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Curso DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR Disciplina DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR 2 Curso DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR Disciplina DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR Carly MACHADO Marco Antonio LAROSA Maria Cristina de Souza FERNANDES Maria Esther ARAUJO Nilson Guedes de FREITAS Vilson Sérgio de CARVALHO www.avm.edu.br 3 S o b re o s a u to re s VILSON SÉRGIO DE CARVALHO é professor doutor em Ecologia Social pela UFRJ. Atua no Instituto AVM desde 1996, dando aulas nos cursos presenciais de pós-graduação sendo também membro da equipe pedagógica de seus cursos na modalidade a distância. Formou-se em Psicologia pela UFRJ, universidade onde concluiu seu bacharelado, licenciatura e mestrado em psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social. A Educação Ambiental vem ocupando seu foco de atenção como professor e pesquisador desde o início dos anos 90 onde este escreveu alguns livros, além de vários artigos que já foram apresentados em congressos, jornadas e diferentes encontros na área. Já trabalhos em Consultorias Ambientais e desde 2005 ministra a disciplina Educação e Meio Ambiente no curso de graduação a distância em Pedagogia do IAVM. Sou CARLY MACHADO, psicóloga formada pela UFRJ, mestre em Psicologia Social também pela UFRJ, em um programa de pesquisa chamado EICOS, e doutora em Ciências Sociais pela UERJ. Trabalho desde o ano 2000 no IAVM. Comecei minhas atividades nos cursos de Pós-Graduação presencial, e em 2001 passei a atuar como tutora na Pós- Graduação a distância. Em 2003 assumi o cargo de Coordenadora de Desenvolvimento dos cursos a distância do IAVM, cuidando da produção de material didático e elaboração de projetos e metodologias dos novos cursos do Instituto. Em 2008 assumi a Coordenação de Educação a distância do IAVM e é esta função que ocupo no momento. Desenvolvendo meus estudos e aprofundando minhas pesquisas, em 2007 fiz um Pós-Doutorado na Universidade McMaster no Canadá e em 2008 outro Pós-Doutorado na UERJ. Normalmente me apresento como ESTHER ARAÚJO. Sou graduada em Fonoaudiologia com Pós-Graduação em Docência do Ensino Superior e Saúde e Meio Ambiente. Sou Mestre em Gestão Ambiental e minha Linha de Pesquisa foi em Saúde e Educação, cujo foco principal foi a Saúde do Trabalhador Docente e Ambiente de Trabalho. Sempre participo de eventos relacionados a Políticas na área de Saúde e Educação buscando um aperfeiçoamento constante. Atualmente, além de docente em aulas presenciais, atuo com Educação a Distância (EAD) e coordeno um curso de Graduação na modalidade presencial. NILSON GUEDES DE FREITAS estudou física na UFRJ e Psicologia na Estácio de Sá; é bacharel em Administração, na UFF; especialista em Docência Superior, na UCAM; e Mestre em Educação pela UERJ. Desde 1984 vem atuando como consultor de empresas e ministrando palestras em alguns estados do Brasil. Tendo trabalhado na área de ensino do Senac, Senai, Faetec, e em algumas instituições de ensino particular. Atualmente é professor da área pedagógica do curso de Pós Graduação do Projeto A Vez do Mestre, da Universidade Candido Mendes e na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, nos cursos de Pós Graduação de Saúde Mental e Desenvolvimento Infanto-Juvenil e de Neuropsicologia. É autor dos livros “Escola Competente” e “Pedagogia do Amor”. MARIA CRISTINA DE SOUZA FERNANDES é formada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas, Brasil. Especialista em Administração de recursos humanos . Faculdade de Ciências Gerenciais da UNA. Especialista em Educação e Metodologia do Ensino Superior pelo Instituto de Educação de Minas Gerais (1993) MARCO ANTONIO LAROSA é Graduado em Jornalismo pela Universidade Gama Filho – UGF. Fez mestrado a distância em Educação pela American World University – USA e Doutorado em Educação na mesma modalidade pela Universidade de La Habana – Cuba. Foi Diretor do Curso de Comunicação Social na UCAM/RJ. É ainda Co-autor da obra “Como Produzir uma Monografia Passo a Passo e professor de diversos cursos de pós-graduação do Instituto A Vez do Mestre de diversas cadeiras pedagógicas. 4 5 S u m á ri o 07 Apresentação 09 Aula 1 A Didática que temos e a Didática que queremos 37 Aula 2 A relação professor - aluno 79 Aula 3 A avaliação na prática pedagógica 135 Aula 4 Metodologias do ensino superior 175 Aula 5 Recursos tecnológicos: ferramentas pedagógicas 209 AV1 Estudo dirigido da disciplina 212 AV2 Trabalho acadêmico de aprofundamento 213 Referências bibliográficas Didática do Ensino Superior C A D E R N O D E E S T U D O S A p re s e n ta ç ã o A discussão sobre a Didática do Ensino Superior é central às reflexões pertinentes à formação do educador que atua ou pretende atuar neste nível de ensino. Guardando especificidades em relação à didática da educação básica, as metodologias de ensino que permeiam a prática universitária colocam desafios ao profissional que deseja atuar neste campo de atividades. Nesta disciplina vamos analisar aspectos relacionados à sala de aula, à relação professor aluno, tematizaremos a questão da avaliação na prática pedagógica, os procedimentos de ensino na Universidade e, por fim, a aplicabilidade de recursos tecnológicos no cotidiano do nível superior. O b je ti v o s g e ra is Este caderno de estudos tem como objetivos: Promover uma reflexão sobre a didática e sua importância na prática do professor universitário; Analisar a relação professor-aluno; Discutir os dilemas pertinentes à prática da avaliação no cotidiano pedagógico; Oferecer alternativas metodológicas para o ensino no nível superior; Refletir sobre a importância dos recursos tecnológicos como estratégias educacionais. A Didática que Temos e a Didática que Queremos Esther Araújo Vilson Sérgio de Carvalho A U L A 1 A p re s e n ta ç ã o A didática é um tema crucial na formação do educador. A prática educativa didaticamente sustentada tem por ênfase a construção do conhecimento por parte do sujeito que aprende em interação com o professor que atua como facilitador da aprendizagem. Nesta Aula vamos discutir o processo educativo, tomando por foco os fundamentos da didática geral, a saber, o planejamento educacional, o projeto político-pedagógico e a avaliação. O b je ti v o s Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Compreender a educação como um processo; Refletir criticamente sobre a Didática; Identificar os fundamentos da didática geral; Reconhecer a importância do planejamento educacional na didática do ensino superior; Discutir as práticas avaliativas e seus desafios para o cotidiano educacional. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 10 Educação como processo Ao contrário do que possa parecer, estas perguntas não são fáceis de ser respondidas. Várias pessoas já tentaram respondê-las, gerando inúmeras definições para o que seja educar. Embora todas elas sejam corretas, as mesmas variam significativamente, dependendo dos postulados teóricos sobre as quais se baseiam.A etimologia da palavra educação já convida a um paradoxo. Advinda do latim “ex-ducere”, educar significa literalmente “conduzir para fora”. Nesse sentido, ela pode ser identificada com uma espécie de exteriorização, ou formas de conduzir uma exteriorização (movimento de dentro para fora). Perceba que a idéia implícita nessa significação remete à alimentação do potencial de cada indivíduo, de maneira a estimular o aprendizado, ou à mudança de comportamento (transformação interior) mediante o uso da razão (de dentro para fora). Outro sentido comum da palavra educar é o de alimentar, nutrir. Nesse caso estamos falando de um movimento contrário ao da exteriorização, ou seja, o de interiorização de algo, mais especificamente de um conhecimento que é trazido de fora com o objetivo de somar, de abastecer o sujeito. Estas tensões encerradas na própria etimologia da palavra educação já demonstram o porquê das dificuldades de se chegar a uma definição mais precisa do que esta venha a ser. Você sabe qual é o significado da palavra “educação”? Tem a exata noção para que ela serve? Importante Etimologia se refere ao estudo que busca o sentido das palavras a partir de suas origens. Dica do professor Não é exatamente assim que nos sentimos quando aprendemos? Um novo conhecimento nos abastece, e com ele nos sentimos diferentes. Educação como processo 10 Repensando a didática 16 Fundamentos de didática geral 22 Protagonista da sala de aula em cena 23 Planejamento educacional de currículo e de ensino 25 Projeto político-pedagógico: desafios para a construção do conhecimento na escola 26 Desafiando a avaliação da aprendizagem escolar 27 Didática e construção do conhecimento 28 Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 11 Além dos conflitos presentes na própria origem etimológica do termo, existem outros, como por exemplo, o questionamento sobre se podemos ou não falar de uma única definição geral de educação. Como aponta Brandão (1996), não existe uma educação, mas sim educações. Segundo o autor, “não existe um modelo único de educação, assim como a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor” (p.9). Ao defender essa idéia, Brandão se refere ao fato de que a educação está presente nos mais diferentes âmbitos: na igreja, na escola, em casa, na rua, ou seja, na vida de maneira geral, onde formal ou informalmente, estamos sempre aprendendo um pouco mais. Sob essa ótica, ele dirá que a educação nada mais é do que: uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. (p. 10) Não sabemos o que você respondeu no primeiro questionamento, mas independente de sua resposta, é preciso reconhecer que tentar definir o que vem a ser educação não é uma tarefa fácil. Necessária à sobrevivência humana e à transmissão da herança cultural, a educação esteve sempre presente nos diferenciados grupos desde os tempos mais remotos. É inquestionável o valor da educação como uma peça fundamental para a conquista do desenvolvimento sócio-econômico de um país. Não é à toa que os países desenvolvidos possuem altos índices de escolarização. Podemos então dizer que a educação está entre as atividades mais importantes de uma sociedade. No entanto, a nível nacional nos encontramos diante de um quadro educacional extremamente diversificado. Um grande percentual da população brasileira ainda é privada da educação escolar, sem acesso a informações Dica do professor De que forma você pensa a cultura de seu aluno, em sua prática como educador? Os autores em educação que discutem o tema da Cultura nos fazem refletir sobre a forma como os adultos e, particularmente os professores, rejeitam a cultura dos jovens antes de conhecê-la e conceder-lhes uma chance. Dica de filme Sobre esse assunto sugerimos o filme “Meu mestre, meu herói”, com Morgan Freeman. Para navegar Para obter dados sobre o perfil da Educação no Brasil, consulte o site www.inep.gov.br. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 12 elementares que deveriam servir fundamentalmente para que o indivíduo se conheça, compreenda a si mesmo e possa se relacionar melhor com seu meio e os demais membros da comunidade onde vive. Segundo Piaget, a lógica, a moral, a linguagem e a compreensão de regras sociais não são inatas, ou seja, pré-formadas, nem são impostas de fora para dentro, por pressão do meio. São construídas por cada indivíduo ao longo do processo de desenvolvimento. Portanto, educar não é uma tarefa específica da escola. Cabe à sociedade, principalmente à família, propiciar experiências, trocas pessoais e conteúdos culturais que, interagindo com o processo de maturação biológica, permitam ao indivíduo atingir capacidades cada vez mais elaboradas de conhecer e atuar no mundo físico e social. Afinal, qual seria o sentido da educação senão o de propiciar valores, isto é, de oferecer pontos de referência para uma vida mais digna e mais humana? Sob essa ótica, a tarefa educar implica: dialogar, permitir que o ser surja (desabroche) e se afirme; ajudar o outro a ser coerente com a sua maneira de viver a vida, com seu senso de justiça, com suas expectativas para que, assim, o educando possa viver melhor consigo mesmo e com o outro (conviver); permitir e até promover situações para que o indivíduo aprenda a viver intensamente, com a preocupação de que o indivíduo se desenvolva como um todo, física e emocionalmente, ao mesmo tempo em que cresça cognitivamente, buscando alternativas de situações de aprendizagem, que resultem na conquista de objetivos, tanto na escola quanto em seu cotidiano social. De forma abrangente, muitos autores escreveram sobre esse comprometimento da educação com o desenvolvimento integral da humanidade. Um deles, o professor Imídio Nérice (1992) chegou a Dica de leitura Sobre Piaget, sugerimos a leitura do livro Para Compreender Jean Piaget de DOLLE Jean-Marie, São Paulo: McGrawHill, 1983. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 13 identificar sinteticamente 22 objetivos da educação voltados para essa proposta. Dar oportunidade para cada um revelar-se e realizar-se; Formar a mentalidade científica (formação do espírito crítico e livre); Desenvolver a capacidade de esforço e persistência (luta pela conquista); Predispor e preparar o homem para o exercício profissional; Tornar o educando independente (auto- determinado); Levar a ter confiança em si e em seus semelhantes; Sensibilizar para a responsabilidade; Tornar comunitário (estruturar o cidadão consciente e ativo); Desenvolver a criatividade; Conscientizar sobre a provisoriedade do conhecimento; Sensibilizar para a preservação da natureza; Formar o profissional eficiente; Levá-lo a dar o melhor de si (senso estético); Desenvolver a capacidade de apreciação (crítica); Desenvolver a tolerância (paciência e respeito para com o diferente); Possibilitar melhor conhecimento da sociedade e da natureza; Predispor para o respeito ao próximo (solidariedade); Formar a consciência cívica (amor à pátria e à nação); Levar à aprendizagem do transcendente (busca de uma explicação maior); Formar o homem ético e moral (formação da própria consciência política); Importante Veja se você concorda com o autor! Aproveite o momento para examinar os itens ao lado e fazer uma reflexão sobre aqueles que você considera mais importantes em sua prática pedagógica. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 14 Favorecer a elevação espiritual (enxergar além do plano material); Informar formando (não apenas transmitir, mas construir o conhecimento); Após esta breve sinopse, podemos dizer que educar é um processo onde sempre encontraremos, de forma direta ou indireta, atividades (práticas e reflexivas) e relacionamento humano. Com base nas informações apresentadas, é possível levantarmos a seguinte questão: De uma forma simplificada podemos dizer que ela se processa de forma cíclica, conforme o esquema a seguir: + A aprendizagem é estimulada por atividades e/ou relacionamentos humanos capazes de desencadear novos processos de construção, onde aprendemos construindo nossa própria estrutura cognitiva e não apenas registrando estímulos que, associados a conhecimentos previamente estruturados, levam-nos à capacidade de uma nova compreensão, atingindo novos objetivos. Para pensar Já que a educação é um processo, como faremos a aprendizagem acontecer? Atividades e relacionamento humano Novos Conhecimentos APRENDIZAGEM Objetivos Conhecimentos adquiridos Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 15 Por isso a insistência de educadores como Paulo Freire (1997) de que venhamos a promover uma educação libertadora, que realmente provoque essa capacidade no aluno, de refletir, de pensar, de criar; e não uma educação bancária, meramente informática e reforçadora da cultura do “decoreba”. Com essa mentalidade é vital que entendamos que a tarefa de educar não é uma tarefa fácil e o motivo da dificuldade reside no fato de que ela não se resume a algo pronto, regrado (como uma receita a ser seguida), mas pelo contrário, suscita de muitas vivências e de muitos questionamentos novos que exigirão um repensar e recriar contínuos. Daí o entendimento da educação como um processo e não um estado acabado. O termo processo sugere nitidamente a idéia de movimento, de alguma coisa em andamento e é justamente esse movimento uma das principais características do educar. A educação é na verdade um processo dialógico (interativo) deflagrador de outros processos, cuja reunião contribuiria para formação integral do homem no que tange às suas dimensões biológicas (DB), psicológicas (DP), sociais (DS), culturais (DC) e políticas (DP). Dica de leitura Sobre este assunto, veja o livro clássico de FREIRE Paulo, Pedagogia do Oprimido, Editora Paz e Terra, do Rio de Janeiro, 2002. Dica do professor Participe da elaboração deste texto conosco, escrevendo suas opiniões sobre o tema da Educação como um Processo, concluindo a leitura deste item. EDUCAÇÃO DB DP DS DC DP PROCESSO Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 16 Repensando a didática Tradicionalmente concebida como uma disciplina pedagógica de cunho técnico e instrumental, a didática vem sendo revisada nas últimas décadas como uma reflexão sistemática do processo de ensino- aprendizagem. O paradigma de uma didática definida, enquanto um conjunto de conhecimentos técnicos usados para transmitir algum conhecimento, tem sido gradualmente substituído pelo paradigma do questionamento e/ou da problematização dos diferentes elementos que influenciam no processo de ensino-aprendizagem e dos que são por este influenciados. É o que você verá nesta seção. Essa “nova didática”, como faz questão de enfatizar Candau (1983,1996), assume como foco de atuação não apenas o “como fazer pedagógico” - sem dúvida sua dimensão mais reconhecida e valorizada -, mas também “por quê? e para quem fazer?”. Nesse sentido, não mais interessa pensar apenas que tipo de metodologia, aparato ou dinâmica eu devo utilizar para dar uma aula; mas também, e principalmente, ter uma idéia clara de onde vou chegar a partir do caminho que escolher, tendo sempre em mente o alunado e a cultura escolar com os quais devo me confrontar. Lembre-se que um resultado positivo na escolha de um método dentro de uma determinada realidade didática não significa em hipótese alguma a garantia desse mesmo resultado dentro de uma outra realidade, ainda que com características semelhantes. Para melhor compreendermos o que é didática, é importante entendermos seu objeto de estudo: isto é, o jogo do ensino-aprendizagem. Cabe em primeiro lugar ressaltar que estamos falando de dois processos distintos: ensinar e aprender Dica de leitura Existem dois âmbitos culturais referentes à Educação: a Cultura da Escola, que diz respeito à dimensão cultural de qualquer instituição escolar, independente da realidade em que se encontra, e a Cultura Escolar que é singular, e se refere ä combinação de diferentes âmbitos culturais: do professor, do aluno, dos funcionários, cada qual com suas especificidades. Para aprofundamento no assunto, leia Escola e Cultura, FORQUIN de Claude, Editora ArtMed, 1993. Importante Exemplificando, se eu escolhi o retroprojetor para ministrar uma aula X na turma Z, devo ter claro porque optei por esse meio para dar esse tipo aula nessa turma específica e não um outro qualquer. Esse “ter claro” implica, obviamente, saber onde essa escolha vai me levar, quais as suas vantagens e seus limites, e ainda, quais os seus efeitos na turma escolhida. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 17 Apesar de percebermos a nítida e estreita relação entre eles, ensinar não significa necessariamente aprendizado por parte do outro. A preocupação maior da didática reside justamente numa tentativa de “costurar” os dois processos, tentando fazer com que o ensino promova realmente o aprendizado. Você já viu que a educação é um processo articulado, onde de forma contínua e inovadora, a vivência e o relacionamento humano buscam, através de novas experiências, respostas a questões que levarão o indivíduo a alcançar novos conhecimentos. Neste sentido, reflita: Se entendemos que o processo ensino- aprendizagem está, direta ou indireta, relacionado às atividades e relacionamento humano, certamente o componente afetivo estará presente, não devendo ser ignorada a necessidade de adquirir atitudes que levem ao crescimento pessoal, interpessoal e intragrupal: a dimensão humanista do processo. Aspectos como objetivos instrucionais, seleção de conteúdo, estratégias de ensino, avaliação e outros, também são necessários para que o processo ocorra como ação intencional, sistemática e organizada, de forma a propiciar um melhor aproveitamento na transmissão e construção dos novos conhecimentos: a dimensão técnica facilitadora do processo. A dimensão político-social é um aspecto importantedo processo ensino-aprendizagem, e como este processo acontece dentro de uma cultura específica, com uma organização social montada, esta dimensão é capaz de influenciar toda a prática pedagógica. Para pensar Qual seria o papel da escola? Como atender as necessidades das pessoas que procuram a escola? Quem a procura e para que a procuram? O que é preciso para facilitar este processo? Dica de leitura Para refletir sobre a dimensão político social da educação leia o texto Tendências Pedagógicas na Prática Escolar de LIBÂNEO José Carlos, que você encontra no livro Filosofia da Educação, de LUCKESI Cipriano,1ª. Ed., São Paulo: Cortez, 2001, e também online no site http://planta.terra.c om.br/educacao/linc oln/libaneo.htm Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 18 Desta forma, o domínio do conhecimento que a civilização produziu é um dos fatores que contribui para melhor situar o indivíduo frente aos fatos sociais. Com essa preocupação, a escola proporciona acesso a um conhecimento sistemático, fornecendo mecanismos para produção e reelaboração de novos saberes. Por meio destes atributos, a escola será capaz de colaborar com as novas e inadiáveis transformações sociais. A escola precisa estar adequada ao contexto social no qual se insere e do qual seus alunos se originam. O valor que representa enquanto instrumento de transmissão, reflexão e produção de saber, é importante e continua sendo visualizada, principalmente pelas classes populares, como um indispensável mecanismo de ascensão social. Porém, uma indagação permanece presente entre os educadores: A questão de como ensinar, que quase encobriu a importância dos conteúdos escolares, é então redefinida, voltando as preocupações para o que deve ser ensinado pela escola e a quem este conhecimento se destina. Tomando-se o ato pedagógico como educativo em sua essência, Bordas (1994) esclarece acerca dos componentes fundamentais que devem alicerçar o currículo escolar, tais como: A organização e reorganização contínua rumo ao crescimento cognitivo e afetivo; Grau de inter-relação para o alcance dos objetivos; Os valores presentes em um dado momento histórico. Para refletir O que ensinar de forma a atender as necessidades e expectativas da sociedade? Dica de leitura E afinal: o que deve ser ensinado pela escola? James Banks, especialista em Educação Multicultural, destaca cinco dimensões importantes neste processo: - a integração de conteúdo de diferentes culturas, visando um conhecimento de âmbito universal; - o processo de construção do conhecimento; - a redução do preconceito; - reforço do empoderamento; - pedagogia da equidade. Como referência da Educação Multicultural veja o livro de CANDAU, Vera Sociedade, Educação e Cultura(s), 1ª. ed., Petrópolis: Vozes, 2002. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 19 Ao professor apresentam-se duas alternativas: Ou ele transmite informações técnicas desvinculadas dos seus próprios fins e do contexto concreto em que foram geradas, muitas vezes fora da vivência da população a que se destina, utilizando-se o que aqui denominaremos como didática instrumental; Ou nega esta visão tecnicista da educação, buscando relacionar seus compromissos políticos e ideológicos com a expectativa e necessidade do seu público alvo. É preciso deixar bem claro, porém, que competência técnica e competência política não são aspectos contrapostos. A prática pedagógica, por ser política, exige a competência técnica como facilitadora deste processo. É importante que nós educadores entendamos que reduzir a prática pedagógica à dimensão humanista ou tecnicista é limitar a aprendizagem. A articulação dessas dimensões configura verdadeiramente o centro da concepção do processo ensino-aprendizagem. Nesta perspectiva de uma articulação multidimensional, é que entendemos que a didática deva se situar; uma didática fundamental, que procura partir de uma prática pedagógica concreta, realmente vivenciada e de seus determinantes, trabalhando continuamente a relação teórico-prática. Só assim, partindo de uma didática fundamental, poderemos responder as questões que tanto afligem os educadores: Existem, na verdade, muitos fatores em pauta no jogo do ensinar x aprender, e a didática se constitui como um importante instrumento para pensar esses fatores, oferecendo a você, professor, algumas pistas que irão lhe ajudar como proceder de forma eficiente e eficaz na promoção da aprendizagem em sua classe. Através da contribuição da didática, é possível saber até que ponto seus alunos têm acompanhado as aulas; Dica de leitura Sobre os conceitos de Didática Fundamental e Didática Instrumental, confira o livro Rumo a uma nova didática, de CANDAU Vera, 12ª. Ed., Petrópolis: Vozes, 1997. Para pensar Que venho eu fazer aqui? O que vêm eles fazer aqui? O que espero eu deles? O que esperam eles de mim? Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 20 em que momento você deve mudar a técnica utilizada; como está seu relacionamento com a turma e até com a escola; e outra série de questões. Por isso mesmo é que a didática ultrapassa, ou melhor, transcende o espaço da sala de aula, podendo ser empregada sempre que em qualquer situação você deseje transmitir um conhecimento qualquer a alguém, de forma que o mesmo possa entender o que você deseja que o outro compreenda. Seja esse alguém um aluno, um pai, ou um funcionário da escola. Muitas vezes estamos fazendo uso da didática sem nos dar conta desse uso, pois as situações didáticas se fazem presentes nos mais diferentes momentos de nosso dia a dia. Quando você conversou com seu filho usando a linguagem dele (suas gírias e maneiras de se expressar) para que ele entendesse melhor o ensinamento que você queria transmitir, você estava fazendo uso de um recurso didático. Do mesmo modo que, ao transmitir uma idéia para alguém se utilizando de um desenho, mapa ou representação gráfica, é também uma utilização de recurso didático com fins ao aprendizado. Pense um pouco nisso e reflita sobre a idéia que você tinha de didática. A Arte da Didática: Problemas e Desafios Cada dia me convenço mais de que a Didática é uma arte. Não se trata aqui de fazer poesia, ou de pensar a didática de maneira romântica, mas simplesmente refletir sobre a didática em todas as suas facetas, isto é, em termos de quem a executa, a quem se destina, do que ela exige e a que ela se pretende. Para refletir A partir das idéias desenvolvidas até aqui, como você pensa a Didática agora? Leia o texto abaixo com atenção, escreva suas reflexões. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 21 Mais do que a mera transmissão de conhecimento em sala de aula, exemplificada na figura do “professor bancário” de Paulo Freire, valoriza-se cada vez mais a necessidade de se construir o conhecimento com o aluno, num processo mútuo de aprendizagem, onde a didática se apresenta como uma ferramenta pedagógica fundamental. Não apenas como uma ferramenta técnica, mas como uma ferramentaproblematizadora atenta a todos os detalhes que interferem na dinâmica ensino-aprendizagem. Hoje, mais do que saber escolher e utilizar os meios adequados para dar aula, o professor que utiliza bem a didática é aquele que se preocupa com os elementos que direta ou indiretamente afetam o jogo ensino x aprendizagem que este promove dentro ou fora de sala de aula. E é nesse sentido que a arte da didática se expressa de forma mais palpável. Não basta ser feliz apenas na escolha e execução do método de trabalho, outros fatores como: exercício da criatividade, promoção de um ambiente favorável, planejamento geral, tomada de decisões, motivação da turma, atenção ao tempo, improvisação, são igualmente importantes e não podem ser ignorados do fazer e pensar didático. A arte da didática resume-se, portanto, na tentativa de combinar esses elementos (buscar uma aula dinâmica, dentro de um clima democrático e motivador, unindo teoria e prática etc.) com a correria do dia a dia, a resistência da instituição - às vezes dos próprios colegas de profissão -, a desmotivação dos alunos, a desqualificação profissional e a desvalorização salarial. O objetivo aqui, ao contrário do que pode se pensar, não é o de desanimar ninguém. Minha intenção resume-se apenas em apresentar a didática como uma arte, que como qualquer outra, tem seus problemas e Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 22 exigências, mas que, por outro lado, também apresenta suas vantagens e compensações. Por exemplo, qualquer arte exige paixão, desejo, e na didática a situação não é diferente. Existe um sentimento muito forte, maior do que os problemas acima citados, que nos impulsiona a um emprego cada vez mais eficaz da didática. Talvez essa sensação advenha do sentimento de alteridade que todo professor tem ao contribuir decisivamente para a vida do outro, em termos de conscientização da realidade, exercício efetivo da cidadania, e possibilidade de construir sua própria história. Quem não se emocionou ao sentir que conseguiu transmitir algum conhecimento em aula e ao perceber esse entendimento a partir das próprias contribuições de sua turma? Como definir esse sentimento, como expressar em palavras esse misto emocional de satisfação consigo mesmo e com o outro no processo de aprendizagem? Talvez seja mesmo intraduzível, afinal toda arte tem também os seus mistérios. Vilson Sérgio de Carvalho Fundamentos de didática geral Leia atentamente esta seção para compor um instrumental necessário para responder a estas perguntas. Como lidar com a diversidade rompendo práticas pedagógicas excludentes? Quais são os principais dilemas dos professores ao longo da carreira? O que ensinar? Por que os professores resistem às inovações e, em particular, às propostas curriculares? O que são temas transversais? É apenas mais um modismo? Profissionais experientes precisam planejar? É possível avaliar respeitando singularidades? Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 23 As questões acima povoam o dia-a-dia dos professores e perpassam a disciplina que procura fugir dos manuais, das receitas, das prescrições de procedimentos infalíveis que indicam soluções milagrosas. Lembrando sempre da diversidade cultural no cotidiano escolar e na sala-de-aula, você verá, a seguir, uma breve exposição das práticas pedagógicas: A formação do profissional; As propostas curriculares; Projeto político-pedagógico; Planejamento didático; A avaliação da aprendizagem. Para facilitar a discussão das questões, dividiremos a exposição em quatro unidades: 1. Protagonista da sala-de-aula em cena; 2. Planejamento educacional de currículo e de ensino; 3. Planejamento e projeto político-pedagógico: desafios para a construção do conhecimento na escola; 4. Desafiando a avaliação da aprendizagem na escola. PROTAGONISTA DA SALA DE AULA EM CENA Problematizar a dificuldade da escola aceitar o aluno tal como ele é, constitui-se em ponto de partida deste estudo. Nosso objetivo inicial será discutir a formação de professores para a diversidade cultural. Como ver os alunos como diferentes entre si, com potencialidades distintas, com direito de acesso ao conhecimento? Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 24 Até que ponto a presença de um aluno ideal no imaginário dos professores tem favorecido “a produção do fracasso escolar”, dificultando confiar no aluno e na sua capacidade de aprender? Como lidar com a diferença em sua positividade? Por que teimamos em produzir alunos padronizados, exatamente idênticos, negando suas particularidades? É o aluno que tem que se submeter à lógica da escola ou será a escola que deve-se orientar para atender aos alunos? Como os saberes, os valores, os interesses, as expectativas, as histórias de vida dos alunos podem ser reconhecidos, compreendidos e valorizados? É necessário ao professor refletir sobre os destinos que são construídos ou destruídos nas salas- de-aula, como também o exame dos saberes que a criança leva para a escola e, ainda, as dificuldades de se lidar com eles. Quem é o aluno que, na vida cotidiana, responde a demandas cada vez mais complexas e na escola fracassa? Em que medida seu fracasso é resultado de conceitos e preconceitos sobre o aluno e sua família? Qual é o peso do estigma no processo ensino-aprendizagem? A formação de professores precisa ser repensada. É necessário que esteja comprometida em reverter as práticas pedagógicas que ignoram o universo cultural de alunos e alunas. Os professores, tanto aqueles que ainda se encontram em sua formação inicial como os que já estão no exercício profissional, não podem deixar de refletir sobre as múltiplas formas de romper com os estereótipos, Dica de leitura Buscando referências sobre como desenvolver o potencial particular do aluno, de acordo com uma conceituação moderna de inteligência que respeita as diferenças, leia de FERNÁNDEZ Alicia, A Inteligência Aprisionada – Abordagem Psicopedagógica Clínica Da Criança E Sua Família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 25 preconceitos e discriminação ainda existentes no espaço da sala de aula. PLANEJAMENTO EDUCACIONAL DE CURRÍCULO E DE ENSINO O mundo moderno vem sendo objeto de profundas e aceleradas transformações econômicas, políticas e sociais que sinalizam para a necessidade da formação de um educador capaz de pensar, pesquisar, decidir, planejar e executar as atividades educacionais em sintonia com os avanços da sociedade. Se qualquer atividade exige planejamento, a educação não é uma exceção. De acordo com Claudino Piletti, em Didática Geral, em nível educacional, alguns planejamentos são absolutamente necessários para o bom andamento do processo: 1 - Planejamento educacional Consiste na tomada de decisões sobre a educação no conjunto do desenvolvimento geral do país. A elaboração desse tipo de planejamento requer a proposição de objetivos a longo prazo que definam uma política de educação. 2 - Planejamento de currículo O problema central do planejamento curricular é formular objetivos educacionais a partir daquelesexpressos nos guias curriculares oficiais. Embora o currículo seja mais ou menos determinado, cabe à escola interpretar e operacionalizar estes currículos. A escola deve procurar adaptá-los a situações concretas, selecionando aquelas experiências que mais poderão contribuir para alcançar os objetivos dos alunos, das suas famílias e da comunidade. 3 - Planejamento de ensino Podemos dizer que o planejamento de ensino é a especificação do planejamento de currículo. Consiste em traduzir em termos mais concretos e operacionais o que o professor fará na sala de aula, para conduzir os alunos a alcançar os objetivos educacionais propostos. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 26 Um planejamento de ensino deverá prever: Objetivos específicos (ou instrucionais) estabelecidos a partir de objetivos educacionais; Conhecimentos a serem adquiridos pelos alunos no sentido determinado pelos objetivos; Procedimentos e recursos de ensino que estimulam as atividades de aprendizagem; Procedimentos de avaliação que possibilitem verificar, de alguma forma, até que ponto os objetivos foram alcançados. PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO NA ESCOLA Compreendemos o projeto político-pedagógico como o plano global da instituição ou o projeto educativo, um instrumento teórico-metodológico, cuja finalidade é contribuir para a organização do conhecimento escolar. Sua construção deve envolver e articular todos os que participam da realidade escolar (corpo docente, discente e comunidade) de forma que estes pensem, com base na própria realidade, sobre a singularidade que a caracteriza, sua autonomia, os objetivos das ações desenvolvidas e a maneira de operacionalizá-las de forma mais política, crítica e criativa. Em relação a esse projeto, a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394, de 1996 – no seu Artigo 12, Inciso I, propõe, como um dos objetivos dos estabelecimentos de ensino, a elaboração e a execução de sua proposta pedagógica. No que se refere aos docentes, encontramos no Artigo 13 – Incisos II e V outras referências normativas Dica de leitura Para obter dicas sobre planejamento, leia MENEGOLLA, M. E; SANTA'ANNA, I.M. Por que planejar? Como planejar? Petrópolis: Vozes, 1999. Para navegar Se você ainda não possui a LDB, ela está disponível online pelo site www.fifasul.br/fifasu l/LDB_Online.htm das Faculdades Integradas de Fátima do Sul no Mato Grosso do Sul. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 27 que sugerem sua participação na elaboração e no cumprimento dos planos de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento, o que inclui sua participação integral nos períodos dedicados ao planejamento. Essa tarefa exigirá maior envolvimento com a realidade do aluno e a realidade institucional, maior tempo para pensar os objetivos, o currículo, os métodos e a avaliação da escola. O fato é que se não assumirmos criativamente a responsabilidade sobre os rumos de nossas práticas nas instituições de ensino em que lecionamos, corremos o risco de perder o sentido sobre o nosso fazer, restando- nos, apenas, uma visão fragmentada e distorcida da realidade. DESAFIANDO A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR Um curso que propõe refletir sobre os fundamentos da didática, buscando qualificar profissionais para a prática docente, não poderia deixar de trabalhar e refletir sobre as questões referentes à avaliação no cotidiano escolar, na medida em que avaliar implica julgamento de valor. Todos sabemos da complexa e árdua tarefa que configura o ato de julgar outro ser humano. Observe alguns problemas relacionados à avaliação: A falta de clareza conceitual, ocorrida durante a avaliação feita pelos professores que confundem, usualmente, o ato de medir com o de avaliar os alunos envolvendo, freqüentemente, apenas memorização de fatos e informações; A ausência ou a existência de critérios arbitrários para avaliar; Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 28 A utilização da avaliação como instrumento disciplinador do alunos, revelando, muitas vezes, o caráter autoritário do professor. Uma questão não menos importante a ser considerada na avaliação da aprendizagem está relacionada aos fins da educação. Da mesma forma que o planejamento e os procedimentos de ensino, a avaliação não se realiza em um espaço neutro, mas é contextualizada e depende de uma concepção de homem, de sociedade e de mundo que perpassam a prática pedagógica. Sua prática poderá privilegiar tanto uma postura reprodutora como uma postura transformadora do professor, sendo os objetivos da avaliação determinados em função dessa postura. Assim, três questões básicas são colocadas:o que avaliar, como avaliar e para que avalia Elas não poderão ser respondidas sem antes discutir as diferentes concepções de avaliação, bem como os pressupostos que a fundamentam, o que você verá em outros módulos irão compor esta matéria. Didática e construção do conhecimento O conhecimento não se transfere, se produz, se recria. (Paulo Freire) Entendido como um desafio a ser explorado pela didática e pela pedagogia, ainda existem muitas questões sobre como se processa o conhecimento do aluno. Mergulhe neste desafio através da leitura de mais esta seção! Se pensarmos sobre a existência e o papel da escola, veremos que ela existe “em” e “para” um determinado contexto social. Neste sentido, as escolas Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 29 são realidades sociais, e como necessidade social precisam ser dinâmicas, integrando os aspectos teóricos e práticos aqui já mencionados. O professor aparece como figura-chave do currículo, interpretando o proposto e convertendo seus conteúdos em aprendizagem compreensiva e significativa. Um aspecto relativamente novo a ser pesquisado e aprofundado relaciona-se ao mecanismo de “como se produz o conhecimento do aluno”. Nesta reflexão, é importante entendermos o papel do currículo na construção do conhecimento: currículo como projeto de formação integral realizado pela escola e a partir dela. Também é importante sabermos que o currículo vai muito além do rol de disciplinas e conteúdos, tampouco se limita a aspectos meramente epistemológicos e metodológicos, à forma de abordagem dos conteúdos, mas sim uma intervenção mais efetiva na prática e na realidade social construtora do conhecimento. A construção de um currículo deve contemplar esta indissociabilidade entre teoria e prática, dentro de um conteúdo programático para a formação do senso crítico e o despertar da criatividade, não se limitando a ser um mero repasse de informações. O conteúdo é importante, mas não suficiente para aperfeiçoar o currículo. Não basta mudar o conteúdo, se for mantido o método anterior. O conhecimento e a aprendizagem, geralmente, são vistos como duas realidades distintas. Enquanto a aprendizagem é pessoal, o conhecimento é público. Porém, a interdependência – conhecimento e aprendizagem – é de tal sorte que não se pode produzir um sem o outro. Dica do professor Pensando na realidade da sua instituição escolar,quais desses fatores você considera mais graves, dificultando a inovação pedagógica, e assim necessitando de mudanças urgentes? Destaque aqui mesmo no texto estes fatores, e se quiser, aproveite para escrever algo sobre eles. Quem sabe este exercício não poderá ajudá-lo a escolher um bom tema para o seu trabalho monográfico? Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 30 Embora ciente da necessidade de uma mudança, muitos fatores ainda limitam a execução de uma proposta inovadora: Precária reflexão sobre as práticas educativas; Falta de referência ao projeto político- pedagógico; Formação inadequada do educador; Limitação dos espaços necessários e possíveis para a ação dos educandos; Escassa explicitação, na prática, da dimensão política do ato educativo; Ênfase ao “fazer técnico-pedagógico” que caracteriza um paradigma meramente tecnológico; Predomínio da racionalidade técnica nas práticas curriculares, enfatizando os interesses e demandas de uma sociedade desenvolvimentista e capitalista; Escassa interação teórico-prática; Ênfase na quantidade de informações; Escola não vista como espaço de construção e reelaboração coletiva do saber; Separação entre conteúdo, forma, sujeito que conhece e objeto a ser conhecido. Estes são alguns equívocos a serem questionados nas nossas escolas, capazes de dificultar a aquisição de novos conhecimentos. Faz-se necessário superar esta visão e propor uma nova concepção que leve a práticas mais consistentes, tendo em vista provocar mudanças nas ações educativas, favorecendo a construção do conhecimento. Esta proposta deve constituir uma preocupação básica de nossas análises na busca de uma aproximação entre o proposto e o executado em uma didática voltada para a construção do conhecimento. Isto deve acontecer desde a infância, Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 31 através de interações do sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou cultural. O conhecimento é construído por cada indivíduo ao longo do processo de desenvolvimento, processo que se dá como sucessão de estágios que se diferenciam uns dos outros por mudanças qualitativas. Estas mudanças permitem não só a assimilação de objetos de conhecimento compatíveis com as possibilidades já construídas, mas também servem de ponto de partida para novas construções, sendo um dos objetivos principais da educação o desenvolvimento da autonomia, tanto intelectual como moral. Um exemplo presente na publicação “Multieducação – Núcleo Curricular Básico – Rio de Janeiro - 1996” pode ilustrar perfeitamente o que aqui colocamos como autonomia. O exemplo aqui citado demonstra como pode se dar a aquisição de novos conhecimentos na escola, através da participação, compatíveis com os já Durante uma aula de geografia, a professora e os alunos da 8ª série lêem um texto do livro didático sobre aspectos sócio-econômicos do Oriente Médio. Dentre as informações, o texto afirma que os países ali localizados se caracterizam por serem muito ricos em petróleo, e que suas populações são muito pobres, muitas delas nômades, vivendo em cabanas no deserto. Após a leitura inicia-se um exercício de fixação das informações. Um aluno, após meditar, aparentando não compreender muito bem a lógica da situação, pergunta: “Professora, se existe tanto petróleo, se o país é tão rico, por que o povo é tão pobre?” Este aluno foi capaz de perceber, autonomamente, uma contradição, não aceitando passivamente as informações. Sua autonomia não foi manifestada apenas no plano intelectual, mas também no moral, pois foi capaz de agir a partir de valores morais, conscientemente assumidos como os mais eticamente corretos. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 32 construídos, que serviram de ponto de partida para uma nova construção. Por isso, a escola enquanto espaço intelectual de produção de conhecimento, de ensino e de aprendizagem, precisa libertar-se do modelo de educação domesticadora preponderante. Instaurar mudanças metodológicas, entretanto, não pode ser algo imposto por tendências ou atos administrativos. Requer, para tanto, adesão daqueles que fazem a educação cotidianamente, que precisam ser autores de um projeto transformador, como o aqui proposto. Voltamos novamente para a questão de que, enquanto autores de um processo de reorientação das práticas que desenvolvem, os professores/escola precisam traduzir também os fins políticos da educação escolar e encontrar relevância naquilo que realizam. Em consonância com esta natureza política do ato pedagógico, ensinar não é apenas aplicar procedimentos e técnicas de ensino, mas envolve uma consciente fundamentação teórica sobre o método e uma visão crítica sobre seus limites e possibilidades. A opção por um determinado conjunto de procedimentos metodológicos precisa levar em conta a realidade, questionando-a e, em determinados casos, adaptando-a. Só assim será possível se pautar numa proposta metodológica que favoreça a construção da cidadania e conduza para um pensar crítico. (...) Uma metodologia que torne os alunos capazes através do trabalho e da reflexão coletivas, construírem sua autonomia, capazes de repensar sua realidade pessoal para construir sua iden Para isso, a aplicação de uma determinada proposta metodológica deverá estar condicionada à situação cognitiva dos alunos bem como ao saber anterior que possuem Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 33 tidade e de formar-se como cidadãos (...). (Bordas, 1994, p. 556) Você chegou ao final desse módulo. Através de sua leitura, certamente foi possível rever conhecimentos já aprendidos e construir outros mais. Esperamos que os conteúdos e as propostas aqui trabalhados possam auxiliá-lo em uma prática pedagógica bem-sucedida. EXERCÍCIO 1 Desenvolva uma reflexão sobre a formação de professores para a diversidade cultural, apresentando como ênfase específica a formação do professor universitário. ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ EXERCÍCIO 2 Diferencie a Didática Instrumental de uma Didática Fundamental, tomando por base a “nova didática” discutida nesta Aula. ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 34 EXERCÍCIO 3 Considere as frases abaixo e assinale a única opção verdadeira: ( A ) A instauração de mudanças metodológicas é um processo que requer uma atitude impositiva por parte do professor em relação a seus alunos; ( B ) A nova lei de diretrizes e bases (LDB) não propõe que os docentes participem plenamente do processo de elaboração e execução da proposta pedagógica; ( C ) Segundo Brandão (1996) não faz sentido falarmos em uma educação e sim em "educações",levando em consideração o fato de que a educação está presente em diferentes âmbitos; ( D ) Podemos considerar a tarefa de educar como uma tarefa fácil, especialmente devido a troca profícua que se estabelece entre professor e aluno; ( E ) A nova LDB propõe apenas a instauração de novas medidas administrativas. EXERCÍCIO 4 Um dos desafios enfrentados pela didática refere-se a produção curricular. Podemos encarar o currículo como: ( A ) A proposta regimentar da escola; ( B ) O roteiro dos conhecimentos que serão trabalhados em aula; ( C ) Um projeto de formação integral realizado pela escola e a partir dela, indo além do rol de disciplinas e conteúdos; ( D ) Um conjunto de especificações metodológicas a serem utilizadas pelo professor; ( E ) Uma forma de abordar o conteúdo das disciplinas. Aula 1 | A didática que temos e a didática que queremos 35 RESUMO Vimos até agora: É inquestionável o valor da educação como uma peça fundamental para a conquista do desenvolvimento sócio-econômico de um país; Educar é um processo onde sempre encontraremos, de forma direta ou indireta, atividades (práticas e reflexivas) e relacionamento humano; A educação é na verdade um processo dialógico (interativo) deflagrador de outros processos, cuja reunião contribuiria para formação integral do homem no que tange às suas dimensões biológicas (DB), psicológicas (DP), sociais (DS), culturais (DC) e políticas (DP); Uma didática fundamental procura partir de uma prática pedagógica concreta, realmente vivenciada e de seus determinantes, trabalhando continuamente a relação teórico- prática; São fundamentos da didática geral: o aluno, o planejamento, o projeto político-pedagógico e a avaliação. A relação professor - aluno Nilson Guedes de Freitas A U L A 2 A p re s e n ta ç ã o Esta aula tem por tema central uma das questões fundamentais da Didática: a qualidade da relação Professor-Aluno. Para tratarmos deste assunto, vamos discutir paradigmas e elementos do imaginário coletivo. Analisaremos contextualmente os dilemas da educação na sociedade contemporânea. Falaremos também sobre a aprendizagem significativa e as questões relativas à dinâmica entre razão e emoção no processo de ensino e aprendizagem. Por fim, discutiremos o contrato didático e seu papel na relação professor-aluno. O b je ti v o s Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Identificar elementos relevantes à análise da relação professor- aluno; Compreender a centralidade desta relação no processo de ensino e aprendizagem; Analisar a relação professor-aluno a partir da dinâmica razão e emoção; Conceituar aprendizagem significativa e compreender a importância deste conceito na prática do educador; Reconhecer a importância do contrato didático na definição de papéis e responsabilidades de aluno e professor na prática pedagógica. Aula 2 | A relação professor - aluno 38 Palavras iniciais Os únicos demônios deste mundo são aqueles que estão em nossos próprios corações, e é aí que todas as nossas batalhas devem ser travadas. (Mahatma Gandhi) Como o próprio título do módulo sugere, iremos tratar de uma determinada relação. Sendo uma relação, teremos de olhar não só os “atores” envolvidos, mas também o contexto onde ela está inserida. Isto porque, dependendo do contexto ou ambiente em que tal relação se estabeleça, teremos como possibilidades o cerceamento ou a potencialização de seus horizontes. Estabelecemos relações a todo momento em nossas vidas, com outros viventes, com objetos e até mesmo com instituições de diversos conteúdos. A relação que iremos trabalhar é assim uma das possíveis e será a que ocorre em um ambiente pedagógico específico, na escola. Ao relacionarmos Professor e Aluno, estamos nos remetendo quase sempre ao ato - ou processo - de Aprender, implícito e explícito nessa relação. Para não fugirmos da realidade, lembramos que também aprendemos com nossos amigos, com nossos pais, com os livros... aprendemos sozinhos, ou seja, somos professor e aluno e aluno e professor, em muitas situações e momentos. O aprendizado, enquanto instância individual, tornou-nos mais aptos como espécime a sobreviver no mundo; enquanto na coletividade, nos permitiu o educar para viver em sociedade. Antes de tudo, o acontecer dessa relação passa pela alteridade e extrapolando daí para a sua inserção na sociedade e vice – versa. Enquanto relação, passa pela interação (com o imaginário social) e a aprendizagem (inteligência e afetividade) dos envolvidos. É nesse contexto, no processo relacional com o outro, que o homem busca ser reconhecido como Para refletir Quais os aspectos que você considera mais importantes na relação professor- aluno? Palavras iniciais 38 Introdução 41 Paradigmas e o Imaginário Coletivo 45 Os antigos ventos de hoje 52 Aprendizagem significativa 58 Somos razão e emoção 64 Contrato didático 70 Conclusão 73 Aula 2 | A relação professor - aluno 39 tal, ou seja, é somente pelo olhar da ontologia que se propiciará o homem a ser sujeito e não outra coisa qualquer. Nosso caminhar pelo trabalho passará inicialmente pelo Eu para podermos “olhar” o Outro e, assim, quando o outro “aparecer”, estaremos prontos para analisar a relação de forma humana e mais sábia. Como essa relação é dinâmica, isto é, num momento somos “professores” e no seguinte “alunos”, nossas argumentações são pertinentes a quaisquer um dos referenciais aqui utilizados para os professores e os alunos ou até mesmo para outros, por exemplo: diretores e orientadores. Seja por determinantes da atuação profissional ou como ação do imaginário coletivo do que seria o contexto do ambiente relacional, educacional que estamos abordando – professor ensina (ação) e o aluno aprende (reação), cabe ao professor, digamos, as ações iniciais nessa relação de papéis determinados. Em outras palavras, pelo menos no início (que pode não ser, como veremos, o momento inicial da relação propriamente dita) esperamos que o professor tome a iniciativa. É nesse momento que se apresenta a “situação-limite” ou o “inédito – viável”1 da relação. Momento em que se começa a descortinar toda a verdade daquela interação. Assim, elegemos e direcionamos nossos esforços para a ação e a interação do professor para com seres humanos e não objetos. Portanto, não adianta saber para ensinar, porque quem está na outra posição – a de aprender - pode não estar motivado, interessado ou mesmo entendendo, pois o que está sendo ensinado, por exemplo, para nada serve em seu “mundo” ou não está contextualizado para o outro. 1 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, p. 94. Para pensar Como você acha que se organiza a imagem do professor no imaginário coletivo, ou seja, na imaginação das pessoas no dia-a- dia? - “o professor é o sabe-tudo!” - “tem sempre uma resposta na ponta da língua!” - “se a aula não é boa, a culpa é do professor” - “esse cara deve estudar da hora que acorda até a hora em que vai dormir” Aula 2 | A relação professor- aluno 40 Quando se estabelece a relação objetivando esse processo, teremos assim a possibilidade de construir o saber e a aprendizagem significativa, com trocas e não por imposições sociais ou pessoais. Assim, esta relação, pelo menos a que estamos propondo, implicará a Aprendizagem Significativa – é uma relação de trocas de significados. Por nossa natureza particular, o ser humano é antes de mais nada o construtor de sua realidade, que é resultado direto de seu processo de significação no mundo. Somos os únicos responsáveis e construtores de nós mesmos. Estes são os principais ingredientes que estaremos utilizando para lidarmos com o tema de estudo. As inquietações que nos motivaram a produzir esse módulo são oriundas de alguns anos de observação da prática educacional, como professor, orientador e pesquisador, tanto para o nível médio como nos cursos de pós-graduação, assim como nas diversas palestras e discussões do curso de mestrado. Para o presente módulo, trataremos principalmente da relação entre os “atores” em si - Professor e Aluno na escola. Deixaremos o aprofundamento da discussão do ambiente relacional, a Escola, que não é o único local da sociedade para se aprender, para o próximo módulo do curso. Tal opção é decorrente, entre outras, do planejamento didático e das necessidades de distribuição do curso, no espaço e tempo, em módulos. Termino essa abertura com um trecho da apresentação de um pequeno volume escrito por Nicolau Maquiavel ao Magnífico Lourenço de Médicis, que além de deliciosa e inteligente – a apresentação de Maquiavel – a utilizo para demonstrar a forma do trabalho em si e toda minha intenção (guardando as devidas proporções, pronomes, papéis e tempos) para com os leitores. Maquiavel queria presentear o príncipe com o que ele possuía de mais valor: seus Dica do professor O aprender é processo de significação subjetiva do ser, ou seja, necessita ser exercido com liberdade, e não por imposição, pela simples razão de que numa relação dialógica entre sujeitos sempre ocorrerão trocas – o processo contínuo de reconhecer o outro. Aula 2 | A relação professor - aluno 41 conhecimentos e estudos sobre as ações dos homens com poder. Maquiavel2 assim escreveu, “embora eu considere essa obra pouco digna de ser levada a sua presença, tenho confiança em que, todavia, ela possa ser, por sua benevolência, aceita, uma vez que eu não tive outra disposição que a de oferecer-lhe a possibilidade de compreender, em curtíssimo espaço de tempo, tudo quanto conheci e entendi no curso desses anos de uma vida cheia de perigos e privações. Não enriqueci esse texto com períodos longos e pomposos, carregados de retórica ou de alguma outra sofisticação lingüística puramente formal, por meio dos quais muitos costumam exprimir-se; desejei que, sem outro ornamento, somente a novidade da argumentação e a importância do assunto tornassem agradável minha obra. Não desejo que seja considerado uma presunção o fato de que um homem de baixo e pouco status social tenha a intenção de discutir e definir as leis que estão na base do governo dos príncipes; de fato, do mesmo modo que um pintor que desenha uma paisagem, de baixo observa o contorno das montanhas e de tudo o que está no alto, enquanto do alto observa tudo o que está embaixo, da mesma forma, para conhecer bem a natureza do povo, é necessário ser príncipe, para conhecer a natureza do príncipe, é necessário pertencer ao povo. Aceite, portanto, Vossa Alteza, esse pequeno presente com o mesmo espírito que me anima a mandá-lo; se a partir daí com cuidado o considerar e o ler, saberá que meu desejo é que o Senhor possa alcançar, por suas qualificações e capacidade, e favorecido pela fortuna, grandes metas...” (Maquiavel). 2 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe, p. 9 e 10. Para navegar Para saber mais sobre Maquiavel, visite o site: www.10emtudo.com .br/artigos_1.asp?Co digoArtigo=39 Descubra neste texto o porquê do adjetivo “maquiavélico”. Aula 2 | A relação professor - aluno 42 Introdução Por questões culturais e/ou históricas, e o caso brasileiro é simbólico, a grande produção de leis por nossos legisladores levou o nosso povo a uma máxima popular: “temos muitas leis em nosso país, se pelo menos meia dúzia delas fossem respeitadas estaríamos em outra situação!” (dependendo da região em que o leitor se encontra, teremos algumas variações no dito popular). Pensadas para estabelecer direitos, deveres, segurança e tranqüilidade para o convívio e, portanto, objetivando a melhor qualidade de vida de seus cidadãos, há um sentimento de que as coisas não melhoram na convivência em sociedade. Um dos resultados prático e direto disso é uma maior produção de leis. Precisamos de normas para o convívio social? No contexto de nossa sociedade, em particular, as normas se tornam necessárias para a convivência. Assim, sendo os legisladores representantes eleitos de nosso povo, como explicar que as leis produzidas por eles – visando o bem comum - não correspondam aos anseios da grande maioria da população? Percebemos como cidadãos que deveríamos cumprir as leis objetivando o bem comum. A complexidade dessa situação, por vezes, nos prostram e nos levam, pelo efeito paradoxal da situação, ao descrédito geral e ao estabelecimento de argumentos e leis próprias – os famosos jeitinhos. Mas, então, onde se encontra a linha do aceitável entre o prolixo e o sintético nas normas, entre a “escrita morta” e a “lei viva”, ou então entre o discurso e a prática? O que está faltando para que as intenções dêem certo? Com certeza o contexto já nos dá as principais respostas para nossas perguntas. Ou seja, por exemplo, quando procurarmos contextualizar a formação do povo e a nação brasileira se tornará óbvio, Aula 2 | A relação professor - aluno 43 Darcy Ribeiro3 (1986) nos mostra isso, analisando como as questões históricas e culturais quase que nos impõem tal forma de ver o outro e como devemos tratá-lo. Fazendo analogia com a Educação, temos talvez umas das mais ricas produções científicas sobre educação em todo mundo, temos muito o que trocar – e trocamos - com os outros pensadores do mundo. A questão central, e acreditamos que seja a principal desde quando o homem começou a viver em sociedades, é: como “olhamos” o Eu e o Outro e as conseqüências disso? Como iremos trabalhar relações, é cabível tal observação, pois a escola só existe por ser um ambiente relacional, do Eu para com o(s) Outro(s), do nós. Além do que, a escola só existe por ser um “local” de interação intencional entre seres humanos e por ser um dos locais privilegiados, na sociedade, para a formação do cidadão. Para chegarmos à Lua com todo aquele aparato tecnológico, tivemos que, além de sonhar, soltar muita gaivota e empinar muita pipa, papagaio. Assim, não estamos aqui negando o valor e a razão da existência de todas as pesquisas. Muito pelo contrário. Estamos sim, mostrando que ainda nos encontramos, digamos, à vista da intermitência dos mesmos e antigos problemas (incompreensão, violência,...), na periferia do problema central. E assim estamos, porque temos ainda difíceis questões a resolver. Questões de significado e entendimento do quem sou eu e o eu com os outros numa comunidade; e questões temporais: o tempo pessoale interior de cada um se olhar de fato e olhar de verdade o outro e não o de impingir projeções suas, e o tempo coletivo, de evolução de nossa espécie – antropogênese - enquanto em sociedade. O cerne da 3 RIBEIRO, Darcy. Sobre o Óbvio, p. 15 – 33. Aula 2 | A relação professor - aluno 44 questão é o da alteridade, do reconhecimento do outro, do lidar com a diversidade, com a diferença, do sairmos do egocentrismo. Como seres humanos, no processo de tornar-se homens, ou seja, em processo de devir, temos que responder a questões que nos remetem ao nosso “nascimento”, no sentido amplo da palavra. Erich Fromm4 as colocas assim, “A existência humana nos coloca fundamentalmente uma questão. O homem é jogado dentro deste mundo sem a sua vontade e retirado novamente sem a sua vontade. Contrariamente ao animal, que possui instintos e mecanismos de adaptação ao meio, que visam a sua integração na natureza, o Homem carece totalmente desses mecanismos instintivos. Donde, cumpre-lhe viver sua vida, ele não é vivido por ela. Está na natureza e, no entanto, transcende a natureza; tem consciência de si mesmo, e essa consciência de si como entidade separada fá-lo sentir-se intoleravelmente só, perdido, impotente. O próprio fato de ter nascido coloca um problema. No momento do nascimento a vida faz uma pergunta ao Homem, e a essa pergunta ele precisa responder. Precisa responder a ela a todo instante; e não é sua mente, não é seu corpo, é ele, a pessoa que pensa e sonha, que dorme, come, chora e ri – o Homem todo – quem precisa responder a ela. Qual é a pergunta formulada pela vida? A pergunta é: como poderemos superar o sofrimento, o aprisionamento, a vergonha que cria a experiência do isolamento; como poderemos encontrar a união conosco, com o nosso semelhante, com a natureza? O Homem precisa responder a essa pergunta de algum modo, e até na loucura ele procura dar uma resposta quando transforma violentamente a realidade fora de si mesmo ou quando vive completamente dentro da própria casca, superando assim o medo do isolamento 4 FROMM, Erich. Zen-Budismo e Psicanálise, p. 102 Importante O tema central da obra de Fromm é profundamente humanista, ou eco- ético-humanista: o homem se sente desamparado e só porque se separou ou deixou de desenvolver suas qualidades, potencialidades ou natureza mais propriamente humanas e deixou, por isso mesmo, de ter contato com as mesmas potencialidades e natureza das demais pessoas. Esta situação de alienação social, mesmo que maquiada - e principalmente enquanto tal - é uma característica trágica e que se encontra apenas entre os seres humanos, especialmente quando as condições materiais criam uma hierarquia de dominação. Aula 2 | A relação professor - aluno 45 (...) Existem apenas duas respostas frente à mesma e sempre pergunta. Uma delas é sobrepujar o isolamento, e encontrar a unidade através da regressão ao estado de unidade com o ventre que existia antes do despertar da percepção, antes do nascimento do homem. A outra resposta é nascer plenamente, desenvolver a própria percepção, a própria razão, a própria capacidade de amar; a tal ponto que o homem possa ultrapassar o envolvimento egocêntrico, chegando a uma nova harmonia, a uma nova unidade com o mundo” (Fromm, E., 1960). Ao vivenciarmos, intensamente, tais questões e respostas para nossas vidas, estaremos dando sentido abrangente ao Processo de Individuação (conceito de Carl Gustav Jung, que é o esforço humano em integrar todas as suas energias psíquicas, conscientes e inconscientes, pela criação do Self, do seu centro vital) para sua razão de ser e de inserção - interação para com os outros, para com homens vivendo em sociedades. O raciocínio é simples. Para fazermos qualquer intervenção positiva em qualquer problema, temos que antes de tudo entendê-lo e contextualizá-lo antes de começarmos a agir, a caminhar. Procurando, antes de mais nada, entender como entramos nos problemas e assim, começarmos a resolvê-los. A porta de entrada é a mesma de saída. Como estamos postulando que o âmago do problema está na alteridade, o nosso olhar deve, antes de mais nada, estar voltado para o ser no seu devir homem. Seria aprendermos o que temos de mais urgente, difícil e ao mesmo tempo tão próximo e distante. Aprendermos, antes de tudo sobre nós mesmos. É mais fácil viajarmos para Marte, construirmos os maiores prédios, escalarmos as maiores montanhas, do que trilharmos o caminho dessa viagem solitária. Caminho árduo, mas que deve ser Dica de leitura Individuação significa tornar-se um ser único, homogêneo, na medida em que por individualidade entendemos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si mesmo. Pode-se traduzir Individuação como tornar-se si mesmo, ou realização do si mesmo. O livro Teorias da Personalidade, de FADIMAN e FRAGER (Editora Harbra), apresenta muito bem a teoria de Jung. Aula 2 | A relação professor - aluno 46 trilhado se quisermos nos compreender – entrar em contato consigo mesmo – e assim, enxergar o outro ser. Essencialmente, esse ato é uma declaração de amor. De amor por você e conseqüentemente para com os outros, pois quando me vejo na integridade de minha diversidade – um ser com medos, coragem, carências, amor – habilito-me a olhar o outro com humildade, respeito e amor. Habilito-me a olhar e sentir o outro como ele é, pois me vejo nele e o vejo em mim. Esse vôo, como diria o filósofo Plotino: “É um vôo do só para o sozinho”. O desdobramento disso seria estarmos, talvez, caminhando para a noosfera (noos em grego, significa espírito e mente), que seria uma nova e verdadeira fase emergente para a humanidade, para a sociedade globalizada e humana, para a consciência planetária – que nada tem a ver com a globalização atual, que só tem aumentado as disparidades sociais, pois seu foco principal está no mercado de consumo – o ser consumidor e sua estrutura de poder e dependências. Paradigmas e o imaginário Coletivo Na maioria dos modelos e sistemas organizacionais humanos, sejam econômicos e/ou sociais, encontramos algumas características essenciais. Uma delas, é a relação de poder com o seu “desenho” vertical – centralizador (dominador e dominados). Outra característica importante, é que esses sistemas buscam, explícita ou implicitamente, mecanismos para se perpetuarem. Por exemplo, gerar e implantar uma tal relação de significados – e como veremos, a educação tem um papel importantíssimo na perpetuação dessas imagens - em que os dominados sejam dependentes dos dominadores. Podemos num esforço de análise categorizar da seguinte forma, quando nessas relações as ações e as práticas são regidas de forma implícita teremos os Imaginários com Aula 2 | A relação professor - aluno 47 seus elementos culturais e de forma explícita teremos os Paradigmas. A definição de paradigma científico, que iremos utilizar, é decorrente das grandes mudanças teóricas científicas do início do século XX, foi estabelecida por Thomas Kuhn (1962) como: uma constelação de realizações – concepções, valores, técnicas etc. – compartilhadas por uma comunidade científica e utilizada por essa comunidade para definir
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