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Sim, um anuário de jornalismo. Sabemos que você nunca viu algo do gênero na nossa área, e esperamos que seja o primeiro de muitos outros que virão nos próximos anos. Já era hora de nós, jornalistas, não apenas olharmos em retrospectiva, mas termos um guia prático em mãos para saber quais referências acompanhar ao longo do ano, quais ini- ciativas conhecer mais a fundo para se inspirar, quais habilidades desenvolver para estar preparado para os próximos capítulos de nossas jornadas, entre outros pontos. O que você vai encontrar nas próximas páginas é uma seleção, fruto de uma curadoria feita pela nossa equipe, já dedicada a qualificar jornalistas e a acompanhar tendências que ajudem nesse caminho. Profissionais, veículos, novos projetos e outras iniciativas na área também têm valor, mas aqui fizemos uma seleção assinada pelo BRIO. Isso é o que consideramos que devem ser suas prioridades para o ano de 2018. Ficamos desde já abertos a sugestões para o Anuário 2019. Um grande ano para todos nós! Time BRIO O que esperar do jornalismo e dos jornalistas em 2018 Jornalistas estrangeiros que você deve acompanhar Dez jornalistas brasileiros que irão se destacar neste ano Cinco veículos independentes que irão inovar e voar As iniciativas que serão colocadas em prova As newsletters que mais vale a pena você assinar As expressões que você vai ouvir muito no jornalismo em 2018 As habilidades que vale você aprender Os assuntos que certamente serão pauta Desde 2014, um ano não é aguardado com tanta ansiedade no jornalis- mo. Depois de sermos pegos de surpresa pela força das manifestações de rua de 2013, quatro anos atrás prevíamos cenário de terra arrasada com a iminência de uma Copa do Mundo no país, formatada na base de muita propina, corrupção e deixando pra trás um legado bem meia boca. Sobrevivemos e a tragédia, no fim das contas, ficou essencial- mente restrita ao campo, com o incrivelmente simbólico 7 a 1. Este 2018 que acaba de dar a largada traz outros legados como expec- tativa. A Lava Jato, com “o grande acordo nacional”, vai dar num beco sem saída? E a recessão, aprendemos algo com ela? As eleições têm grande chance de revelar essas respostas e, por tabela, tornar mais nítida que sociedade foi o fruto desses últimos quatro anos. Teremos mais votos nulos e brancos como expressão de um descontentamento e desencanto geral ainda mais amplo? Um ‘salvador da pátria’ terá vez numa era em que hiperinformação e desin- formação caminham juntas? Uma candidatura Lula, mesmo com todas as questões jurídico-criminais envolvidas, terá sucesso? E a esquerda mais raiz conseguirá ocupar espaços após a detonação de uma crise material e moral sem precedentes no país? Os movimentos de direita e as patrulhas morais têm fôlego para colocar em suas fileiras os que se beneficiaram ao longo de anos de uma forte política de transferência de renda? E o jornalismo nisso tudo? Ou melhor dizendo, e nós, jornalistas? Reportagens bem apuradas, narrativas que mostrem o lado de quem está lá no solo, esperando outubro chegar para votar, investigações próprias, que não dependam apenas do trabalho de policiais, promo- tores e procuradores, tudo isso seguirá tendo força para gerar impacto no mundo real. Achamos, aqui no BRIO, que o jornalismo tem tudo para brilhar neste ano. Apesar do cenário que não emite muita confiança diante de tantos cortes de vagas em redações, da penúria geral de empresas de mídia que buscam reestruturações de forma a evitar fechar as portas, o tra- balho jornalístico continua, e sempre continuará, essencialmente como um poder que pode ser executado individualmente. Uma redação com menos de 10 pessoas é potencialmente capaz de fazer um trabalho tão bom ou melhor do que uma redação de 100 jor- nalistas. Talvez não seja capaz de cobrir tão bem um acidente aéreo ou alcançar milhões de pessoas no momento da publicação, por exemplo, mas certamente é capaz de expor contradições e más condutas de agentes públicos que buscam comandar o país no futuro bem próximo. Ou de dar voz, de maneira crítica, àqueles que são impactados por políticas públicas. Ou de levantar dados que revelem ou desconstruam nuances sobre a sociedade, a economia, os esportes, a cultura… Neste ano, teremos eleições presidenciais, e elas são o elemento mais importante do ano, é claro. Mas teremos também um ano de provação em relação às novas regras trabalhistas, um ano em que provavel- mente o STF decidirá sobre a descriminalização do aborto, um ano em que a tendência é de mais crescimento da violência nas grandes cidades, um ano em que o avanço da agenda conservadora tende a ser dos mais relevantes das últimas décadas, um ano em que discursos de modelos econômicos bem-sucedidos ou fracassados se alternarão, cada um puxando a sardinha mais suculenta para o seu lado. Esse é o rico material que nós, jornalistas, temos em mãos para trabalhar a partir de agora. Um computador, um bloco, uma caneta, um telefone e um tanto de disposição de enxergar a realidade com os olhos profissionais de um repórter ou editor é tudo o que precisamos para começar a jogar no tabuleiro de 2018. A carreira de jornalista seguirá em crise. Dá pouco dinheiro mesmo, há pouquíssimas vagas formais dentro dos conformes da CLT, a concorrên- cia é gigantesca. Grandes grupos estão se reestruturando, como Globo e Abril. Outros muito provavelmente anunciarão medidas fortes ao longo dos próximos meses, porque tem sido assim nos últimos anos e porque não há nenhum sinal de que eles tenham avistado um oásis. Mas a carreira de jornalista seguirá gerando esperança. Prepare-se para ver florescer, neste ano, um jornalismo independente com cada vez mais qualidade e incorporando padrões de rigor técnico e tec- nológico de alto nível, com referências não apenas na mídia brasileira, mas também em exemplos incríveis vindo dos Estados Unidos, Europa e América Latina. Nexo, JOTA, Agência Pública, Lupa, Aos Fatos, Ponte Jornalismo, Nova Escola, Poder360, nós mesmos aqui do BRIO, além dos players estrangeiros ancorados no Brasil, como El País, BBC, Buzzfeed e The Intercept. Em 2014, boa parte deles não existia. Os que existiam ainda não tinham encontrado sua maturidade. Mas mesmo os grandes veículos vão buscar fazer, em 2018, o melhor jornalismo possível. A sobrevivência deles depende disso, a exemplo da imprensa dos Estados Unidos, que, num momento de crise de confiança e com um presidente falando mal da mídia de manhã, tarde e noite, produziu em 2017 um jornalismo de alto nível e viu suas bases de assinantes (digitais) crescerem. A indústria jornalística no Brasil está sendo aspirada, e não tem muito outro jeito de escapar do tubo do aspirador a não ser fazendo jornalismo relevante e de impacto. Para tudo isso, tanto para os repórteres independentes, em seus esforços individ- uais, quanto para as equipes das redações, não dá para fazer jornalismo relevante e de impacto sem saber o caminho das pedras. É preciso saber onde buscar in- formações, onde levantar dados, como obter fontes e cultivá-las, como se colocar para o mercado de forma que seu esforço seja remunerado. É preciso saber como aproveitar o potencial de um material jornalístico de qualidade sem se limitar ape- nas ao texto. É preciso adotar as melhores práticas de organização e planejamento para que (falta de) tempo e dinheiro não se tornem tormentos inviabilizadores do jornalismo bem feito. Em resumo, é preciso saber ser jornalista. O repórter precisa ser mais do que sim- plesmente alguém revoltado com as injustiças do mundo que gosta de escrever e está a fim de ajudar a mudar o mundo. O repórter não pode ser apenas alguém que gosta de contar boas histórias. Jornalistas não podem se resumir a gostar de fazer. A gente tem que saber como fazer e, assim,nos defender e defender o jornalismo. Boa sorte a todos nós em 2018 (mas que fique registrado: aqui no BRIO, estamos nos esforçando para que você, jornalista, não conte apenas com a sorte). BRENO COSTA Chefe de Desenvolvimento Jornalístico Filipe começou sua carreira na Folha de S.Paulo do jeito que a gente aqui no BRIO idealiza para todos os profissionais que fazem parte da nossa base: oferecendo uma proposta de pauta. Na época, era uma reportagem batendo no então presi- dente do Senado, José Sarney. A ousadia de farejar podres envolvendo poderosos em geral - no Judiciário, no esporte, na política, no empresariado - é o que levou o repórter a avançar muito na carreira e em pouco tempo. Em 2014, foi para a revista Época e, no ano passado, foi contratado para ser o repórter de investigação do Buzzfeed em Brasília. Ele já ganhou o Prêmio Esso ao revelar junto com outros colegas, na Folha, esquemas de corrupção do ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira. Mais recentemente, deu furos importantes sobre o patrimônio do ex-presidente Lula, a operação Lava Jato e sobre figuras como os ministros Gilmar Mendes e Henrique Meirelles. Em 2018, ano eleitoral, espere mais revelações. Como será 2018 para o jornalismo? Em tempos de fake news e eleições, o jornalismo terá papel duplo: informar e mostrar ao eleitor o que é relevante e o que é enganação. Como um jornalista deveria se preparar para o próximo ano? Será fundamental saber usar as ferra- mentas disponíveis na internet, para apurar e checar informações, e como usar os meios de distribuição para alcançar o leitor de maneira mais inteligente. Tudo isso, contudo, é apenas uma parte do trabalho. O jornalismo continua em sua essência: contar boas histórias, com furos e informações relevantes. E, para isso, é necessário discernimento, fontes e sola de sapato. Quais serão os principais desafios para o jornalismo em 2018? O volume de notícias e a velocidade são intensos e, por isso, será decisivo saber se comunicar com o leitor. É preciso ouvi-lo e entender quais suas demandas, como ele acessa o conteúdo e como o material pode ser relevante para ele. Quais as principais oportunidades que os jornalistas podem aproveitar em 2018 para fazer um bom trabalho? Em 2018, com eleições, aumenta o interesse do leitor e a oportunidade de produzir notícias de impacto e relevância. Como estão as suas expectativas para o futuro próximo do jornalismo no Brasil? As melhores possíveis. O jornalismo nunca foi tão necessário e demandado como nesses tempos de casos de corrupção, crise e fake news. Se você tivesse que sugerir algo com que um jornalista pudesse se preparar para 2018, qual seria? Escute as pessoas. As grandes histórias surgem dali. Como será 2018 para o jornalismo? Muito difícil. Depois da eleição de 2014, quando a gente viu o tamanho do buraco, todo mundo disse que aquela seria a “última eleição da mistifi- cação”. Mas será que 2018 não será também? Isso será explícito ou os candidatos terão medo de se confrontar com o debate que o Brasil pre- cisa? Eu acho que já tivemos mais certeza de que isso aconteceria. Cabe uma responsabilidade aos jornalistas: desmistificar o debate político. As redações continuam sem gente suficiente, todos fazendo trabalho em tempo real, e as pessoas não têm como ir a fundo nos temas. Os novos veículos são iniciativas bem-vindas, mas eu diria que eles ainda não contaminaram a cobertura de uma maneira geral. É uma existência ainda à parte, isolada do motor da cobertura política. Mais do que a proliferação de sites de checagem, o espírito de checar deveria contaminar de maneira mais aguda e profunda nosso trabalho. Deveria ser algo que fosse intro- jetado e absorvido. Como o jornalista deve se preparar para este ano? Nesses momentos é que a gente vê que tem que se livrar um pouco do complexo de colonizado. Nem olhar para a melhor imprensa do mundo a gente pode. A eleição de Trump desautoriza qualquer referência que a gente possa ter de lá. Talvez [devêssemos] fazer o contrário do que foi feito lá. O jornalista deve estudar muito a biografia, o desempenho e a atuação dos candidatos. O que eles fizeram? Que projetos eles apoiaram enquanto parlamentares? Aquilo que eles serão nunca se dissociará daquilo que já foram. Não tem outro jeito de checar o futuro que não o de confrontar o passado. Quais serão os principais desafios para o jornalismo em 2018? Ouvir o eleitor. Mais importante do que ouvir candidato é ouvir eleitor. Quem é a pessoa que está tão frustrada? Não é só leitura de pesquisa. É ir para a rua, passar por campanhas, circular nas plateias, perguntar para os eleitores o que seus candidatos disseram. A gente acha que ler pesquisa é entender o eleitor, mas não é. Quais as principais oportunidades que os jornalistas podem aproveitar em 2018 para fazer um bom trabalho? A eleição é o grande tema. O Brasil terá passado os dois últimos anos sob um governo que não escolheu. Haverá a oportunidade de se conectar ao eleitor. Tem muitos espaços de discussão na sociedade que o jornalista não entra e não percebe que pode entrar. Bares, praças, festas, a con- vivência no dia a dia, perceber como as pessoas interagem com a política e com o Brasil que elas querem. É possível descobrir espaços informais de convivência em que seja possível entrar e pegar esse pulso do eleitor de uma maneira mais informal. Quais suas expectativas para o futuro próximo do jornalismo no Brasil? Otimista sempre. A geração que está entrando é melhor que a nossa. Eles são mais bem informados, mais curiosos. Se você tivesse que sugerir algo com que um jornalista pudesse se preparar para 2018, qual seria? Biografias de políticos. Recomendo a trilogia de Getúlio Vargas (Lira Neto), “Lula, o Filho do Brasil” (Antonio Candido) e o “Diários da Presidência”, do FHC. Ela é, hoje, provavelmente o melhor texto que você vai encontrar na cobertura de política. Embora seu lado repórter esteja reservado para momentos mais especiais, Maria Cristina já se destaca o suficiente para merecer a presença no top 10 do jornalismo de qualidade no Brasil pela sua coluna semanal no Valor Econômico, devidamente marcada com o DNA de uma repórter crítica em relação a qualquer lado do espec- tro político-ideológico. Num ano decisivo como o de 2018, acompanhar o que ela tem a dizer e a reportar é fundamental. Pioneira, ela fez parte da primeira equipe da revista Época e está no Valor desde a fundação do jornal, em 2000. Lá, foi editora de política ao longo de 15 anos. Formada em jornalismo e em história em Pernambuco, é também mestre em política comparada pela Universidade de Paris I e em política latinoameri- cana pela Universidade de Londres. Tá bom, né? Adriano começou no jornalismo em Belém, no Pará. Entrou para a equipe de trainees da Fol- ha de S.Paulo em 2010, quando se transferiu para a Faculdade Cásper Líbero e começou a vida como repórter na editoria de esporte. Dois anos depois, mudou-se para o UOL, onde trabalha desde então. Ele gosta de faz- er do esporte não somente o centro de sua pauta, mas cenário para histórias diferentes, e de suas reportagens, narrativas menos engessadas e mais bem contadas - um belo sopro de ar fresco para o nosso jornalismo. Como será 2018 para o jornalismo? Temos ficado muito preocupados com demissões. É triste ver jornais cada vez mais enxugados, porque o jornalismo de qualidade perde muito. É impor- tante que as redações invistam na mescla de dois mundos: o jornalismo quente, diário e que gere audiência, mas também com uma equipe forte, com liberdade para pensar pautas mais aprofundadas e maior tempo de apuração. Como um jornalista deveria se preparar para o próximo ano? Eu, por exemplo, vou tentar aproveitar o interesse que as pessoas vão terno Mundial [de futebol da Fifa] para fazer as pautas que eu gosto e que o leitor esteja interessado. Em relação às fake news, nós que trabalhamos na grande mídia temos uma obrigação em combater esse fluxo de notícias falsas. Nosso papel é levar ao leitor uma notícia mais apurada. Quais serão os principais desafios para o jornalismo em 2018? Não estamos acostumados a lidar com essa produção em larga escala de notí- cias mentirosas, esse tipo de buzz que é causado por agentes novos. É uma realidade completamente diferente, que a gente não aprende na faculdade. Os caras estão pensando muito à frente da gente e poucas pessoas nas redações estão preparadas para eles. Quem vai cobrir política talvez precise se especializar em combater fake news. Quais as principais oportunidades que os jornalistas podem aproveitar em 2018 para fazer um bom trabalho? Existe uma discussão sobre o tamanho e a profundidade do texto na internet e quanto vale a pena investir numa pauta. Os editores geralmente acham que vale a pena se for um furo. Mas de uns tempos pra cá a gente percebeu que vale a pena investir em pautas que vão engajar o leitor, e isso vai na contramão do que se acreditava que era o conteúdo perfeito para a internet. O ano que vem é uma oportunidade para o repórter que tem interesse nesse tipo de história. Pra mim, a melhor matéria do ano foi a do Fofão da Augusta. Tem pouca gente fazendo isso. Como estão as suas expectativas para o futuro próximo do jornalismo no Brasil? Do ponto de vista das redações, sou pessimista. É difícil quando você con- versa com pessoas que não veem uma forma de crescer nas redações onde elas estão. Se você tivesse que sugerir algo com que um jornalista pudesse se preparar para 2018, qual seria? Você aprende a fazer reportagens com boas histórias, lendo muito, principalmente na impren- sa estrangeira. Recomen- do a leitura de um livro chamado ‘Storycraft: The Complete Guide to Writing Narrative Nonfiction’, do Jack Hart. Ele conta como fez seus repórteres transfor- marem suas pautas em jornal- ismo narrativo, já que estavam desperdiçando histórias riquíssi- mas por não fugirem do jornalistês, lide, aspas, pirâmide invertida etc. É meu livro de cabeceira. Toda vez que vou fazer uma pauta eu o consulto. DANIELA PINHEIRO não é novidade, mas o cargo para o qual ela foi incumbida no fim de 2017 despertou interesse e a manterá no centro das atenções do jornalismo ao longo deste ano. Após 11 anos em Veja e outros 11 na piauí como repórter especial e editora, a renomada e premiada jornalista é a nova diretora de redação da revista Época, agora com sede no Rio. A publicação sofreu reveses ao longo do último ano. Pode ser a primeira grande revista brasileira a abandonar a versão impressa. Pinheiro será a responsável pelo êxito dessa metamorfose, cujas adversidades nem mesmo ela ou ninguém sabem como se darão. GUILHERME AMADO colaborou com um dos maiores furos da política bra- sileira - o principal de todo o noticiário político em 2017, certamente. A publicação da gravação de Joesley Batista, dono da JBS, com o pres- idente Michel Temer trouxe holofotes também à carreira do repórter da coluna de Lauro Jardim, no Globo. Também no ano passado, Amado representou o jornal em uma rede internacional de jornalistas que co- laborou para investigar a Lava Jato na América Latina. O Globo e outros sei veículos foram os únicos a publicar no continente as delações de executivos internacionais da Odebrecht, até hoje em sigilo no STF, e descobriram fatos além das investigações do Ministério Público. LEONÊNCIO NOSSA já é uma lenda viva no jornalismo brasileiro do século 21. Não tem ninguém que venha lutando, há tantos anos, e com êxito, por manter vivo o jornalismo de fôlego. É repórter do Estadão há 17 anos. Durante o governo Lula, cobriu o Palácio do Planalto, o que rendeu a publicação de um livro com o relato de suas viagens atrás do presidente. Mas o destaque que lhe gerou diversos prêmios impor- tantes foram suas reportagens sobre cantos pouco falados do país, invariavelmente publicadas em cadernos especiais. Está finalizando um dos maiores projetos da carreira: a biografia de Roberto Marinho. ANNA VIRGÍNA BALLOUSSIER é dessas repórteres que veem o mundo ao redor como algo a ser descontruído com elegância. Suas reportagens na Folha de S.Paulo buscam, sempre que possível, injetar uma pitada de ironia - que nasce, às vezes, com a própria escolha da pauta. Num ano ‘sério’, vale a leveza. LUCAS FERRAZ construiu sua carreira na Folha de S.Paulo, onde vasculhou a ditadura e outros assuntos históricos que demandam conhecimento amp- lo conhecimento de contexto e acesso a documentos públicos. Desde 2016, está em carreira independente. Atualmente, escreve para a Agência Pública. MARINA ROSSI representa um modelo de produção jornalística que só aportou pra valer no Brasil há pouco tempo, via El País, onde está desde 2013. Seu olhar busca acompanhar os movimentos do tecido social do país - essencial num ano como este. E tem um forte olhar para questões feministas. Foi uma das criadoras da campanha “Jornalistas contra o assédio”. RENATA AGOSTINI é um dos destaques da nova geração de repórteres que acompanham o mundo dos negócios. Com uma alta capacidade de fazer fontes bem posicionadas, já desenvolveu ótimas reporta- gens na Exame, Folha de S.Paulo e, desde o ano passado, como repórter especial no Estadão. Mundo corporativo é com ela. Se você gosta de ver ousadia no jornal- ismo, em diferentes níveis, então você já sabe para onde olhar em 2018: as novas ideias colocadas em prática por Elaine Welteroth. Aos 30 anos, ela é a editora-chefe mais jovem da história de qualquer uma das (prestigiadíssimas) publicações da editora Condé Nast. Para quem não sabe, além da Vogue, a marca é responsável por ícones como a The New Yorker e a Vanity Fair, entre outras. No dia em que este texto era escrito, dois dos títulos em destaque no alto da home da Teen Vogue eram: “Por que o governo controla milhões de hectares de terra - e como você pode usá-los” e “Karlie Kloss [top model] explica por que as mulheres são o futuro da programação”. Daí dá para sentir a linha editorial trazida “do nada” por Welteroth. Se algo nessa linha pode aparecer no Brasil? Não muito rápido, mas é possível, sim. Elaine segue, não intencionalmente, a escola de editoras de moda que quebr- aram certos padrões ao mesmo tempo em que criavam outros. Os exemplos mais destacados nesse sentido são Franca Sozzani, que radicalizou o approach fo- tográfico da Vogue Itália, e Anne Wintour, editora-chefe da Vogue americana. Mas a politização de uma revista de moda, ainda mais voltada para um público jovem, é algo nunca antes visto. Apesar do ap- proach renovado, a Teen Vogue impressa deixou de existir. Elaine segue como editora-chefe da publicação em sua versão digital, mas deverá ser aprove- itada, ainda neste ano, de uma maneira ainda mais “high level” pela Condé Nast. Além de sua ousadia como editora de uma revista em tese sem conotação política, seu valor também está, claro, em sua presença feminina e negra numa época de recrudescimento de casos de racismo na sociedade americana e de revelações de assédios nas redações dos EUA. Ele faz investigações para a revista The New Yorker. Isso já seria suficiente para um invejável cartão de visita. Mas, mais que isso, ele concilia essa atividade banal no mundo jornalístico com trabalhos de investigação também para a TV. É algo como Caco Barcellos tocando o Profissão Repórter e ainda dando furos de reporta- gem na Piauí. Ah, mais um detalhe: Farrow tem apenas 29 anos. Ah, outro: ele ainda se apresentacomo ativista e advogado. A história de Farrow fora do jornalismo já é jornalística por si só: não se sabe se ele é filho de Woody Allen ou de Frank Sinatra. Fisicamente, nós do BRIO chutariamos Sinatra. É o palpite da mãe, inclusive, a atriz Mia Farrow, que foi casada com Sina- tra antes de se relacionar com o cineasta. Além disso, participou do governo de Barack Obama como conselheiro especial para assuntos humanitários relacionados ao Afeganistão e ao Paquistão e para assuntos globais ligados à juventude. Se, aos 29, ele já tem essa folha de serviços para mostrar, difícil imaginar que agora, entrando nos 30, ele passe em branco. Seu trabalho mais recente de maior repercussão foi sua participação central na revelação do escândalo do magnata do cinema nos Estados Unidos (portanto, mundial) Harvey Weinstein - forte doador do Partido Democrata. Num trabalho primoroso, ele não apenas con- seguiu relatos das vítimas, como revelou em detalhes como Weinstein colocou em operação um esquema para ocultar suas práticas de predador sexual. Numa era de ressurgimento do bom jornalismo de investigação nos Estados Unidos, Ronan Farrow definitivamente é alguém que, neste momento, está prepa- rando algo muito bom. Não confundir com Jack Bauer, da série 24 Horas, embora haja motivos razoáveis para isso, como mostraremos. Em todos os levantamentos que fizemos, não encontramos nos Estados Unidos nenhum jornalista especializado em métodos de infiltração. Esse tipo de práti- ca suscita bastante debates éticos, mas o resultado final é de extrema qualidade. Shane é repórter especial da Mother Jones, revista considerada de “esquer- da” nos Estados Unidos, mas focada em reportagens - algo inexistente no Brasil. Os trabalhos mais famosos, e premi- ados, de Bauer são do seu período de quatro meses vivendo como um agente penitenciário em uma prisão no estado da Louisiana, e de mais uma temporada infiltrado como paramilitar numa milícia pró-Donald Trump na Geórgia que tinha como hobby “caçar” mexicanos - isso an- tes de Trump virar presidente. Tudo isso virou reportagens longform, de leitura longa, mas recompensadora para quem gosta de jornalismo com J. Você pode achar trabalhos barra pesada, mas nada se compara ao fato de que o repórter ficou refém de forças iranianas durante mais de dois anos - e aí pra valer mesmo, não era truque para reportagem, embora o aprisionamento tenha resultado em um livro escrito junto com outros dois companheiros de cativeiro. Para este ano, Bauer está finalizando um livro sobre as penitenciárias privadas americanas e deverá trazer mais mate- riais inéditos e ousados para a Mother Jones, apostando num método que difi- cilmente Donald Trump terá condições de sequer começar a argumentar tratar-se de fake news. David era um repórter gente como a gente até que Donald Trump resolveu ser candidato a presidente do país mais poderoso do mun- do. Acostumado a coberturas mais locais, a eleição foi a primeira experiência mais, digamos, relevante de David. Ou seja, ele não tinha fontes estrategicamente posiciona- das. Mas isso vale para o modelo clássico de jornalismo. David driblou isso fazendo um dos usos mais espertos de redes sociais até hoje - ele usou seus seguidores como fonte e, a partir disso, coletou literalmente no braço ev- idências contra Trump e publicou alguns dos principais furos que abalaram a campanha do republicano - como brinde, faturou o Pulitzer do ano passado. Como num círculo virtuoso, agora ele tem mais acessos construídos e tende a seguir fazendo ótimos trabalhos. Se tem um assunto que volta e meia parece adormecido, mas que volta à tona com força literalmente mortal, é o terrorismo. E no jornalismo internacional há poucos que en- tendem mais do assunto, especialmente do braço islâmico, do que esta repórter romena do The New York Times. Ela foi contratada pelo jornal em 2014 para cobrir especifica- mente Al Qaeda e o extremismo islâmico. An- tes disso, foi correspondente da Associated Press na África, onde produziu reportagens não apenas sobre terrorismo, mas também sobre as questões sociais da região. Neste ano, seguirá como uma voz essencial para se captar os meandros de terroristas e seus seguidores. Um repórter que consegue acesso simultâ- neo ao narcotráfico mexicano e ao homem mais rico do mundo tem um valor a ser reconhecido. Um escritor de livros de não- ficção elogiadíssimos pela crítica e que, em paralelo, desenvolve também projetos inova- dores para a televisão e cinema. Esse é Diego, o repórter que você mais deve acompanhar na América Latina. Ele ainda nem completou 40 anos, mas já figura como um dos mais talentosos e multifacetados jornalistas da atualidade. É dele a biografia de Carlos Slim, que nós brasileiros conhecemos melhor como dono da NET, Claro e Embratel. Também escreveu livros sobre os arquirrivais Cartel de Sinaloa, do El Chapo, e os Zetas. Existe um universo sobre o qual pouco sabe- mos a fundo, mas que vivenciamos diaria- mente: as grandes empresas de tecnologia. Mas existe um repórter nos Estados Unidos que está bons passos à frente dos mortais que tentam captar o mundo real humano por trás das máquinas e algoritmos. Para tomar gosto pelo jornalismo “de negócios” de Nikc, sugerimos ler o livro “A eclosão do Twitter”, de preferência no original. Você estará lendo um thriller com as intrigas e disputas de poder entre os fundadores da plataforma - e que agora está sendo adaptado para a televisão. Um outro trabalho, mais recente, foi sobre os bastidores do site ilegal Silk Road, que comercializava drogas e armas na deep web. Esse está sendo preparado para o cinema pelos Irmãos Coen. Marty, como é mais conhecido, ganhou proeminência para fora do mundo jornalístico como o edi- tor-executivo do Boston Globe e responsável pela equipe Spotlight, do jornal, no filme ganhador do Oscar em 2016. Quando o filme foi lançado, ele já estava havia dois anos à frente do Washington Post. E é nesse posto que vale olhar com atenção para ele. O ‘Post’ é controlado por um visionário da tecnologia, Jeff Bezos, dono da Amazon, e Baron é seu represen- tante mais graduado. O jornal já vem experimentando editorial e tecnologicamente. Acompanhar Baron neste ano é seguir muito do que será inovador no jornalismo. Grande parte das iniciativas jor- nalísticas recentes mais interessantes da América Latina estão vindo do Peru. Em paralelo a isso, o país também tem ex- perimentado um salto econômico importante na região ao mesmo tempo em que vê as figuras mais poderosas do país envolvidas em um esquema de pagamento de propina via Odebrecht. No meio disso tudo, um site em especial se destaca: o Ojo Público, com reportagens ousadas tanto na forma quanto no conteúdo sobre os poderosos do país. Elizabeth está na equipe e é um dos maiores destaques investigativos da AL. Quer saber de escândalos capaz- es de derrubar Donald Trump? Acompanhe o trabalho de Eric e você terá grandes chances de ler algo que faça a Trump Tower tremer. É dele a reportagem que mostrou como os russos con- seguiram interferir nas eleições americanas. Os bastidores que ele conta mostram pelo menos duas coisas: o uso de um método de apuração para histórias de fôlego, com muitas e longas entrevis- tas, e a percepção de que outros trabalhos semelhantes virão. Entre suas fontes estão lobistas, empresários, políticos, e seu alvo principal é a administração Trump e suas relações privadas. FAÇA UMA CONTA rápida (mesmo se você for de humanas): qual a probabilidade de, em meio a uma crise econômica, um negócio de qualquer natureza ver sua receita crescer 40 vezes em três anos? Qual a probabilidade deisso acontecer no Brasil? Qual a probabilidade de acontecer com um negócio jornalístico? Pequena, certo? Ínfima, pode-se dizer. Mas não é a resposta que nos dá o Jota, uma das iniciativas jornalísticas brasileiras que mais cresceram nos últimos anos. No final de 2014, quatro meses após seu lançamento, o Jota fechou sua receita em R$ 150 mil. Ao final de 2017, a expec- tativa era de que esse valor alcançasse cerca de R$ 6 milhões. Em pouco mais de três anos, uma ideia se transformou em um negócio sustentável e lucrativo, que envolve quase 40 pessoas, entre jornalistas, administradores e especialistas em tecnologia de informação. O Jota nasceu de uma necessidade identificada por jornalistas que cobriam a área jurídica no país: os advogados queriam sa- ber mais sobre determinadas decisões ou assuntos relaciona- dos à Justiça, mas os veículos jornalísticos não abordavam os temas - ou não faziam as análises aprofundadas pelas quais essas pessoas tinham interesse. O Jota começa com uma conta de Twitter e em um mês é um site de notícias. Três anos depois, é um complexo sistema de publicações, reportagens, newsletters e projetos especiais, com espaço para branded content e eventos, financiado por planos de assinatura para pessoas físicas e jurídicas, que têm valores variáveis de acordo com a necessidade do leitor - e cliente. Tudo isso, mantendo o princípio de cobrir completamente os bastidores de julgamen- tos, votações e tendências jurídicas no país. Parte do sucesso do Jota vem do fato de que há uma pessoa experiente em negócios à frente da empresa, uma realidade diferente da que vivem outras iniciativas jornalísticas que surgem no Brasil. O engenheiro de telecomunicações Marc Sangarné é o CEO - e é ele quem gerencia os recursos e a estratégia de crescimento do Jota. Mas, por princípio, como ele mesmo diz, “ninguém acumula muito poder. Em questões de gestão, eu sou o único com a votação final, mas ao mes- mo tempo eu não ousaria dar minha opinião sobre qualquer conteúdo”. Integram essa equipe responsável pelas decisões os jornalistas Felipe Recondo, Felipe Seligman, Fernando Mello e Laura Diniz. Para 2018, a expectativa é manter o ritmo de crescimento como negócio, apostando sempre na assinatura como principal fonte de receita, já que o Jota não tem renda vinda de publicidade. As metas são definidas a curto, médio e longo prazos, mas sempre de olho nas necessidades dos clientes - e isso vale para lançamento de novos produtos dentro do menu que o Jota já oferece, por exemplo. Outro objetivo é continuar contratando profissionais em 2018 para todas as áreas da empresa, além de oportunizar crescimento para os que já integram a equipe - o Jota tem uma área de desenvolvi- mento para seus profissionais, liderada por Seligman. Jornalisticamente, a tendência é de que o conteúdo produzido pela empresa ganhe ainda mais espaço dentro da mídia nacional no próx- imo ano. Decisões jurídicas serão fundamentais no processo eleitoral por conta da operação Lava Jato e de todos os seus desdobramen- tos. Isso deve atrair para o Jota algum público que hoje não consome sua informação - um público que vai além dos advogados, juízes e outros interessados nas letras frias da lei -, principalmente vindo de redes sociais. A estratégia do veículo passa por segmentação e impulsionamento de conteúdo no Facebook, o que continuará a ser feito: “as opções de segmentação, aliadas à capacidade de atingir o público em todos os horários ativos, tornam a rede uma ferramenta poderosa e versátil”, diz Iago Bolívar, estrategista digital da empresa. Além disso, o Jota contratou em 2017 um profissional específico para atuar na área de jornalismo de dados e já trabalha em projetos nesse sentido, o que também aparecerá como aposta de conteúdo da empresa para o próximo ano. Se a polarização é a grande doença atual brasileira, como disse o professor Pablo Ortellado, sua causa certamente é a desinformação - e aí pode chamar de vírus, bactéria, fungo ou do que você quiser. O fato é que teremos um ano eleitoral pela frente, e a tendência é que tudo fique ainda mais extremo e, por enquanto, não encontramos um remédio certeiro para acabar com isso. Mas há algumas esperanças, e o Canal Meio se propõe a ser uma delas. Lançado em outubro de 2016, esse projeto tem como líderes Pedro Doria e Vitor Conceição, ambos com larga experiência no mercado digital e de jornalismo no Brasil. Ambos afirmam: o objetivo do Meio é solucionar a desinformação. O projeto surge a partir da crise do mercado jornalístico ainda em 2014 e vai se moldando à medida em que fenômenos culturais e sociais surgem baseados nos conceitos de bolhas de informação e polarização, como a eleição de Donald Trump e o Brexit. O Meio é uma startup de tecnologia, nativa digital, da qual surge um produto, a newsletter Meio. Ela é enviada de segunda a sexta por e-mail, no início da manhã, com uma curadoria cuja leitura, em teoria, deve demorar cerca de oito minutos - caso o leitor queira mais detalhes, pode olhar as matérias completas clicando nos links indicados. Toda a operação é feita por uma equipe de quatro pessoas, na qual estão incluídos os dois sócios. Embora nem o formato newsletter nem o conceito de curadoria sejam novos, o Meio se diferencia por aplicar alguns funda- mentos no seu negócio. Ser digital e trabalhar para um público digital é o principal deles. Não organizar os assuntos por edi- torias é outro. No Meio, há apenas macrotemas - Política, Viver, Cultura e Cotidiano Digital -, que, segundo os sócios, permitem uma cobertura mais coerente. Por último: ainda apostar na publicidade como principal fonte de receita (a empresa rece- beu aportes durante a fase de planejamento e estruturação, mas esses valores não são divulgados). “Nós acreditamos muito na relação entre jornalismo e publi- cidade na busca de públicos qualificados. Há uma relação de credibilidade aí, que tanto o veículo atribui à marca, quanto, cá entre nós, a marca atribui ao veículo quando o casamento funciona. É um ganho para ambos”, diz Doria. O Meio tem um outro diferencial interessante de se acom- panhar, que é a aposta no desenvolvimento de tecnologias próprias, com criação gradual de novos produtos. Esse planejamento não é público, mas uma amostra veio da estratégia de ‘member get member’ adotada pelo canal, o programa Pioneiros, que cria uma espécie de área VIP a partir de indicações do Meio que leitores fazem a seus amigos. Esse tipo de estratégia ainda é algo pouquíssimo utilizado pelo marketing dos veículos no Brasil, tanto os tradicionais como os independentes. Para 2018, a expectativa é de que o Meio consolide seu formato de rentabilização e se torne sustentável, já que o plano dos fundadores é manter a newsletter gratuita para os assinantes. Como produção jornalística, é preciso ficar de olho na ferramenta “Bolhas”, que identifica os links mais compartilhados pelos públicos ligados à esquerda e à direita no espectro político. Esse projeto foi lançado pelo Meio no final de 2017 e pode ser um bom indicativo de temas relevantes para abordagem durante o processo eleitoral. como negócio, apostando sempre na assinatura como principal Inspiração. Empoderamento. Rede de aprendizado. Mentoria. Tudo isso é princípio e realidade no Chicas Poderosas, a ONG liderada pela designer portuguesa Mariana Santos que pre- tende desenvolver iniciativas lideradas por mulheres. Fundada em 2013, depois da experiência de Mariana no The Guardian - onde ela era a única mulher na equipe de design de inovação -, a organização orienta iniciativas ligadas à produção de con- teúdo, não só jornalístico, e que contem com a tecnologia para chegar aos seus públicos-alvo. Mas também trabalha para diminuir a diferença entre homens e mulheres em posições de liderança eminiciativas digitais. A ideia inicial era criar uma rede de empoderamento que mostrasse às mulheres que elas são capazes de fazer aquilo em que acreditam e que também preparasse homens para aceitar essas ideias vindas delas. Ou seja: formar lideranças femininas e que tenham olhar feminino, independentemente do gênero. Desde o surgimento, a ONG já capacitou milhares de pessoas e segue presente, com embaixadoras e embaixa- dores, em 13 países, entre eles o Brasil. O Chicas oferece mentoria profissional e também ajuda suas integrantes nos processos de bolsas de estudos ao redor do mundo, para que elas possam aprender sobre liderança em diferentes lugares e ter experiências que auxiliem nos seus próprios negócios. “No Chicas não há uma pessoa que manda e outras que obedecem. A ideia é que seja um processo colab- orativo, uma rede social, com a diferença que as pessoas se conhecem pessoalmente e fazem projetos juntas. Queremos mudar a maneira como se pensa o mundo: tu podes porque tu queres, muitas das coisas só dependem de ti e da tua vontade”, explica Mariana. Embora pareça algo muito simples e, ao mesmo tempo, pouco tangível, o trabalho do Chicas Poderosas trata de algo funda- mental para a mulher nos meios jornalístico e empreendedor: a rede de suporte. Redações são ambientes com espaços de liderança ocupados, em sua maioria, por homens, assim como o campo do empreendedorismo. Ao mesmo tempo, é histórica a necessidade de que mulheres criem espaços para apoiarem e inspi- rarem umas às outras, já que a sociedade, em muitos momentos, impõe uma certa agressividade entre elas. Ao aproximar mulheres que podem indicar o caminho daquelas que precisam dessa orien- tação, o Chicas fortalece o jornalismo, e não apenas as mulheres. “Não podemos forçar ninguém a aumentar a sua ambição, mas as Chicas Poderosas inspiram, motivam e são uma rede, uma base de apoio para qualquer pessoa. Uma mulher ajuda outra mulher e juntas são mais poderosas”, diz Mariana. Por aqui, a iniciativa lidera um dos programas mais promissores desse próximo ano: o New Ventures Lab, uma espécie de incubadora de novos negócios digitais liderados por mulheres que vai durar 17 semanas. Dez projetos foram selecionados entre 42 inscritos, e há iniciativas de Brasil, Equador e Peru. Também para este ano, Mariana planeja um projeto colaborativo de checagem para o processo eleito- ral, com formato ainda a ser definido. Se você pensa que design é para móveis, carros e utensílios em geral ou que, no máximo, serve para decorar sua casa, senta aqui e vamos conversar um pouquinho. Você está en- ganado. E Nómada, da Guatemala, é uma prova disso. A revista digital fundada por Martín Rodríguez Pellecer em 2014 é um dos principais exemplos de iniciativa jornalística inovadora e bem sucedida da América Latina, porque alia conteúdo relevante em formato pensado de acordo com o impacto pretendido e modelo de negócio sustentável - e tudo isso está baseado no princípio de que “o design não é apenas estética, mas uma forma de ver o mundo”. A frase é da diretora-executiva de design de Nómada, a designer gráfica Lucía Menéndez. Ela é responsável por definir qual o melhor formato de apresentação das narrativas que a revista digital se dispõe a contar - em geral, ligadas ao tema dos direitos humanos. Nómada baseia seu trabalho em princípios como independência e transparência, comuns a outras organizações jornalísticas, mas também defende que seu trabalho seja guiado por valores filosóficos como otimismo e feminismo - algo bem inovador para quem está acostumado com a mídia brasileira. Quanto aos formatos, não há regra: podem ser conteúdos em texto, foto, vídeo, posts no Facebook ou mesmo um Stories no Instagram, mas o certo é que serão guiados pela estética e pela excelência, uma marca da equipe audiovisual de Nómada. E para comprovar que “bonitinho, mas ordinário” está muito longe de ser uma regra, a revista tem um forte compromisso com o jornalismo investigativo: teve papel importante na de- tenção do presidente guatemalteca por corrupção em 2015 e foi reconhecida entre os finalistas do tradicional Prêmio Gabriel García Marquez em 2017. Como modelo de negócio, mais um exemplo positivo: recente- mente, a revista criou uma espécie de agência, onde produz conteúdo para marcas, no qual imprime a qualidade já conhecida de seu trabalho em vídeo e em gráficos. Também abriu uma campanha de financiamento coletivo. Esses são alguns dos formatos de rentabilização do negócio jornalístico, que é sustentado, ainda, por eventos - de debates acadêmi- cos a feiras de rua e festas - e por uma sociedade anônima formada por 20 sócios. Um dos grandes destaques para observar neste ano é a evolução do projeto Volcanica, um espaço digital para se discutir feminismo na América Latina, idealizado por Nómada, mas gerenciado pela colom- biana Catalina Ruíz-Navarro, que vive no México. O feminismo aliás, é uma das bandeiras mais caras à revista digital e faz parte da defesa ferrenha feita por Pellecer de que o princípio de Nómada é levar informação a todas as pessoas, no melhor formato para elas - sem esquecer da parte lúdica e divertida da vida. “Acredito que esta vocação é um aprendizado, e creio que outro aprendizado é que a vida pode ser tentar mudar o mundo de segun- da a sexta-feira, e desfrutar a vida de sexta a domingo.” Em 2013, em um crowndfunding que durou apenas oito dias, o De Correspondent conseguiu arrecadar US$ 1,7 milhão para se colocar de pé na Holanda. Neste site, os jornalistas - 21 fixos e cerca de 75 freelancers - não escrevem sobre o que está acontecendo, mas sim sobre temas pelos quais se interessam. Eles compartilham com a rede de associados esses assun- tos e esperam que os leitores enviem perguntas, sugiram abordagens e contribuam para que a reportagem responda às dúvidas de quem se interessa por aquele tema. Pode soar es- tranho, mas é o melhor exemplo do sistema de financiamento por associação existente hoje. O princípio mais atrativo do De Correspondent é essa colabo- ração baseada em uma relação de confiança construída entre o veículo e os leitores. No lugar do apego ao factual entra a interação com os associados, que se torna parte do trabalho de quem escreve. “Transformamos esses leitores em leitores mais leais. Quando eles participam, isso leva a um vínculo mais forte entre o jor- nalista e o leitor”, explica o atual editor do De Correspondent, Ernst-Jan Pfauth. E no lugar dos anúncios, os valores pagos por quem é sócio do site e ajuda nessa tomada de decisões. Hoje, os cerca de 60 mil associados investem US$ 63 anuais para participar desse círculo de confiança. O modelo funciona no mercado holandês (que tem 17 milhões de pessoas) e, agora, tenta se expandir para o americano (com 325 milhões de pessoas), com o auxílio do professor Jay Rosen, da New York University, no The Membership Puzzle Project. Esse projeto vem mapeando a forma como os america- nos lidam com programas de associação de todo tipo e pesqui- sando como eles se adaptam a modelos de contribuição, as duas frentes necessárias para o sucesso do De Correspondent na Holanda. Além disso, tem estudado os pontos-chave do negócio holandês para replicá-lo nos Estados Unidos, o que deve acontecer neste ano, no The Correspondent. Os princípios editoriais da parte americana do projeto já foram compartilhados com o público, que também está sendo convidado a contribuir com dúvidas e considerações. Rosen é um dos professores mais respeitados no meio acadêmico ligado ao jornalismo americano e apoia a iniciativa do De Correspon- dent por crenças pessoais, segundo ele: “Porque eu acho que eles sabem o que estão fazendo. Porque eles têm as prioridades certas. Porque o jornalismo americano precisa se abrir para o exterior. Porquea produção de notícias de interesse público não pode ser bem sucedida sem a reprodução da confiança nas pessoas que estão criando essa notícia.” Será que ele estará certo? Não temos nenhum motivo para pensar que a propagação de notícias falsas será evitada de alguma forma durante as eleições deste ano no Brasil. Isso é uma das preocupações que tomam conta das redações e dos projetos jor- nalísticos que surgem no país neste momento, porque se sabe o quanto é difícil evitar que esse tipo de (má) informação circule e influencie o eleitorado em tempos de polarização extrema, como a que vivemos. Por isso é importante falar sobre o CrossCheck, o projeto apoiado pelo Google e pelo Facebook que foi fundamental no processo eleitoral francês no ano passado. O consórcio reuniu 37 redações da França e da Inglaterra que checavam infor- mações sugeridas pelos próprios eleitores - foram mais de 500 sugestões, 60 delas verificadas e publicadas em um site específico para a eleição. O objetivo era conferir se conteúdos que circulavam em redes sociais eram verdade. Boa parte deles não era. Por exemplo: em determinado momento, apareceu uma história sobre uma pesquisa feita pela esposa de Emmanuel Macron no Twitter que teria indicado uma preferência dos eleitores por Marine Le Pen. Equipes do CrossCheck verificaram que a imagem tinha sido fabricada. E assim fizeram com outras informações que surgiam todos os dias em buscas no Google ou no Facebook. O princípio do CrossCheck está ligado ao fact-checking - e exige que as próprias redações envolvidas chequem as informações umas das outras -, mas o projeto se difere um pouco das agências de checagem, que costumam trabalhar mais com declarações dos políticos ou documentos registrados por eles. O grande objetivo do CrossCheck é evitar a propagação dos boatos na internet, ou seja, aquela mensagem falsa que chega pelo grupo da família ou dos amigos pelo WhatsApp, ou que alguém compartilha e aparece na sua timeline no Facebook - a.k.a hoax. O monitoramento dessas histórias também é feito com ferramentas como NewsWhip, CrowndTangle e Google Trends, que permitem ver o que está sendo mais compartilhado em diferentes plataformas e redes sociais. Ainda que não saibamos exatamente as redações que estarão no CrossCheck brasileiro, já é certo que ele existirá. Reuniões têm acontecido com grandes veículos do país para que um trabalho semelhante seja desenvolvido por aqui a partir da metade do ano. A iniciativa brasileira também será comandada pelo First Draft, por meio da jornalista Claire Wardle, e conta com o apoio do Google e do Facebook. O irmão brasileiro do The Trust Project está em gestação. A iniciativa por aqui segue os passos da americana, um consórcio de 70 veículos jornalísticos que pretende combater as notícias falsas e as bolhas de informação. Para isso, usa estratégias e indicadores que norteiam a produção das notícias e que têm por objetivo diferenciar o jornalismo de credibilidade da grande quantidade de informação que circula nos meios digitais. Esses indicadores serão replicados no modelo brasileiro e já estão descritos no Manual da Credibilidade. O consórcio do Brasil tem cerca de 20 veículos jornalísticos, entre jornais, revis- tas, sites, agências de checagem e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Vai desde Folha de S.Paulo e O Globo até as revistas piauí e Nova Escola, passando por jornais locais, como Zero Hora e Gazeta do Povo, por sites como Nexo e Poder360 e pelas agências de checagem Lupa e Aos Fatos. O projeto tem discutido os protótipos para sua implementação, ou seja, as marcas visuais que esses publicadores usarão para mostrar que fazem parte desse consórcio e que seguem suas indicações em busca de uma informação mais qualificada. “Tornar a informação qualificada mais visível é a missão do Projeto Credibili- dade. Dessa forma nós acreditamos também estar contribuindo para a democ- racia”, diz a jornalista Angela Pimenta, presidente do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) e uma das coordenadoras do projeto. Além do Projor, a Unesp e a Universidade Santa Clara, dos Estados Unidos, que também lidera a versão americana, estão à frente do Projeto Credibilidade. O patrocínio é do Google. Defender a credibilidade do jornalismo é uma obrigação para qualquer pessoa que trabalhe com isso. A grande dúvida aqui é: até que ponto um consórcio com veículos escolhidos e que se intitulam realizadores do “jornalismo de credibilidade” contribui para a pluralidade da área? De que forma isso não se transforma em um monopólio? Como não prejudica iniciativas incipientes ou jornalistas em início de carreira? Esperamos que as respostas para essas perguntas sejam dadas conforme o projeto avança, o que vai acontecer neste ano. Também para se observar é a influência que essa certificação terá na cobertura do processo eleitoral nos veículos que integram o consórcio. Um botão pode salvar o jornalismo? Para os criadores do Libre a resposta para essa pergunta é sim. O Libre é uma ferramenta adaptável a qualquer site que permite que, com um clique, o leitor faça doações de valores a quem produz o conteúdo que ele acabou de consumir. Como leitor, é preciso fazer um cadastro e pagar um valor mensal, como uma as- sinatura. Mas essa assinatura não permite que você leia apenas um jornal, ou um site, ou uma revista. Com o valor pago, é possível consumir artigos de diferentes locais. Para quem produz conteúdo, o sistema pede um cadastro, pelo qual se acessa a plataforma e se recebe orientações para utilizar o Libre. A partir daí, os valores ganhos são destinados a quem escreve (ou fotografa, ou faz vídeo, ou usa de qualquer outro meio jornalístico digital para se comunicar), e é possível se cadastrar como veículo ou como jornalista. O Libre, diferentemente do Blendle, não faz curadoria nem coloca os conteúdos dentro de uma plataforma própria. Ele é um botão mesmo, inserido no sistema utilizado por quem publica o conteúdo. Isso tem uma vantagem: atrai o público para dentro do ambiente do produtor, o que incentiva a navegação dentro do próprio site, ainda que o sistema de pagamento não seja proprietário - a tendên- cia é de que um mesmo usuário consuma mais conteúdos em um determinado site em vez de ficar pipocando por conteúdos soltos que aparecem na timeline do Facebook, por exemplo. Em termos de métricas, isso aumenta o número de páginas consumidas por sessão, um indicativo importante de fidelidade do leitor. Para quem lê, a vantagem é bem simples: poder consumir conteúdo de vários locais com uma única assinatura. Porque por mais baratas que sejam as assi- naturas digitais dos grandes jornais (o que não é regra) e por menor que seja o valor que um leitor se disponibiliza a pagar (ou doar) para quem produz de forma independente, é chato ficar gerenciando tudo isso. Além do dinheiro, o Libre também entrega aos publicadores relatórios completos sobre os apoios recebidos. A intenção é criar novas métricas que permitam não olhar apenas para pageviews, likes e retuítes, mas sim criar uma relação mais próxima com quem lê. “Embora likes e compartilhamentos determinem a nova relevância, eles não criam uma relação direta entre audiência e retorno finan- ceiro”, explicam os coordenadores do projeto Bruno Torturra, do Estúdio Fluxo, Ariel Kogan, da Open Knowledge Brasil, e Thiago Rondon, da AppCivico. Ainda há pouquíssimos publicadores que utilizam o Libre e isso faz parte da estratégia da ferramenta. Mas a expectativa é de que em 2018 esse número cresça. A equipe já está recebendo pré-cadastros de jornalistas e de veículos e também está contatando redações vistas como potenciais clientes do Libre. O jornalismo se criou em meio a uma cultura de concorrência. Nenhum repórter gosta de levarum furo - por isso, e por outros motivos, além de estarmos sempre buscando informações inéditas e atualizadas, estamos sempre de olho no que os outros estão fazendo. A cultura da concorrência estimula um jornalismo melhor, mas, durante anos, impediu que outra cultura ganhasse espaço: a da colaboração. O Project Facet nasce justamente para facilitar que as redações trabalhem de forma colaborativa: é um painel de comunicação on-line, onde se pode agendar reuniões, compartilhar arquivos, acompanhar o fluxo de trabalho da equipe e editar conteúdos em conjunto. Quem idealizou isso foi a jornalista Heather Bryant. Ela desenvolve a ferramenta desde 2015, quando ganhou uma bolsa e investiu todo seu tempo pesquisando e conversando com pessoas sobre como trabalhar de forma colaborati- va no jornalismo. Heather trabalhava no Alasca, onde não há grandes redações. Isso, de certa forma, obrigava os veículos a trabalharem uns com os outros, já que era impossível que uma mesma equipe cobrisse todos os acontecimentos. Mas gerenciar as parcerias era difícil, ainda que utilizando e-mail, arquivos na nuvem ou mesmo ferramentas como Trello e Slack. Além da dificuldade histórica da colaboração, a tecnologia dificul- tava o processo, porque as ferramentas não se mostravam tão adequadas assim. Algumas redações se mostraram dispostas a testar uma versão beta, mas ainda há ajustes de segurança a serem feitos, segundo Heather. Ela também planeja transfor- mar o projeto em uma ONG para auxiliar os jornalistas nesse processo de trabalhar em parceria e seu foco é facilitar o trabalho para quem efetivamente precisa desen- volver e tirar proveito da cultura de colaboração. “Preferiria que mil pequenas redações pudessem colaborar facilmente a poder construir uma grande ferramenta para uma grande redação”, diz ela. Ainda que não esteja em uso, é possível especular formatos para os quais o Project Facet seria ideal. Investigações como os Panama Papers ou Paradise Papers, que envolvem muitas equipes de diferentes locais do mundo, seriam facilitadas em muito com uma ferramenta assim. Consórcios para coberturas específicas - eleições, por exemplo, já que estamos de olho em 2018 - também. A possibilidade de compartilhar arquivos e de editar conteúdos em parceria de forma simultânea seria uma mão na roda para quem estivesse produzindo esse conteúdo. Vem, Project Facet! Atire a primeira pedra quem nunca recorreu ao Medium para publicar um textão. Desde 2012, o publicador é utilizado por quem não tem um site próprio, mas quer falar pro mundo o que pensa mesmo assim. E deu certo. E é lucrativo. Mesmo sem espaço para propagandas, o Medium mantém equipes próprias e remunera autores para escreverem sobre determinados assuntos. E é possível achar de tudo lá: de jornalismo a medicina, de gastronomia a artesanato. No ano passado, a empresa anunciou que estava abrindo seu sistema de pay- wall para quem quisesse usar. A partir daí, qualquer um que use o Medium pode colocar uma barreira em seus artigos e cobrar pelo próximo clique. Mas vamos lá: a assinatura é para todo o sistema e não para ler os artigos de um único autor. Ela custa cerca de R$ 15 e permite acesso a tudo que é publicado e esteja sob esse paywall. O valor recebido por quem escreve é calculado sobre uma série de fatores (há o “aplauso”, por exemplo, algo como o like, um indicador utilizado pelo Medium para medir o quanto os usuários valorizam determinado conteúdo) e todas as publicações pelas quais os autores pretendem cobrar devem seguir diretrizes de conteúdo - não pode cobrar por artigos patrocinados, por exemplo, ou por cópias de conteúdos de outros portais. Ou seja: não é tão simples como pareceu em algum momento. Mas, como tudo, há o lado positivo: para quem se aventura na produção de conteú- do de forma independente, a facilidade de publicação do Medium é uma vantagem enorme, que parece virar um bom negócio aliada à possibilidade de cobrar por esse conteúdo. Só o fato de não precisar desenvolver um sistema de publicação (ainda que seja uma simples customização do Wordpress) já é um alento - e se você alguma vez já chegou nesse ponto no seu negócio, sabe bem do que falamos. O lado negativo: o Medium não tem uma base grande de assinantes. E restringir o seu conteúdo a essa base não parece algo atrativo. É claro que a empresa está trabalhando para que essa “carteira de clientes” cresça em 2018, a ponto de tor- nar o negócio sustentável. O principal objetivo, segundo os fundadores, é manter a plataforma sem a necessidade de publicidade, como sempre foi. Essa justificativa está muito próxima da utilizada pelos grandes jornais para estabelecer suas políticas de cobrança por conteúdo. Estaria o Medium seguindo o mesmo caminho? Para quem consome o conteúdo do Medium, a vantagem é ter mais publicações de qualidade para ler. Mas convenhamos: é mais uma conta - ainda que pequena - a se pagar. Quem previa 2017 um ano fértil para o jornalismo colabora- tivo não se decepcionou. Após experiências como a Election- land e os Panama Papers, outras iniciativas bem-sucedidas como o CrossCheck, os Paradise Papers, o Documenting Hate e o On The Ground trouxeram ainda mais inspiração para o trabalho em rede. No Brasil, vimos nascer o Festival 3i de jornalismo independente, resultado da construção coletiva entre oito veículos: BRIO, Nexo, Agência Pública, Lupa, Ponte, Nova Escola, Jota e Repórter Brasil. Essa mentalidade vai de encontro ao que as redações his- toricamente estão acostumadas, principalmente nos jornais: competir. A concorrência pela notícia em primeira mão e exclusiva, a contagem (e cobrança) interna nas redações dos furos dados e tomados e os painéis de flashes das agências de notícias disputando por milésimos simbolizam a mental- idade do “cada um por si”. Empresas jornalísticas não estão acostumadas a cooperar por coberturas e investigações. Parte disso tende a mudar - pelo menos no jornalismo menos tradicional. Além de gerar bônus nas forças de cada redação, a cooperação tapa buracos e fraquezas. Ela visa complementar os recursos de cada organização e maximizar o impacto do conteúdo produzido. Parcerias são ainda mais efetivas quando capazes de prover algo que não poderia ser feito sozinho, ou por apenas uma redação. Na América Latina, por exemplo, a rede formada por O Globo (Brasil), La Nación (Argentina), IDL-Reporteros (Peru), Arman- do.info (Venezuela), La Prensa (Panamá), Quinto Elemento Lab (México) e Sudestada (Uruguai) continua cobrindo a Lava Jato no continente de forma colaborativa. O modelo de consórcio jornalístico formado para investigar um tema específico tende a ser ampliar. Temos pela frente um “ano par” (megaeventos esportivos seguidos de eleições: terror e oportunidade para muitos jornalistas), um prato cheio para quem se dispuser a inovar em projetos que pos- sam ser executados coletivamente. Um recurso cada vez mais explorado pelos jornalistas no mundo todo, mas ainda pouco compreendido por boa parte dos comandos das redações no Brasil. Se por um lado tive- mos ótimos exemplos recentes de números apresentados com criatividade, como nos gráficos da música brasileira da Folha ou no mapeamento dos roubos de celular em São Paulo do Estadão, por outro, muito conteúdo rudimentar continua a ser produzido. Mas pode ser que a disposição para integrar mais dados ao texto acabe tropeçando na mentalidade do impresso ainda relutante em se desligar das redações. Eventualmente infografias mais avançadas tornam complicado algo que pode ser contado com uma visualização estática. “Quando isso acontece, vejo uma prevalência do design sobre a narrativa jornalística”, diz Fábio Vasconcellos, um dos jornalistas por trás do interativo Mapa das Coligações, publicado pelo O Globo em 2016.Numa época em que tempo e recurso são escassos, é preciso dosar os esforços. Às vezes, os gráficos em pizza servem bem, sim. O Nexo entendeu que muitas histórias precisam ser dis- cutidas e trabalhadas também com os próprios designers e desenvolvedores, que representam cerca de metade de sua equipe. A página inicial do site do veículo revela por si o apreço pela infografia. Não à toa, foi o vencedor do Online Journalism Awards 2017 na categoria “excelência geral em jornalismo on-line – pequenas redações”. Algumas equipes ainda não conseguiram assimilar a diferença de uma reportagem com dados de uma reportagem de dados. “Parece algo simples, mas é uma mudança de 180 graus”, diz Vasconcellos. “Quando isso for compreendido, vão perceber o valor e o peso do jornalismo de dados não para mobilizar audiências massivas, mas para qualificar a sua marca, atrair leitores que de fato estão ou estarão dispostos a pagar pela assinatura do veículo.” Com as redações enxutas e jornalistas tendo que desem- penhar multifunções, automatizar processos que ninguém quer executar repetidamente não é mais um diferencial - é quase um imperativo. Em vez de pesquisar diariamente na internet sobre qualquer assunto, por que não programar o Google Alerts para te mandar um e-mail sempre que o determinado termo for citado por aí? Ou otimizar buscas e interligar diferentes aplicativos com um único clique no Pluga, Zapier ou IFTTT? Existem até mesmo recursos no Twitter para te mandar notificações logo que um perfil selecionado tuitar qualquer coisa. Parece exagerado? Bem, isso talvez seja o suficiente para render um furo. Com tantas fontes de informação disponíveis e pouco tempo para vasculhá-las diariamente, programar robôs é capaz de “aumentar as horas” do seu dia. Até mesmo repórteres mais analógicos podem encontrar suas próprias pautas sem muita familiaridade com o meio digital. Hoje em dia, existem muitas possibilidades de automatização sem precisar escrever uma única linha de código. Organização e planejamento, os melhores amigos da entrega no prazo, podem igualmente ser aprimorados por meio de plataformas como Slack, Asana e Trello. Além de permitirem uma ótima visualização do andamento das suas tarefas e serem capazes de se alimentar automati- camente com outros tipos de conteúdo, são próprios para a cooperação, integrando incumbências de toda uma equipe. O quadro de post-its no meio da redação respira por aparelhos. A tendência tem sido delegar a robôs tudo o que pode ser feito por eles. E essa gama de atividades-meio “tercei- rizáveis” se amplia na medida em que novos softwares são incorporados à rotina jornalística. Além de possibilitar fazer mais e melhor em menos tempo, automatizar funções abre espaço para que jornalistas se dediquem às tarefas mais interessantes e importantes para as quais nós, por enquanto (ufa), somos insubstituíveis. Diversificar as receitas: solução ou sintoma? Para alguns, uma decisão estratégica para escapar da crise do jornalismo. Para outros, uma experimentação preventiva em busca de novos caminhos. O fato é que depender so- mente da publicidade para o próprio financiamento parece ter ficado para trás, proativamente ou não. Em 2015, pela primeira vez na história, as receitas dos jornais no mundo vieram mais da circulação do que da publicidade, de acordo com relatório da Associação Mundial de Jornais e Publishers de Jornais. E segundo o estudo “Ponte de inflexão”, publicado pela SembraMedia em 2017, dois terços dos veículos digitais na América Latina geram receitas através de três fontes pelo menos. Eventos, crowdfunding, treinamentos, assinaturas, consultorias e outros tipos de soluções financeiras são cada vez mais presentes. Seja no papel ou na internet, os veículos depen- dem cada vez menos de exposições de outras marcas. Existem exemplos de mídias bem sucedidas com ou sem publicidade, mas os esforços parecem convergir para a ampliação de fontes de financiamento. O americano Blendle, por exemplo, cujo slogan é “sem paywall, sem publicidade, apenas histórias que você vai amar”, apostou na curadoria personalizada de conteúdo e tem tido êxito. O Jota e o Poder 360, com newsletters pagas e cobertura sob demanda, idem. Um desses esforços passa pela mudança na mentalidade das pessoas sobre conteúdo pago, possivelmente surgida com o acesso gratuito a todo tipo de material na internet. A adesão quase geral dos veículos jornalísticos ao sistema de paywall enfrentou a irritação dos leitores virtuais, mas a resistência parece estar se amenizando. A métrica de sucesso se deslocou da mera audiência, que era o atrativo maior para a publicidade, para a audiência cativa, que tem na credibilidade o cerne de sua relação com o veículo. Para tal, cliques não serão mais suficientes, e sim o engajamen- to e a confiança que cada jornal conseguirá criar no leitor. Você talvez nunca tenha pensado seriamente em iniciar um projeto próprio (ou com outras pes- soas). Mas você certamente, seja como freelanc- er ou como funcionário de um veículo de comuni- cação, já pensou, ainda que sem ter dividido isso com ninguém, em algo que o jornal, revista, site, televisão, rádio que você trabalha seja melhor. Em um outro cenário, a plena execução disso passa por um processo de design. E, não importa sua posição hoje na profissão, dominar design de produto é algo absolutamente negligenciado pelas faculdades de jornalismo, mas essenciais para você conseguir dar um passo autônomo num mercado em crise. É natural, diante da ausência do design no dia a dia do jornalista clássico, que você imagine que tem a ver com saber desenhar, diagramar e out- ras ações gráficas. Sente-se que lá vem bomba: não precisa de nada disso. Design, de uma forma geral, é um método para solucionar problemas. Claro que, para solucionar um problema, é possível que em algum momento você tenha a necessidade de uma intervenção visual/ gráfica. O que é melhor para a comunicação humana? Um tijolão ou um iPhone de última geração? De qualquer forma, antes disso - mesmo no caso do iPhone - vem todo um processo de pensamento que é fundamental para você construir o melhor produto pos- sível considerando aquilo que é a ‘dor’ do seu público - e também, claro, a viabilidade operacional e financeira da sua ideia. Um produto ou serviço é aquilo que resolve algum prob- lema específico de quem o consome. Dominar o processo de design de produto (ou serviço) é reduzir dramatica- mente o risco de você fazer algo que soa muito bem aos seus ouvidos e de outros conhecidos, mas que fracassa ao chegar ao público que efetivamente deveria consumi-lo. Em termos práticos, fique com o seguinte exercício para este ano: como o conteúdo jornalístico que você consome (vendo, lendo ou ouvindo) pode- ria ser entregue de forma mais efetiva e gerando receita para quem o produz? Você deve ter ouvido esse termo em algum momento em 2017. Provavelmente, você não entendeu nada. Se deu uma pesquisada a respeito, deve ter saído ainda mais confuso. Realmente, blockchain não é algo simples, mesmo para quem é da área de programação. Mas saber do que se trata será essencial para os próximos anos, conforme 11 em cada 10 previsões de experts em tecnologia. Falou em tecnologia, falou em jornalismo (ou ao menos deveria ser assim...). Blockchain hoje é associada a bitcoin, a criptomoeda que está, neste janeiro em que escrevemos este texto, sendo negociada a preço de diamantes. Mas, além de a bitcoin ser apenas uma das tantas criptomoedas existentes e de eventualmente ser uma bolha a ser estourada em breve, o sistema de blockchain veio pra ficar. Cedo ou tarde, o jornalismo vai mergulhar nisso. Alguns já estão de escafandro (veja abaixo), mas muitos ainda nem sabem do quese trata. Se você vê valor no jornalismo colabo- rativo ou no potencial de iniciativas independentes como produtoras de conteúdo original... bem, dá uma analisada no potencial do blockchain para o jornalismo. Pra resumir. Blockchain é uma cadeia de blocos (oooh) extemamente segura. Cada bloco é composto por infor- mações. Qualquer alteração, por mínima que seja, afeta todos os outros blocos da cadeia. E essa sequência de blocos pode, em tese, ser infinita. Abstrato demais, sabemos. As referências ao lado vão ajudar a você entender de vez o que diabos é isso. Mas, em termos mais práticos para o jornalismo, imagine uma reportagem produzida a 300 mãos, em cinco continentes. Com blockchain envolvido, isso é possível sem ser nec- essariamente um pesadelo. Ao eliminar intermediários, também torna-se mais viável para iniciativas inde- pendentes estabelecerem relações mais diretas com seus públicos. Não se preocupe se você não sabe programar. Neste momento, 2018, o essencial é você captar o conceito e ser capaz de fazer o design de produtos que even- tualmente explorem essa tecnologia. A aprovação da reforma trabalhista gerou barulho, mas o problema prático começou apenas em novem- bro passado. Ou seja, ainda há muito o que ser acompanhado em relação aos abusos (ou eventualmente a simples aplicação do que agora virou lei) na relação entre patrões e empregados. No fim de 2017, já vieram à tona casos em- blemáticos de demissões em massa e decisões na Justiça trabalhista que obrigaram ex-empregados a pagarem uma fortuna porque perderam a ação que moveram contra seus ex-patrões. Monitorar o mercado de trabalho e os novos processos trabalhistas será garantia de pauta boa. A Lava Jato desacelerou, ao menos a parte policial da operação. Agora o jogo é na Justiça. E ali, com exceção da primeira instância, o ritmo é lento. O STF já mandou arquivar parte das denúncias oferecidas contra autoridades e a Turma que analisa os recursos está pendendo para o lado mais “garantista”. Há movimen- tos contra delações pre- miadas e chance altíssima de o STF rever sua decisão de autorizar execução de pena após condenação em segunda instância. Pode ser a hora de cobrir o enterro da operação. O grande acontecimento do ano no Brasil são, claro, as eleições. Desde 1989, a disputa nunca esteve tão aberta. É impossível, no começo deste ano, cravar quem será candidato a presidente. E ainda tem as disputas estaduais. A sociedade está polarizada e naturalmente a disputa eleitoral irá aprofundar isso. As oportunidades mais ricas de pauta estão relacionadas, além de in- vestigação sobre os candi- datos, a entender o eleitor brasileiro. Isso vai envolver ir para as ruas com colete à prova de preconceitos. Como se diz por aí, a direita saiu do armário. O discurso conservador ganhou força, com respaldo em uma parcela grande da sociedade. Além de Jair Bolsonaro, que tende a capi- talizar eleitoralmente boa parte desse sentimento, há também os movimentos surgidos a partir de 2013, com pregação contra o PT, mas que estão conquistando espaço no Legislativo e no poder de uma forma geral. Este ano será ainda mais importante acompanhar o avanço (ou estagnação) do MBL. Em paralelo a isso, há também outros mov- imentos de renovação política - via de regra mais progressistas - que também serão colocados a prova neste ano. Entender o que esses atores pretendem é obrigação do jornalismo. O Supremo Tribunal Federal tem mais um ano de decisões importantes pela frente. A atual presidente da corte, Cár- men Lúcia, já deixou claro que vai privilegiar o julgamento de temas que tenham impacto social. Na lista está a decisão sobre eventual descriminal- ização do aborto no país. O caso está em fase avançada e tem grandes chances de ir a julgamento neste ano. A ex- pansão dos direitos da mulher segue sendo uma questão em aberta, em paralelo ao avanço de uma onda conservadora. A descriminalização das drogas. Embora o julgamento tenha começado, o caso foi parali- sado por pedido de vista de um ministro que é declarada- mente contra a liberação. A velocidade com que você baixou este Anuário no seu computador pode se tornar mais lenta em breve - ou, caso queira mantê-la, terá de pagar mais por isso. Aprovada recentemente nos Estados Unidos, o fim da chamada neutralidade da rede é assunto altamente delicado e pode ter impacto inclusive sobre o consumo de jornalismo nas redes. No Brasil, embora o gover- no diga ser politicamente contra mudança de regras de cobrança pelo acesso à internet, as operadoras já avisaram que usarão o caso americano como precedente. E já se foram quatro anos desde o 7 x 1. O Brasil volta confiante à Copa do Mundo, e ainda lidando com os resultados de devassas recentes aplicadas pela polícia na CBF, na Fifa e no mundo do futebol em geral. Ainda tem água por rolar, mas os jornalistas que cobrirão o Mundial têm o dever de olhar não apenas para o campo, mas também para o que segue acontecendo fora dele. O business do futebol segue gerando muito dinheiro e, no mundo de hoje, não dá para ignorar que a seleção é brasileira, mas é da CBF. Que o Brasil é um país violento, isso é aula de “brasilidade 101”. Mas estamos acompanhando, sem saber o que fazer a res- peito, um crescimento do crime organizado. Não que estejamos perto de uma cartelização a la México, mas o cenário é sombrio de qualquer maneira. A violência dentro de presídios é apenas a ponta ‘confortável’ para quem está de fora, mas ela esconde uma guerra ainda sem fim previsto entre PCC e Comando Vermelho, com avanços por Estados antes menos confla- grados. No Rio de Janeiro e São Paulo, então, nem se fala. É necessário que os jornalistas passem a tentar com mais afinco examinar a economia do crime e entender a linha e cadeia de comando dessas facções.
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