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DIREITO DE EMPRESA Introdução O Direito Comercial, hoje denominado Direito de Empresa ou Direito Empresarial, compõe-se de sete temas básicos: parte geral, falimentar, societário, cambiário, contratos mercantis, bancário e securitário. Desses sete temas, apenas quatro possuem incidência constante em concursos: parte geral, falimentar, societário e cambiário. Os outros três - contratos mercantis, bancário e securitário – incidem, com freqüência, apenas em provas específicas para a magistratura e em provas elaboradas pela ESAF. A parte geral e o direito falimentar devem ser estudados antes dos demais temas, por serem temas mais fáceis e mais curtos, com legislação atual, e representam 40% de uma prova padrão de direito comercial. Quem não possui base em direito comercial deve focar seu estudo inicial da disciplina apenas nesses dois temas. Direito societário responde, isoladamente, por 40% da prova padrão de direito comercial, o que atrai a atenção de muitos para o estudo concentrado desse tema. Não recomendo tal enfoque, porque o direito societário é tema extenso e minucioso. Deve ser estudado apenas por quem já possui base em parte geral e direito falimentar. Direito cambiário possui incidência padrão menor, de 20%, e, da mesma forma que o direito societário, deve ser estudado apenas por quem já possui base em parte geral e direito falimentar. A despeito de não ser extenso como o direito societário, o direito cambiário possui nomenclatura rebuscada que dificulta o estudo para quem não possui a técnica didática necessária. Acerca dos contratos mercantis, direito bancário e direito securitário, o maior perigo está na baixa incidência em provas. Daí o seu estudo pode ser inútil a quem deseja maior rendimento em uma prova de direito comercial. Comum nas provas para a magistratura, os contratos mercantis exigem do candidato conhecimento atualizado da jurisprudência, em especial a do STJ. Direito bancário e securitário, ao contrário, exigem conhecimento concentrado em algumas poucas leis esparsas, sendo que as questões de prova costumam cobrar os mesmos artigos de lei, em sua forma literal. O presente manual tratará dos sete temas, sem ambição doutrinária ou científica, mas tão- somente focado em auxiliar o estudante a dominar, com rapidez, técnicas didáticas adequadas e o conteúdo central do direito comercial relevante para concursos. 1. PARTE GERAL DO DIREITO DE EMPRESA 1.1 Quatro conceitos básicos: empresário, sociedade empresária, empresa e estabelecimento A parte geral abrange o estudo de quatro conceitos básicos: empresário, sociedade empresária, empresa e estabelecimento, todos listados no curto artigo 1.142 do Código Civil, o qual sintetiza a parte geral do direito de empresa. Antes de discutir os quatro conceitos, vamos relembrar a diferença básica entre relação jurídica de direito real e de direito pessoal. Tomemos o exemplo de ser alguém proprietário de uma cadeira de R$100,00 e também credor de R$100,00 reais. Aquela é uma relação de direito real e esta de direito pessoal. A relação de direito real vincula sujeito (proprietário) a objeto (coisa). A de direito pessoal vincula sujeito (credor) a outro sujeito (devedor). Ao se tomar como exemplo a relação jurídica de direito real, considere empresário e sociedade empresária os sujeitos de direito. O empresário, também chamado de empresário individual, é sempre pessoa física. A sociedade empresária é a pessoa jurídica. Considere estabelecimento o objeto de direito, representado pelo conjunto de bens de propriedade ou posse do empresário ou da sociedade empresária e que são utilizados no exercício da atividade econômica. A empresa, por sua vez, nada mais é do que o nome que se dá à atividade que, com o auxílio do estabelecimento, o empresário ou a sociedade empresária exercem. Empresa tem origem no italiano, imprieza, cuja tradução literal é empreendimento, isto é, atividade. No direito tributário e previdenciário, o termo empresa é usado como sinônimo de pessoa jurídica, mas no Direito Comercial, ou Direito de Empresa, jamais use a palavra empresa no conceito de pessoa jurídica. Empresa é atividade; sociedade empresária é que é pessoa jurídica. Portanto: empresário e sociedade empresária são sujeitos de direito; estabelecimento é o conjunto de bens, isto é, o objeto de direito; empresa é a atividade: não é pessoa jurídica; a sociedade empresária é pessoa jurídica. Leia agora o art. 1.142 do CC e perceba a estrutura dos conceitos: Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado(=objeto de direito), para exercício da empresa (isto é, da atividade), por empresário ou por sociedade empresária (=os sujeitos). 1.2 CONCEITO DE EMPRESA O estudo do conceito de empresa confunde-se com o estudo da história do Direito Comercial. São três fases delimitadas no tempo e todas com o mesmo objetivo: criar um critério que diferencie o Direito Comercial do Direito Civil. Na primeira fase, que se inicia com o surgimento do Direito Comercial no século XIV e termina com a edição do Código Civil de Napoleão, em 1807, o Direito Comercial é compreendido como o conjunto de todas as relações jurídicas em que uma das partes é comerciante. Por comerciante entenda-se o sujeito (em regra pessoa física, porque àquela época o conceito de pessoa jurídica não havia sido formulado para os exercentes de atividade econômica) que realiza uma atividade específica: intermediar (=circular, distribuir) bens, isto é, o comerciante não produz bens, não consome e nem presta serviços: ele distribui bens. Esse é o conceito de mercancia: distribuir bens. E quem exerce mercancia é chamado de comerciante. Na Baixa Idade Média, as cidades-estados e os Reinos incentivavam a instalação de comerciantes em seus territórios, porque isso gerava riqueza para o local; e a forma de incentivo tradicional consistia na edição de regras jurídicas que protegessem os comerciantes contra os seus empregados, contra produtores e também contra consumidores. Esse corpo unificado de regras passou a se chamar Direito Comercial. Tratavam-se de regras que, por exemplo, facilitavam a produção de provas em juízo, se favoráveis ao comerciante. Com o passar do tempo, os comerciantes resolveram restringir o ingresso de novos sujeitos no cenário jurídico e o Direito Comercial passou a considerar comerciante não apenas quem exercia a intermediação de bens, mas quem a fizesse em caráter regular (habitual ou profissional, como se diz) e detivesse registro em corporação própria ou Tribunal de Comércio. Ora, como as regras protegiam os comerciantes e apenas os mercadores registrados eram considerados comerciantes, a primeira fase do Direito Comercial, conhecida como fase subjetiva (=porque calcado o Direito Comercial na figura de um sujeito de direito, o comerciante), é considerada pela doutrina atual como a fase em que o Direito Comercial constituía um verdadeiro privilégio da classe dos comerciantes. Nessa fase, o Direito Comercial é o direito dos comerciantes, que procura resolver conflitos entre comerciante e comerciante, ou entre comerciante e terceiro, sendo assim, um direito corporativo e profissional (=isto é, afeto a uma exclusiva classe de profissionais) e autônomo em relação ao direito civil. No Brasil, essa fase se fez sentir no século XIX, até o ano de 1878. Nesse período, só era considerado comerciante quem detivesse registro, chamado de matrícula, no Tribunal do Comércio. Esses Tribunais, órgãos jurisdicionais revisionais (as Juntas Comerciais eram órgãos judiciários de primeiro grau) eram tribunais especializados (justiça especial) em julgar causas dos comerciantes, e seus juízes aplicavam o Direito Comercial, cujas regras em protetivas dos comerciantes. Em 1878, o judiciário comercial foi extinto, o que colaborou para o fim da predominância da primeira fasedo Direito Comercial no Brasil. A segunda fase do Direito Comercial tem início com o Código Civil Francês de Napoleão e por isso essa fase também é conhecida como escola francesa ou teoria francesa do Direito Comercial. A revolução francesa erradicou os privilégios do clero e da nobreza e, por conseguinte, também buscou eliminar privilégios estabelecidos em favor dos burgueses, no caso, a classe dos comerciantes. Daí a consequência foi afastar o Direito Comercial enquanto direito dos comerciantes (teoria subjetiva) e aproximar o Direito Comercial de um novo conceito à época, chamado atos de comércio. Os atos de comércio são fatos objetivos sobre os quais incidem as normas de Direito Comercial, isto é, o Direito Comercial deixa de ser o direito dos comerciantes e passa a ser o Direito dos atos de comércio. Essa fase é também conhecida como teoria objetiva do direito comercial. Nessa fase, o Direito Comercial não poderia regular todos os atos relativos ao comerciante, mas apenas os atos derivados de sua profissão, ou seja, os atos de comércio, que são a compra e a venda de mercadorias para revenda e a sucessiva revenda. A primeira conseqüência dessa teoria foi dispensar a necessidade de registro (=matrícula) como requisito para que o sujeito fosse considerado comerciante. O registro continuou a ser obrigatório, mas apenas como requisito para o regular exercício da atividade econômica, e não como requisito para se caracterizar alguém como comerciante. Para ser comerciante, basta exercer atos de comércio, tenha registro ou não. Quem exerce atos de comércio e não possui registro é comerciante irregular. Irregular, é claro, mas será comerciante e, por exemplo, pode ser sujeito passivo em pedido de falência. Mas o que são atos de comércio ? Atos de comércio são todos os atos de intermediação de bens, realizados de forma habitual (=profissional) e com intuito de lucro. A intermediação de bens é a circulação das mercadorias feitas por quem compra do produtor e as revende a outro intermediário ou a consumidor final. A habitualidade ou profissionalismo requer que os atos sejam praticados de forma regular no tempo, sem caráter eventual. O intuito de lucro, por sua vez, requer a distribuição dos resultados econômicos positivos (receita menos despesa, o lucro) a terceiros (=sócios) que não exercem a atividade. A expressão fins lucrativos podem ser considerada sinônima da expressão fins econômicos, se o nosso ângulo de análise se restringir ao Direito Privado. Para o Direito Tributário, fins econômicos e fins lucrativos não coincidem. É o caso da sociedade cooperativa, que pela Lei possui fins econômicos (isto é, as receitas que superam as despesas são entreguem aos cooperados), mas não possui fins lucrativos, a fim de que os excedentes entregues aos sócios não sejam tributados como renda. Mas, para o Direito Comercial, ou Direito de Empresa, as expressões fins lucrativos e fins econômicos podem ser usadas como sinônimos. O Código Comercial Brasileiro de 1850 adotou as duas teorias: havia a figura do comerciante e o sistema de matrículas nos Tribunais do Comércio, que sobreviveu até 1875; mas o Código também conferia destaque aos atos de comércio, destaque esse que a doutrina sempre buscou enfatizar, a fim de se interpretar o Código de forma evolutiva, associando-o à segunda fase do Direito Comercial, fase essa que até hoje vigora na França. Pelo conceito de atos de comércio, ficaram fora do Direito Comercial as seguintes atividades econômicas: atividade rural: como o produtor não é intermediador de bens, mas justamente produtor, a atividade rural é mantida como atividade civil. Esse o entendimento do STJ no período, o qual impediu pedido de concordata realizado por produtores rurais, ao fundamento de serem eles regidos pelo Direito Civil e não pelo Direito Comercial; prestação de serviços: serviços não são bens, não são mercadorias. Os serviços encerram relação jurídica de direito pessoal; atividade industrial: os produtores industriais não são comerciantes, não realizam intermediação de bens. Para os franceses, a atividade industrial fez surgir um novo ramo do Direito: o Direito Industrial. Perceba porque a teoria dos atos de comércio teve de ser abandonada: toda a atividade rural, industrial e de prestação de serviços não está abrangida pela teoria dos atos de comércio, isto é, estavam fora do Direito Comercial. Isso fez surgir a terceira fase do Direito Comercial, que é a fase atual, também chamada de teoria italiana, justamente por ter sido criada na Itália a partir do Código Italiano de 1942. Essa terceira fase considera que o Direito Comercial é o ramo do direito que disciplina uma atividade chamada empresa. Portanto, o Direito Comercial passa a ser chamado Direito de Empresa, ou ainda Direito Empresarial. A palavra empresa foi estudada na Itália por um famoso doutrinador, chamado Alberto Asquini, o qual criou a Teoria dos perfis da empresa. Por essa teoria, empresa é uma palavra que possui quatro sentidos(=perfis) diferentes: pelo perfil subjetivo, empresa é sinônimo de pessoa jurídica; pelo perfil objetivo, empresa é sinônimo de estabelecimento; pelo perfil funcional, o qual veio a prevalecer no Código Civil Italiano e na doutrina atual, inclusive a brasileira, empresa é a atividade econômica desenvolvida pelo empresário ou pela sociedade empresária; pelo perfil institucional, empresa é sinônimo de um tipo de sujeito pessoa jurídica: a sociedade anônima. O conceito que prevalece caracteriza empresa como a atividade que possui, cumuladamente, quatro elementos: atividade profissional, isto é, habitual, não eventual; atividade econômica, isto é, com intuito de lucro, realizada em caráter especulativo; atividade organizada, cujo conceito, por ser controvertido na doutrina atual, será explorado adiante; atividade de produção ou intermediação (=circulação) de bens ou de serviços, ou seja, empresa é conceito mais abrangente do que comércio, dado que empresa inclui não só a intermediação de bens (=o comércio), mas também a produção de bens e a prestação de serviços (todos os serviços, salvo as exceções que serão estudadas adiante). Mas não é correto dizer que o conceito de atos de comércio desapareceu; atos de comércio tornou-se um conceito residual diante do conceito de empresa. Leia o art. 966 do CC e lá estão todos os elementos que integram o conceito de empresa. Ao conceituar o empresário, que nada mais é do que a pessoa natural que exerce empresa, reza o art. 966 do CC que o empresário é aquele que profissionalmente (1) exerce atividade econômica (2), organizada (3) para a produção ou circulação de bens ou de serviços (4): “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” E o que significa atividade organizada ? Esse conceito é alvo de disputas doutrinárias na atualidade. E tudo porque não há, ainda, um conceito jurídico do que seja “organização”. Há um conceito de “organização” na ciência econômica e outro na ciência da administração de empresas. Para a Economia, atividade organizada é a atividade que possui, unidos, três fatores de produção: capital, terra (=imóveis) e trabalho. São os três elementos que geram riqueza e, quando unidos, diz-se que a atividade é organizada. Parte da Doutrina entende a palavra “organizada” no sentido dado pela economia. Para quem defende essa corrente, não será considerado empresário ou sociedade empresária quem exerce a atividade econômica sem possuir empregados (lembre-se que trabalho é um fator de produção e se esse não existir diz-se que a atividade não é organizada), porquanto tal atividade não é organizada e, assim, não será empresa. Nesse corrente está quem considera que as entidades de economia familiar (membrosde uma mesma família podem não possuir relação de subordinação entre si; não haveria empregados, portanto) não exercem empresa, isto é, seus exercentes não são empresários ou sociedades empresárias. Também estão nessa corrente os que consideram que o empresário individual que exerça empresa sem possuir empregados não é, na verdade, empresário, nem sequer exerce atividade de empresa. Mas a maior parte da Doutrina não conceitua a palavra organizada no sentido dado pela Economia, e sim no sentido dado pela Administração de Empresas. Segundo essa corrente, toda e qualquer atividade divide-se em atividade-fim (=a resultante, endereçada ao destinatário final ou externo) e em atividades-meio (diversas atividades internas ao ciclo produtivo e quem apenas existem para dar suporte à atividade-fim, que é a atividade externa, voltada para o mercado). Nesse conceito, considera-se atividade organizada apenas a atividade-fim, isto é, a atividade voltada para o público externo, voltada para o mercado. Portanto, apenas a atividade- fim pode ser considerada empresa. Nunca serão empresa as atividades-meio, internas ao ciclo produtivo. Por exemplo, se uma fabricante de bebidas também produz as embalagens e ambos os produtos são vendidos no mercado, ambas as atividades são empresa. Se, entretanto, as embalagens são produzidas apenas para uso interno da fabricante de bebidas, então a atividade de bebidas é empresa e a produção de embalagens, por ser atividade-meio, não é empresa. Dado o conceito de empresa, pergunta-se: quais atividades não estariam no conceito de empresa? A resposta é simples: basta não possuir um dos quatro elementos (profissionalismo, intuito de lucro, organização e produção/circulação de bens/serviços) e a atividade não será empresa. Se vendo um automóvel eventualmente, trata-se de atividade não empresária. Se sou vendedor de carros profissional, sou empresário. Nossa vida privada (nascimento, casamento, morte, sucessão) não se caracteriza como atividade de empresa. Tudo o que não tiver fim econômico não será empresarial, ainda que a relação jurídica seja de consumo. É atividade não econômica, por exemplo, a filantropia, a atividade cultural, religiosa, moral ou assistencial. São exemplos de atividades não empresárias todas as atividades, mesmo que envolva produção/circulação de bens ou serviços, exercida por toda e qualquer associação, fundação, organização religiosa ou partido político. Jamais haverá empresa aqui, porque não há fins econômicos (=intuito de lucro). Também não será empresa a atividade essencialmente estatal (funções executiva, legislativa e judiciária), abarcadas que são pelo direito público. O Estado, em sua função essencial, não produz ou circula bens ou serviços. Houve uma ação no STJ alegando erro judicial e pedindo que fosse aplicado contra o juiz o Código de Defesa do Consumidor, considerando o juiz prestador de serviços. Evidentemente, o STJ afastou a incidência do CDC na hipótese. O Executivo, Legislativo e Judiciário exercem poder político. No exercício do Poder Político, o aspecto fundamental é que não se trata de atividade que faça circular ou produzir bens ou serviços. Trata-se de impor o munus público e, por isso, o Estado não exerce empresa em suas funções estatais essenciais. Mas é empresa a atividade de produção de bens e serviços exercida por empresas estatais, sejam as sociedades de economia mista, sejam as empresas públicas. São pessoas jurídicas de direito privado que exercem atividade privada, isto é, empresa. A única diferença entre essas sociedades e as de capital privado é que as estatais, por terem capital majoritário ou total detido pelo Estado, sofrem fiscalização de órgãos estatais e estão sujeitas a regras de licitação para contratação de obras e serviços. Mas o Estado atua, aqui, como sociedade empresária. Há, por outro lado, três exceções ao conceito de empresa. São atividades que possuem todos os elementos necessários à caracterização de empresa, mas por força de norma expressa no Código Civil, não são consideradas empresa, e sim atividade civil econômica, ou ainda, de modo mais técnico, atividade não empresária. A primeira exceção considera atividade não empresária a prestação de serviços que caracterize exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística. Veja o art. 966, parágrafo único, do CC: “Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.” Exercício de profissão literária envolve os escritores, mas não as editoras, que apenas imprimem e portanto são empresas. Profissão artística tem como exemplo as peças teatrais. Mas quem seria profissional intelectual de natureza científica ? A par de discussões doutrinárias, é reconhecido como tal o profissional que necessita deter curso de nível superior ou técnico como requisito indispensável ao exercício da profissão. São as chamadas profissões regulamentadas, tais como o advogado, o engenheiro, o médico, o dentista etc. Mas a primeira exceção ao conceito de empresa – exercício de profissão intelectual – possui uma exceção, isto é, estamos diante de uma exceção da exceção. Trata-se do disposto ao final do parágrafo único do art. 966 do CC: será empresa a atividade sempre que o exercício da profissão intelectual for “elemento de empresa”. E o que vem a ser elemento de empresa ? Há duas correntes doutrinárias, as quais não se excluem. Para a primeira corrente, a profissão intelectual será elemento de empresa sempre que ao menos duas atividades forem exercidas como atividades-fim: uma caracterizada como profissão intelectual e outra como atividade típica de empresa. Por exemplo, considere um consultório odontológico. O dentista exerce sua profissão, e até aqui ele não é empresário, mas ele também vende produtos de higiene bucal e essa atividade é empresa, já que não é necessário ser dentista para vender produtos de higiene bucal. Nesse caso, temos duas atividades sendo exercidas, uma empresa (=venda de produtos de higiene bucal) e a outra profissão intelectual (=odontologia). Diz-se que a profissão intelectual é elemento de empresa e, portanto, a atividade resultante será empresa. Para a segunda corrente (a qual é menos aceita na Doutrina e não exclui a incidência da primeira corrente), a profissão intelectual será elemento de empresa sempre que o profissional intelectual for empregado de uma pessoa física ou jurídica. Trata-se de compreender a profissão intelectual como fator trabalho na organização da atividade como anota a ciência econômica: capital, imóvel e trabalho. Se o consultório de médicos possui médicos empregados, então a atividade é empresa. Como exemplos, temos os hospitais e as consultorias empresariais de engenheiros (com engenheiros empregados), as construtoras etc. A segunda exceção ao conceito de empresa corresponde à atividade rural, exercida por pessoa física ou jurídica, desde que não seja registrada na Junta Comercial. Trata-se da única atividade, no Brasil, em que se admite a opção pelo registro no cartório civil ou na junta comercial. O tema está indicado nos artigos 971 e 984 do CC. Até o advento do Código Civil de 2002, a atividade rural era tratada como atividade civil. Mas, para o CC de 2002, a atividade rural apenas não será empresa se não estiver registrada na Junta Comercial. Para que o agricultor seja empresário, o registro na Junta Comercial é imprescindível. Para que a sociedade agrícola seja sociedade empresária, é necessário o registro na Junta Comercial. A terceira e última exceção ao conceito de empresa reside na sociedade cooperativa. Não importa a atividade que exerça, se a entidade for sociedade cooperativa, reza o art. 982, parágrafo único,será esta sempre sociedade simples e, portanto, nunca será a cooperativa sociedade empresária. Importante observar, por fim, que qualquer atividade exercida por sociedade anônima ou sociedade em comandita por ações (inclusive exercício de profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística, mesmo sem elemento de empresa, e exercício de atividade rural) será considerada, por força de lei, atividade de empresa, isto é, toda e qualquer sociedade anônima e sociedade em comandita por ações será, sempre, sociedade empresária (CC, art. 982, parágrafo único) e, portanto, registrada (sempre) na Junta Comercial. 1.3 Características e fontes do Direito de Empresa São elementos característicos do direito de empresa: a) simplicidade (informalismo): em face da técnica própria do direito de empresa e de seu objeto, que é regular operações em massa, a rapidez na contratação constitui elemento substancial, o que reforça a supressão do formalismo. A boa-fé e a permissão de provas de contratos por qualquer meio (vide art. 992 do CC, que permite a prova da sociedade em conta de participação por qualquer meio), inclusive testemunhal, imperam nos atos jurídicos que caracterizam o exercício de empresa. b) internacionalidade (cosmopolitismo): em virtude do aumento contínuo das relações econômicas entre os mais distantes países, necessária é a existência de certo número de regras aplicáveis a todos os povos, a fim de serem evitadas demoras prejudiciais ao intercâmbio comercial. Há, por exemplo, leis uniformes para títulso de crédito, como letra de câmbio, nota promissória e cheque. c) onerosidade: baseando-se a atividade empresarial no intuito de lucro (fins econômicos), não se admite, em regra, ato mercantil gratuito. A onerosidade é a regra, e ela se presume. No direito civil, ao contrário, a gratuidade é constante em muitos contratos, como no mandato. d) elasticidade: o direito comercial absorve os usos e costumes, à medida que eles se tornam comuns. Trata-se, portanto, de um direito em constante renovação, um direito dinâmico. e) rapidez: as regras jurídicas empresariais, simplificando as formalidades do direito civil, procuram agilizar a aplicação do direito comercial. Esse fato possui relevância na questão das provas. f) Individualismo: as regras de direito empresarial inspiram-se em acentuado individualismo, porque o lucro está diretamente vinculado ao interesse individual. A liberdade de contrato (princípio da autonomia da vontade contratual) ainda constitui regra preponderante nas relações mercantis, apesar das limitações impostas pelo Estado. Quanto às fontes formais do direito de empresa, elas podem ser primárias ou subsidiárias. São fontes primárias as leis empresariais, que compreendem o Livro II da Parte Especial do Direito de Empresa e as leis esparsas (lei de registro de empresas, lei de propriedade industrial, lei das sociedades anônimas, lei de recuperação de empresas e falência, lei da letra de câmbio e da nota promissória, lei do cheque, lei da duplicata etc.), as instruções normativas expedidas pelo Departamento Nacional de Registro de Comércio, pelo Conselho Monetário Nacional, pela Superintendência de Seguros Privados etc., os tratados internacionais que o país tenha adotado ou a que tenha aderido (por exemplo, tratado sobre direitos de propriedade industrial e títulos de crédito). São fontes subsidiárias o Direito Civil (vide art. 1052 do CC e o revogado art. 121 do Código Comercial de 1850, segundo o qual as regras e disposições do direito civil, para as obrigações em geral, são aplicáveis aos contratos mercantis, com as modificações e restrições no código estabelecidas) e os usos e costumes comerciais, que são a prática reiterada de certos atos, aceitos por todos os empresários como regras obrigatórias e que vigoram quando a lei, inclusive a civil, não possui normas expressas para regular o assunto. Os usos e costumes mercantis não devem atentar contra a lei e seus princípios, nem representar atos de má-fé. Devem ser praticados de maneira uniforme, constante e por certo tempo. Para provar o uso comercial, basta a certidão passada pela Junta Comercial (a qual contém o registro do uso), ou, se não foi o uso anteriormente constatado pela Junta Comercial, prova-se por meio de testemunhas, ou por qualquer outro meio idôneo em direito admitido. 1.4 O conceito de empresário Empresário é a pessoa física que exerce, em nome individual, a atividade de empresa. A expressão empresário individual, ou simplesmente empresário, substitui a antiga noção de firma individual. Lembre-se que não é empresário o profissional intelectual, de natureza científica, literária ou artística, (CC, art. 966, parágrafo único) e nem o exercente de atividade rural não registrado na Junta Comercial (CC, art. 971). Não devemos confundir sócio com empresário. Sócio é o proprietário de quotas ou ações de uma dada sociedade, simples ou empresária. Sócio não exerce empresa; quem exerce empresa é a sociedade. Já o empresário exerce a empresa em nome próprio, como pessoa física, e é chamado pela doutrina como empresário individual, com o nítido intuito de focar a idéia de não ser o empresário pessoa jurídica (=sociedade), mesmo após o seu registro. O art. 967 do CC considera ser obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. Mas perceba que o registro não faz do empresário pessoa jurídica. O requerimento de empresário não é contrato de sociedade. No art. 44 do CC está o rol taxativo das pessoas jurídicas de direito privado: sem fins econômicos, temos as associações (art. 53 do CC: constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos), as fundações (CC, art. 62, parágrafo único: a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência), as organizações religiosas e os partidos políticos. E, com fins econômicos, temos tão-somente as sociedades, as quais seguem os requisitos previstos no art. 981 do CC, em especial o fato de que sociedade pressupõe pluralidade de sócios, isto é, ao menos dois sócios são necessários para que exista a sociedade: celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Aqui estão os três requisitos que todo contrato de sociedade deve ter: a) pluralidade de sócios, b) fins lucrativos (econômicos); e c) partilha dos resultados. Conclui-se que o empresário, mesmo registrado, não é pessoa jurídica, justamente porque o empresário não possui os requisitos necessários a ser caracterizado como sociedade. Se o empresário é pessoa física antes e após o registro, será ele um único sujeito com um único patrimônio, isto é, não será possível juridicamente separar seu patrimônio pessoal de seu estabelecimento. No caso de falência do empresário, arrecadam-se o estabelecimento e os seus bens pessoais, exceto, claro, os impenhoráveis. Diz-se, portanto, que o empresário possui responsabilidade integral por suas dívidas, isto é, responde com os bens que integram o estabelecimento e com os seus bens pessoais também. Para o CC, patrimônio é o conjunto de relações jurídicas de cunho econômico. Não apenas os bens e direitos, mas as obrigações também. Patrimônio é considerado universalidade de direito, isto é, um agrupamento cogente que segue a seguinte regra: um sujeito só pode ter um patrimônio. A regra é assim porque se pudesse haver mais de um patrimônio para cada sujeito, facilitaríamos a fraude contra credores: o devedor, ao invés de responder por suas dívidas com todo o seu patrimônio, como é a regra jurídica em vigor, dividiria seu patrimônio em várias partes, a fim de responder a uma execuçãoapenas com um de seus patrimônios, provavelmente esvaziado de ativos. A única forma de o empresário separar bens pessoais de estabelecimento é tornar-se sócio de alguém e organizar uma sociedade, registrando-a. É por isso que se diz que com a constituição de pessoa jurídica ocorre a separação patrimonial. Nada mais correto, como anota o art. 1022 do CC. A separação patrimonial é conseqüência do nascimento de um outro sujeito, no caso, a pessoa jurídica. E então se organizam patrimônios distintos. Agora, se houver falência, o patrimônio arrecadado será tão-somente o da sociedade, e não o dos sócios. Anote-se também para a correta compreensão dos conceitos microempresa e empresa de pequeno porte. É errado considerar que toda e qualquer microempresa seja pessoa jurídica. O mesmo vale para empresa de pequeno porte. A justificativa é simples e está prevista na Lei Complementar nº 123, de 2006. Para a LC nº 123/06, microempresa poderá ser qualquer empresário (pessoa física), sociedade empresária (pessoa jurídica) e sociedade simples (pessoa jurídica), desde que o faturamento bruto anual auferido não ultrapasse R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais). Portanto, o que caracteriza o conceito de microempresa é o limite de faturamento, e não a natureza jurídica do sujeito, que poderá ser pessoa física, se empresário, ou pessoa jurídica, se sociedade empresária. A mesma regra vale para a empresa de pequeno porte, a qual poderá ser qualquer empresário (pessoa física), sociedade empresária (pessoa jurídica) e sociedade simples (pessoa jurídica), desde que fature de R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais). Não se deve, por fim, considerar o empresário pessoa jurídica porque o registro de empresário lhe confere inscrição no Cadastro nacional de pessoa jurídica. O CNPJ foi criado em instrução normativa da Receita Federal e se aplica às pessoas jurídicas e também a diversos entes que não são pessoas jurídicas, como o condomínio em edificações e o empresário. Outra questão que deve ser observada refere-se aos requisitos para o exercício regular de empresa por empresário. Os requisitos – capacidade civil, ausência de impedimento e registro – referem-se tão-somente à condição regular do empresário, e não à caracterização de empresário. Qualquer pessoa física, mesmo impedida de exercer empresa e sem registro, será empresário sempre que exercer empresa. É claro que será empresário irregular, mas será empresário. Para ser empresário, basta ser pessoa física e exercer empresa. Para que o exercício de empresa por empresário seja juridicamente regular, aí sim teremos de observar os requisitos capacidade civil, ausência de impedimento e registro. Sem capacidade civil, a pessoa física não poderá exercer empresa de forma regular. Note que é capaz quem detenha 16 anos ou mais e se estabeleça com economia própria. O CC admite entretanto, no art. 974, o exercício de empresa por incapaz, desde que, cumuladamente, o incapaz possua autorização judicial e representante legal ou curador. Deve, ainda, ser sucessor de empresa causa mortis (herança ou legado), de qualquer autor de herança, ou inter vivos, desde que adquira de seus pais, a título gratuito ou oneroso. Admite-se, ainda, que o incapaz superveniente possa exercer empresa se antes a exercia enquanto capaz. A autorização judicial não constitui direito do incapaz, isto é, o juiz não é obrigado a autorizar ainda que o incapaz possua representante ou curador e também seja sucessor de empresa. O juiz só autoriza ao considerar os riscos da empresa e, mesmo que autorize, poderá revogar o ato posteriormente. Veja o art. 974 § 1o: “Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros.” Uma questão interessante acerca do incapaz empresário reside no fato de que a lei admite a separação patrimonial entre seus bens pessoais e seu estabelecimento, desde que os bens pessoais constem do alvará de autorização (art. 974, § 2o). Nesses termos, as dívidas assumidas pelo incapaz no exercício de empresa não serão garantidas por seus bens pessoais, mas desde que tais bens pessoais estejam listados no alvará do juiz e não sejam utilizados, em qualquer hipótese, no estabelecimento do incapaz empresário. Ainda quanto ao incapaz, deve ser observado que não há impedimento para que o incapaz seja sócio, inclusive majoritário, de sociedade simples ou empresária. Há entendimento firmado no STF, entretanto, que exige que as quotas ou ações detidas por incapaz estejam totalmente integralizadas, isto é, pagas. O segundo requisito para o exercício regular de empresa refere-se à ausência de impedimentos. São impedidos de exercer empresa como pessoa física, isto é, de serem empresários, os funcionários públicos, os militares, os agentes políticos, os falidos ainda não reabilitados (art. 102 da Lei nº 11.101/05, também chamada de reabilitação civil, se não praticou, o falido, crime falimentar), os condenados por crime falimentar cuja extinção da punibilidade tenha ocorrido há menos de cinco anos, salvo reabilitação penal anterior (art. 181, § 1º, da Lei nº 11.101/05), os corretores, os administradores de armazéns-gerais e os leiloeiros. O estrangeiro, regularmente residente no país, pode dedicar-se ao exercício da empresa, se devidamente registrado na Junta Comercial. Também se admite que o estrangeiro residente no exterior pratique atos de empresa no Brasil. Mas o estrangeiro, ainda que residente no Brasil, não poderá ser proprietário de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, a qual é privativa de brasileiros natos e naturalizados (Constituição Federal, art. 222), salvo na condição de sócio minoritário, com até trinta por cento do capital social. A fim de tutelar os terceiros de boa-fé, o art. 973 do CC considera válidos todos os atos jurídicos praticados por quem esteja impedido de exercer empresa, isto é, se o funcionário público procede à venda regular de mercadorias, ele estará obrigado a cumprir tais contratos. Mas o impedido de exercer empresa não obterá registro na Junta Comercial e, caso seja declarado falido com base nas regras gerais que autorizam o pedido de falência (impontualidade, execução frustrada e atos falimentares), terá cometido crime falimentar. Os impedidos de serem empresários podem, entretanto, ocupar a posição de sócio, inclusive majoritário, de sociedade empresária. Não poderão, entretanto, ocupar o cargo de administrador de qualquer sociedade empresária. Os funcionários públicos e os militares não podem, ainda, ocupar a posição de sócio de responsabilidade ilimitada (sócio de sociedade em nome coletivo, sócio comanditado em sociedade em comandita simples, sócio acionista diretor em sociedade em comandita por ações, sócio ostensivo em sociedade em conta de participação e sócio de sociedade em comum). O último requisito para o exercício regular de empresa por empresário é o registro do empresário na Junta Comercial, antes do início de suas atividades. Todo empresário deve se registrar; se não fez o registro, será empresário, mas irregular. O registro exige a formulação de requerimento de empresário, nos termos do art. 968 do CC, o qual deve conter: a) nome, nacionalidade, domicílio, estado civil e, se casado, o regime de bens; b) a firma, com a respectiva assinatura autógrafa; c) o capital; e d) o objeto e a sede da empresa. Acerca do empresário, deve-se observar, por fim, o disposto no art. 978 do CC, o qual inovou a tradição jurídica em vigor até então e passou a permitir que o empresário casado, em qualquer regimede bens, possa alienar ou onerar bem imóvel de seu estabelecimento sem necessidade de outorga conjugal. O dispositivo se referente a imóvel pertencente a “patrimônio da empresa”, mas como empresa significa atividade, a referência legal, necessariamente, está vinculada à noção de imóvel utilizado para exercício da atividade de empresa. 1.4. O conceito de estabelecimento O conceito de estabelecimento constitui tema essencial na compreensão da parte geral do direito de empresa. Veja que empresário é pessoa física e sociedade empresária é pessoa jurídica, ambos sujeitos que exercem uma atividade específica, chamada empresa, que é a atividade profissional, econômica e organizada de produção e/ou circulação de bens ou de serviços. Mas o exercício de empresa não depende apenas da manifestação de vontade do titular. É necessário deter capital, conceito anotado pelos economistas e que, na ciência jurídica, recebe o nome de estabelecimento, ou ainda, fundo de comércio, expressão com origem no francês fonds de commerce, a qual significa fonte de comércio, ou seja, o estabelecimento é a fonte, a base física, o instrumento necessário ao exercício da atividade de empresa. Considera-se estabelecimento (=ou azienda) todo o conjunto de bens (=objeto de direito), corpóreos e incorpóreos, organizados para exercício de empresa (CC, art. 1142). Desse conceito são extraídos três requisitos que, cumulados, caracterizam a existência do estabelecimento. Primeiro, o estabelecimento constitui um conjunto de bens, corpóreos e incorpóreos. São corpóreos os bens móveis como estoques de mercadorias, máquinas, instalações e utensílios, e os imóveis usados para o exercício da atividade de empresa. São incorpóreos o ponto de empresa, as marcas, as patentes de invenção, as patentes de modelo de utilidade, o desenho industrial, o nome empresarial, o título de estabelecimento e as indicações geográficas. O ponto de empresa, ou ponto comercial, decorre do fundo de comércio, isto é, a organização dada ao estabelecimento torna-o capaz de servir como instrumento do exercício de empresa e, portanto, o titular do fundo de comércio, ou estabelecimento, é o titular do ponto de empresa, o qual se define como o direito à clientela atraída pelo local onde está situado determinado estabelecimento. Ponto não é o imóvel: é a capacidade que certo local possui em atrair clientela, capacidade essa que decorre do exercício de empresa por meio do estabelecimento instalado no local. Esse direito ao ponto, que é incorpóreo, só se mantêm enquanto permanecer a exploração da organização montada pelo empresário e pela sociedade empresária sobre o conjunto de bens que formam o estabelecimento. Cessando esse exercício, perde-se a clientela. E, como prova deste direito à clientela, o proprietário do estabelecimento goza de proteção contra a concorrência desleal, como anota o art. 1147 do CC, bem como possui direito à indenização pelo ponto, em caso de desapropriação do imóvel. O título de estabelecimento é a designação emblemática ou nominativa (sinais ou palavras) que identifica a fachada do imóvel onde se situa o estabelecimento. Não há lei que defina o registro do título de estabelecimento, mas sua proteção é assegurada pela jurisprudência, em geral no âmbito geográfico municipal, em decorrência da aplicação das regras que reprimem a concorrência desleal. Segundo, o conjunto de bens deve ser organizado, isto é, deve permitir sua utilização operacional para o exercício de empresa. É o conceito de aviamento, que deve estar presente no conjunto de bens que forma o estabelecimento. Se em um galpão existem máquinas, mas elas estão desmontadas ou não conseguem operar, então temos um conjunto de bens meramente justapostos, mas não organizados, isto é, não se trata de estabelecimento, por falta de aviamento dos bens. Mas se as máquinas estão instaladas e funcionam, então os bens estão aviados e podem ser utilizados para o exercício de empresa, isto é, tal conjunto de bens representa, efetivamente, um estabelecimento. Diz-se que o aviamento aumenta o valor dos bens, justamente porque a organização dos bens, em si, amplia o potencial econômico do titular da empresa. Terceiro, deve o conjunto de bens organizado ser, efetivamente, empregado no exercício de atividade caracterizada como empresa, isto é, o conjunto de bens apenas será estabelecimento se cumprir uma função: exercer empresa. É comum em provas questões relacionadas, por exemplo, ao fato de engenheiro, médico, advogado ou sociedade de engenheiros, médicos e advogados, sociedade cooperativa, sociedade simples, fundação, associação, organização religiosa e partidos políticos deterem “estabelecimento”. A resposta é sempre negativa, por uma simples razão: esses sujeitos não exercem uma atividade caracterizada como empresa (como visto acima) e, portanto, não detêm estabelecimento, o qual é conjunto de bens organizado para exercício de empresa. Definido o conceito, deve-se observar que estabelecimento constitui uma universalidade de fato, e não de direito. Sempre que o universo juridicamente considerado – o conjunto de bens organizado para exercício de empresa – for definido pela vontade do titular, trata-se a hipótese de universidade de fato: o estabelecimento, enquanto universalidade de fato, é entendido como um conjunto de bens que se mantêm unidos, destinados a um fim, por vontade e determinação de seu proprietário, que a qualquer momento pode desintegrá-lo. Em conseqüência, o empresário e a sociedade empresária podem, por mero ato de vontade, possuir um ou mais estabelecimentos (=no caso, haverá estabelecimento sede e filiais), bem como desmembrar um estabelecimento em dois ou mais estabelecimentos. Cada conjunto de bens que, no plano dos fatos, consiga isoladamente servir ao exercício de empresa constitui estabelecimento. Há questões, comum em provas, associadas ao conceito de estabelecimento. Estabelecimento e patrimônio são sinônimos ? Os ativos integram o conceito de estabelecimento ? O passivo integra o conceito de estabelecimento ? Os contratos integram o conceito de estabelecimento ? Vamos às respostas. O conceito de estabelecimento é bem mais restrito do que parece ser. Patrimônio é universalidade de direito representada pelo conjunto de relações jurídicas de cunho econômico, sejam direitos, sejam obrigações. As ciências contábeis consideram que o patrimônio se divide em ativo e passivo. A despeito de tecnicamente corretas, as expressões ativo e passivo possuem sinônimos mais apropriados na ciência jurídica. Para a ciência jurídica, passivo significa obrigações jurídicas, de caráter pessoal (dívidas), com ou sem garantias reais e pessoais conferidas ao credor. O ativo, por sua vez, engloba bens, que são direitos reais, e direitos de crédito, que são pessoais. De início depreende-se que estabelecimento e patrimônio são conceitos distintos. Se o patrimônio abarca ativo e passivo, estabelecimento não: aqui, apenas os bens fazem parte do conjunto, isto é, o estabelecimento é composto de parte do ativo, os bens, corpóreos e incorpóreos, e desde que tais bens sejam destinados ao exercício da empresa. Mas nem todos os bens de propriedade do empresário ou da sociedade empresária pertencem ao estabelecimento. Se os bens são de uso pessoal do empresário, não pertencem ao estabelecimento; se bens de propriedade da sociedade empresária não são empregados no exercício da empresa (por exemplo, uma fábrica desativada), tais bens não integram o estabelecimento. Obrigações, ou passivo, da mesma forma, não integram o conceito de estabelecimento. Já a parte do ativo representada pelos direitos de crédito, direitos pessoais que são, não integram o conceito de estabelecimento a partir de uma interpretação autêntica do art. 1.142 do CC, que apenas se refere a bens, e não a créditos. Mas esseponto é bastante controvertido na Doutrina, assumindo os doutrinadores mais clássicos que os créditos não integram o conceito de estabelecimento. Os doutrinadores mais modernos, entretanto, incluem os direitos de crédito no conceito de estabelecimento, ao fundamento de que os créditos são equiparados juridicamente aos bens móveis e, portanto, em uma interpretação extensiva do termo “bens”, apontado no art. 1.142 do CC, estão incluídos os créditos. Há quem argumente que, nos termos do art. 1.149 do CC, se a venda de estabelecimento implica a cessão dos créditos, então os créditos estão incluídos no conceito de estabelecimento. Mas justamente o oposto pode ser dito: se os créditos integram o conceito de estabelecimento, porque o legislador precisou explicitar que a venda de estabelecimento implica a cessão de créditos ? Ou seja, a existência do art. 1.149 do CC implica reconhecer, em princípio, que os créditos não pertencem ao conceito de estabelecimento. Os contratos de empresa, isto é, os contratos celebrados pelo empresário ou sociedade empresária com seus fornecedores, distribuidores e empregados pertencem ao conceito de estabelecimento? A resposta é negativa, dado que contratos não são bens. Os contratos de empresa fomentam o exercício da atividade de empresa, porque instrumentalizam o estabelecimento em prol da atividade. De fato, se não há empregados, fornecedores e distribuidores, o estabelecimento (as máquinas de uma fábrica, por exemplo) não tem como operar. Os contratos, assim, estão próximos à noção de empresa, enquanto atividade. Daí a doutrina e o legislador (vide art. 140, inc. I, da Lei nº 11.101, de 2005, Lei de Falências) mencionarem o termo “alienação de empresa”. Ora, se empresa é atividade, o que seria a alienação de uma atividade ? O termo existe, está correto e alienar empresa significa exatamente “transferir os contratos de empresa, os quais permitem que o estabelecimento seja instrumento do exercício da atividade de empresa”. Portanto, deve-se considerar que contratos detidos pelo empresário ou sociedade empresária (com fornecedores, distribuidores, empregados etc.) não pertencem ao conceito de estabelecimento, mas viabilizam o exercício da empresa. 1.5. A venda do estabelecimento: o trespasse O estabelecimento pode ser objeto unitário traslativos de direitos, como anota o art. 1143 do CC. A venda de estabelecimento, também chamada de trespasse, pode ser constituída por instrumento público ou particular, mas deve ser arquivada na Junta Comercial e publicada na imprensa oficial, sob pena de não produzir efeitos perante terceiros (CC, art. 1.144). A alienação de estabelecimento apenas será eficaz contra os credores do alienante se alternativamente: a) o alienante detenha bens, após a venda, suficientes à solvência de seu passivo, b) os credores do alienante tenham sido pagos, ou c) os credores tenham anuído, expressa ou tacitamente (=anuência tácita é dada pelo credor que, notificado pela via judicial ou extrajudicial, deixe de realizar oposição ao trespasse perante a Junta Comercial no prazo de 30 dias após a notificação) com o trespasse (CC, art. 1145). Do contrário, a venda do estabelecimento é ineficaz aos credores do alienante. Independentemente do disposto no art. 1145 do CC, anota o artigo seguinte, art. 1146 do CC, que, na venda de estabelecimento, o adquirente se torna responsável pelos débitos anteriores à transferência, desde que contabilizados. Nesse caso, permanecerá o alienante responsável solidário, sem benefício de ordem, pelo prazo de um ano a partir da publicação da alienação (créditos vencidos) ou do vencimento dos créditos (créditos vincendos à época da alienação). A alienação de estabelecimento possui cláusula implícita de dever de não-concorrência, a qual poderá ser afastada por pacto expresso em contrário. Se omisso o trespasse a respeito, a cláusula implícita opera: o alienante não poderá competir com adquirente pelo prazo de 5 anos, salvo autorização, que deverá ser expressa no pacto de alienação do estabelecimento (CC, art. 1.147). Quanto aos contratos estipulados pelo alienante para a exploração de seu estabelecimento, os chamados contratos de empresa (contratos com fornecedores, distribuidores, empregados, licenças de direito de propriedade industrial etc.), a solução da lei é simples em caso de trespasse: pacta sunt servanda, isto é, alienante e adquirente são livres para pactuar, ou não, a transferência dos contratos de empresa ao adquirente. Essa transferência de contratos, se houver, é chamada de alienação de empresa, termo referido no art. 140, inc. I, da Lei de Falências (Lei n. 11.101/05). E se o trespasse for omisso a respeito ? O adquirente assume também os contratos do alienante ? A resposta está no art. 1.148 do CC, segundo o qual o adquirente se sub-roga nos contratos do alienante, não podendo rescindi-los, salvo nos contratos de natureza personalíssima. Os terceiros, entretanto, poderão rescindir os contratos celebrados com o alienante, se houver justa causa (no prazo de 90 dias a contar da publicação), ressalvada a responsabilidade do alienante. Por fim, a questão do trespasse, ou alienação de estabelecimento, suscita o debate acerca dos créditos o alienante. São eles transferidos ao adquirente ? Reza o art. 1.149 do CC que os devedores do alienante estão obrigados a pagar os débitos ao adquirente, desde o momento da publicação, mas ficarão exonerados se de boa-fé pagarem ao alienante. Nesse caso, o adquirente poderá promover ação contra o alienante, fundada em enriquecimento sem causa (CC, art. 1149). 1.6. O registro público de empresas O registro público de empresas, ou Registro de Comércio, é realizado pelas Juntas Comerciais, nos termos da Lei n. 8.934/94. As Juntas Comerciais são autarquias estaduais (com exceção para a Junta Comercial do Distrito Federal, que é órgão federal). Há também o Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC), o qual não efetiva registros como as Juntas, mas possui poder normativo, exercido por meio de edição de instruções normativas, as quais regulamentam a Lei n. 8.934/94, a fim de estabelecer e consolidar as normas e as diretrizes gerais de registro e arquivamento de atos de empresário e sociedades empresárias de qualquer natureza, inclusive no que se refere à documentação a ser exigida. Pela Lei, em seu art. 32, os atos registráveis compreendem: (a) matrículas, (b) arquivamentos e (c) autenticação de livros comerciais. Compete à Junta Comercial, também, assentar os usos e práticas (costumes) mercantis. As matrículas referem-se aos seguintes profissionais: leiloeiros (somente pessoa física), tradutores e intérpretes oficiais (somente pessoa física), administradores de armazéns-gerais (estes podem ser pessoas físicas ou jurídicas) e trapicheiros (administradores de depósitos localizados em zonas portuárias), também pessoas físicas ou jurídicas. Os arquivamentos abarcam: (i) declaração de firma individual (hoje requerimento de empresário), e alterações, (ii) contrato social ou estatuto de sociedade empresária, e alterações, (iii) consórcios de sociedades empresárias e grupos de sociedades, (iv) sociedades empresárias estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil, (v) declarações de microempresa e empresa de pequeno porte, (vi) prova da emancipação ou autorização do incapaz – CC, art. 976, (vii) pactos e declarações antenupciais do empresário, bens como os títulos (doação, herança ou legado) que imponham incomunicabilidade ou inalienabilidade dos bens – CC, art. 979. A inscrição do empresário e da sociedade empresária na Junta Comercial possui como consequência a proteção, nos limites do Estado, do nome empresarial destes. Nomes idênticos não poderão ser usados no mesmo Estado ou registrados na mesma Junta, bem como os nomes semelhantes, nas hipóteses de denominação, estarão sujeitosà mesma restrição. Na hipótese de arquivamento, em especial de contrato social ou estatuto, deve ser observado o prazo de 30 dias a contar da prolação do instrumento (CC, art. 1151, § 1º). A observância desse prazo produz efeito retroativo do registro à data de celebração do contrato. Se não observado o prazo, o registro ainda assim será efetuado, mas o efeito do registro será ex nunc, isto é, a contar do deferimento do registro pela Junta Comercial, e não da data de celebração do instrumento (CC, art. 1151, § 2º). As autenticações dos livros comerciais é obrigatória e sua ausência retira o valor probante dos livros em favor do empresário ou sociedade empresária, bem como constitui crime falimentar, caso, evidentemente, seja decretada a falência do titular dos livros não autenticados. A Junta Comercial é obrigada a verificar a regularidade formal dos atos submetidos a registro, mas não o seu mérito. A Junta Comercial pode indeferir o pedido de registro sempre que verificada a existência de vício formal no documento, por violação à lei ou ao contrato, ou a ausência de qualquer requisito exigido por lei ou por norma regulamentar (CC, art. 1153; Lei n. 8.934/94, art. 35). Como efeito, os atos registrados podem ser opostos a terceiros (CC, art. 1154). Antes do registro, a oposição a terceiro depende da prova de ciência deste. Os direitos de propriedade industrial (patente de invenção e modelo de utilidade, desenho industrial, marca e indicação geográfica) não são registrados na Junta Comercial e sim no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, nos termos da Lei n. 9.279/96. 1.7. A propriedade industrial As idéias oriundas do intelecto humano podem possuir finalidade artística/estética ou industrial/utilitária. No primeiro caso, os direitos dos criadores são protegidos como direitos autorais, regidos pelas Leis n. 9.609/98 e 9.610/98, e são estudados no Direito Civil. No segundo caso, trata-se da propriedade industrial, regida pela Lei n. 9.279/96 e estudada no Direito de Empresa. A propriedade industrial compreende os direitos sobre invenção, modelo de utilidade, desenho industrial, marcas e indicações geográficas. Cabe ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, efetuar os registros de desenho industrial, marcas e indicações geográficas e conceder as patentes de invenção e de modelo de utilidade. A invenção é a idéia criada pela mente humana que possui os atributos de novidade (idéia que constitui salto tecnológico, isto é, não pertence ao estado da técnica, bem como não foi, ainda, explorada em mercados), atividade inventiva (a idéia deve ser resultado de esforço inventivo) e aplicação industrial (a idéia deve ser incorporada em produto a ser comercializado). O modelo de utilidade constitui idéia com as mesmas características da invenção, mas o modelo de utilidade representa idéia acessória, a qual se incorpora em produto já existente, com o único fim de aumentar sua utilidade. Marca é o sinal visual (não existe marca sonora), distintivo (isto é, não se trata de expressão ou figura de uso comum, quando comparada ao produto ou serviço que se quer distinguir), dotado de licitude (o sinal visual não ofende a moral, os bons costumes, crenças religiosas etc.) e novidade (não há sinal idêntico ou semelhante, capaz de causar confusão com marca já registrada no INPI). Desenho industrial é toda forma plástica e exterior (o design) que possa revestir um produto. Deve possuir novidade (forma não compreendida no estado da técnica, isto é, caracterizada por nova configuração ornamental), originalidade (a forma não pode ser a comum ou vulgar do objeto) e aplicação industrial (deve a forma ser aplicada em produto passível de industrialização e posterior comercialização). 1.8. A escrituração empresarial Todo empresário e toda sociedade empresária são obrigados a manter um sistema de contabilidade (CC, art. 1179), composto pela inscrição regular de dados contábeis no Livro Diário, livro obrigatório (CC, arts. 1180 e 1184) e que deve ser autenticado pela Junta Comercial, bem como pela elaboração de duas demonstrações financeiras anuais, o balanço patrimonial e o balanço de resultado econômico. A escrituração contábil, se não observada pelo empresário ou sociedade empresária, caracteriza crime falimentar, caso o empresário ou sociedade empresária sejam declarados falidos. Os livros empresariais obrigatórios devem ser conservados na posse do empresário ou sociedade empresária até que estejam prescritos os direitos e obrigações nele indicados. São livros obrigatórios o Diário e o Registro de Duplicatas e, para a sociedade anônima, também são obrigatórios (art. 100 da Lei n. 6.404/76) os livros: a) de registro de ações normativas; b) de transferência de ações normativas; c) de registro de partes beneficiárias normativas; d) de transferência de partes beneficiárias normativas; e) de atas de assembléias gerais; f) de presença dos acionistas; g) de atas das reuniões da diretoria; h) de atas e pareceres do conselho fiscal. O Livro Diário (art. 1184) é o que retrata as atividades do empresário e da sociedade empresária e nele devem ser lançados, diariamente, todas as operações realizadas. Os livros empresariais que seguem as prescrições contábeis de preenchimento (CC, art. 1183) e sejam autenticados pela Junta Comercial constituem instrumento de prova documental, inclusive em favor do empresário e da sociedade empresária. Em regra submetidos à regra do sigilo (CC, art. 1190), pode o juiz determinar a exibição judicial do livro empresarial, exibição esta que pode ser total ou parcial. A exibição judicial total será realizada (CC, 1191, caput) em casos de conflito entre sócios e/ou com administradores da sociedade, questões de sucessão, gestão empresarial por conta de outrem e falência. Conforme a Súmula n. 260 do STF, "o exame de livros comerciais em ação judicial fica limitado às transações entre os litigantes". Em caso de recusa à exibição total, poderá o Juiz determinar a busca e apreensão dos livros (CC, art. 1192). A exibição judicial parcial se aplica a qualquer demanda judicial não inserida nas hipóteses de exibição total, seja em favor do empresário ou sociedade empresária, seja favor do outro litigante (CC, art. 1191, parágrafo primeiro), mas a recusa em exibi-los, nessa hipótese, acarreta tão-somente a inversão do ônus da prova, a qual poderá, inclusive, ser elidida pelo empresário ou sociedade empresária por prova documental em contrário (CC, art. 1192). Admite-se, ainda, a exibição administrativa dos livros (CC, art. 1193), a se realizar pela fiscalização tributária. As leis tributárias reservam ao poder público, através de seus agentes, o direito de exigir a exibição administrativa dos livros empresariais (e também fiscais), para neles verificar se os tributos foram pagos regularmente (art. 195 do CTN: não há sigilo de livros comerciais perante a Fazenda Pública, sob o aspecto administrativo). 1.9. Nome empresarial Nome empresarial é a designação do sujeito de direito que exerce empresa, isto é, do empresário individual e da sociedade empresária e é registrado na Junta Comercial. Não se deve confundir nome empresarial com: a) marca, a qual é a designação distintiva de produto ou serviço e é registrada no INPI; b) título de estabelecimento, que é a designação de fachada do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento; e c) domínio, que é a designação do endereço eletrônico (sítio na internet). Nada impede, porém, que a mesma palavra ou expressão de fantasia seja utilizada como título de estabelecimento, registrada como marca, inserida no nome empresarial tipo denominação e usada no nome de domínio. O nome empresarial pode ser firma (também chamada de razão, atende ao princípioda veracidade, isto é, guarda identidade entre o nome civil do sócio ou empresário e o nome empresarial) ou denominação (a que possui elemento fantasia em sua composição: entenda-se por elemento fantasia toda palavra que não seja o nome civil de sócio ou empresário, o ramo de atividade econômica desenvolvido e nem símbolo de tipologia societária: ltda., s/a etc.). A firma é obrigatória para o empresário, a sociedade em nome coletivo e a sociedade em comandita simples (CC, arts. 1156 e 1157). Nesses casos, o nome empresarial compõe-se do nome civil (no todo ou em parte) do empresário ou sócios de responsabilidade ilimitada (todos os sócios ou apenas um, acrescido ao final da expressão “e companhia”, por extenso ou abreviada: “e Cia.”), obrigatoriamente, e do ramo de atividade, facultativamente. No caso do empresário, também é facultado o acréscimo de alcunha. A denominação é obrigatória para a sociedade anônima, a qual deverá adotar elemento fantasia e indicar o ramo de atividade, obrigatoriamente, acrescidas ou iniciadas pelas expressões “sociedade anônima” (no início ou no final) ou “companhia” (apenas no início, como anota a Instrução Normativa do DNRC n. 104, de 2007), por extenso ou abreviada. É facultativa a inclusão do nome do fundador, acionista ou pessoa que tenha contribuído para o êxito da sociedade. A sociedade limitada pode adotar firma (nome do(s) sócio(s), no todo ou em parte e ramo de atividade, esse facultativo) ou denominação (elemento fantasia e ramo de atividade - obrigatórios), sempre acrescidos da expressão final “limitada”, por extenso ou abreviadamente. A sociedade em comandita por ações pode adotar firma (conforme a regra geral acima) ou denominação (nesse caso, acrescida pela expressão “em comandita por ações”, por extenso ou abreviada “sca”). Em qualquer sociedade (inclusive na S/A), deve ser incluída as expressões “microempresa” ou “empresa de pequeno porte”, por extenso ou em forma abreviada (ME ou EPP) ao final do nome empresarial, caso o respectivo regime jurídico tenha sido adotado (LC n. 123, de 2006). Todo nome empresarial deve observar o princípio da novidade (CC, art. 1163), segundo o qual não se admite a inscrição de nome idêntico a outro anteriormente registrado no âmbito da mesma Junta Comercial, isto é, no âmbito de cada Estado Federado ou do Distrito Federal. O art. 1166 do CC faz alusão à possibilidade de lei especial permitir a proteção do nome empresarial no âmbito nacional, mas essa lei não foi editada até o momento e, portanto, se o empresário deseja proteger seu nome em outro Estado ou em todo o País, deverá registrá-lo nas demais Juntas Comerciais (registro isolado do nome em outra Junta Comercial para fins de proteção ou mero registro de filial em outro Estado, o que já confere proteção ao nome no âmbito dessa Junta Comercial que registra a filial). A alienação de nome empresarial é proibida (CC, art. 1164). Há controvérsia na Doutrina sobre a extensão da proibição, assumindo alguns que a regra se aplica tanto à firma como à denominação; outros se limitam a sustentar que a proibição incide apenas sobre as firmas, o que parece ser mais razoável, dado que a alienação de nome, nessa hipótese, irá inevitavelmente ferir o princípio da veracidade, possui assume-se que o novo proprietário não homônimo do anterior. Mas admite-se a utilização do nome empresarial do vendedor, na alienação de estabelecimento por ato entre vivos, precedida do nome empresarial do comprador, com a qualificação de sucessor (CC, art. 1164, parágrafo único). Se a inscrição do nome empresaria se der em desacordo com a lei ou contrato, é cabível ação de conhecimento que tenha por objeto o pedido de anulação (CC, art. 1167). A extinção da proteção ao nome empresarial coincide com a extinção da sociedade, se pessoa jurídica, ou com a extinção do registro de empresário, se pessoa natural. É prevista ainda, a hipótese de cancelamento de registro (art. 60 da Lei n. 8.934/94), caso o empresário ou sociedade empresária não arquive qualquer documento na Junta Comercial ao longo de dez anos e, cumuladamente, não responda a notificação da Junta Comercial enviada para esse fim. As sociedades simples, associações e fundações adotam denominação, a qual equipara-se ao nome empresarial por força de lei (CC, art. 1155, parágrafo único). 2. Recuperação de empresas e falência A Lei n. 11.101/05 apresenta três institutos distintos: a recuperação extrajudicial, a recuperação judicial e a falência. As recuperações exigem, em regra, a anuência dos credores e posterior homologação judicial. Seu objetivo é auxiliar o devedor a afastar-se do quadro de crise econômica e financeira. O devedor poderá também, ao invés de tentar se reerguer sozinho, vender seus ativos a qualquer interessado, mas salvo a venda parcial de ativos prevista na recuperação judicial (art. 60, parágrafo único), a venda de ativos nas recuperações exige que o adquirente assuma, também, todo o passivo contabilizado do alienante. Se fracassarem, as recuperações autorizam o pedido de falência. Deverá o credor requerer em juízo o pedido de falência com base no descumprimento do plano de recuperação extrajudicial ou judicial, mas admite-se, no descumprimento de plano de recuperação judicial homologado há menos de dois anos (art. 61), a falência imediata do devedor, mediante convolação do processo de recuperação judicial em falência. A falência, por sua vez, pode se originar de uma recuperação mal sucedida, ou simplesmente de pedido direto de falência, formulado pelo credor (o mais comum) ou pelo próprio devedor, a chamada autofalência. 2.1. Recuperação extrajudicial A recuperação extrajudicial não pode ser requerida por credor. Apenas pelo próprio devedor. Essa recuperação é chamada de extrajudicial porque a anuência dos credores ao Plano é extrajudicial e constitui a primeira providência a ser obtida pelo devedor. Imaginada para crises econômicas leves e moderadas, a recuperação extrajudicial pressupõe acordo extrajudicial, por escrito (instrumento público ou particular), entre credores e devedor. A primeira fase da recuperação extrajudicial é fase extrajudicial, representada pelo acordo extrajudicial, por escrito (instrumento público ou particular), entre credores e devedor. Esse acordo deve observar os seguintes requisitos objetivos (requisitos legais necessários à confecção do Plano de Recuperação Extrajudicial (PRE, art. 161), sem os quais o juiz não poderá homologar o PRE. O primeiro requisito refere-se aos créditos que não são admitidos à inclusão no Plano: os créditos tributários; os créditos tributários têm sua forma de renegociação ex lege, de acordo com as leis que regem os parcelamentos de créditos tributários; os créditos trabalhistas e de acidente de trabalho; os créditos derivados de adiantamento de contrato de câmbio (art. 86, inciso II); são créditos concedidos por instituição financeira a exportadores, os quais pactuam contrato de câmbio para obter a conversão, em reais, do pagamento feito em moeda estrangeira como decorrência de contrato de compra e venda internacional; os créditos detidos por quem seja proprietário de bens na posse do devedor (art. 49, § 3o), tais como proprietário fiduciário e sociedade arrendante (leasing). Art. 49 § 3o: “Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, nãose permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.” O segundo requisito impede que o PRE permita o pagamento antecipado de dívidas (art. 161, § 2o). O terceiro requisito exige que credores de mesma espécie no PRE devem ser tratados com isonomia; não se admite, ainda, tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos (art. 161, § 2o). A segunda fase da recuperação extrajudicial é fase judicial, e tem por objeto a homologação do PRE em juízo. Nessa fase, após a distribuição do pedido de homologação, os credores não poderão desistir da adesão ao plano, salvo com a anuência expressa dos demais signatários (art. 161,§ 5o). O devedor, entretanto, poderá desistir a qualquer momento do pedido de homologação do PRE. O devedor deverá anexar o PRE à petição inicial, juntamente com os documentos que comprovam a expressa anuência dos credores (art. 162), e demonstrar ao juiz a satisfação de requisitos subjetivos (=requisitos sobre a pessoa do devedor, arts. 48 e 161), a saber: ser empresário ou sociedade empresária; exercer empresa há mais de 2 (dois) anos; ter registro regular; não estar na condição de falido. Se estiver falido (sentença de falência decretada e processo de falência em aberto, não encerrado), não poderá requerer sua recuperação extrajudicial. Mas não confunda falido com ex-falido: o ex-falido é aquele reabilitado ao exercício de empresa em processo de falência já encerrado; se preencher os demais requisitos, o ex-falido pode requerer recuperação extrajudicial; o falido, não; não ter sido condenado por crime falimentar, salvo se decorridos cincos anos após a extinção da punibilidade ou prévia reabilitação penal; se o devedor for sociedade empresária, este requisito deverá ser preenchido pelos administradores (todos) e pelo sócio controlador. Art. 181 § 1º: “Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença, e perdurarão até 5 (cinco) anos após a extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação penal.” o devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos (art. 161, parágrafo terceiro). Verificada a existência dos requisitos subjetivos, o Juiz determinará a publicação de edital para (art. 164) que os credores ofereçam impugnação, em trinta dias, à homologação do PRE. Entre as defesas admitidas, poderão alegar os credores: falta de requisito subjetivo; falta de requisito objetivo; existência de crédito simulado (art. 164, parágrafo sexto); ausência de anuência de credores que representem ao menos três quintos dos créditos (essa defesa não impede a homologação do PRE; apenas impede que o juiz, ao homologar o PRE, confira os efeitos ampliados do art. 163, como adiante será estudado). Se o Juiz não homologar o PRE, os seguintes efeitos são produzidos: a sentença que não homologa o PRE extingue o processo e o devedor não é declarado falido; a não homologação do PRE desconstitui a novação dada pelos credores ao anuírem com o PRE; ao credor remanesce seu crédito original. A novação só se opera com a homologação do PRE. Pelo art. 165, o plano de recuperação extrajudicial produz efeitos após sua homologação judicial. Caso o plano seja rejeitado pelo juiz, devolve-se aos credores signatários o direito de exigir seus créditos nas condições originais, deduzidos os valores efetivamente pagos; o devedor poderá renovar o pedido de homologação de novo PRE imediatamente (art. 164, parágrafo oitavo). Mas se houver a homologação do PRE, os seguintes efeitos são produzidos: efeitos restritos do art. 162: o PRE vincula apenas os credores que anuírem, caso esses representem menos de três quintos de todos os créditos de mesma espécie que existam contra o devedor; efeitos ampliados do art. 163: o PRE vincula todos os credores de mesma espécie, seja os que anuíram, seja os que não anuíram, sempre que os credores que anuíram representem três quintos ou mais de todos os créditos de mesma espécie que existam contra o devedor; pelo art. 163, o devedor poderá requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos. Perceba que são três quintos dos créditos, e não três quintos do número de credores; a novação é operada; não há suspensão de direitos, ações ou execuções; os credores não abrangidos (isto é, os credores não admitidos pela lei, indicados acima, e os que não anuíram com o PRE, em caso de homologação do PRE com efeitos restritos do art. 162) pelo PRE devem ser pagos em dia pelo valor original de seus créditos; do contrário, podem pedir a decretação de falência, ainda que o PRE seja homologado e esteja em regular cumprimento; a sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constituirá título executivo judicial, isto é, o plano de recuperação extrajudicial constitui título executivo judicial; admite-se que o plano estabeleça a produção de efeitos anteriores à homologação, desde que exclusivamente em relação à modificação do valor ou da forma de pagamento dos credores signatários; a sentença extingue o processo, isto é, o PRE será cumprido na via extrajudicial; os créditos em moeda estrangeira abrangidos pelo PRE devem ser pagos em moeda estrangeira; não há nomeação de administrador judicial e o devedor é mantido na posse de seus bens e na condução de sua empresa, podendo, inclusive, alienar livremente os bens de seu ativo permanente; a única possível restrição está prevista no art. 166: “Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei; o devedor não está impedido de realizar outras novações, no termos do Código Civil, como anota o art. 167: “O disposto neste Capítulo não implica impossibilidade de realização de outras modalidades de acordo privado entre o devedor e seus credores”. Acerca dos efeitos restritos e ampliados, pode o mesmo PRE homologado gerar os dois tipos de efeitos. Por exemplo, se o PRE contou com a anuência de metade dos créditos com garantia real e três quintos dos créditos quirografários, então o PRE homologado abrangerá os credores por garantia real que anuíram (somente os que anuíram, isto é, efeitos restritos do art. 162) e abrangerá todos os credores quirografários, seja os que anuíram ou não (efeitos ampliados do art. 163, portanto), porque os que anuíram alcançam três quintos. Para fins de exclusiva aferição dos três quintos, os créditos em moeda estrangeira são convertidos em moeda nacional pelo câmbio da data da véspera de assinatura do PRE (art. 163, parágrafo terceiro). A terceira e última fase do PRE constitui a fase de seu cumprimento, que é realizado na via extrajudicial, observados os efeitos decorrentes da homologação do PRE, como anotado acima. Se o PRE não for cumprido, os credores abrangidos poderão, à sua escolha, executar o PRE ou pedir falência do devedor. Nessa hipótese, o credor deverá exigir o crédito novado, sendo-lhe autorizado exigir o crédito originário tão-somente se o PRE contiver cláusula que preveja a desconstituição da novação em caso de descumprimento do PRE. 2.2. Recuperação Judicial A recuperação judicial não pode ser requerida por credor. Apenas pelo próprio devedor. Também
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