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resumo expandido Anemia falciforme

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A OCORRÊNCIA DE ALTERAÇÕES ERITROCITÁRIAS E SUA CORRELAÇÃO COM A FISIOPATOLOGIA DA ANEMIA FALCIFORME E DO TRAÇO FALCÊMICO
Marília Rodrigues Silva Passos¹; Edson H. Yoshida ²
¹Graduanda do Curso de Biomedicina da Faculdade Sudoeste Paulista – FSP – Itapetininga/SP; 2Docente da Faculdade Sudoeste Paulista – FSP – Itapetininga/SP
Email: mariliapassosbio@hotmail.com
INTRODUÇÃO
A doença falciforme é uma doença genética causada por defeitos pontuais que geram um tipo mutante de hemoglobina, a HbS (derivado do inglês sickle), que classifica os pacientes em homozigotos ou heterozigotos de acordo com sua genética. É habitual nos seres humanos e, no Brasil, segundo o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), do Ministério da Saúde, nascem no Brasil 3500 crianças ao ano com anemia falciforme e 200 mil com traço falciforme, além da estimativa de 7200000 portadores do traço falcêmico e 30 mil com a doença falciforme (ANVISA, 2001; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008). A partir de dados numéricos tão altos, surgem algumas dúvidas sobre este tema em relação à forma a ser realizado o diagnóstico da doença, ou mesmo, como ocorrem alterações laboratoriais em amostras séricas de pacientes com a doença falcêmica e se elas ocorrem em portadores do traço falcêmico, assim como os motivos. 
As principais hipóteses para essas indagações dissertam que a mudança morfológica das hemácias com hemoglobina mutante HbS causa oclusão vascular, por isso a hiperatividade dos órgãos responsáveis pela degradação dessas hemácias é provocada, visando retirar essa isoforma problemática do organismo. A hiperatividade promove lise de células e liberação de moléculas utilizadas como marcadores destes órgãos, elevando esses valores. Em análise microscópica do sangue periférico, ocorre variação perante aos valores de referência por conta da forma diferente em que as hemácias se encontram e no hemograma por conta da alta degradação de hemoglobina ocorrente. Portadores do traço falcêmico não fazem uso de tratamento, por isso possuem pequenas variações em exames laboratoriais relacionados a doença. 
A partir desse capítulo serão abordados desde os conceitos básicos que rodeiam a doença falciforme até sua base genética, passando pelas técnicas de diagnóstico necessárias, acompanhamento e tratamento atual, assim como o referencial teórico dos grandes autores do assunto e os achados característicos de pacientes falcêmicos e portadores do traço falciforme, juntamente dos sintomas gerados por essas condições. 
O objetivo deste trabalho é explicar a fisiopatologia da doença falciforme, relacionando-a com os achados laboratoriais de pacientes falcêmicos e portadores do traço, em comparação com homozigotos normais. 
DESENVOLVIMENTO
As alterações intraeritrocitárias provocadas na hemoglobina mutada promovem a perda da maleabilidade das hemácias, facilidade de agregação dessas células ao epitélio vascular e lesões de membrana, sendo, segundo Naoum (2000), sequencialmente ocorridas em três níveis. O primeiro nível é o molecular e tem início logo que a oxi-HbS perde o oxigênio, tornando-se desoxi-HbS, responsável pela causa de contato intermolecular de aminoácidos da globina S beta, visto que este gera a formação de pontes de hidrogênio entre a valina, normalmente produzida na posição 1 da cadeia beta de globina, com a valina mutante, que está localizada na posição 6 onde estaria o ácido glutâmico.
 No segundo nível, o celular, os homozigotos para a doença falciforme mantem seus eritrócitos na forma bicôncava enquanto estiver com a saturação de oxigênio acima de 65%, e tem a capacidade de retomarem a seu estado quando oxigenadas, entretanto, costumam acumular produtos de degradação celular vindas da falência parcial das bombas de sódio, potássio, cálcio e ATPase, tornando mais susceptível a polimerização, portanto, a permeabilidade da membrana sofre alterações e justifica o fato da falcização se tornar irreversível por se tratar de um dano muito grande a ponto de causar desarranjos de proteínas, produção de radicais livres, mudança na conformação dos fosfolipídeos e diminuição das glicoproteínas membranosas (NAOUM, 2000).
No nível circulatório, a falcização aumenta a afinidade dos eritrócitos pelo epitélio vascular por interação de antígenos celulares e proteínas de membrana, além de proteínas plasmáticas com o fibrinogênio, fator de Willebrand e fibronectina, que ao se ligarem às hemácias polimerizadas promovem agregação eritrocitária possibilitando a formação de trombos e, até mesmo a oclusão completa dos capilares, que gera hipóxia tecidual e eventos de coagulação, deixando vários órgãos malperfundidos e, consequentemente, sujeitos a fenômenos de necrose e fibrose, responsáveis pela ocorrência de sinais clínicos. (NAOUM, 2000). 
Esta condição é capaz de gerar sinais clínicos no homozigoto para a doença a partir de 10 e 12 semanas após o nascimento, fazendo com que a anemia não seja o único problema do paciente. Além da hemólise intra e extracelular constante, as hemácias falcizadas impedem o fluxo sanguíneo, causando estase e posterior falta do aporte sanguíneo dos tecidos e órgãos por oclusões, além de tornar o paciente mais susceptível a infecções e formação de úlceras nos membros inferiores. 
Através da Portaria do Ministério da Saúde de 15 de janeiro de 1992, foi institucionalizada a Triagem Neonatal no Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS) e, em 6 de junho de 2001, foi criado e normatizado por meio da Portaria GM/MS n° 822/2001, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), que desenvolveu ações na fase pré-sintomática, no acompanhamento e no tratamento de doenças congênitas em todos os nascidos vivos. Este programa foi implantado em três fases através do Teste do Pezinho, sendo elas a Fase I, para fenilcetonúria e hipotireoidismo; Fase II, para doença falciforme e outras hemoglobinopatias; e Fase III, para fibrose cística (BRASIL, 2008). Os nascidos antes da data de implantação do programa ou que não realizaram o Teste do Pezinho são encaminhados para a realização do diagnóstico da doença através dos chamados testes de triagem, sendo eles o teste da solubilidade e o teste de falcização, seguindo, caso os resultados sejam positivos, para a eletroforese de hemoglobina, que servirá como comprovatório para a presença ou não da doença e do traço falcêmico (NAOUM, 2000; WOITOWICZ et al. 2010). 
Os heterozigotos para a doença falciforme são normalmente considerados assintomáticos e não possuem características físicas diferentes das normais ou diminuição da expectativa de vida em relação à população, entretanto estão sujeitos a situações de risco quando expostos a fatores que levem a processos de falcização, como a hipóxia, acidose e desidratação (MURAO et al., 2007). A desidratação aumenta o CHCM, que aumenta a possibilidade de contato entre as moléculas de HbS, aumentando assim a falcização (SOARES, 2002). 
Ainda assim, o infarto esplênico é um sinal clínico recorrente em portadores do traço falcêmico em situações de hipóxia, como em viagens de avião com cabines despressurizadas. A hipóxia aumenta o nível de falcização dos eritrócitos, promovendo vaso-oclusão no interior do baço, o que gera dor intensa no quadrante superior esquerdo do paciente e quadro de vômitos, sendo necessário o diagnóstico por imagem para realizar a detecção do mesmo (MURAO et al., 2007).
Ainda segundo Murao (2007), outros problemas a que estão sujeitos, frequentemente, os heterozigotos para a AF são as complicações renais, pois quadros de hipóxia e acidose levam a ocorrência de micro lesões nos túbulos renais, promovendo quadros de hematúria; locais de micro infartos na medula renal, diminuindo a capacidade de reabsorção de água; e prevalência aumentada de infecções urinárias em mulheres.
O caso mais extremo dos sinais clínicos nesse caso é a morte súbita, que foi dita com o risco 28 vezes maior de acontecer em HbAS do que em HbAA em estudo realizado nos Estados Unidos, com recrutas submetidos a exercícios físicos extenuantes.Nesse estudo, as principais causas de morte súbita eram acidente vascular cerebral, hipertermia e rabdomiólise associada com necrose tubular aguda (MURAO et al., 2007).
Perante aos episódios citados acima, observa-se que o comportamento eritrocitário em heterozigotos para a AF não é o mesmo de homozigotos normais, visto que esses episódios não são comuns na normalidade, gerando a indagação sobre o estado morfológico, numérico e funcional das hemácias de portadores do traço, podendo ser constatado com a realização dos testes de triagem diagnóstica.
Em teste realizado com paciente falcêmico, paciente normal e portador do traço, no homozigoto para a doença encontram-se hemácias falcizadas por toda a extensão da lâmina já a partir de 1 hora de incubação, juntamente de hemácias normais, podendo se tratar de remanescentes de transfusões ou resultante do tratamento realizado com hidroxiuréia, que será abordado posteriormente. No homozigoto normal não ocorre mudança na conformação das hemácias mesmo após o período de 24 horas de incubação, mas em portador do traço falcêmico a falcização é total e em toda extensão da lâmina após 1 hora de incubação, sugerindo que estes estão mais propensos à mudança de conformação em casos de baixa concentração de oxigênio. 
Os valores eritróides encontrados em estudos de Velasco-Rodríguez et al. (2016) e Naoum (2011) demonstram que todos os valores existentes para HbSS estão fora do intervalo de referência, demonstrando o sinal clínico comum da doença, a anemia, pela quantidade de hemoglobina eritrocitária (Hb) baixo, além da relação de tamanho da célula com a quantidade de hemoglobina presente (VCM) que está elevado, mostrando que a quantidade de hemoglobina é menor que o necessário pelo tamanho da hemácia. A porcentagem de hemoglobina fetal é elevada nesses casos pela permanência tardia da produção desse tipo de proteína, compensatoriamente a alta taxa de destruição esplênica das células alteradas ou, possivelmente, pelo tratamento realizado com medicações que aumentem a produção desse tipo de hemoglobina, diminuindo a concentração de células falcizadas em situações de estresse específico, podendo ser essa segunda opção o motivo da não falcização total no teste do paciente homozigoto para a doença. 
Ainda de acordo com as médias dos resultados, quando comparados os pacientes HbAS com os valores de referência para adultos, todos são considerados dentro da normalidade, exceto a concentração de Hb A2, que é maior do que o esperado, por consequência da produção errônea de hemoglobina A, fazendo com que o organismo tente compensar esse estado produzindo essa outra isoforma. Isto posto, para a confirmação da presença ou não de diferenças morfológicas nas células de pacientes com traço se faz necessária a confecção do esfregaço de sangue periférico, devidamente corado para a distinção das estruturas presentes. 
CONCLUSÃO
Concluiu-se neste trabalho que os métodos diagnósticos são altamente precisos e concordantes na grande maioria dos casos, porém, a suposição de que portadores do traço falcêmico não possuem alterações por conta de seu estado genético pode estar equivocado, visto que existem sinais clínicos recorrentes em heterozigotos para a doença, além de morfologia eritrocitária diferente da normalidade, mesmo que os parâmetros estejam dentro do intervalo de referência. Os pacientes homozigotos para a doença possuem uma elevação de hemoglobina fetal por conta do tratamento com hidroxiuréia, que aumenta os níveis deste tipo de hemoglobina para diminuir o índice de falcização das hemácias, evitando assim as crises falcêmicas. Por fim, concluiu-se que é necessária a realização de estudos envolvendo heterozigotos e homozigotos para a doença, com o intuito de identificar a prevalência de alterações presentes nos portadores do traço falcêmico e, assim, dedicar à devida importância médica para este estado genético na população. 
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada. Autocuidado na Doença Falciforme. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, v. 1, 2008. 72 p. 
MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Especializada. Manual de Educação em Saúde: auto-cuidado na Doença Falciforme. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2008. 78p
MURAO, M. et al. Traço falciforme – heterozigose para hemoglobina S. Revista brasileira de hematologia e hemoterapia. v. 29, n. 3, p. 223-225, 2007. 
NAOUM, F. A.; NAOUM, P. C.. Eletroforese - Hemoglobinopatias, Proteínas Séricas, Lipoproteínas e DNA. Hemoglobinopatias. Doença falciforme, São Paulo, p. 75- 103, jan. 2011.
NAOUM, P. C. Interferentes eritrocitários e ambientais na anemia falciforme. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. v. 22, n. 1, p. 05-22, 2000. 
SOARES, B. M. Manual de diagnóstico e tratamento de doenças falciformes. Agencia Nacional de Vigilância Sanitária, Brasília, jan. 2002.
VELASCO-RODRÍGUEZ, D.; ALONSO-DOMÍNGUEZ, J.; GONZÁLEZ-FERNÁNDEZ, F. et al. Laboratory parameters provided by Advia 2120 analyser identify structural haemoglobinopathy carriers and discriminate between Hb S trait and Hb C trait. Journal of Clinical Pathology. v. 69, p. 912-920, 2016. 
WOITOWICZ, E. J.; HENNEBERG, R.; SILVA, P. H.; NASCIMENTO; A. J. Traço Falciforme: Estudo comparativo de técnicas laboratoriais utilizadas para a triagem da doença. Visão Acadêmica. v.11, n.2, p. 74-79, 2010.

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