizado	o	acesso	às	condições	para	a	escrita	e	representação	da	história,	a	representação	especializada	do	historiador	que	desde	o	século	XIX	procurou	garantir	seu	valor	privilegiado,	enfrenta	hoje	novos	e	renovados	desafios,	mas	não	devemos	ver	esses	desafios	nem	como	um	convite	irrecusável	para	o	desfazimento	das	diferenças	entre	o	conhecimento	histórico	disciplinar	e	aquele	produzido	fora	da	disciplina	em	diferentes	âmbitos,	nem	como	um	fenômeno	marginal	que	possa	ser	simplesmente	ignorado.	A	democratização	das	condições	de	produção	de	representações	históricas	é	um	fenômeno	complexo	e	ambivalente,	inseparável	do	processo	de	modernização	em	geral,	que	tanto	pode	apontar	para	a	banalização	e	congelamento	da	experiência	da	história,	quanto	para	o	seu	alargamento.	O	historiador	sempre	teve	e	pode	continuar	a	ter	um	papel	central	nessa	luta	pelo	direito	à	história.		
A	luta	pelo	direito	à	história	não	passa	apenas	por	gestos	individuais	e	voluntários,	mas	pela	disputa	institucional	e	política,	como	foi	aquela	que	permitiu	a	criação	de	arquivos,	universidades	e	profissões	que	garantissem	as	condições	mínimas	para	a	produção	do	conhecimento	historiográfico	moderno.	Hoje	essa	luta	passa	pela	regulação	da	mídia,	da	propaganda,	da	circulação	de	notícias	falsas,	por	uma	educação	emancipadora	que	permita	ao	cidadão	ter	acesso	às	condições	de	reflexividade	sobre	sua	situação	existencial.	A	simples	expansão	do	discurso	sobre	a	história	e	a	memória	não	pode	ser	confundida	com	sua	“democratização”,	se	algumas	dessas	fontes	estão	mais	comprometidas	com	a	afirmação	de	poderes,	privilégios,	preconceitos,	ou	a	edificação	de	lucrativos	negócios.	Não	queremos	apenas	colaborar	com	os	processos	de	naturalização	da	temporalidade	do	mercado	e	do	capitalismo	contemporâneo,	ser	mais	uma	fonte	de	distração	e	entretenimento,	não	apenas	ser	atual,	mas	fazer	a	história	colidir	com	o	“presente	atualista”	(Araujo	and	Mateus	2016).	
Assim	como	hoje	o	ensino	de	história	não	pode	ser	resumido	à	ideia	de	transposição	de	um	saber	disciplinar	para	o	espaço	escolar,	também	a	relação	com	a	demanda	e	produção	social	de	histórias	não	será	atendida	apenas	pelas	práticas	de	divulgação	científica,	embora	elas	sejam	fundamentais,	mas	deve	partir	do	reconhecimento	dos	diversos	sujeitos	e	suas	produções	locais	e	epistemologias,	surgindo	daí	mais	a	imagem	de	uma	circulação	do	que	a	de	uma	difusão	para	auditórios	cada	vez	mais	amplos.	Nesse	circuito,	talvez	o	historiador	possa	desenvolver	uma	nova	e	distinta	função	social,	aparecendo	como	“curador	de	histórias”.		No	capítulo	“Memória	coletiva	como	afirmação”	da	coletânea	“Heritage	and	Social	Media”,	de	2012,	Neil	Silberman	e	Margaret	Purser	assim	resumem	o	problema	a	partir	da	perspectiva	das	políticas	de	patrimônio,	trata-se	de:	“	[...]	capacitar	comunidades	contemporâneas	a	digitalmente	(re)produzir	ambientes	históricos,	narrativas	coletivas	e	visualizações	geográficas	que	aglutinem	essas	perspectivas	individuais	em	formas	e	processos	de	lembrança”	(Giaccardi	2012,	p.	14).	Os	autores	salientam	que	nesses	atos	de	curadoria	o	elemento	central	é	o	processo	ativado,	mais	do	que	simplesmente	o	produto	final	(Idem,	p.	26).	Este	mesmo	volume	trás	o	interessante	estudo	de	Sophie	B.	Liu	intitulado	“Curadoria	socialmente	distribuída	do	desastre	de	Bhopal”,	em	que	estuda	as	formas	pelas	quais	a	memória	da	catástrofe	de	1984	foi	reativada	socialmente	através	das	medias	digitais.	A	autora	parte	da	premissa	de	que	“As	emergentes	tecnologias	de	informação	e	comunicação	como	as	medias	sociais	estão	transformando	as	‘memórias	digitais’	em	artefatos	que	podem	ser	copiados,	remixados,	(re)presentados	e,	finalmente,	curados	on	line	de	modo	distribuído”	(Giaccardi	2012,	p.	31).	[9: “enable	contemporary	communities	to	digitally	(re)produce	historical	environments,	collective	narratives	and	geographical	visualizations	that	cluster	individual	perspectives	into	shared	forms	and	processes	of	remembering”.	][10: “Emerging	ICTs	like	social	media	are	transforming	‘digital	memories’	into	artifacts	that	can	be	copied,	remixed,	(re)presented	and	ultimately	curated	online	in	a	distributed	fashion”.	]
Estes	movimentos	não	estão	apenas	usando	o	passado,	mas	produzindo	saberes	históricos.	Quando	comunidades	como	as	de	Bento	Rodrigues,	cujo	espaço	de	existência	foi	dizimado	pela	catástrofe	da	Vale-Samarco-BHP	contam	e	produzem	suas	histórias	no	contexto	da	luta	porreparação,	o	trabalho	do	historiador	não	pode	pretender	apenar	substituir	esses	relatos	por	historiografias	profissionais,	mas	também	e	fundamentalmente	contribuir	para	amplificá-los	em	suas	dimensões	cognitivas	e	prático-políticas.	Um	esforço	para	o	qual	o	livro	“Vozes	de	Tchernóbil”,	de	Svetlana	Aleksiévitch,	pode	nos	servir	como	inspiração.		O	seu	trabalho	de	promover,	recolher,	selecionar	e	editar	relatos	orais	de	pessoas	comuns	sobre	a	catástrofe	está	mais	próximo	da	tarefa	de	um	curador	do	que	da	de	um	autor	de	histórias:	
“Quase	vinte	anos.	Encontrei	e	conversei	com	ex-trabalhadores	da	central,	cientistas,	médicos,	soldados,	evacuados,	residentes	ilegais	em	zonas	proibidas.	[...]	Essas	pessoas	conversavam,	buscavam	respostas.	Nós	pensávamos	juntos.”	(ver	página)		
Oi	ainda,	
	
“O	que	a	experiência	de	Tchernóbil	nos	deu?	Terá	nos	conduzido	a	esse	mundo	secreto	e	silencioso	dos	‘outros’”.	[refere-se	aqui	aos	animais]	
	
O	mesmo	poderia	ser	dito	acerca	das	narrativas	produzidas	e	difundidas	pelos	movimentos	sociais,	os	coletivos	negros	e	de	gênero,	o	Movimento	de	Atingido	por	Barragens,	dos	Sem	Terra	e	Sem	Teto,	pelo	Passe	Livre	e	as	ocupações,	mas	também	por	empresas	e	corporações	a	partir	de	outra	lógica	e	posição,	ou	ainda	pelas	pessoas	comuns,	que	graças	às	ferramentas	“sociais”,	colaborativas	e	de	compartilhamento	da	Web	2.0,	cada	vez	mais	têm	acesso	aos	meios	de	produção	e	difusão	e	sentem-se	motivadas	a	contar	as	suas	histórias.	O	historiador	pode	e	deve	tratar	essa	pluralidade	de	fenômenos	como	fontes	para	uma	historiografia	disciplinar,	mas	pode	também	atuar	tornando	essa	nova	dimensão	um	problema	em	si	mesmo.	O	foco	aqui	seria	menos	a	autoria	e	a	produção,	como	na	pesquisa,	mas	o	acolhimento	crítico	e	a	amplificação	de	oportunidades	e	ferramentas.			
Não	me	parece	portanto	acidental	que	diversos	trabalhos	elencados	nesse	balanço	reivindiquem	a	necessidade	urgente	de	se	pensar	novas	formas	de	autoria	e	autoridade	nas	humanidades,	apontando	para	formas	mais	colaborativas	e	compartilhadas	de	produção	de	conhecimento.	Não	deixa	de	ser	promissor	o	fato	de	que	muitos	dos	artigos	citados	são	em	co-autoria,	o	que	pode	ser	um	bom	sinal	da	superação	da	lógica	romântica	do	autor	com	sua	definição	metafísica	de	subjetividade,	que	se	acopla	à	lógica	liberal	do	trabalho	intelectual	como	equivalente	à	propriedade	individual	e	privada.		
Pensar	uma	nova	estratégia	de	comunicação,	circulação	e	democratização	do	direito	à	história	não	passa	apenas	ou	sobretudo	pela	reivindicação	de	que	o	historiador	deveria	escrever	melhor,	mais	literariamente,	seja	lá	o	que	isso	signifique.	Muitas	vezes	é	apenas	a	consolidação	de	preconceitos	linguísticos	vindos	de	uma	época	em	que	o	auditório	privilegiado	do	historiador	era	formado	pelas	elites	letradas.	Trata-se,	na	verdade,	de	compreender	os	regimes	de	autonomia	que	organizam	a	circulação	dos	discursos	em	nosso	mundo	e	atuar	em	todas	as	suas	dimensões.	Ao	lado	do	historiador-pesquisador	e	do	historiador-docente	estamos	vendo	emergir	o	historiador-curador,	para	isso	precisamos	reestruturar	nossos	cursos,	em	particular	nossos	bacharelados,	hoje	limitados	pela	tarefa	de	reproduzir	quadros	para	a	universidade	e	a	pesquisa.	Precisamos	transformar	nossas	graduações,	criar	instrumentos	institucionais	como	laboratórios	de	áudiovisual,	ampliar	os	produtos	nos	quais	se	espera	que	um	historiador	possa	se	comunicar,	redefinir	os	currículos	de	modo	que	possam	atingir	um	novo	universo	de	competências,	aproximar	o	campo	de	áreas	como	a	comunicação,	a	antropologia	e	as	ciências	da	informação.	Talvez,	explorando	a	dimensão	curatorial	do	trabalho	do	historiador,	poderemos	enfrentar	mais	decididamente	a	extensão	universitária,	que	tem	sido	apontada	por	autores	como	Rodrigo	Perez,	da	UFBA,	como	uma	das	respostas	na	busca	de	uma	epistemologia	para	tempos	de	golpe	e	desmonte	da	democracia.		
Ao	destacar	essas	três	vocações	do	trabalho	do	historiador	nossa	intenção	não	é	produzir	qualquer	tipo	de	isolamento,	no	limite,	as	habilidade	e,	jogo	nas	três	áreas	são	muito	parecidas,	deslocando-se	apenas	as	ênfases.	Da	mesma	forma,	espera-se	que	certas	práticas	desenvolvidas	em	um	âmbito	possa	contribuir	para	os	demais.	Tanto	a	sala	de	aula	do	ensino	básico	quanto	a	pesquisa	podem	se	beneficiar	por	conceitos	como	“produção	distribuída”	(crowdsourcing)	e	espaços	comunitários	de	cooperação	e	aprendizado,	duas	práticas	que	o	historiador	norte-americano	Charles	Upchurch		nos	convida	a	mobilizar	nas	salas	de	aula	do	ensino	superior,	cada	vez	mais	complexificadas	pelas	demandas	identitárias	(Upchurch	2017).		
A	curadoria	de	histórias	como	um	espaço	de	promoção,	seleção,	edição	e	reapresentação	de	histórias	socialmente	distribuídas	e	compartilhadas	deve,	entretanto,	responder	ao	desafio	de	decidir	que	histórias	curar.	A	premissa	da	democratização	e	do	acolhimento	da	diversidade	não	poderia	nos	levar	ao	risco	de	silenciar	frente	à	relatos	fundados	no	preconceito,	no	ódio	e	na	manipulação?	Mesmo	aqui	devemos	nos	perguntar	quais	as	aporias	do	discurso	histórico	disciplinar	comprometido	com	o	direito	à	história?	Quais	são	seus	valores	incontornáveis?	Aqui	listaremos	apenas	três	que	consideramos	incontornáveis.	O	pergunta	pela	verdade	do	acontecimento,	a	defesa	da	democracia	e	o	respeito	à	diversidade.	Celebrar	e	amplificar	a	diversidade	que	celebre	a	diversidade,	que	saiba	se	alimentar	do	outro	ao	mesmo	tempo	em	que	o	edifica,	e	condenar	a	diversidade	autorreferida,	que	para	se	afirmar	precise	reduzir	o	outro	a	si	mesmo.	Certamente	que	não	poderemos	contar	com	uma	prescrição	teórica	que	nos	garanta	uma	fórmula	para	guiar	nossas	decisões	concretas,	mas	como	historiadores	sabemos	que	a	sabedoria	prática,	a	que	vem	da	experiência,	é	capaz	de	nos	guiar	nas	decisões,	ao	mesmo	tempo	em	que	nos	mantém	aberto	a	sua	contínua	retificação.	A	democracia	e	a	verdade	são	valores	aporéticos	e	condição	para	a	universilização	do	direito	à	história	que	devem	orientar	o	historiador	em	sua	função	social	de	curador	de	histórias.	Isto	nos	permitiria	desqualificar	qualquer	discurso	histórico	que	tenha	como	pressuposto	a	negação	desses	valores.		
A	curadoria	de	histórias	em	sua	dimensão	crítica	certamente	envolve	o	enfrentamento	dos	relatos	de	ódio	e	preconceito,	a	função	de	"curador"	aponta	nessa	direção,	não	apenas	ou	sobretudo	pelo	silenciamento	dessas	(anti)histórias,	mas	por	sua	desestabilização.	Muitas	vezes	o	deixar	falar	em	um	ambiente	de	diálogo	paritário	pode	contribuir	para	desestabilizar	essas	narrativas,	isso	para	não	dizer	dos	procedimentos	críticos,	que	precisam	ser	reforçados,	mas	que	sozinhos	não	resolvem.	A	curadoria	em	história	deve	igualmente	contribuir	para	a	construção	de	políticas	públicas	que	sejam	eficazes	na	defesa	do	direito	à	história,	protegendo	a	sociedade	de	usos	espúrios	e	da	privatização	e	mercantilização	desses	valores,	certamente	mais	ameaçados	do	que	nunca	quando	a	Web	3.0	promete	tornar	toda	informação,	no	limite	todo	o	real,	em	um	imenso	banco	de	dados	organizado	por	redes	semânticas	cujas	lógicas	estruturadoras	estarão	a	serviço	dos	interesses	que	as	promovem.		
No	debate	acerca	do	movimento	“Escola	sem	Partido”	há	uma	tendência	de	reforçarmos	o	papel	quase	doutrinal	do	Ensino	de	História,	mesmo	com	as	boas	intenções	de	sempre,	esse	gesto	é	bastante	arriscado	por	diversos	motivos,	a	começar	por	alimentar	a	própria	agenda	supostamente	antidoutrinária	dessas	propostas.	O	ponto	que	gostaria	de	insistir	é	que	o	foco	poderia	deixar	de	ser	apenas	o	"saber"	ou	"conhecer"	história,	mas	também	a	amplificação	de	nossa	capacidade	de	contar	e	ouvir	(ler,	ver,	tocar)	histórias	como	gesto	de	alargamento	do	humano,	como	condição	de	empatia	e	educação	para	a	democracia.		
Gostaria	de	concluir	este	artigo	recordando	as	palavras	de	Temistócles	Cezar	em	recente	artigo	de	balanço	sobre	os	impactos	do	Giro	Linguístico	na	historiografia	brasileira,	considerado	por	ele	uma	“[...]	brecha,	um	gap	no	sentido	que	lhe	atribui	Hannah	Arendt,	ou	seja,	um	“estranho	entremeio	no	tempo	histórico,	onde	se	tomaconsciência	de	um	intervalo	no	tempo	inteiramente	determinado	por	coisas	que	não	são	mais	e	por	coisas	que	não	são	ainda”	(ARENDT	1992,	p.	35-36)”.	(p.	451).	(Cezar,	2015,	p.	451)	Frente	a	esses	momentos	de	crise,	nos	caberia	“[...]	tentar	nos	reaproximar	do	clima	histórico	marcado	pela	instabilidade,	que,	ao	mesmo	tempo,	assusta	e	incita”	(Idem,	p.	455).	Ou,	em	uma	paráfrase	de	Foucault,	as	ciências	Humanas	estarão	em	perigo	enquanto	forem	perigosas.	
	
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