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MARÇAl JUSTEN FILHO TEORIA GERAL DAS N CONCESSOES DE, SERViÇO PUBLICO II~II São Paulo - 2003 IR Nesse sentido, BIELSA, ob. cit., p. 420. rão no domínio público. O concessionário não poderá praticar qualquer ato, no curso do prazo da concessão, que inviabilize a posterior reversão dos bens.18 Essa duplicidade de regime jurídico é compatível com a natureza comple- ~a d~ concessão. Afinal, .a situação jurídica do concessionário perante os usuá- nos e extr~~amente slm~lar à do Esta?o. O concessionário assume o desempe- n.hodas atividades estataIS, sendo-lhe Impostos deveres-poderes peculiares. As- slln se passa, por exemplo, com a objetivação da responsabilidade civil. Esse regime jun:dico acarr~ta a identidade de tratamento jurídico entre os bens públi- cos e os pnvados aplIcados à prestação do serviço público. Obse~ve-se que mesm~ recursos financeiros do concessionário poderão es- t~r a~rangldos na regra da IInpenhorabilidade. Suponha-se que o concessioná- no ?Isponha. de depósitos bancários e os fundos destinem-se à liquidação de dé?ltos_relaclO.nadoscom a execução da concessão: pagamento de salários, li- qUldaçao de tnbutos ou realização de investimentos para ampliação dos servi- ços, .por exemplo. Não será facultado a um credor pleitear a apreensão dos valo- res, ~nvocandopretensões fundadas em direito privado. Se aquelas verbas forem destmadas à manutenção da continuidade do serviço público, serão imunes a penhora ou apreensão judicial. 549 X.2) ~onsiderações Gerais sobre a Relação entre Sociedade e Usuários E usual, no tratamento do instituto da concessão, presumir a comunhão de interesses entre a Sociedade e os usuários, tomando como suficiente a tutela aos usuários para assegurar os interesses coletivos. Essa formulação que deve ser tomada com grande cautela, tal como apontado em inúmeras passagens anterio- res. A expressão usuário indica o conjunto de indivíduos (pessoas físicas e ju- rídicas) que demandam, efetiva ou potencialmente, a fruição dos serviços públi- cos objeto da concessão. O critério de identificação da condição de usuário, por- tanto, reside nessa comunhão no tocante à necessidade a ser satisfeita por meio Capítulo X - Posição Jurídica dos Usuários X.I) O Conceito de "Usuário" A expressão usuário é utilizada para indicar todos os sujeitos que, em tese, possam vir a utilizar-se do serviço público, ainda que concretamente não o fa- çam. Portanto, o usuário em potencial não é distinguido do USUál10efetivo. Em princípio, usuário é o indivíduo, mas se admite que associações e ou- tras formas institucionais de organização de interesses e pessoas sejam configu- radas como tal. O conceito de usuário poderia ser aproximado ao de pessoa, mas nem sem- pre haverá identidade jurídica. Há usuários que não são reconhecidos como pes- soas pelo Direito (tal como condomínios, sociedades não personificadas etc.). Mas impõe-se a existência 51ealgum vínculo entre o sujeito qualificado como usuário e um ser humano. E evidente que um animal que se encontra num va- gão de trem não pode ser qualificado como usuário. Não se confunde usuário com cidadão. Não há requisito da titularidade de direitos políticos para alguém ser usuário de serviço público. O regime de tute- Ia ao usuário não visa a proteger objetivamente interesses legítimos e não se iden- tifica com a disciplina da ação popular. Não se indaga sobre a nacionalidade do usuário. Como tal se pode configu- rar um estrangeiro. Nem mesmo há requisitos atinentes à capacidade de fato. A fruição do ser- viço público não pressupõe - ao contrário do que se pensava no passado - uma fórmula contratual privada, cujos requisitos de validade seriam determinados segundo o direito privado. Portanto, um absolutamente incapaz pode (e, muitas vezes, necessita) usufruir o serviço público. Também não se reputa de maior relevância jurídica a utilização do concei- to de cliente, tal como pretendem alguns arautos da renovação do conceito de serviço público. A expressão nada acrescenta ao universo jurídico, a não ser aproximar o tratamento do serviço público aos institutos de direito privado, sem que isso possa afastar a aplicação de princípios fundamentais inerentes e insu- primíveis ao regime publicístico. Ademais, não se reputa cabível aplicar ao serviço público o conceito de consumidO!;por motivos que serão expostos adiante. Enfim, o conceito de usuário é dependente e derivado da utilização do ser- viço público. TEORIA GERAL DAS CONCESSÕES DE SERViÇO PÚBLICO548 dos serviços públicos. É evidente que é extremamente variável a dimensão das necessidades individuais em face do serviço público concedido, tal como é va- riado e heterogêneo o universo remanescente das circunstâncias dos diferentes usuários. O vocábulo Sociedade indica o conjunto global de indivíduos, considerados em conjunto e em termos unitários em vista de uma pluralidade de circunstân- cias comuns, de compartilhamento de valores, de identificação quanto a neces- sidades comuns. Pode-se supor que, em termos quase absolutos, todos os usuários integram a Sociedade. Mas seria um excesso asseverar que a Sociedade se reduz aos usuá- rios. Por mais essencial que seja a necessidade a ser atendida por meio do servi- ço público, é impossível identificar usuário e Sociedade. É que os critérios defi- nidores das duas categorias são distintos. O que une e vincula os usuários entre si é a fmição do serviço. Já os vínculos que conduzem à configuração da Socie- dade são muito mais extensos e intensos. Ser usuário é uma eventualidade, en- quanto integrar a Sociedade é uma qualificação essencial ao sujeito. Em outras palavras, sempre será possível identificar, numa Sociedade, duas categorias. Haverá os usuários e os não usuários de serviços públicos. 551MARÇAL JUSTEN FILHO X.2.2) O segundo equívoco: a ausência de homogeneidade da categoria dos usuários Mas há outro equívoco subjacente, relacionado com a consideração dos usuários como uma categoria homogênea. Ora, o único ponto em comum entre os usuários reside na circunstância de que todos usufmem efetiva ou potencial- mente do sistema. Cada usuário possui interesses próprios e peculiares, inclusi- ve no tocante à fruição do próprio serviço público. Em alguns casos, a distinção é tão evidente que conduz a tratamento jurídico diverso, tal como se passa com usuários residenciais e não residenciais para fins de serviço público de energia elétrica ou de telecomunicações. Não é possível enfocar de modo homogêneo os usuários de serviço público que deles se valem para fins empresariais, geran- do riquezas e obtendo lucros. A situação é diversa quanto a outros, que se va- Iem dos referidos serviços para satisfação de necessidades imediatas à própria sobrevivência. Ou seja, os indivíduos absolutamente carentes, residentes em habitações precárias, são tão usuários dos serviços de energia elétrica quanto os integran- tes dos extratos economicamente mais privilegiados. Tratar a todos eles como titulares de interesses comuns e homogêneos seria ofensivo aos mais basilares princípios jurídicos. X.2.3) A alteração do critério de repartição dos encargos e de distribuição de vantagens _ , Não se olvide, ademais disso, que a consagração da concessao conduz a alteração do critério de repartição das cargas necessárias ao custeio do serviço. Antes de promovida a outorga e na medida em que o serviço fosse custea- do com recursos públicos em geral, aplicava-se o processo político comum, en- volvendo critérios indeterminados e difusos. A captação de recursos estatais faz- se, de modo geral, por via tributária, o que envolve apropriação segundo o prin- cípio da capacidade contributiva. Ademais diss?, a partilh~ ~e recursos para manutenção do serviço público resulta de um conjunto de declsoes governamen- tais não sujeitas a controle externo. ainda, o critério de repartição dos encargos passa a serdistinto, na medida em que, antes da concessão, era indiferente a intensidade com que o sujeito se valia do serviço público. A decisão de delegar o serviço para sua prestação por meio de concessão envolve, de usual, a alteração de uma regra radical, significa atribuir ao usuário o dever de arcar com os custos do serviço que recebe e fazê-lo na medida da in- tensidade com que o consome. Daí afirmar-se que a existência da concessão conduz, de modo direto, à desoneração econômica da Sociedade e à oneração econômica dos usuários. Ou, para ser mais preciso, conduz à concentração da oneração econômic.a.necess~- ria à prestação do serviço público nos extratos da Sociedade que ~tlhzam tais serviços. Logo, a concessão de serviço público configura-se como mst~~ento de redistribuição de riqueza, na medida em que afeta o modo de repartlçao das cargas financeiras necessárias à prestação do serviço público. Por todos esses fatores, é evidente o equívoco envolvido na confusão entre interesse da Sociedade e interesse dos usuários. TEORIA GERAL DAS CONCESSÓES DE SERViÇO PÚBLICO550 X.2.1) O primeiro equívoco: tomar interesse da Sociedade por interesse dos usuários Mas a questão mais séria reside na tentativa de identificar interesse do usuá- rio e interesse social, especialmente tomando este por aquele. É comum esse equívoco e também ele nem sempre é inocente. Trata-se de afilmar que o inte- resse coletivo atinente a um serviço público se confunde com o interesse dos usuários. A afirmativa é equivocada, a toda evidência. Quando se afirma que o serviço público envolve interesse público, não se está aludindo ao interesse do usuário ou coletivo dos usuários. O interesse público na prestação do serviço público consiste no interesse da Sociedade, que poderá coincidir com o interesse dos usuários - mas será mera coincidência. O tema já foi acima ventilado e deve ser novamente enfrentado, eis que a divergência entre interesse de usuário e interesse da Sociedade tende a se afir- mar com a escolha da opção da delegação à iniciativa privada, sob regime de concessão. Talvez fosse possível afirmar que a dissociação entre interesse dos usuários e interesse da Sociedade se afirma pela própria escolha de implementar uma concessão de serviço público. É que, antes da outorga, o fornecimento do servi- ço público faz-se usualmente sem contrapartida de remuneração, sendo presta- do gratuitamente. Ora, é evidente que não existe serviço público gratuito. A circunstância de o usuário receber o serviço sem contrapartida não significa que o serviço seja gratuito. Ele é custeado com recursos públicos, obtidos por diversas vias - das quais a principal reside na cobrança de impostos. A concessão importa, neces- sariamente, a adoção de um sistema tarifário, em que o usuário arca com os cus- tos correspondentes às utilidades que recebe. Ou seja, o serviço público, antes da delegação ao particular, era custeado pela Sociedade. Depois da outorga, passa a ser custeado pelos usuários. Mais A matéria foi objeto de considerações ao longo de diversos capítulos desta obra. Com a implantação da concessão, elimina-se a transferência externa de re- cursos. O custeio passa a ser obtido internamente, a partir dos recursos dos pró- prios usuários. E a partilha dos encargos faz-se em função da intensidade do uso. Trata-se de uma alteração radical, com reflexos extremamente severos sobre as categorias mais pobres da população. 553MARÇAL JUSTEN FILHO x'2.6) A personificação da Sociedade nos usuários Realizada essas diferenciações e com a devida cautela, até se pode perso- nificar a Sociedade nos usuários. É evidente q4e a Sociedade, como instituição difusa e não organizada, é incapaz de manifestar-se concretamente, nem dispõe de instrumentos para identificar e exteriorizar seus interesses. Nem seria prati- cável pretender auscultar a Sociedade, o que se traduziria sempre numa ativida- de errática e tendente à demagogia. Cabe, então, assegurar aos usuários (e a suas associações) a função de re- presentação não apenas dos próprios interesses, mas também dos interesses da Sociedade. Caberá à associação dos usuários a legitimidade para acompanhar o processo de conformação da outorga, o procedimento licitatório e a contratação. Depois, caber-lhe-á o poder de fiscalização da atuação do concessionário e a interferência na gestão da concessão por parte do poder concedente. Haverá uma presunção relativa de que o interesse titularizado pelos usuários será aquele da Sociedade. Mas essa presunção é meramente relativa e pode ser desconstituída a qualquer tempo. É imperioso tomar em vista que os usuários vocalizam um interesse egoís- tico próprio - o qual é merecedor de plena e inafastável tutela. Mas isso não sig- nifica que esse interesse tenha de ser tutelado na sua integralidade, identificável como sendo "o" interesse público. Conduzindo a mesma questão por outra via, pode dizer-se que existem in- teresses dos usuários protegidos e garantidos, inclusive na dimensão constitucio- nal. O que não se pode tomar como certo é que o interesse público se reduza ao X.2.S) A necessidade de diferenciação para fins jurídicos É necessário promover as diferenciações acima, quando se examina a rela- ção entre concessão de serviço público e interesse público. É imperioso reconhe- cer que os usuários são titulares de interesses que merecem e exigem tutela - mas que se configuram como uma parcela do interesse público. Mas não é possível reduzir o interesse público apenas ao interesse dos usuários. O equívoco tende a produzir um efeito repudiado pela Sociedade: transferir para ela os encargos necessários à prestação do serviço aos seus usuários. Não é casual a exigência de lei autorizando a outorga da concessão, eis que se trata de meio para afirmação da vontade da Sociedade de afastar de si um encargo específico e determinado. Editada a lei, não é possível ignorar a vonta- de legislativa e produzir a desnaturação da concessão. É imperioso reconhecer que o interesse da Sociedade pode ser contraposto ao interesse dos usuários. Se tal vier a ocorrer, não será possível solucionar a disputa mediante um simples critério quantitativo, do que resultaria o inevitável sacrifício da minoria. Cabe- rá avaliar os princípios jurídicos e as garantias inerentes à Democracia. Em suma, poderá ou não tutelar-se o interesse dos usuários, a depender da questão tratada. Mas não será possível afirmar, de modo puro e simples, que interesse público e interesse dos usuários se confundem e identificam. quando todos os integrantes da Sociedade fossem usuários de um serviço, per- maneceria aplicável o raciocínio, na exata medida em que a distribuição da ri- queza não é homogênea e que cada qual é titular de capacidade econômica di- versa e faz uso dos serviços públicos com intensidade diferente. TEORIA GERAL DAS CONCESSÓES DE SERViÇO PÚBLICO552 X.2.4) A concretização do raciocínio A relevância dessa diferenciação até conduz à necessidade de fornecer exemplo concreto, que permita compreender a extensão das diferenças. Suponha-se um dos Estados brasileiros mais ricos. Imagine-se uma rodo- via federal ali implantada e mantida com recursos públicos, sem pedágio. Essa situação equivalia ao efeito de toda a Sociedade brasileira custear a existência e manutenção daquela rodovia. Seus usuários estariam sendo beneficiados por recursos arrecadados de todos os extratos da população (inclusive dos não usuá- rios de rodovias). Isso significa que haverá uma transferência de riqueza dos demais Estados para aquele em queexiste a rodovia implantada e mantida gra- tuitamente. Imagine-se que se promove a concessão para exploração da rodovia, fixan- do-se como critério de julgamento a maior oferta. Fixa-se a tarifa em valor mui- to elevado, que ultrapassa largamente os custos de ampliação e manutenção da rodovia. Uma empresa formula proposta de grande vulto financeiroe assume o empreendimento, pagando largas somas ao poder concedente. Nessa hipótese, os usuários da rodovia estarão custeando não apenas a manutenção daquela ro- dovia, mas transferindo valores ao poder concedente, o qual se valerá deles para gerar vantagens e benefícios para os não usuários daquela rodovia. Então, have- rá uma transferência de riqueza daquele Estado para os demais, na medida em que a utilização da rodovia produz uma redistribuição patrimonial. I Em outras palavras, a disputa sobre o modelo de prestação de serviço pú- blico encobre uma discussão muito mais ampla, relacionada com a defesa de interesses econômicos corporativos e individuais. Esses exemplos destinam-se a evidenciar, em termos mais concretos, a di- ferença entre interesse dos usuários e interesse da Sociedade. A fixação de tari- fas desproporcionadas ao custo da manutenção do serviço público alicerça-se no argumento da realização do interesse da Sociedade, ainda que claramente seja contrário ao interesse do usuário. Sem tomar partido de qualquer das alternati- vas, o que é evidente é a impossibilidade de afirmar que a pretensão do usuário de obter a redução da tarifa corresponderia ao interesse de toda a Sociedade. A redução da tarifa traduzir-se-á na supressão de verbas destinadas ao atendimen- to do interesse dos não usuários da rodovia - que são a maioria da população. Isso não equivale a afirmar que o interesse da maioria da Sociedade deve preva- lecer sobre o interesse dos usuários ou vice-versa. O que não se pode incorrer é no equívoco de ignorar a realidade subjacente da pluralidade de interesses en- volvidos na discussão. Os exemplos envolvem concessões de rodovias mas o raciocínio pode ser estendido a qualquer outra concessão. É evidente, no entanto, que a ampliação do universo de usuários tende a tornar menos nítida a distinção. No entanto, ainda X. 4. 1 ) A questão do serviço público e o Código de Defesa do Consumidor A primeira questão a ser versada, a propósito do regime jurídico atinente à posição dos usuários refere-se à aplicação da legislação de defesa do consumi- 555MARÇAL JUSTEN FILHO dor. Veja-se que o art. 7° da Lei n° 8.987 assegura a incidência cumulativa das normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) e do Direito Administrativo, o que gera inafastável perplexidade. X.4.1.1) A origem do Direito do Consumidor e da natureza do serviço público Um aspecto que usualmente passa desapercebido ao estudioso reside em que o chamado Direito do Consumidor teve origem na cultura anglo-saxã, mormen- te na experiência norte-americana. Ocorre que, nos EUA, não se adota a noção de serviço público vigente entre nós. Todas as atividades econômicas se subor. dinam aos princípios fundamentais da livre iniciativa, com algumas ressalvas e limitações (mormente no tocante às chamadas public utilities).3 Ignora-se a con- cepção da titularidade estatal de certas atividades e não existe figura exatamen- te idêntica à da concessão de serviço público. Para os fins do presente estudo, é importante destacar que o modelo norte- americano resultava na ausência de poderes estatais para disciplinar atividades econômicas de interesse coletivo, intervindo em favor do interesse do usuário. Ao longo do tempo, o panorama foi-se alterando (especialmente durante as dé- cadas de 1960 e 1970, quando foram criadas inúmeras comissões encarregadas de promover a chamada regulação social). Mas a evolução do Direito do Con- sumidor, no âmbito norte-americano (e, mesmo, inglês) resultou da concepção de não incumbir ao Estado a prestação direta e imediata de prestações destina- das à satisfação de necessidades coletivas. A evolução de normas de tutela ao consumidor, especialmente no tocante a monopólios naturais, resultou da cons- tatação de que os mecanismos próprios de mercado eram incapazes de produzir seus efeitos próprios de controle do poder econômico. A situação de monopólio ou oligopólio propiciava à parte economicamente mais forte impor à mais fra- ca, sacrifícios insuportáveis e abusivos. A decorrência da omissão estatal seria a infração da direitos e liberdades reputados como relevantes, tal como a eleva- ção da ineficiência do sistema econômico em seu conjunto. Por isso, foi-se afirmando a necessidade de criação de mecanismos de con- trole do poder econômico, não apenas no plano macroeconômico, mas também no relacionamento direto e imediato com os consumidores. Sob um certo ângu- lo, o Direito do Consumidor é uma espécie de segunda face do Direito antitrus- te, buscando-se em todos os casos evitar as distorções produzidas pelos meca. nismos de mercado. Sob certo ângulo, o Direito do Consumidor desempenha, no ordenamento jurídico norte-americano, a função assumida entre nós pelo instituto do serviço público. São alternativas diversas para a tutela dos mesmos princípios e valores. Vale dizer, o sistema anglo-saxão remeteu a satisfação das necessidades essen- ciais à iniciativa privada, mas reservou a aplicação de um regime próprio e pe- culiar, destinado a tutelar o usuário. A mesma necessidade conduziu outros or- denamentos a atribuir a titularidade do exercício das mesmas atividades ao Es- tado, subordinando seu desempenho ao regime de Direito Público. Aliás e não por acaso, a ampliação do relevo do Direito do Consumidor, na Europa continental, foi proporcional e correspondente à redução da importân- Para análise do modelo norte-americano e das diferenças em face do conceito de serviço público, consulte-se a obra do autor, O Direito das Agências Reguladoras Independen. tes, cit., pp. 70 e ss. TEORIA GERAL DAS CONCESSÕES DE SERViÇO PÚBLICO554 interesse dos usuários e que, como decorrência, deva o interesse dos usuários receber o tratamento jurídico de supremacia e indisponibilidade reservado ao dito interesse público. Enfim, todos os segmentos da Sociedade são titulares de interesses egoísti- cos. O concessionário (que integra a Sociedade) pretende obter lucro; o usuário quer o melhor serviço com a menor tarifa (se possível, sem tarifa alguma); o não usuário busca reduzir os custos a ele transferidos, inclusive quando isso se pro- duz por meio de elevação de carga tributária. o dispositivo tem a seguinte redação: "Sem prejuízo do disposto na Lei n° 8.078, de II de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: I . receber serviço adequa- do; 11 - receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos; 111- obter e utilizar o serviço, com liberdade de esco- lha, observadas as normas do poder concedente; IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço; VI - contribuir para a permanência das boas condições dos serviços públicos através dos quais lhes são prestados os serviços." X.3) Os Usuários como Parte na Relação de Concessão Nos termos ora refetidos, pode reputar-se que os usuários integram a rela- ção jurídica de concessão como parte. A questão envolve três grandes controvér- sias, as quais já foram em parte examinadas acima, quando se enfocou a nature- za da relação jurídica de concessão. A primeira consiste em admitir que a relação jurídica da concessão é inte- grada não apenas pelo poder concedente e pelo concessionário. A segunda reside em afirmar que a Sociedade participa da relação de con- cessão, sendo atribuída aos usuários a legitimidade para participar do vínculo. A terceira envolve a admissão da restrição da participação dos usuários, os quais não teriam posição jurídica equivalente àquela atribuída às outra partes. Cabe complementar esse exame, nos tópicos abaixo. X.4) Regime Jurídico da Subposição dos Usuários É problemático reconhecer aos usuários situações jurídicas discriminadasem face exclusivamente do poder concedente ou apenas frente ao concessioná- rio. A posição jurídica dos usuários tende a ser uniforme relativamente ao poder concedente e concessionário indistintamente, no seu relacionamento externo. Na medida em que não se distingue, em face do usuário, o concessionário do poder concedente, são muito específicas e limitadas as situações em que o conteúdo da situação jurídica do usuário seria material ou formalmente diverso em rela- ção a eles. Assim, por exemplo, o usuário tem direito a obter um serviço adequado, mas esse direito tanto pode reputar-se como dirigido perante o poder concedente como perante o concessionário. Na sua essência, o conteúdo da posição jurídica do usuário está sumariado no art. 7° da Lei n° 8.987.2 cia do instituto do serviço público. A propugnada extinção do serviço público geraria lacuna a ser preenchida preponderantemente pelo Direito do Consumi- dor. Na medida em que todos os serviços de interesse coletivo passassem a ser exercitados sob regime de mercado, o instrumento jurídico apropriado para tu- teia dos usuários seria o Direito do Consumidor. Também por isso, o Direito do Consumidor não se vincula propriamente nem ao direito público nem ao privado. Desenvolveu-se como instrumento de tutela perante o Estado tanto quanto perante os agentes econômicos. Até se po- deria cogitar de um direito público do consumidor e de um direito privado do consumidor, conforme a disciplina envolvesse atividade desenvolvida no âmbi- to público ou privado. Mas se é possível localizar um núcleo comum a todas essas regras e princípios, isso não significa que relações jurídicas de direito público sejam submissíveis a uma disciplina idêntica, no tocante ao consumidor, àquela que se aplica às relações privadas. Portanto, até se poderia questionar se o Di- reito do Consumidor teria atingido o destaque que alcançou no cenário anglo- saxão se lá prevalecesse um conceito de serviço~público. Essa cogitação deriva de que o instituto do serviço público é moldado sobre a concepção da necessi- dade de restrição e limitação do poder econômico e de mercado de certos agen- tes econômicos. Para assegurar a satisfação dos interesses coletivos, determinou- se sua integração no patrimônio e no regime de direito público. X.4.1.2) Um reflexo significativo da diferenciação e a democratização do serviço público O acolhimento entre nós do Direito do Consumidor provoca dificuldades no âmbito do serviço público, especialmente porque o regime de serviço público assegura ao poder concedente algumas faculdades e prerrogativas anômalas, não conhecidas no ambiente anglo-saxão. Tais competências estatais derivam da concepção de incumbir ao Estado promover a tutela e a defesa dos usuários do serviço público. Ou seja, o regime de serviço público produz a atribuição de duas compe- tências na pessoa do Estado. Cabe-lhe não apenas prestar o serviço como tam- bém regular as condições de sua prestação. Já no sistema do Direito do Consu- midor, o Estado é titular apenas da segunda competência, incumbindo a presta- ção dos serviços à iniciativa privada. Ora, essa cumulação das competências própria do regime de serviço públi- co é apta a gerar um potencial conflito de interesses, com o risco de ausência de suficiente tutela ao usuário. É que o exercício pelo Estado da sua competência regulatória tenderá a privilegiar seus interesses secundários, deixando em segun- do plano o interesse dos usuários.4 Portanto, a pura e simples existência do ser- viço público não acarreta a necessária e satisfatória tutela do interesse do usuá- rio. A primeira dificuldade relevante residia na concepção clássica do Direito Administrativo que identificava Estado e Sociedade. Portanto, reputava-se que o usuário carecia de legitimidade para questionar os atos do poder concedente, Sob um certo ângulo, esse tipo de enfoque é subjacente ao pensamento de diversas dou- trinas econômicas, agrupadas sob o título Publie Choice (Escolha Pública), que preconi- za que o interesse pessoal dos governantes é privilegiado em face dos interesses dos ci- dadãos. 557MARÇAL JUSTEN FILHO X. 4. 1.3) A relativa incompatibilidade entre os regimes referidos Ocorre que nem sempre é possível conciliar o regime de Direito Público com aquele do Direito do Consumidor. A cumulação do mecanismo de serviço pú- blico e de Direito do Consumidor provoca um conflito de competências e de regime jurídico, cuja solução deve ser realizada com cautela. Um exemplo permite compreender de imediato o problema. Segundo o Di- reito do Consumidor, é obrigatório o empresário manter a oferta realizada nas condições originais. Já no âmbito do serviço público, a mutabilidade é da sua inerência. Suponha-se, então, o caso da telefonia fixa. Imagine-se que o conces- sionário estabeleça relação jurídica com o usuário, orientando-se por determi- nada regulamentação do poder concedente. Se houver necessidade e conveniên- cia, o poder concedente alterará as regras pertinentes, com reflexos na situação jurídica do usuário. Em face do regime de Direito Administrativo, o usuário não poderia invocar direito adquirido à manutenção do regime jurídico. Mas sua pretensão poderia encontrar respaldo no regime característico do Direito do Consumidor. Não seria excessivo afirmar que a concepção do serviço público defere ao poder concedente a função de tutelar e defender o interesse coletivo (aí abrangi- resolvendo-se sua insatisfação por manifestações no âmbito do processo eleito- ral. Escolhas inadequadas do governante, relativamente aos serviços públicos, poderiam acarretar como única conseqüência a derrota eleitoral. Esse enfoque vai sendo superado, na medida em que se reconhece que o poder concedente não é "representante" da Sociedade, sendo perfeitamente cabível (e necessário) di- ferenciar os interesses públicos estatais daqueles públicos não-estatais. Mas a mera atribuição de legitimidade aos usuários para questionar as de- cisões regulatórias não resolve a questão, na medida em que passaram eles a se deparar com as restrições inerentes ao regime de Direito Público. Entre elas, há aquela (também herdada do passado) que impõe uma espécie de presunção ab- soluta de que todas as decisões adotadas pelo poder concedente seriam as mais vantajosas para os usuários - asserção cuja procedência não pode ser presumida e deve ser comprovada caso a caso. Mais ainda, o problema reside em que o re- gime de Direito Público constitui-se em obstáculo a que os usuários comprovem e demonstrem a insuficiência das soluções regulatórias produzidas pelo Estado. Afinal, grande parte das escolhas regulatórias exercitadas pelo poder conceden- te enquadram-se no conceito de discricionariedade administrativa, o que con- duz à impossibilidade de controle sobre o mérito de atos administrativos. Esse estado de coisas conduziu à contínua deterioração da qualidade dos serviços públicos, de modo a generalizar-se a insatisfação e tornar-se impossí- vel manter a recusa quanto ao controle de decisões cujos equívocos, despropó- sitos e abusos eram, em certos casos, inquestionáveis. Assim, vão sendo afirmadas novas concepções a propósito dos serviços públicos, inclusive com a preconizada dissociação entre as competências regu- latória e executiva. Nesse contexto, torna-se compreensível a proposta de estender ao âmbito dos serviços públicos o regime do Direito do Consumidor. Desse modo, even- tuais excessos ou abusos praticados pelo poder concedente poderiam encontrar uma limitação mais satisfatória. TEORIA GERAL OAS CONCESSÕES OE SERViÇO PÚBLICO556 do também o interesse dos usuários). Já o Direito do Consumidor assegura ao próprio consumidor e às entidades da Sociedade a função de sua defesa (sem que isso exclua a intervenção de órgãos estatais). É fundamental tomar em vista, então, que a aplicação das normas de Direi- to do Consumidor não pode fazer-se emface do serviço público com a idêntica extensão aplicável no caso de relações puramente privadas, relacionadas com a exploração de atividade econômica em sentido restrito. No caso das relações jurídicas privadas, não se põe em questão interesse público transcendente à órbita das partes. Existem, então, cinco características diversas, que tornam inconfundíveis negócios privados e serviço público, cons- tituindo-se em limitação à aplicação indiscriminada do regime de Direito do Consumidor. X 4.1.3.1 ) Serviço público como desempenho de função pública A primeira distinção reside na situação do prestador do serviço. O presta- dor do serviço privado estrutura sua operação econômica com finalidade diver- sa da satisfação do interesse público. Ele busca obter o maior lucro possível, tendo em vista os princípios da atividade econômica em sentido estrito (CF/88, art. 170). Já o prestador do serviço público desempenha atividade disciplinada pelos princípios de direito público e apenas pode intentar a satisfação egoística de seu interesse de lucro na medida em que se realize o interesse público. Quem presta o serviço público é o Estado, que exercita poderes de que é titular o povo. Logo, quem presta o serviço público é a própria comunidade, em última análi- se. O interesse público que entranha a prestação do serviço público significa, que o usuário é titular de interesses assemelhados aos do prestador. Portanto, as de- cisões regulatórias podem estar erradas, mas isso não autoriza generalização nesse sentido - o que seria tão despropositado quanto a consagração de entendi- mento radicalmente oposto. Ou seja, o poder concedente estrutura a prestação do serviço visando, em princípio, o interesse generalizado da Sociedade. Já na hipótese de prestação de serviço privado, o prestador pode valer-se da autonomia outorgada constitucionalmente (CF/88, arts. 170, parágrafo único, e 174). Prevalecendo-se de seu poderio econômico, poderá produzir situações de abuso em face do usuário. Já os serviços públicos são organizados segundo pa- râmetros diversos, sem qualquer autonomia dessa ordem. Para colocar a questão na linguagem do Direito Administrativo, a prestação do serviço público corresponde a uma função pública, diversamente do que se passa no tocante a empreendimentos privados. Por isso, muitas restrições ou li- mitações impostas ao consumidor do serviço público podem justificar-se em face do interesse público, o que usualmente não ocorre no âmbito das atividades eco- nômicas privadas. Logo, é possível presumir uma diferença fundamental, que não pode ser ignorada a propósito da aplicação do regime de Direito do Consumidor. Trata- se de uma presunção no sentido de que toda e qualquer limitação imposta pelo empresário, no setor da iniciativa privada, deriva do interesse em ampliar seu ~ucro e comporta controle e restrição externa. Mas toda e qualquer limitação Imposta pelo prestador do serviço público revela um dever-poder de satisfazer o interesse coletivo, sendo inadequado produzir lesão à comunidade para assegu- rar a satisfação de um único e determinado usuário. 559MARÇAL JUSTEN FILHO X4.1.3.4) A questão do interesse a ser tutelado Enfim, há uma quarta diferença, que se relaciona a temas essenciais. A dis- ciplina do serviço público orienta-se à tutela do interesse público, antes do que à defesa de um usuário específico. Já o regime de Direito do Consumidor tutela o interesse privado (ainda que se possa cogitar de interesses coletivos ou difu- sos). Por tudo, impõe-se tutela muito mais intensa ao usuário do serviço privado do que se passa perante o público. No serviço privado, somente existem em jogo interesses disponíveis; a tutela da parte economicamente mais fraca não põe em jogo questões mais relevantes. No campo do serviço público, o interesse do pres- tador do serviço é público; o do usuário é privado. Logo, é cabível evitar que o usuário, como parte economicamente mais fraca, tenha seus interesses indevi- damente sacrificados. Mas não é admissível que o interesse particular do usuá- rio seja superposto ao interesse público. X.4.1.3.3) A disciplina regulamentar administrativa A terceira diferença aguda reside em que as condições estabelecidas para a prestação do serviço público são fixadas por ato administrativo estatal. O rela- cionamento entre usuário e concessionário reflete condições estabelecidas pelo Estado, de modo que as regras praticadas pelo concessionário não são livremente por ele escolhidas. Diversamente se passa no âmbito da iniciativa privada, em que o empresário escolhe as regras e fixa as condições das negociações que pra- ticará. X4.1.3.5) O custo econômico da tutela Daí se segue uma diferenciação de extrema relevância, relativa aos efeitos econômicos da tutela. Todas as imposições do Direito do Consumidor produzem custos econômicos cujo custeio é atribuído ao particular prestador do serviço - ao qual seria lícito, quando muito, transferir esses encargos para os preços que pratica, segundo os mecanismos de mercado. Mas a imposição atinente ao ser- viço público reflete-se diretamente sobre o Estado, o que significa elevação da carga tributária ou das tarifas públicas. Portanto, assegurar uma vantagem a um consumidor de serviços públicos envolve questões econômicas muito diversas daquelas colocadas a propósito da X4.1.3.2) A situação do usuário do serviço público A segunda distinção tem pertinência com a situação do próprio usuário. O serviço público apresenta uma referibilidade a número indeterminado de pessoas, as quais são titulares de necessidade similar a ser satisfeita. Por isso, as condi- ções de prestação do serviço tomam em vista não apenas a conveniência de um específico e determinado usuário, mas a coletividade indeterminada de sujeitos em condição similar. Bem por isso, a fixação das condições atinentes à presta- ção do serviço tem de tomar em vista a generalidade dos usuários, para evitar que a atribuição de benefícios ou vantagens individuais comprometa a possibi- lidade de atendimento a todas as necessidades. Dito em outras palavras, a regu- lamentação pelo poder concedente ao serviço público é norteada pelo interesse coletivo, característica que não se aplica necessariamente quando se enfoca a questão do Direito do Consumidor. TEORIA GERAL DAS CONCESSÕES DE SERViÇO PÚBLICO558 tutela ao usuário do serviço público. Nesta última hipótese, os reflexos da tute- la transcendem largamente o relacionamento específico examinado, atingindo terceiros que em nada se vinculam à disputa. 561MARÇAL JUSTEN FILHO X 4.3. 1) O elenco do art. r da Lei n° 8.987 O art. 7° da Lei n° 8.987 contempla uma relação de direitos e garantias em prol do usuário. Trata-se de relação meramente exemplificativa e que costuma ser ampliada no corpo das leis específicas atinentes às diversas concessões ou por meio de atos regulamentares que disciplinam as concessões. Mas é possível formular uma análise do tema a partir desse elenco. X4.3) As situações de sujeição ativa do usuário Pelos motivos já apontados, as situações jurídicas do usuário em face do concessionário e do poder concedente serão consideradas em conjunto. gadas em vista de interesses privados. O prestador do serviço desenvolve fun- ção que se reflete na atuação do próprio usuário. Somente pode dizer em um sentido muito limitado que particular que usufrui o serviço público estaria exer- cendo um direito. As restrições decorrem de que o particular, ainda que dispo- nha dafaculdade de valer-se do serviço, não pode fazê-lo senão em termos com- patíveis com a consecução do serviço público. Portanto, o particular não dispõe de faculdade de adotar condutas que dificultem ou impeçam a incidência dos princípios norteadores do serviço público. Mais ainda, o usuário tem o dever de colaborar para com a realização desses objetivos. Vale dizer, incidem sobre o usuário deveres de natureza omissiva (abster-sede condutas prejudiciais ao de- senvolvimento do serviço público) como de natureza comissiva (praticar as con- dutas necessárias ao bom desenvolvimento do serviço público). O art. 7° da Lei n° 8.987 deve ser interpretado segundo essa ótica. O usuá- rio do serviço nem sequer disporá da faculdade de recusar ou omitir algumas condutas previstas no dispositivo. Constituem-se tanto em poder como em de- ver dele, justamente em virtude da natureza funcionalizada da situação jurídica da fruição de um serviço público. Daí por que o art. 7° alude a direitos e obriga- ções jurídicas do usuário, numa redação arrevesada que merece crítica. Éque a situação do usuário não é apenas ativa. É, igualmente, passiva. Ou seja, sua po- sição jurídica envolve não apenas o direito de usufruir o serviço, mas o dever de fazê-lo de modo compatível com a fruição de todos os demais potenciais usuá- rios. O direito à fruição do serviço público é assegurado sem garantia de exclu- sividade, mas com o dever de colaboração do usuário em face do seu próximo. X4.3.2) Direito ao serviço adequado O Estado tem de garantir ao usuário a organização do serviço de molde a configurá-lo como adequado, segundo determinado na disciplina legal e regu- lamentar do serviço. E se não o fizer? A resposta depende das circunstâncias. Se a inadequação do serviço provocar dano concreto ao usuário, assiste-lhe a faculdade de plei- tear indenização, segundo disposto no art. 37, ~ 6°, da CF/88. Mas a mera ina- dequação do serviço, ainda que não provoque dano autônomo a usuário, carac- teriza infringência à ordem jurídica. O Estado está obrigado, por isso, a promo- ver as medidas necessárias a eliminar os defeitos e produzir um serviço adequa- do. Não há faculdade da Administração, quanto a isso. Sendo o serviço inade- quado, o usuário tem direito de exigir e a Administração dever de adotar as me- didas cabíveis a promover a regularização. Se o serviço for desempenhado atra-{ '; TEORIA GERAL DAS CONCESSÕES DE SERViÇO PÚBLICO560 Nessa linha, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO assevera que " ... as cláusulas regulamen- tares do contrato podem ser unilateralmente alteradas pelo poder concedente para aten- der as razões de interesse público. Nem o concessionário, nem os usuários do serviço podem opor-se a essas alterações; inexiste direito adquirido à manutenção do regime ju- rídico vigente no momento da celebração do contrato. Se é o interesse público que deter- mina tais alterações, não há como opor-se a elas." (Parcerias na Administração Pública. cit., p. 52) X4.1.4) A preponderância do Direito Administrativo É evidente que nenhum problema surgirá nas hipóteses de disciplina unifor- me e coincidente entre o Direito Administrativo e o Direito do Consumidor. Quando se configurar a regulamentação divergente, deverá promover-se a com- patibilização dos regimes jurídicos, segundo o princípio da proporcionalidade. Deve reputar-se inviável aplicar ao serviço público as regras e princípios construídos para hipóteses de serviço privado e que sejam incompatíveis com o princípio da supremacia e indisponibilidade do interesse público. Assim, por exemplo, não se pode invocar regra do Código de Defesa do Consumidor para inibir o exercício de faculdades derivadas das ditas cláusulas exorbitantes. A Administração Pública, nos limites de sua competência, pode alterar unilateralmente as condições de prestação do serviço. A impugnabilida- de desses atos far-se-á segundo os princípios de Direito Público. Não haverá possibilidade de invocar a regra de que a expectativa gerada no usuário produ- ziria cristalização das condições originais.5 Por igual, não teria cabimento produzir indenizações por mau funcionamen- to do serviço público com a dimensão que se tomou conhecida, especialmente no âmbito do Direito comparado, no Direito do Consumidor. Se o usuário ofen- dido tem direito de ser indenizado por perdas e danos (inclusive morais, se for o caso), não se pode olvidar que o custo da indenização será arcado pelo conjunto de usuários ou pelos cofres públicos. Isso significa reconhecer a preponderância do regime de Direito Adminis- trativo sobre o Direito do Consumidor. A disciplina do Direito do Consumidor apenas se aplicará na omissão do Direito Administrativo e na medida em que não haja incompatibilidade com os princípios fundamentais norteadores do serviço público. Em termos práticos, essa solução pode gerar algumas dificuldades. O que é certo é a impossibilidade de aplicação pura e simples, de modo automáti- co, do Código de Defesa do Consumidor no âmbito dos serviços públicos. X.4.2) Natureza funcional das faculdades outorgadas aos usuários Tal como já adiantado acima, a situação jurídica do usuário também é atin- gida pela funcionalização inerente ao regime de direito público, derivada da apli- cação do princípio da associação. Isso significa que a prestação do serviço pú- blico reflete a realização de interesses comuns do Estado, da Sociedade e do concessionário. Por isso, a tutela à posição do usuário não se faz segundo o modelo direito subjetivo-dever jurídico do direito privado, eis que as faculdades não são outor- X.4.3.4) Direito de liberdade quanto à utilização do serviço público A previsão contemplada no art. 7°, inc. III, da Lei de Concessões deve ser interpretada em face da natureza e regime jurídico do serviço público de que se trate. X.4.3.5) Direito de comunicar ao poder concedente (e ao concessionário) a existência de irregularidades Sempre que o usuário tomar conhecimento de irregularidades na prestação do serviço, surgirá o poder-dever de comunicar às autoridades a ocorrência. Tra- ta-se não apenas de um direito, mas de um dever. A ausência de comunicação poderá conduzir à responsabilização pessoal do usuário que, ciente da existên- cia do defeito, deixou de levar a informação ao conhecimento da autoridade com- petente. Se a prática da irregularidade caracterizar crime, o silêncio indevido poderá conduzir a uma modalidade de co-autoria (Código Penal, art. 30). Mes- mo quando inexistir viabilidade de tipificação penal, poderá aplicar-se a regra geral dos arts. 186 e 927 do Código Civil de 2002. Na verdade, o disposto no art. 7°, inc. IV, da Lei de Concessões, apenas es- pecifica o poder-dever que recai sobre todo e qualquer sujeito, no sentido de colaborar com as autoridades públicas no controle da observância do Direito. Não se trata de instituto peculiar ao campo dos serviços públicos, nem umafa- culdade assegurada especialmente aos usuários deles. Seria inútil o dispositivo se dispusesse apenas sobre a órbita do usuário. Assegurar o poder do usuário denunciar irregularidades significa impor o d~ver do poder concedente de investigá-las. O inc. IV produz, para Estado e part~cu- lares que eventualmente prestem o serviço, o dever de manter estrutura destma- da a apurar denúncias dos usuários acerca de irregularidades. Não serão lícitos quaisquer empecilhos ao exercício do poder previsto neste inciso, espe~ialmen- te aqueles de natureza burocrática. Não será admissível remeter o usuáno a uma via crucis de órgãos, repartições e informações desencontradas acerca de local MARÇAL JUSTEN FILHO Existem serviços públicos compulsórios, na acepção de que o particular tem o dever de valer-se deles, em vista do interesse da coletividade. As hipóteses são excepcionais, em face dos princípios que estruturam um Estado Democrático de Direito. Assim, a ligação das residências à rede de água e esgoto não retrata uma livre escolha para os particulares. Hipóteses similares (ainda que não configu- rem serviços públicos propriamente ditos) envolveriam a notificação de doen- ças contagiosas, vacinações compulsórias etc. A excepcionalidade de situações poderia conduzir à restrição da liberdade individual, respeitadas as garantias constitucionais. Em tais circunstâncias, não se poderia invocar o inc. III ora exa- minado. Foradessas situações anômalas, vigora o princípio da autonomia individual, que se retrata na impossibilidade de o serviço ser imposto compulsoriamente aos particulares. . A autonomia pode manifestar-se em dois planos. Poderá dar-se a liberdade de escolha entre usufruir e não usufruir o serviço. Mas o dispositivo também resguarda a ausência de exclusividade na prestação do serviço, em consonância com o disposto no art. 16. Havendo pluralidade de concessionários, será asse- gurada ao usuário a faculdade de livre escolha entre eles. Assegurar essa facul- dade significa, inclusive, a vedação à adoção de expedientes destinados atomar compulsória a vinculação do usuário a um determinado concessionário. Não é compatível com a ordem jurídica a ausência de interconexão ou a consagração de soluções técnicas que, uma vez adotadas, tornem inviável ao usuário alterar sua escolha quanto ao prestador do serviço. TEORIA GERAL DAS CONCESSÕES DE SERViÇO PÚBLICO562 vés de regime de concessão ou permissão, a situação poderá desaguar na cadu- cidade ou, mesmo, na encampação. Em termos práticos, a ausência de serviço adequado caracteriza infringên- cia a direito subjetivo dos potenciais usuários, mas também contraria o interes- se público, de modo objetivo. Portanto, abre-se oportunidade para controle não apenas pelos instrumentos de defesa de direitos subjetivos individuais como tam- bém para a via da ação popular e ação civil pública. A utilização do mandado de segurança será problemática porque, usualmente, a configuração de serviço adequado envolve produção de prova incompatível com a natureza do manda- mus - excetuadas hipóteses-limite, onde seja totalmente incontroversa a situa- ção fática. No entanto, há hipóteses de obsolescência onde a controvérsia não envolverá divergência quanto aos fatos, mas acerca da modernidade da solução adotada. X.4.3. 3) Direito à obtenção de informações para defesa de interesses pessoais e coletivos O direito a informações é emanação do princípio da publicidade, assegura- do constitucionalmente como instrumento de controle das atividades estatais (CF/88, art. 5°, inc. XXXIV, b; art. 37). A regra do inc. II do art. 7° da Lei n° 8.987, relaciona-se, em última análise, com a própria determinação do art. SO desse mesmo diploma. Em todos os casos, trata-se de impedir que o Estado ocul- te informações e, com isso, impeça a fiscalização de suas decisões, a invalida- ção de atos viciados ou a correção de situações reprováveis.6 Isso não significa ausência de limites para prestação de informações. Pelo contrário, é até possível reputar que o prestador do serviço terá o dever de man- ter absoluto segredo sobre informações cuja divulgação seja potencialmente danosa (a interesse público ou privado). Assim, o Estado tem o dever de assegu- rar o sigilo das comunicações através de telefonia.7 Portanto, não poderá divul- gar informações que possibilitem frustração desse sigilo. Por igual, haverá in- formações essenciais acerca do funcionamento de serviços públicos que não podem ser divulgadas sob pena de ampliação do risco de interferências indivi- duais indevidas. Daí a vinculação da informação à comprovação da defesa de interesse indi- vidual ou coletivo. Somente existirá a possibilidade de o sujeito (pessoa física ou jurídica) postular o fornecimento de informação se evidenciar sua utilidade ou necessidade para defesa de outros interesses. Sob esse ângulo, a regra do art. 7°, inc. lI, aproxima-se mais do direito de petição do que da faculdade prevista no art. 5° da Lei n° 8.987. 6 Observe'se que a Lei n° 9.051, de 18 de maio de 1995, assegura o direito de informação, impondo prazo de quinze dias para o fornecimento de certidões visando ao esclarecimento de situações c defesa de direitos. A temática também é tratada, no âmbito da União, na Lei de Processo Administrativo. Ressalvadas as hipóteses restritivas estabelecidas na Lei n° 9.296, que regulamenta o art. 5°, inc. XII, da CF/88. X4.3.6) Direito de comunicação de infrações praticadas pela concessionária O dispositivo previsto no art. 7°, inc. V, da Lei de Concessões é abundante. As irregularidades referentes à prestação do serviço compreendem os atos ilíci- tos praticados pela concessionária. Mas o dispositivo não deixa de ser útil, na medida em que evita o expediente burocrático e reprovável de remeter a atribui- ção de fiscalizar para órbita alheia. Se não houvesse a regra do inc. V, surgiria o risco de o Estado exigir uma espécie de exaurimento de instância perante a e responsável pelo recebimento das informações de anomalias. Esses expedien- tes caracterizarão frustração, por via indireta, do poder assegurado aos usuários pela Lei n° 8.987 e produzirá duas conseqüências jurídicas relevantes. A primeira será a violação ao dever jurídico da moralidade, pois quem exerce serviço pú- blico estájungido a atender os reclamos dos usuários e promover a verificação de sua procedência. A segunda será a ratificação e solidarização pelos defeitos objeto da comunicação. Como dito, o usuário que omitir comunicação do des- vio transformar-se-áem co-responsável. Esse regime se estende também para os agentes que recusarem ou dificultarem a apuração da irregularidade, com gran- de possibilidade de tipificação penal. Tão grave quanto produzir a irregularida- de é recusar-se a promover sua apuração, repressão ou correção. Portanto, o usuário que não conseguir levar a cabo a comunicação do de- feito, ainda que por efeito de tergiversações e expedientes indiretos praticados pelos agentes do Estado ou da concessionária, poderão levar o evento à comu- nicação do Ministério Público, para as medidas adequadas. Existe algum limite para o exercício da faculdade de comunicação de irre- gularidades? Em princípio, os limites são os mesmos que conformam a situação em qualquer setor da vida em comunidade. Assim, uma denúncia anônima não pode ser ignorada, simplesmente pelo anonimato do denunciante, já que o de- ver de fiscalização deve ser exercido inclusive de ofício. Denúncias aparentemen- te disparatadas exigem investigação, suficiente para demonstrar sua improcedên- cia. Aliás, o anonimato pode, eventualmente, ser garantia imprescindível à ob- tenção da colaboração popular. O que não se admite, porém, é um regime de terror, onde se estabeleça alguma presunção de veracidade em favor de toda e qualquer denúncia. É imprescindível que a tutela a favor do denunciante (espe- cialmente quando mantido o anonimato) seja contrabalançada por garantias efe- tivas em prol do denunciado. Não se admitirá, em face da Constituição, que o denunciado seja onerado pelo encargo de provar a improcedência da acusação. Nenhum efeito jurídico automático poderá extrair-se da mera denúncia. Observe-se, por fim, que o usuário de má-fé, que promove comunicação da irregularidade, pode ser responsabilizado, segundo o regime jurídico comum. A consciência da improcedência da imputação da irregularidade ou a intenção mesquinha de prejudicar terceiros não pode ser albergada sob o manto da "fa- culdade" ora examinada. Como já apontado, a figura tem natureza funcional e seu exercício vincula-se à realização do bem comum. Logo, se e quando um particular atuar abusivamente no desenvolvimento desse poder, será cabível seu sancionamento. Isso não significa, é claro, que a improcedência de comunica- ção de irregularidade autorize punição automática do usuário. O sancionamen- to far-se-á segundo as regras de direito comum, tendo em vista o despropósito da conduta do usuário e a configuração dos elementos da ilicitude. 565MARÇAL JUSTEN FILHO X.4.3.1O) Direito de participação na atividade de fiscalização Os usuários disporão da faculdade genérica de fiscalização das atividades do concessionário. Mas, ademais disso, deverão ter um representante integran- do o órgão formal de controle da concessão. X.4.3.9) Direito de participação na atividade de regulamentação Especialmentedepois de formalizada a outorga, deve reservar-se função de grande relevo prático e jurídico para representantes dos usuários. As decisões atinentes à regulamentação do serviço terão de ser subordinadas à manifestação desses representantes e levadas à prévia discussão pública com os usuários. Não será condição de validade a aprovação pelos usuários das decisões do poder con- cedente, mas se imporá a participação e o respeito ao direito de manifestação - inclusive para o fim de motivação das decisões que deixem de atender aos plei- tos dos usuários. X4.3.8) Direito de acompanhamento da licitação O acompanhamento da licitação é outra faculdade assegurada ao usuário. Não pode interpretar-se essa questão sob o ângulo da mera oportunidade de com- parecer às solenidades públicas. Deverá assegurar-se atuação concreta, em que o usuário (por meio de sua associação) tenha ampla oportunidade de verificar o conteúdo das propostas e seja ouvido a propósito das decisões da comissão de licitação. X4.3.7) Direito de participação na elaboração das condições da outorga O usuário tem de ser ouvido por ocasião da configuração da outorga. O poder concedente está obrigado, juridicamente, a promover não apenas a audiên- cia a que alude o art. 5° da Lei de Concessões. Ademais disso, deriva do princí- pio do devido processo legal que o poder concedente propicie aos usuários a oportunidade de pleno esclarecimento e de imediata participação na elaboração das condições do ato convocatório e no delineamento da futura concessão. Até é possível que, infringido esse direito, o princípio da proporcionalida- de conduza à impossibilidade do desfazimento da outorga, solução que geraria efeitos maléficos muito superiores aos derivados da infração examinada. Mas, até que se formalize a outorga, o usuário pode impugnar a atividade do poder concedente apontando a ausência de convocação da comunidade para ser ouvi- da, para participar e manifestar-se a propósito das soluções concebidas pelo po- der concedente. concessionária. Ou seja, remeteria o usuário a procedimento prévio perante a concessionária. Em tal hipótese, o poder-dever de o Estado interferir somente se tomaria eficaz quando a situação não tivesse sido corrigida no âmbito da pró- pria concessionária. Isso seria desvirtuar o regime jurídico da prestação do ser- viço, pois o poder concedente tem o dever de fiscalizar a prestação do serviço delegado. Logo, a existência da irregularidade autoriza o particular a promover noti- ficação diretamente ao Estado, a quem compete o dever correspondente de ado- tar as providências adequadas. Por outro lado, a autoridade competente pode ser distinta daquela que pres- ta o serviço ou que promoveu sua delegação. Assim, poderá tratar-se de autori- dade policial, do Ministério Público etc. TEORIA GERAL DAS CONCESSÕES DE SERViÇO PÚBLICO564 X, 4.4) As situações de sujeição passiva do usuário O usuário é titular de inúmeras situações jurídicas passivas, em face do po- der concedente e do concessionário. A Lei n° 9.791/99 acrescentou um art. 7-A à Lei n° 8.987, com a seguinte redação: "As concessionárias de serviços públicos, de direito público e privado, nos Estados e no Dis- trito Federal, são obrigadas a oferecer ao consumidor e ao usuário, dentro do mês de ven- cimento, o núnimo de seis datas opcionais para escolherem os dias de vencimento de seus débitos." 567MARÇAl JUSTEN FilHO X, 4.4. 3) Dever de urbanidade e respeito aos prestadores do serviço O concessionário e seus prepostos não são servos do usuário. São titulares de posição jurídica que comporta respeito e tratamento equivalente ao que me- rece todo e qualquer sujeito de direito. As pessoas físicas exercentes de funções de prestação de serviço devem ter respeitada sua dignidade. Daí decorre que o pagamento da tarifa não gera para o usuário o "direito" a promover insulto ou qualquer tipo de ofensa física ou moral ao concessionário ou a seus prepostos. X, 4.4.4 ) Dever de respeito à integridade. dos bens aplicados à prestação do serviço O usuário tem o dever de respeitar os bens aplicados no desenvolvimento dos serviços públicos. O dano praticado relativamente a esses bens é duplamen- te reprovável. Em primeiro lugar, porque os bens alheios devem ser respeitados. Em segundo lugar, porque esses bens são instrumento da prestação de serviços à comunidade. Quando se lesionam os bens utilizados para prestação de servi- ços públicos impede-se ou dificulta-se que terceiros usufruam desses serviços, inclusive porque, nesta situação, os bens estariam afetados pelo interesse públi- co, sujeito à regime diferenciado. X.4.4.6) Sujeição à responsabilização administrativa e penal As condutas irregulares do usuário relacionados à fruição das utilidades materiais poderão configurar ilícito administrativo e (ou) penal, aplicando-se a disciplina correspondente. X, 4.4. 5 ) Sujeição à responsabilização civil por atos ilícitos O usuário responde civilmente pelos efeitos dos atos ilícitos praticados. Trata-se de responsabilidade civil subjetiva, mas não se pode negar a ampliação da objetividade da responsabilidade também no que tange ao usuário. Isso sig- nifica a existência de um dever de diligência do usuário na fruição do serviço, de modo a impedir que se produzam danos que prejudiquem a terceiros, sejam eles o poder concedente, o concessionário, outro usuário ou qualquer pessoa. Ou seja, a tutela à condição de usuário não gera respaldo a abusos, exces- sos ou infrações. O usuário poderá ser responsabilizado inclusive por danos morais gerados por condutas ilícitas. rios, especialmente quando essa é a precisa e exata intenção do usuário. Um exemplo característico é o do pagamento do pedágio com moedas de um centa- vo, gerando conflagração do trânsito. A característica do curso forçado da moe. da impõe o dever de aceitação de qualquer valor monetário, mas não autoriza o usuário a produzir, de modo intencional, o impedimento ao livre trânsito dos demais usuários. Se um usuário dispuser somente de moedas de um centavo, tal não configurará abuso. Mas haverá esse abuso quando o usuário - ou, mais evi- dentemente, um conjunto de usuários - se aparelha especificamente para dirigi- rem-se a todas as cabines de cobrança do pedágio na rodovia, apresentando moedas de um centavo com a intenção precisa e exata de bloquear o trânsito. Existe o evidente exercício abusivo da faculdade, que comporta adoção de pro- vidências repressivas correspondentes e proporcionais. TEORIA GERAL DAS CONCESSÕES DE SERViÇO PÚBLICO566 x'4.4.1) Dever de remunerar o concessionário pela fruição do serviço O dever mais evidente do usuário é o de remunerar o concessionário pela fruição do serviço. É incompatível com o regime da concessão a utilização gra- tuita das utilidades fornecidas pelo concessionário, ressalvadas as hipóteses em que a remuneração seja arcada por terceiros. Esse dever traduz-se no pagamento prévio ou posterior da tarifa, nos valo- res, no modo e no tempo estabelecidos regulamentarmente. Veja-se que existe dispositivo legal impondo ao concessionário a adoção de soluções destinadas a assegurar que a tarifa seja liquidada em época do mês mais adequada e satisfatória para o usuário.8 x'4.3.11) Direito de ser indenizado por danos configuradores de falha do serviço Outro direito fundamental do usuário reside em ser indenizado por falhas do serviço. O tema foi examinado a propósito da responsabilidade civil do po- der concedente e do concessionário. X.4.4.2) Dever defruição adequada do serviço Ainda que a Lei silencie, reconhecem-se limites à utilização dos serviços públicos pelo usuário. Poderia dizer-se que o usuário deve usufruir os serviços públicos com adequação. Assim como existe o dever do concessionário promo- ver o serviço adequado, cabe ao usuário afruição adequada do serviço. Seria a contrapartida da figura do serviço público para o âmbitodo usuário. Reprova-se o abuso do usuário, assim entendida a conduta que ultrapasse objetivamente os padrões de normalidade, utilidade e necessidade. . Significa que o usuário não pode consumir o serviço como se fosse dele proprietário. A fruição deve obedecer ao princípio da não-exclusão, possibili- tando que a prestação possa beneficiar aos demais interessados. Depois, indica a impossibilidade de promover o desperdício das utilidades em que consiste o serviço. Não é possível invocar a condição de usuário ou de pagamento de tarifa para eliminar utilidades, sem destiná-las a consumo. O pa- gamento de tarifas não autoriza sacrificar o interesse público, consistente na manutenção das fontes de produção e na redução dos encargos sobre a comuni- dade. Por isso, é perfeitamente possível reprovar o particular que atua abusiva- mente no consumo de água ou de energia elétrica, por exemplo. Mas poderia ir-se adiante para caracterizar como abusivas certas condutas que refletem a clara violação ao direito alheio de beneficiar-se da prestação do serviço. A fruição adequada é desqualificada quando o modo pelo qual o usuá- rio se vale do serviço toma impossível a fruição adequada pelos demais usuá- 00000001 00000002 00000003 00000004 00000005 00000006 00000007 00000008 00000009 00000010 00000011
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