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FACULDADE DAMÁSIO CURSO DE PÓS –GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL MALIRRE ABADI GHADIM A MEDIAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Campo Grande –MS 2017 2 FACULDADE DAMÁSIO CURSO DE PÓS –GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL MALIRRE ABADI GHADIM A MEDIAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Monografia apresentada à Faculdade Damásio, como exigência parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Processual Civil, sob orientação da professora Tatiana Aparecida Clementino de Brito Ohta. CAMPO GRANDE - MS 2017 3 MALIRRE ABADI GHADIM A MEDIAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL TERMO DE APROVAÇÃO Esta monografia apresentada no final do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Processual Civil, na Faculdade Damásio, foi considerada suficiente como requisito parcial para obtenção do Certificado de Conclusão. A examinada foi aprovada com a nota ________. São Paulo, 31 de maio de 2017. 4 À Deus, pela oportunidade de evolução através do estudo, e por me dar, todos os dias, forças para alcançar meus objetivos; 5 AGRADECIMENTOS Á Deus, pelo dom da vida e pela força concedida para lutar por meu sonho. Aos meus professores, que com leveza transmitem e compartilham seu conhecimento sem nada mais desejar além do melhoramento de seus alunos; À minha família, por ser meu porto seguro durante todos os longos anos de estudo e dedicação na construção de minha carreira. Aos meus colegas de faculdade, de trainee e trabalho, por dividirem comigo suas brilhantes ideias e por estarem ao meu lado durante a jornada acadêmica e profissional. 6 “O diálogo cria base para a colaboração” (Paulo Freire - 1921 - 1997) 7 RESUMO Este trabalho se presta ao estudo da Mediação à luz do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), diploma que inseriu no ordenamento jurídico pátrio a citada forma de solução de litígios como forma de solução alternativa à judicialização de conflitos, expondo-o como meio de celeridade processual através da solução efetiva dos conflitos que têm origens nas relações jurídicas de continuidade, como nos casos de demandas do direito de família, por exemplo. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como direito fundamental aos cidadãos o acesso à justiça, e isso não se limita apenas à postulação judicial, pois é evidente que a propositura de uma ação judicial está longe de assegurar, com celeridade e concretude, os direitos pleiteados no Judiciário. A mediação, instituto inserido oficialmente pelo Código de Processo Civil de 2015, mas que tem raízes nas anteriores tentativas de solução alternativa de conflitos, é meio efetivo de acesso à justiça, sem que necessariamente as partes tenham de recorrer à morosa e problemática máquina do Judiciário. As partes têm a oportunidade de dialogar e encontrar um meio para solucionar suas contendas através das sessões de mediação, sem as barreiras dos rígidos processos judiciais. A mediação precisa ser incentivada por todos os operadores do direito, merecendo ser priorizada com a implantação e seu desenvolvimento através de políticas públicas, por iniciativa dos três poderes, para que a sociedade saiba manejar este instrumento como meio de pacificação social. Dessa forma, o presente trabalho visa analisar as origens, características, modalidades e benefícios da mediação como instrumento processual de efetivação dos direitos tutelados pela CF/1988. Palavras-chave: Acesso à justiça; Solução alternativa de Conflitos; Desjudicialização; Pacificação social; Celeridade; 8 ABSTRACT This work lends itself to the study of Mediation in the light of the New Code of Civil Procedure (Law no. 13.105 / 2015), a document that inserted in the legal system the aforementioned form of dispute settlement as a form of alternative solution to the judicialization of conflicts, As a means of procedural celerity through the effective solution of conflicts that have origins in legal relations of continuity, as in cases of demands of family law, for example. The Federal Constitution of 1988 established as a fundamental right to citizens access to justice, and this is not only limited to the judicial postulation, since it is clear that the filing of a lawsuit is far from ensuring, with speed and concreteness, the rights claimed in the Judiciary. The mediation, instituted officially by the Code of Civil Procedure of 2015, but which has roots in the previous attempts of alternative solution of conflicts, is effective means of access to justice, without necessarily the parties have to resort to the slow and problematic machine of the Judiciary . The parties have the opportunity to dialogue and find a way to resolve their disputes through mediation sessions, without the barriers of rigid legal proceedings. Mediation needs to be encouraged by all legal operators, deserving to be prioritized with the implementation and its development through public policies, at the initiative of the three powers, so that society knows how to handle this instrument as a means of social pacification. Thus, the present work aims at analyzing the origins, characteristics, modalities and benefits of mediation as a procedural instrument to enforce the rights protected by CF / 1988. Key words: Access to justice; Alternative Conflict Solution; Non- judicialization; Social pacification; Celerity; 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................10 1 MEDIAÇÃO: BREVE HISTÓRICO..................................................................15 2 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA E A MEDIAÇÃO.......................................................................................................26 3 MEDIAÇÃO E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL..............................36 CONCLUSÃO....................................................................................................60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................64 10 INTRODUÇÃO O presente trabalho visa o estudo do método autocompositivo da mediação, à luz do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015), e análise da legislação específica, a Lei da Mediação (Lei nº 13.140 de 26 de junho de 2015). Será feito o estudo de um método alternativo de resolução de conflitos, pautado nos princípiose normas constitucionais e processuais civis, dentro da autocomposição, prevista e incentivada pelo novo CPC, códex que lhe deu o devido espaço no ordenamento jurídico, legitimando o procedimento como forma hábil e efetiva para a obtenção de direitos e bens jurídicos. Tem a intenção de expor a mediação não só como método alternativo de resolução de conflitos, paralelo e de auxílio ao processo judicial nessa empreita, mas como forma de acesso à justiça e promoção da paz social, por meio do diálogo dentro deste procedimento. Objetiva analisar os principais pontos do método autocompositivo, conforme a integração dos princípios constitucionais e processuais civis, voltando-se principalmente para a sua análise conjugada ao princípio constitucional do acesso à justiça, previsto no inciso LXXIV da Constituição Federal de 1988. Demonstra que os métodos alternativos de resolução de conflitos, com a mediação, estão ligados ao conceito amplo do acesso à justiça, expondo que a garantia constitucional não se limita à previsão de ingresso com ação no Judiciário, e que justamente por isso, foram criadas as alternativas auto compositivas. Este trabalho visou ressaltar os benefícios da existência de alternativas para resolução de litígios, principalmente quando a realidade do Judiciário esbarra na morosidade e superlotação das varas judicias com 11 processos que, muitas vezes, nem passaram por saneamento, e não terão a resolução do mérito em tempo hábil. Visa demonstrar que a regulamentação do método autocompositivo, com a sua previsão em Código de Processo Civil, e também em lei esparsa, é conquista do ordenamento jurídico, e permite a sua implantação de forma segura e progressiva, até que alcance o patamar de instituto jurídico, assim como ocorreu com a arbitragem. A intenção é demonstrar que a sua previsão legal, permite que seja promovida a solução mais célere das demandas levadas ao Judiciário, e que ainda, sejam prevenidas novas ações judiciais, mediante a conscientização das partes em conflito sobre a importância de conciliar interesses opostos com o diálogo. Dessa forma, no primeiro capítulo, e feita breve exposição do histórico da mediação, especialmente do seu trajeto legislativo, até a previsão em Código de Processo Civil e regulamentação por lei específica. Cita também a trajetória do método autocompositivo ao redor do mundo, citando os principais e mais relevantes casos de sucesso na implantação de alternativas de resolução de conflitos em ordenamento jurídico, desde a sua inclusão no ordenamento jurídico, até a s técnicas desenvolvidas para a execução do método, como é o caso das abordagens sobre o histórico no Japão. Inglaterra e Estados Unidos. Também explica a trajetória legislativa da mediação no Brasil, citando os projetos e leis que antecederam a atual regulamentação do instituto. Por conseguinte, o segundo capitulo relaciona o método de autocompositivo da mediação com os princípios constitucionais e a garantia fundamental do acesso à justiça, demonstrando que a previsão da Lei processual da mediação visa o acesso à justiça em sentido amplo. 12 Também esclarece que a igualdade e o acesso à justiça somente se dão através da facilitação e desburocratização dos meios de acesso aos direitos e bens jurídicos, e que isso é possível com a desjudicialização dos conflitos, como ocorre na mediação. Expõe que a mediação é método de promoção de igualdade e justiça, e que esta é a finalidade da tutela jurisdicional, e não o litigio; além do que, por meio do diálogo inerente à autocomposição, se constitui como forma de promoção da paz social. O terceiro capítulo, aborda a mediação como método autocompositivo valido e vigente no ordenamento jurídico, e a relaciona aos princípios do direito processual civil, conforme disposições da Lei nº 13. 105/2015. Aborda a mediação como elemento auxiliar e colaborativo com o processo judicial, independentemente de sua modalidade ser judicial ou extrajudicial. Aborda as características da mediação e as relaciona com as disposições do Código de Processo Civil de 2015, ressaltando os pontos positivos da adoção do método para a solução dos conflitos entre partes que recorreram, ou têm a intenção de recorrer à tutela judicial, para debater litígios que, em maioria, são causados por falta de comunicação e diálogo objetivo entre si. Expõe a relação das partes envolvidas no conflito com a mediação, discorrendo sobre as garantias legais dos mediandos dentro do procedimento, e sobre as garantias que possuem em relação ao mediador, por exemplo. Demonstra que, apesar de recente, a mediação é método de igual credibilidade e eficiência para a resolução de demandas, e que gera 13 para as partes que optam pela autocomposição, a mesma segurança jurídica de um acordo firmado em juízo ou, até mesmo, por uma sentença de mérito. Esclarece que a previsão de métodos auto compositivos e a concessão de oportunidade para o diálogo, por meio de previsão legal do CPC, é proveitosa mesmo quando não ocorre a firmação de acordo, pois o restabelecimento de diálogo e manutenção de relações sociais é mais valioso para a mediação. Dentre toda a exposição, se presta a demonstrar que a efetiva promoção de justiça e resolução de conflitos se dá por meio do diálogo e conciliação de interesses, deixando-se de lado a rivalidade, em ação de mudança da “cultura do processo”. Ressalta que é dever, principalmente dos operadores do Direito, o incentivo e divulgação da mediação e demais métodos auto compositivos, pois a finalidade maior do direito é a promoção de igualdade e pacificação social, independente do meio utilizado para isso, e se preciso, que se desburocratize os procedimentos, pois o processo é meio e não fim. Esclarece que o presente trabalho aborda a mediação dentro da compreensão daquilo que é novo, conforme disposições inseridas pelo Código de Processo Civil de 2015, e que o estudo dos métodos auto compositivos não se limita à elaboração de artigo cientifico, mas segue enquanto se exercer o estudo do direito, dada a dinâmica do processo e da evolução dos institutos como a medição. Este trabalho, é simplória tentativa de expor os principais pontos da mediação, conforme entendimento das disposições constitucionais e do Código de Processo Civil de 2015, sendo que o estudo do tema não se limita aos seus termos, dada pluralidade e 14 diversidade de jurídicos que a mediação permite sejam analisados. Repisa, que a compreensão, estudo, exercício de desenvolvimento da mediação e demais alternativas de resolução de conflitos, é missão para a toda a carreira acadêmica do operador de Direito. 15 1 MEDIAÇÃO: BREVE HISTÓRICO Em razão do objeto da presente obra ser o estudo da mediação sob a ótica do Novo Código de Processo Civil, antes de aprofundar a análise sobre o instituto devidamente reconhecido e firmado pelo estatuto processual, é imprescindível analisar seu processo de construção ao longo da história, conforme evolução da própria autocomposição no ordenamento jurídico. Assim, oportuno considerar as circunstâncias que antecederam a mediação como forma de solução alternativa de conflitos, com o fim de compreender a sua necessidade e adequação no ordenamento jurídico vigente. É possível afirmar que a cultura do processo e o abarrotamento do Judiciário com ações judiciais originadas pela ingerência de conflitos pela população, foramdeterminantes para a busca de novas ferramentas para tornar o acesso à justiça mais palpável aos que necessitam de intervenção para resolução de contendas. Conforme levantamento do Conselho Nacional de Justiça, por meio do “Relatório Justiça em Números”, elaborado no ano de 2012, existem mais de 64 milhões de processos já em andamento no Judiciário, sendo que na data da apuração, existiam 28 milhões de novos processos, o que ressalta o abarrotamento do Judiciário com processos, sem que haja previsão de resolução satisfatória em tempo razoável.1 As condições de superlotação das varas judiciais é alarmante e torna a inviável, quase impossível, a tutela judicial com concessão de sentença em tempo razoável às partes e com a satisfação plena das 1 Justiça em números 2013: ano-base 2012. Conselho Nacional de Justiça. Brasilia: CNJ, 2013. Disponivel em:<http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas- judiciarias/Publicações/relatorio_jn2013.pdf> 16 partes, concedendo-lhes os direitos pleiteados se maiores transtornos. A evolução e crescimento do exercício do acesso à justiça tornou urgente a necessidade de adoção de meios alternativos para solucionar, pelo menos, parte dos milhões de demandas consignadas no Judiciário, encaixando-se perfeitamente neste contexto, a mediação. Existem precedentes do uso da mediação em outros países da Europa e Estados Unidos, bem como na América Latina, sendo que neste continente, o Brasil é o país que possui a regulamentação mais completa do instituto, cujo ordenamento jurídico acolheu muito bem, de forma harmônica com a Constituição Federal, o método alternativo de resolução de lides. Conforme explica a Doutora em Direito, Gisele Leite, o Japão foi um dos primeiros países a regulamentar a mediação, no fim da década de 40. Informa ainda, que a os japoneses instituíram a mediação como procedimento obrigatório na resolução dos conflitos, estruturando seu sistema jurídico de forma a criar cargos para que profissionais do direito, eleitos conforme renomado saber jurídico, experiência e respeito perante a sociedade atuassem como mediadores.2 Conforme estudo desenvolvido pela autora, o sistema japonês funcionava da seguinte forma: No Japão existe a figura milenar chamada chotei que atua nos conflitos de direito de família, operando quase uma conciliação quase judiciária, sendo mesmo uma das atividades jurisdicionais. Em resumo, o chotei confia a solução do conflito a uma terceira pessoa ou a uma comissão formada por um magistrado e também dois ou mais conciliadores, se fosse necessário. Os conciliadores nipônicos são nomeados pelo Supremo Tribunal e, atuam por um biênio, deve ter a faixa etária de quarenta a setenta anos, tendo uma qualificação técnica para a função além de competência. Em verdade, o principal critério de eleição era ser um dos notáveis da comunidade. Existe um corpo 2 LEITE. G. Um breve histórico sobre a mediação. Jusbrasil. 11.03.2017. disponivel em:<https://professoragiseleleite.jusbrasil.com.br/artigos/437359512/um-breve- historico-sobre-a-mediacao> 17 trans e multidisciplinar de especialistas universitários que dão auxílio quando na função de chotei. Apenas quando esgotamos os meios disponíveis para essa etapa, é que os interessados são encaminhados ao shimpam (que equivale a um procedimento de instrução e julgamento).3 Observe que o sistema japonês, antes mesmo da regulamentação, na década de 40, já era bem mais desenvolvido que os modelos de autocomposição europeus e americanos. Criou-se até uma pré-instância somente para a mediação, no que em seu ordenamento jurídico não era alternativa de resolução de conflitos, mas um dos principais caminhos de acesso à justiça e pacificação social, exemplo digno de destaque e que serve de exemplo para os modelos auto compositivos contemporâneos. Já na Europa, no Reino Unido, nos anos de 1978 e 1979, estabeleceram-se precedentes para a mediação, que passou a ser adotada como técnica para solucionar litígios nas varas de família, especialmente os que versavam sobre guarda de menores.4 A autora ainda explica que a mediação evoluiu no sistema jurídico inglês, sendo criada a Family Mediators Association – FMA, em 1988, uma espécie de organização incentivadora do método autocompositivo que não somente realizava mediações, mas também trabalhava com a formação de mediadores no país, sendo coordenada pela assistente social Lisa Parkinson, pioneira na área no Reino Unido.5 A doutora em Direito ainda explica que a precursora da mediação no Reino Unido, Lisa Parkinson, conseguiu expandir a técnica, então voltada para a tratativa familiar judicial, para a França. 3 LEITE. G. Um breve histórico sobre a mediação. Jusbrasil. 11.03.2017. disponivel em:<https://professoragiseleleite.jusbrasil.com.br/artigos/437359512/um-breve- historico-sobre-a-mediacao> 4 Idem. 5 Idem. 18 Sobre a mediação nos países europeus, e sua expansão nas escolas francesas de direito, a autora explica: A contribuição da França para o desenvolvimento da mediação está na superação e abandono do pensamento binário muito peculiar da linguagem jurídica, substituindo pelo pensamento ternário[...] Atualmente não se cogita mais em modelo francês ou europeu de mediação pois o principal modelo fora concebido pela assistente social mediadora familiar Lisa Parkinson, que, embora seja inglesa domina o idioma francês por conta de sua origem paterna. A mediadora inglesa passou a compartilhar com a França e o Canadá a sua grande experiência em aplicar a mediação no judiciário do sistema da common law, passou também a lecionar o curso de formação de mediador familiar promovido pelo Instituto Europeu de Mediação Familiar (IEFM). A importância da mediação é tamanha que a sua menção está inserida na recomendação do Conselho Europeu aos Estados- Membros a respeito da mediação familiar [...]. O enfoque atual na França da mediação é centrado na cultura da paz e, não apenas na pacificação dos conflitos, cujo mecanismo era restrito à conciliação. Contemporaneamente o conceito francês de mediação consagrou o modelo europeu, cujo fundamento está no movimento da Associação pela Promoção da Mediação (APPM) que é legitimada e reconhecida pela Comunidade Européia.6 A mediação como instituto jurídico de solução alternativa de conflitos, método de autocomposição com técnicas próprias, foi amplamente desenvolvida na década de 70, especialmente nos Estados Unidos, quando negociadores de Harvard desenvolveram métodos de comunicação entre partes discordantes, coordena por terceiros, para solucionar demandas como opção aos processos judiciais.7 Na lição de Ana Rosenblatt…[et al.], a técnica desenvolvida tinha características negociais, com o principal objetivo de resolver evitar 6 LEITE. G. Op cit. 7 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Manual de Mediação para Defensoria Pública. 1 Ed. – Brasilia, DF; FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA/FUB, 2014.pg. 61. 19 o ingresso de novas demandas no Judiciário que já estava inchado.8 Abriu-se mais espaço para os métodos autocompositivos, chegando-se a criação de grupo de estudos específicos, como o Projeto de Negociação da Escola de Direito de Harvard, que desenvolveu técnicas de negociação e estruturou “[...] originariamente o processo de mediação”9. Era frequentemente utilizada no meio empresarial e comercial, em semelhança com a arbitragem, posteriormentepassando a técnica a ser adotada por outros setores que, do mesmo modo, necessitavam de soluções rápidas para as lides estacionadas no judiciário. A autora ainda explica: Técnica multidisciplinar e inclusiva por natureza, a mediação incorporou, ao longo dos anos, aportes para as mais variadas áreas do conhecimento: Direito, Psicologia, Filosofia, técnicas de comunicação e negociação, Antropologia, Sociologia. As, diferentes contribuições e enfoques deram origem a distintos modelos de mediação. O modelo original, apoiado em princípios de negociação, gerou outras linhas com maior foco nas relações sociais.10 Do excerto acima compreende-se o motivo de a mediação ser, atualmente, após regulamentação, o método autocompositivo mais sucedido na esfera cível familiar, pois ao longo dos anos a técnica foi desenvolvida com outras ciências auxiliares, como a psicologia, essenciais à manutenção saudável das relações humanas. Tanto que o Código de Processo Civil de 2015, incorporou a experiência bem-sucedida da autocomposição em seu texto, por meio da edição do art. 694, uma inovação legislativa, que assim dispõe: Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. 8 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 61. 9 Idem. 10 Idem, pg. 72. 20 Por conseguinte, oportuno mencionar, existem doutrinadores que creem em expansão da mediação no ordenamento jurídico pátrio tão bem-sucedida quanto a arbitragem, que foi adotada inicialmente por grandes empresas, a fim de solucionar empasses estritamente comerciais sem submissão ao formalismo do processo judicial, e posteriormente passou por regulamentação e permitiu o acesso de outros setores. De certa forma, a arbitragem foi precedente para a mediação, no sentido de que introduziu a ideia de que é possível a adoção de métodos auto compositivos que garantem às partes a mesma qualidade e segurança jurídica de uma sentença emanada pelo juiz de direito, após o ortodoxo processo judicial. As ações mais efetivas de incentivo à autocomposição são posteriores à década de 90, quando se implantou a arbitragem, sendo adotadas pelos três Poderes espécies de políticas públicas, conforme explica Ana Rosenblatt…[et al.] apud Ministério da Justiça: No âmbito do Executivo, foi criada, em 2003, a Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (SRJ), com o objetivo de elaborar e executar políticas públicas para a melhoria do acesso à justiça. No ano seguinte, os reṕresentantes dos três Poderes assinaram o I Pacto Republicano por um Judiciário mais rápido e republicano e, em 2009, o II Pacto Republicano, por um sistema de justiça mais acessível, à gil e efetivo. Em 2012, foi criada a Escola Nacional de Mediação e Conciliação (ENAM), resultado de uma parceria entre a SRJ e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujo objetivo principal é “disseminar as técnicas de resolução extrajudicial de conflitos, capacitar e aperfeiçoar os operadores de direito, estudantes de direito e professores, agentes de mediação comunitária, servidores do Ministério de Justiça, bem como membros de outros órgãos, entidades ou instituições em que técnicas de autocomposição sejam pertinentes para a sua atividade”.11 Oportuno também mencionar que existiram iniciativas de implantar a mediação na esfera criminal, com tentativas de conciliar 11 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 16. 21 interesses das partes do processo penal no sentido de reparar o dano causado pelo delito, especialmente em casos de menores infratores, crimes de menor potencial ofensivo e onde haja, de alguma forma, uma relação jurídica de continuidade entre o autor e vítima, como na violência doméstica. No campo do direito penal [...] o Projeto de Lei 7.006, de 2006, que prevê condições de validade de acordos obtidos em mediações penais e preceitua expressa autorização às práticas restaurativas na abordagem de crimes e contravenções penais de menor potencial ofensivo, com caráter complementar e voluntário. Isto porque a conciliação tradicional não estabelece ambiente necessário e suficiente à restauração das relações interpessoais e comunitárias entre ofensor e vítima.12 Das finalidades e princípios mencionados pela autora, depreende-se que a implantação dos métodos auto compositivos, incluindo a mediação, dependeram de ações prévias, baseadas em educação jurídica daqueles que serão envolvidos pelo processo, tanto as partes quanto os colaboradores, sendo este o objeto das políticas públicas. Trata-se de um histórico, uma preparação para a mudança de mentalidade, dos próprios operadores do direito e sujeitos envolvidos, da cultura do processo para a resolução objetiva das demandas do cotidiano, construída através dos anos. De forma paralela, o Legislativo também atuou de forma ativa na regulamentação e incentivo dos métodos auto compositivos, no que existiram diversos projetos de lei anteriores à previsão da medição no Código de Processo Civil de 2015. Ainda segundo explica Ana Rosenblatt…[et al.], “[...] são dignos de menção os esforços empreendidos pelo Legislativo para estimular o 12 VASCONCELOS, C. E. de. Mediação e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008, pg. 50. 22 uso de meios alternativos de resolução de litígios. ”13 Segundo a autora, a movimentação legislativa em torno da mediação iniciou pouco tempo após a popularização da arbitragem como meio bem-sucedido de autocomposição, sendo os primeiros projetos de lei datados do fim da década de 90, conforme explicação abaixo: Em 1998, a Deputada Zulaiê Cobra apresentou o primeiro Projeto de lei para regulamentar o uso da mediação no Brasil, o PL 4.827/98 e, em 2002, o Senador Pedro Simon apresentou o PLS 94/12 como substitutivo àquele projeto. Tendo em vista o tempo em que o projeto ficou em tramitação no Congresso, o Senador Ricardo Ferraço apresentou um novo texto, em 2011, o PLS 517/11. FInalmente, em 2013, dois grupos de trabalho criados para discutir um marco legal atualizado para a Mediação entregaram para o Senado Federal os Projetos de Lei 405/13 e 434/13, que serviriam como base para um substitutivo ao PL 517/11, aprovado no fim daquele ano e enviado para a Câmara dos Deputados sob o número 4.169/14, no início de 2014.14 O mais recente Projeto de Lei que antecedeu a regulamentação pelo ‘novo’ Código de Processo Civil, tinha “[...] como objeto a institucionalização da mediação judicial, extrajudicial e nos casos em que configure como parte a Administração Pública. ”15 Existe ainda a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que trouxe como política pública a implantação de métodos auto compositivos para a pacificação social, com incentivo à mediação, arbitragem e conciliação, ou outros meios adequados.16 Após a resolução, foram criados centros de mediação e conciliação nos tribunais, em juizados, núcleos de prática jurídica de universidades, todos, ligados ao Judiciário, ampliando o acesso da 13 ROSEMBLATT. A, Op cit,, pg. 17. 14ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 17. 15 Idem. 16 Idem, pg. 62. 23 população às alternativas para resolução de litígios. Conformeesclarece o Ministério de Justiça, no manual de Mediação, a premente necessidade de dar opções para a solução de litígios que lotavam o Judiciário deu origem à Resolução que abriu caminho para os métodos auto compositivos, conforme se vê abaixo: A criação da Resolução 125 do CNJ foi decorrente da necessidade de se estimular, apoiar e difundir a sistematização e o aprimoramento de práticas já adotadas pelos tribunais. Desde a década de 90, houve estímulos na legislação processual à autocomposição, acompanhada na década seguinte de diversos projetos piloto nos mais diversos campos da autocomposição: mediação civil, mediação comunitária, mediação vítima- ofensor (ou mediação penal), conciliação previdenciária, conciliação em desapropriações, entre muitos outros. Bem como práticas autocompositivas inominadas como oficinas para dependentes químicos, grupos de apoio e oficinas para prevenção de violência doméstica, oficinas de habilidades emocionais para divorciandos, oficinas de prevenção de sobre endividamento, entre outras.17 Veja que os precedentes normativos da regulamentação pelo CPC apresentaram o mesmo viés das ações adotadas pelo Executivo, criando métodos de implantação das políticas públicas, sendo os instrumentos legais meios de efetivação e concretização do trabalho operado pelo outro Poder, de modo que suas ações caminharam ao longo dos anos de forma interdependente. Cumpre mencionar que os anteriores projetos de lei já traziam como princípios para a medição, a oralidade, informalidade e autonomia das partes, consensualismo e igualdade18, incorporados pelo Código de Processo Civil de 2015 como norteadores, também, para outros institutos por ele regulamentados. Em geral, os projetos regulamentares da mediação, 17 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Manual de Mediação. 2013. pg, 27. 18 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 17. 24 antecessores do CPC/2015, visavam tornar o método autocompositivo acessível a todas as camadas da população, descartando a excessiva burocracia do procedimento, como forma de facilitar o acesso à justiça.19 As ações conjuntas dos outros dois poderes, com o Judiciário, buscaram trazer meios efetivos de implantação de alternativas à judicialização dos conflitos, e de modo reflexo, construíram bases para desincentivar a “[...] cultura do litígio que ainda predomina no Brasil. ”20 Apesar dos esforços, tem-se que é desafio a mudança de polo no pensamento geral, focado na judicialização dos conflitos, também por ser novidade a autocomposição no ordenamento jurídico, como instituto legalmente reconhecido, assim como é a mediação. O processo de desjudicialização é lento, e inicialmente é operado pelo próprio Judiciário, que ao receber as demandas com tendência e possibilidade de mediação, remete as partes à autocomposição, na tentativa de solucionar os litígios de forma mais célere e menos impactante do que submetê-los ao rígido processo judicial. Frisa que é possível realizar autocomposição sem prévia submissão das demandas ao Judiciário, como hoje ocorre, de forma simplificada e acessível, desde que haja incentivo e ampla divulgação do direito à solução célere e efetiva dos litígios, por meio da mediação e outros métodos auto compositivos. Num futuro próximo, pela própria natureza da medição, é perfeitamente possível a existência de câmaras e tribunais de independentes do Judiciário, assim como ocorre com a arbitragem. Isso não retiraria da mediação a segurança jurídica das partes 19 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 17. 20 Idem. 25 envolvidas, tampouco o compromisso dos agentes mediadores em fazer cumprir a lei e princípios que regem a autocomposição, como forma de garantir acesso à justiça. Inclusive, oportuno mencionar que é precioso para o estudo da mediação como método alternativo ao processo judicial para a resolução de conflitos, tecer considerações sobre os principais valores insertos na Constituição Federal que amparam a existência da mediação, como o direito ao acesso à justiça, e no novel Código de Processo Civil, que concedeu o espaço devido à mediação no ordenamento jurídico nacional. Desse modo, no capítulo seguinte, passa-se à análise da mediação como método de promoção da garantia constitucional do acesso à justiça, à luz dos princípios constitucionais e daqueles recentemente introduzidos pelo CPC/15. 26 2 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA E A MEDIAÇÃO. Neste capítulo pretende-se analisar o acesso à justiça, como garantia constitucional, demonstrando que pode ser exercida não somente por meio do ingresso com processos judiciais, mas por formas alternativas de solução de conflitos, como a prática da mediação. Isso porque o acesso à justiça é direito muito mais amplo, que permite a promoção da paz social por diversos meios, inclusive através dos métodos auto compositivos de solução dos litígios. Sob a análise de Dandara Batista Correia...[et al], as dificuldades no acesso aos próprios direitos tutelados pela Constituição de 1988, compõem o quadro da inacessibilidade à justiça, o que faz surgir, como forma de equilibrar as relações sociais em conflito, os métodos alternativos de solução de conflitos. Em suas palavras: O Acesso à Justiça, compreendido como direito humano, pressupõe pelo Estado de Direito sua plena realização mediante Sistema de Justiça efetivo e democrático. Contudo, o quadro macroeconômico e sociocultural no qual gesta essas garantias não é favorável a sua realização objetiva de forma igualitária entre os indivíduos. Para tanto, formulam-se, no âmbito do Estado, práticas alternativas de resolução de conflitos, tais como a mediação e a conciliação a fim de dirimir as desigualdades das disputas levadas à lide. É nessa perspectiva de tornar o processo civil menos oneroso para a parte desfavorecida, e mais célere, que, desde a década de 1960, discute-se pelo mundo o direito ao acesso à justiça. 21 A Constituição Federal prevê, no art. 5º, inciso XXXV, que “a lei 21 CORREIA, D. B; ALMEIDA, B. de L. F. de; O acesso à justiça nas práticas de mediação e conciliação: limites na garantia de direitos. Revista CEJ, Brasilia, Ano XVI, n 58, set/dez 2012; 27 não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito” 22, porém, a garantia e o exercício do acesso à justiça são mais abrangentes do que a previsão de busca ao aparato Judiciário para a solucionar conflitos. Carlos Eduardo Vasconcelos explica que, desde o “[...] preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil. o Estado Democrática é destinado à assegurar o exercício de direitos [...] fundada na harmonia social e comprometida com a solução pacífica das controvérsias. “23 Marcus Vinicius Rios Gonçalves explica que o art. 3º, caput, do CPC reproduz a regra do mencionado dispositivo constitucional, e “[...] se traduz no direito de ação em sentido amplo [...] e incondicional [...]”.24 O doutrinador ressalta ainda que o acesso à justiça vem incentivado no códex processual civil, nos parágrafos do art. 3º do CPC/15, em que consta a seguinte redação: § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso doprocesso judicial.25 O processualista ainda complementa explicando que é dever do Estados, instituições, operadores do direito, membros do MP e Defensorias o incentivo e aplicação dos meios consensuais de solução de conflitos, dentre elas a mediação.26 22 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum Acadêmico Rideel/ Ane Joyce Angher, 20ª Ed. – São Paulo: Rideel, 2015. 23 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008, pg. 47. 24 GONÇALVES, M. V. R.; coord. LENZA. P. Direito Processual Civil Esquematizado. 6ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2015. pg. 65. 25 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16/03/2015. Código de Processo Civil. 26 GONÇALVES, M. V. R.; coord. LENZA. P. Op cit, pg., 66. 28 Oportuno mencionar que o desenvolvimento desses valores, conforme a evolução das próprias instituições e Poderes, especialmente do Judiciário, fez surgir a necessidade de repaginar o acesso à justiça, atribuindo-lhe qualidades que permitem a coexistência entre os envolvidos na tutela jurisdicional. Isso porque a coexistência pacífica, a manutenção das relações sociais é muito mais importante para a própria ordem social do que a decisão objetiva e rígida, de um litígio, em que se prioriza somente os ritos e procedimentos. Dessa percepção, decorre o desenvolvimento de uma justiça mais acessível e com mais capacidade restaurativa, conforme explica Adriana S. Silva: Atualmente, verifica-se no contexto social uma nova ideia de Justiça, a justiça coexistencial, ideia essa que compreende, no âmbito do poder Judiciário, o mais alto nível de Justiça: a resolução da totalidade da lide com a preservação das relações interpessoais e sociais. 27 Como dito, o exercício do acesso à justiça na modalidade de propositura de ações perante o Judiciário, em razão da grande demanda e consequente inviabilidade de solução dos litígios em tempo hábil, tornou-se dificultoso, fazendo surgir a necessidade de criação de métodos alternativos para que o Estado passasse a gerir com mais eficiência os conflitos de interesses da população. Alguns autores acreditam que quando Estado utiliza do Poder Judiciário como primeira opção para resolver os litígios em nome de pessoas, que já perderam controle na autotutela, é sinal de que há “ [...] incapacidade na gestão dos serviços públicos [...]” 28. 27 SILVA, Adriana dos Santos. Acesso à justiça e arbitragem. São Paulo: Editora Manole, 2015, pg. 88. 28 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Manual de Mediação para Defensoria Pública. 1 Ed. – Brasilia, DF; FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA/FUB, 2014.pg. 23. 29 Isso porque entendem ser devido o “[...] exame do conflito originário e a devolução do poder de decisão às pessoas em conflito, como propõem os processos de mediação. ” 29 Assim, tem-se que a capacidade de autocomposição é caminho de acesso à justiça, que deve ser incentivado pelo ente estatal, até para fins de manter a eficiência e celeridade do serviço público em prol da paz social. Até porque, a garantia constitucional do acesso à justiça é muito mais ampla do que a simples previsão de que as partes em litígio podem recorrer ao Judiciário para solucionar a demanda. Conforme explica Carlos Eduardo Vasconcellos, o efetivo acesso à justiça se dá pela correção do processo judicial, concedendo-lhe a possibilidade de participação de todos os envolvidos, de forma democrática, o que ressalta a importância da mediação para o alcance pleno dessa garantia fundamental.30 Sob a concepção de Ana Rosenblatt…[et al.] “[...] a garantia constitucional abrange não apenas a prevenção e reparação de direitos, mas a realização de soluções negociadas e o fomento da mobilização da sociedade para participar ativamente na [...] resolução de disputas [...]”. 31 Inclusive, menciona-se que a mobilização deve partir dos operadores do direito, especialmente os que têm maior e primeiro contato com a busca pela resolução dos litígios, os advogados, conforme prevê o inciso IV, parágrafo único, do art. 2º, do Código de ética e Disciplina da 29 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 23 30 VASCONCELOS, C. E., Op cit, pg. 44. 31 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; op cit, pg. 26. 30 OAB, que dispõe ser dever dos advogados “estimular a conciliação entre os litigantes prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios”.32 O exercício contemporâneo do acesso à justiça tem por objetivo desenvolver uma justiça de reparação efetiva, ou, restaurativa, e que se prioriza as relações que envolvem o processo, e não o procedimento judicial em si. Desse modo, é possível afirmar que a o acesso à justiça deve priorizar não somente a democracia do acesso às vias de resolução de conflitos, mas também a “[...] a qualidade material e temporal de saída deste “sistema” 33. Por conseguinte, tem-se que novamente os métodos alternativos de resolução de conflitos são as vias mais adequadas para se garantir o pleno acesso à justiça, considerando a satisfação das partes e a duração razoável do processo. Neste sentido, a mediação, que visa a pacificação de conflitos em lides geradas em relações sociais de continuidade, é o instrumento mais adequado para o alcance de consensos, gerados pelo diálogo e orientação jurídica, o que reforça amplitude a simplicidade no acesso à justiça. Oportuno transcrever o que Dandara Batista Correia...[et al], explica em sua obra, abaixo: A lógica das formas alternativas de resolução de conflitos, como já elucidado, é facilitar o Acesso à Justiça de forma a garantir um processo eficaz e eficiente, ou seja, tornar mais ágeis e econômicas as soluções para os conflitos jurídicos mediante o acordo amigável. Há uma explícita preocupação com o aprimoramento do processo civil, em detrimento de seus impactos. 32 VASCONCELOS, C. E. op cit, pg. 47. 33 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; op cit, pg. 26. 31 Neste sentido, conforme explica o juiz de direito, Andre Gomma de Azevedo, a mediação economiza tempo das partes medianas e, literalmente, traz celeridade para aqueles que resolvem seus litígios pela autocomposição, vejamos: De fato, como indicado anteriormente[3], o argumento de celeridade processual para evitar a audiência autocompositiva não encontra suporte legislativo ou mesmo fático. Considere-se que o tempo médio de duração de demandas cíveis no Brasil, da inicial até o trânsito em julgado após o prazo recursal extraordinário (tribunais superiores) seja de 10 anos. Para cada demanda que se encerra por conciliação ou mediação, economiza-se cerca de 9,5 anos de tramitação. Se cada autocomposição onera o andamento processual em seis meses, pode-se afirmar que cada mediação ou conciliação bem-sucedida justifica cerca de 20 demandas sem acordo. Isto é, para que se justifique o encaminhamento de demandas para a conciliação ou mediação, em razão da duração do processo apenas no primeiro e segundo graus de jurisdição, basta que haja 5% de sucesso. Em algumas oportunidades, como o prêmio de qualidade em conciliação do Conselho Nacional de Justiça em 2013, verificou-se que o índice de acordo nas conciliações foi acima de 70%. Da mesma forma, o magistrado pode também determinar quea conciliação ou a mediação deverá ser conduzida entre a data de despacho da inicial e a data estabelecida para a audiência de instrução.34 Existe corrente doutrinária que defende a mediação, e outros métodos alternativos de resolução de conflitos, como forma de diminuição das desigualdades sociais, ao passo em que permite à população desprovida de recursos para a contratação de advogados e custeio de taxas judiciais, o acesso à mecanismos efetivos para solucionar as lides em torno de seus bens jurídicos. É considerada forma de promoção de igualdade entre as pessoas vulneráveis economicamente e cujo acesso à 34 AZEVEDO. A. G. de. Institutos da conciliação e da mediação nunca foram tão valorizados. 30/12/2016, Conjur – Consultor Juridico. Disponivel em:< http://www.conjur.com.br/2016-dez-30/retrospectiva-2016-conciliacao- mediacao-nunca-foram-tao-valorizadas> 32 informação é restrito. Neste sentido, explica Ana Rosembaltt ... [et al] justifica o contexto de dificuldade do acesso à justiça [...] a própria Constituição [...] remete aquele que foi ofendido às vias judiciais. [...] o cidadão desprovido de recursos, por não contar com uma defesa técnica de qualidade, já que a advocacia privada implica custos elevados, não conseguirá fazer valer tais garantias, o que significa, de certo modo, verdadeira dupla insuficiência de proteção. 35 Dessa forma, é inegável que a mediação, sendo procedimento menos oneroso e burocrático, mais acessível, e que ainda confere poder decisório às próprias partes envolvidas, é ferramenta de promoção da igualdade social e forma de potencialização do acesso à justiça. A mediação como forma de exercício do acesso à justiça é ferramenta disponível para a promoção de outras garantias constitucionais, possibilitando às partes, especialmente as menos favorecidas, que tenham acesso ao mínimo existencial. De modo complementar, [...] o procedimento da mediação também visa incluir socialmente o indivíduo, ampliando seu universo cultural, possibilitando o conhecimento de seus direitos e deveres, dirimindo a hostilidade [...]. “36 Igualmente, o acesso à justiça por meio da mediação permite a “[...] continuidade dos vínculos pessoais, familiares ou de negócio, tendo o acordo assim, eventualmente, obtido maior probabilidade de cumprimento espontâneo. “37 Veja que a segurança jurídica obtida por meio de 35 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; op cit, pg. 27. 36 LOPES, M. H; PARRA, P. O acesso à justiça através da mediação. VII EPCC - Encontro Internacional de Produção Científica Cesumar. Editora CESUMAR. Maringá, 2011. 37 VASCONCELOS, C. E. op cit, pg. 47. 33 decisões advindas de métodos auto compositivos, é mais concreta perante as pessoas envolvidas, justamente pelo protagonismo que lhes é atribuído durante os procedimentos, o que torna este caminho de acesso à justiça mais atrativo. Não é incomum constatar a realidade no Brasil de que muitas pessoas deixam de buscar a tutela jurisdicional pelos obstáculos de um processo, e pelo receio de frustrar suas expectativas de direito pela hipossuficiência, seja econômica ou até mesmo probatória, dentro de um processo judicial. Urge dar continuidade às políticas públicas iniciados pelos Poderes nacionais, desde a década de 90, para que se dê maior divulgação à sociedade de que existem opções para a resolução de conflitos, promovendo educação cidadã e conscientização de que o alcance da justiça é possível por outros caminhos que não a litigância dentro do Judiciário. Veja que não é possível um Estado Democrático de direito sem que seja concedido aos sujeitos que dele fazem parte, a capacidade de buscar seus direitos fundamentais, com autonomia e capacidade de gestão consciente sobre os próprios interesses. De modo complementar, ainda na reflexão sobre o acesso à justiça por meio da mediação, Carlos Eduardo Vasconcelos recomenda: Nessa perspectiva, os operadores do direito devem estar empenhados em apoiar o desenvolvimento de núcleos de mediação comunitária e a difusão de técnicas, habilidades e éticas de mediação de conflitos e demais práticas restaurativas, estimulando o protagonismo das comunidades. Essas iniciativas não devem ser encaradas como remendos ou paliativos para aliviar as pressões 34 contra a ineficiência do Judiciário. [...] 38 Conforme mencionado anteriormente, a tendência é que sejam criadas câmaras de mediação particulares, assim como ocorre com a arbitragem, às quais as partes interessadas em autocomposição do seu litígio podem recorrer, cujas decisões, ou sentenças, poderão ser executáveis no âmbito judicial, em último caso. Tem-se, pois, que a criação de instituições não necessariamente vinculadas ao Judiciário, para a finalidade de desenvolver e executar, com a colaboração dos tutelados, métodos auto compositivos, é útil e necessária, para a promoção do acesso à justiça. Frise-se que o acesso à justiça, com garantia de satisfação às partes que buscam auxílio na resolução de seu litígio, e isso inclui a possibilidade de negociação, celeridade, redução de burocracia e de tempo, é mais amplo do que a simples submissão das lides ao Judiciário. O alcance da justiça, como sentimento social de pacificação e coexistência saudável entre as partes litigantes no grupo, deve partir da colaboração e diálogo, e se sobrepor à cultura de rivalidade, inclusive nos Tribunais. Nesta seara, a mediação, como método alternativo de solução de conflitos, cumpre com o princípio de colaboração entre as partes, e promove a igualdade entre aqueles que precisam de orientação para dirimir os litígios, sem retirar dos interessados principais o poder de decisão, permitindo-lhes o desenvolvimento da comunicação, como forma de prevenir futuros conflitos que venham a necessitar de intervenção. Se inicialmente a mediação surgiu como alternativa 38 VASCONCELOS, C. E. op cit, pg. 51. 35 à superlotação e morosidade do Judiciário, da própria insuficiência na prestação do serviço público de gerência de conflitos pelo Estado, atualmente é uma das principais vias do acesso à justiça e promoção de igualdade social. É via de acesso ao mínimo existencial para muitos grupos que não detém de meios suficientes para litigar por seus interesses no Judiciário, com as mesmas condições, mediante custos reduzidos, além de constituir nova perspectiva, em contraponto à cultura do processo. Assim, o reconhecimento da mediação pelo Código de Processo Civil/2015 como método de efetiva resolução de conflitos, é grande conquista para a pacificação social e o método mais efetivo de promoção da justiça, pois aproxima os tutelados dos seus direitos, e lhes devolve a capacidade de decidir sobre as relações sociais de continuidade em que estão envolvidos. Nesta trilha, considerando a importância da mediação para facilitar o acesso à justiça, passa-se a estudá-la como instituto jurídico, à luz dos princípios do novo Código de Processo Civil e legislação esparsa, expondo suas modalidades e, principalmente, benefícios para os envolvidos e sociedade, o que se fará no próximo capítulo. 36 3 A MEDIAÇÃO E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Neste capítulo, será estudada a mediação como instituto jurídico, espécie de alternativa para resolução de litígios, devidamente regulamentada pelo Código de Processo Civil de2015, seus princípios, características, diferenças entre os demais métodos auto compositivos, e modalidades judicial e extrajudicial. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, traz simplificada e completa definição do que é a mediação, nos termos abaixo: A mediação é um processo voluntário que oferece àqueles que estão vivenciando um conflito familiar, ou qualquer outro conflito de relação continuada, a oportunidade e o espaço adequados para solucionar questões relativas à separação, sustento e guarda de crianças, visitação, pagamento de pensões, divisão de bens e outras matérias, especialmente as de interesse da família. As partes poderão expor seu pensamento e terão uma oportunidade de solucionar questões importantes de um modo cooperativo e construtivo. O objetivo da mediação é prestar assistência na obtenção de acordos, que poderá constituir um modelo de conduta para futuras relações, num ambiente colaborativo em que as partes possam dialogar produtivamente sobre suas necessidades e de seus filhos.39 Conforme depreende-se da análise do conceito de mediação exposta pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a característica mais marcante da mediação é que o procedimento coloca os sujeitos do litígio como protagonistas, dando-lhes o poder de decisão, de forma orientada, sobre seus interesses, com a finalidade de se manter as relações sociais, com forma de promoção de justiça. Sobre a mediação, o CONIMA- Conselho Nacional de Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem, explica 39 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. O que é mediação? Disponível em:< http://www.tjrj.jus.br/web/guest/institucional/mediacao/estrutura- administrativa/o-que-e-mediacao> 37 que o método autocompositivo da mediação é regido pelos seguintes princípios: São PRINCÍPIOS BÁSICOS a serem respeitados no Processo da Mediação: – o caráter voluntário; – o poder dispositivo das partes, respeitando o princípio da autonomia da vontade, desde que não contrarie os princípios de ordem pública; – a complementariedade do conhecimento; – a credibilidade e a imparcialidade do Mediador; – a competência do Mediador, obtida pela formação adequada e permanente; – a diligência dos procedimentos; – a boa - fé e a lealdade das práticas aplicadas; – a flexibilidade, a clareza, a concisão e a simplicidade, tanto na linguagem quanto nos procedimentos, de modo que atendam à compreensão e às necessidades do mercado para o qual se voltam; – a possibilidade de oferecer segurança jurídica, em contraponto à perturbação e ao prejuízo que as controvérsias geram nas relações sociais; – a confidencialidade do processo. 40 A mediação é regida pelo “[...] princípio da autonomia de vontade, [...] característica que anda lado a lado com o protagonismo das partes. ”41 Na lição de Silvio Rodrigues “O Princípio da Autonomia da Vontade consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam como o interesse geral, ou não o contradigam. ”42 De modo complementar, Irineu Strenger leciona que “ [...] a autonomia da vontade como princípio deve ser sustentada não só como 40 CONIMA. Regulamento Modelo Mediação. Disponivel em:< http://www.conima.org.br/regula_modmed> 41 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Manual de Mediação para Defensoria Pública. 1 Ed. – Brasilia, DF; FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA/FUB, 2014.pg. 62. 42 RODRIGUES, Silvio. Dos Contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2007, p.15 38 um elemento da liberdade em geral, mas como suporte também da liberdade jurídica, que é esse poder insuprimível no homem de criar por um ato de vontade uma situação jurídica, desde que esse ato tenha objeto lícito[...]“.43 Nas palavras da jurista Flávia Tartuce, a autonomia de vontade é preceito intrínseco ao procedimento da mediação, conforme se vê abaixo: A liberdade e a autonomia, aliás, são valores essenciais à mediação. É imperioso relembrar que durante a sessão consensual não se atua segundo a lógica de julgamento formal em que há imposição de resultado pela autoridade estatal: a lógica conciliatória demanda o reconhecimento da dignidade e da inclusão todos, rechaçando condutas autoritárias por força do respeito recíproco que deve pautar a atuação dos participantes.44 Veja que a mediação se encaixa perfeitamente nas ideias dos doutrinadores, no sentido de que as relações sociais, mesmo em conflito, geram relações jurídicas que objetivam a manutenção das relações sociais, resolvendo, da forma menos lesiva, os litígios entre as partes. Ocorre que a concessão de autonomia às partes que buscam a tutela de seus litígios permite maior aproveitamento dos pontos positivos da relação social em conflito o que garante a sua manutenção, especialmente quando são casos específicos de continuidade, como ocorre nas demandas em varas de família, por exemplo. Ana Rosemblatt [et al..], esclarece a importância da autonomia das partes para os métodos auto compositivos como a mediação, conforme se lê abaixo: Por ser os mediandos protagonistas do processo do qual aderiram voluntariamente e os autores de um eventual acordo, as soluções produzidas ganham legitimidade. Os mediandos se reconhecem no acordo produzido na 43 STRENGER, Irineu. Da autonomia da vontade: direito interno e internacional. São Paulo: LTr, 2000, p. 66. 44 TARTUCE. F. Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos.2015. Pg. 08. Disponivel em:< http://www.fernandatartuce.com.br/wp- content/uploads/2016/02/Media%C3%A7%C3%A3o-no-novo-CPC-Tartuce.pdf> 39 mediação. A consequência é há um grande nível de comprometimento com as decisões tomadas. A ideia de protagonismo está conectada á de responsabilidade - não no sentido jurídico, em que essa palavra é associada à culpa e à condenação, mas, sim, no sentido de se ter em conta uma concepção adulta do ser humano.45 Veja que a autonomia concedida às partes na mediação, confere mais efetividade para as decisões dela advindas, seja em âmbito judicial e extrajudicial, e isso contribui para a garantia da segurança jurídica, com a consequente queda de reincidência da busca ao Judiciário pelas partes, desta vez, para fazer cumprir os acordos. Isso porque, pela condição ativa das partes no procedimento, a mediação permite a melhor compreensão dos termos do acordo, que foi firmado de forma mais maleável possível, conforme as condições da cada um dos envolvidos. Diferente dos acordos judiciais, firmados em conciliações perante o juiz, por exemplo, a mediação é feita nas condições de compreensão dos envolvidos, conforme suas possibilidades de cumprimento, sem a imposição de termos para o acordo, como muitas vezes ocorre que ando o magistrado “sugere” algum termo para o acordo, intervindo na negociação. Essa situação somente é possível graças à simplificação do processo do método autocompositivo da mediação, por meio da retirada dos ritos burocráticos e engessados da mediação, e incentivo à oralidade e informalidade no procedimento. Sobre a informalidade, a mediação passa a ser um procedimento que possibilita a “[...] flexibilidade para conduzir o processo 45 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 63. 40 [...]” 46, conformemelhor atender aos interesses e condições das partes. Justamente por essa redução dos ritos nos métodos auto compositivos, como ocorre na mediação, é que se garante, com mais eficiência, a duração razoável do processo, princípio homenageado pelo novel Código de Processo Civil, no art. 4º, abaixo transcrito: Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. 47 Veja que a redação do dispositivo legal não atrela a resolução do conflito, com a satisfação do seu mérito, à tutela estritamente judicial, o que permite e dá margens para a utilização de meios alternativos para a efetivação da justiça buscada pelas partes litigantes. Conforme mencionado anteriormente, é cediço que a demanda do Judiciário torna morosa a tutela Estatal dos conflitos, e desse modo, a propositura de uma ação judicial nem sempre será o melhor caminho para a satisfação das partes, em tempo razoável. A exemplo, uma demanda em Vara da Fazenda Pública, onde o cidadão busca o acesso à medicamentos essenciais ao trato de sua saúde, ou em Varas de Família, onde casais litigam em divórcio e a guarda dos infantes resta pendente, por mais que obtenham liminares e meios de encurtamento para o objeto pretendido, não serão rápidas o suficiente para resolver os conflitos de interesses e entregar, em tempo hábil, o direito aos litigantes. Também porque nesse procedimento autocompositivo dispensa-se a produção de provas sobre os interesses em conflitos, o que viabiliza o comum acordo em tempo mais rápido e corrige a 46 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 64. 47 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16/03/2015. Código de Processo Civil. 41 hipossuficiência probatória dos mediandos sobre o objeto da autocomposição. Assim, os métodos auto compositivos e alternativos de resolução de conflitos, encurtam a via crucis das partes que recorrem ao Judiciário, e permitem a satisfação de seus interesses em tempo razoável, cumprindo o que o inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88 preceitua: Art. 5º. [...] LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados, a duração razoável do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação. ”48 Por conseguinte, também é possível perceber que a mediação também está relacionada ao princípio da colaboração entre as partes, pois os mediandos atuam não como litigantes, mas como protagonistas de suas decisões, tomando diálogo colaborativo com a finalidade de resolver o impasse. Com a participação ativa das partes, na mediação os sujeitos se empenham muito mais em entrar num consenso do que se dependessem de uma decisão hetero compositiva. Também por isso, a mediação é meio que atende à duração razoável do processo, pois nesse procedimento não se perde tempo com ânimos revanchistas, mas tão somente com ações colaborativas para chegar-se a um acordo. Cumpre relembrar que o Código de Processo Civil dispõe em seu art. 6º que é dever das partes colaborar para a obtenção de decisões justas, em tempo hábil, veja: Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.49 48 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum Acadêmico Rideel/ Ane Joyce Angher, 20ª Ed. – São Paulo: Rideel, 2015. 49 Idem. 42 Por conseguinte, cumpre ressaltar que, assim como ocorre no processo judicial, a mediação é regida pela imparcialidade daquele que dirige o procedimento, sendo garantia das partes a imparcialidade do mediador. Sobre esta característica da mediação, Ana Rosemblatt [et al…], esclarece a imparcialidade no âmbito da mediação: [...] utiliza-se o termo de imparcialidade ativa, que se refere à uma imparcialidade construída de forma dinâmica, por meio de movimentos de aproximação empática/distanciamento nas intervenções do mediador com os mediandos. Por meio de uma balanceamento, o mediador equilibra suas intervenções: confere igual tempo de fala aos mediandos, exerce escuta ativa, legitima e valida os mediandos de maneira equilibrada. A busca pela equidistância através do balanceamento não só dá conta do aspecto externo da imparcialidade - trazendo a percepção de imparcialidade para os mediandos -, como também contribui para a construção de imparcialidade interna do mediador.50 Veja que a autora explica que a isonomia permanece presente no procedimento autocompositivo, e que a chamada imparcialidade ativa não interfere no poder de decisão das partes, pelo contrário, facilita o consenso na mediação. Por conseguinte, tem-se que outro princípio regente da mediação é o da confidencialidade, previsto no §1º do art. 166 do CPC, in verbis: Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. § 1o A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes. 51 50 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 68. 51 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16/03/2015. Código de Processo Civil. 43 Tal característica é importante para o procedimento da mediação porque estabelece um vínculo de confiança entre as partes, necessário para a cooperação e conciliação de interesses. Nas palavras de Ana Rosemblatt [et al…]: “A confidencialidade gera a confiança que o mediando necessita para manter um diálogo aberto, sem o temor de que o que disser seja usado contra ele, já que as conversações na mediação são protegidas. O ambiente é propício para a boa-fé necessária ao desenvolvimento do trabalho. ” 52 Observe que os princípios informadores da mediação demonstram que inexiste uma hierarquia imutável no procedimento, a qual as partes estão submetidas, o que facilita a composição dos acordos e torna mais executável seus termos. Adiante, o Código de Processo Civil traz que o método autocompositivo da mediação é recomendado para aqueles casos em que se constata litígio oriundo de uma relação social de continuidade, veja a redação do artigo do CPC abaixo: Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. [...] § 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. Observe que a intenção do legislador foi além da simples 52 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 64. 44 composição de acordo, mas visou a pacificação social como consequência da tutela autocompositiva, por meio do “restabelecimento da comunicação” entre as partes. Sábia tática, pois é cediço que muito conflitos em relações sociais de continuidade, como as familiares, são gerados porfalta de diálogo, ou de vontade em se manter um, e acabam, inevitavelmente, chegando ao Judiciário, por deficiência das partes em solucionar questões simples, muitas vezes de fundo mais emocional do que de direito. É exatamente por isso que a mediação é método versátil e de grande aproveitamento para o meio jurídico, pois importa técnicas de conversão, com inteligência psicoemocional, potencializando o diálogo intermediado pelo mediador. Carlos Eduardo Vasconcellos explica que a “mediação é um meio [...] não hierarquizado de solução de disputas em que duas ou mais pessoas, com a colaboração de um terceiro, mediador [...] dialogam construtivamente e procuram identificar os interesses em comum [...]”. 53 Como diferença em relação aos demais métodos, é possível dizer, pela própria compreensão do disposto nos parágrafos do art. 165 do CPC, que em relação à conciliação, por exemplo, a relação sobre que versa o litígio não é de continuidade entre as partes, pois inexiste vínculo entre elas, como ocorre no direito do consumidor, por exemplo. Conforme Vasconcellos explica, a conciliação é uma espécie de mediação, porém focada na composição de acordo, tão somente, sem o restabelecimento de diálogo para a sadia manutenção e recuperação do vínculo social em conflito.54 53 VASCONCELOS, C. E. de. Mediação e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008, pg. 36. 54 Idem, pg. 39. 45 No caso da conciliação, diferente do que ocorre na mediação, é possível a orientação jurídica das partes pelo mediador, que assim como ocorre com o magistrado, faz intervenções de mérito no procedimento, com o objetivo de formalizar o acordo. Ana Rosemblatt [et al…], explica que na mediação deve-se “[...] zelar pela autonomia e protagonismo dos mediandos[...]” de modo que o mediador não deve dar sugestões para a composição de interesses.55 A conciliação tem cunho mais negocial, de barganha, já a mediação é construtiva e participativa, em que o acordo versa sobre interesses e não somente sobre bens. Em relação à arbitragem, Vasconcellos ainda esclarece que a mediação é método, pois reúne série de técnicas interdisciplinares que auxiliam no campo do direito, para a promoção de justiça e resolução de conflitos.56 A arbitragem, “[...] é um instituto de Direito”57, com regulamentação própria, Lei nº 9.307/2006, com natureza jurídica contratual e jurisdicional, que vincula as partes à sua jurisdição, de cunha igualmente negocial e empresarial.58 Cumpre esclarecer que, apesar de existir a Lei da mediação (Lei nº 13.140/2015), por ser recentíssima, o método autocompositivo ainda não se estabeleceu de forma sólida no ordenamento jurídico por falta de conhecimento e de oportunidades para seu emprego na resolução de litígios. 55 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 65. 56 VASCONCELOS, C. E. de. op cit, pg. 40 57 Idem. 58 Idem. 46 Cumpre mencionar que a Lei nº 13.140/2015, Lei da Mediação, traz em seu bojo a definição de mediação, conforme disposto no parágrafo único do art. 1º da referida lei), com a seguinte redação: Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. 59 Veja que a própria legislação específica traz a mediação como “técnica”, um método, pois engloba diversos conhecimentos para auxiliar na composição de interesses, coadunando com a ideia de Vasconcelos, acima exposta. Por conseguinte, como característica da mediação, o procedimento pode ter como objeto bem jurídico disponível ou indisponível, que aceite transação, nos termos do art. 3º da Lei 13.140/15. São direitos indisponíveis que admitem transação, aqueles relacionados a questões de alimentos, guarda de filhos e outras causas de família, causas coletivas, demandas que envolvem entes públicos. 60 Na mediação, as partes contam, além da confidencialidade, com as mesmas garantias relacionadas à imparcialidade do juiz, em relação ao mediador, que submete às regras de impedimento e suspeição, conforme dispõe o art. 5º da Lei 13.140/15. Não obstante, o parágrafo único do dispositivo, impõe ao mediador a obrigação de comunicar as partes fatos que possam afetar a sua imparcialidade, veja: Parágrafo único. A pessoa designada para atuar como mediador tem o dever de revelar às partes, antes da 59 BRASIL. Lei nº 13.140 de 26/06/2015. Lei da mediação. 60 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento (vol. 1). 11ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2009. 47 aceitação da função, qualquer fato ou circunstância que possa suscitar dúvida justificada em relação à sua imparcialidade para mediar o conflito, oportunidade em que poderá ser recusado por qualquer delas. Isso porque o rol de suspeição e impedimento do Código de Processo Civil é taxativo, e porque existem outros fatos de convicção, crença, sociais, e até espirituais/religiosos que podem afetar o julgamento do mediador e/ ou sua relação com os mediandos, o que é inerente ao ser humano. O mediador precisa ser imparcial tanto em relação às partes, quanto em relação ao tema versado pelo procedimento.61 Assim, em uma mediação que envolva a guarda de infantes, por exemplo, não é recomendável que o (a) mediador (a) seja pessoa que está em fase de divórcio e disputa de guarda de seus filhos, por motivos óbvios de afetação de sua imparcialidade, e consequente ativação de pré- julgamento dos mediandos. Ainda em relação ao mediador, como consequência da imparcialidade e, principalmente, o princípio da confidencialidade que regem o procedimento, a ele fica vedado depor como testemunha em ações dos mediandos, bem como assessorar, patrocinar e representar os mediandos, no prazo de um ano após a última audiência, conforme previsão do art. 6º da Lei 13.140/15. Essa disposição visa o sigilo sobre as informações obtidas na mediação, por meio do relato das partes, bem como a manutenção da confiança dos mediandos para com o próprio método autocompositivo, que deve ser pautado na boa-fé, o que impede o benefício de terceiros ou do mediador, através do conhecimento sobre o tema das sessões de mediação. 61 ROSENBLATT, A.; KIRCHNER, F.; BARBOSA, R.V.M.; CAVALCANTI R. R. B.; Op cit, pg. 67. 48 A Lei da mediação dispõe que o mediador judicial, deverá cumprir requisitos para o ingresso na função, diferentemente do que ocorre na extrajudicial, em que pode ser eleito pelas partes, por exemplo. São as condições para o mediador judicial: Art. 11. Poderá atuar como mediador judicial a pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM ou pelos tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça. O Conselho Nacional de Justiça promove cursos de formação e qualificação de mediadores, com ensinamentos de direito, noções de psicologia, comunicação, antropologia e das técnicas específicas de
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