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Cultura Bronislau Malinowski

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CULTURA1 
Bronislaw Malinowski2 
O homem varia em dois aspectos: na forma física e na herança social ou 
cultura. A ciência da antropologia física, utilizando-se de um complexo aparato de 
definições, descrições, termos especializados e métodos mais precisos do que o sentido 
comum e a observação não disciplinada, conseguiu catalogar, com sucesso, segundo a 
estrutura física e as características fisiológicas, diversas variedades da espécie humana. 
Mas o homem varia também em um aspecto completamente diferente. Uma criança 
negra, de raça pura, transportada para a França e educada lá, vai se diferenciar 
profundamente daquilo que teria sido se fosse educada na selva de sua terra natal. Teria 
recebido uma herança social diferente: uma língua diferente, hábitos, idéias e crenças 
diferentes; teria sido inserida em uma organização social e em um quadro cultural 
diferentes. Essa herança social é um conceito chave da antropologia cultural, o outro 
ramo do estudo comparado do homem. É comumente chamada de cultura na antropologia 
moderna e nas ciências sociais. A palavra cultura é usada, às vezes, como sinônimo de 
civilização, mas é melhor empregar os dois termos de modo diferente, reservando 
civilização para designar um aspecto especial das culturas mais avançadas. A cultura 
compreende artefatos, bens, procedimentos técnicos, idéias, hábitos e valores herdados. A 
organização social não pode ser realmente entendida a não ser como uma parte da 
cultura; e todas as linhas especializadas de investigação sobre as atividades, os 
agrupamentos e as idéias e crenças humanas se fertilizam umas as outras no estudo 
comparado das culturas. 
O homem, para conseguir viver, altera continuadamente seu meio 
ambiente. Em todos os pontos de contato com o mundo exterior, cria um meio ambiente 
secundário, artificial. Faz casas ou constrói refúgios; prepara seus alimentos de modo 
mais ou menos elaborado, conseguindo-os por meio de armas e ferramentas; faz estradas 
e utiliza meios de transporte. Se o homem tivesse de confiar exclusivamente no seu 
equipamento anatômico, seria logo destruído ou pereceria de fome ou na intempérie. A 
defesa, a alimentação, o deslocamento no espaço, todas as necessidades fisiológicas e 
espirituais são satisfeitas indiretamente por meio de artefatos, inclusive nas formas mais 
primitivas da vida humana. O homem natural, o Naturmensch, não existe. 
Esses aparelhamentos materiais do homem - seus artefatos, seus edifícios, 
suas embarcações, suas ferramentas e armas, a parafernália litúrgica de sua magia e de 
sua religião - são os aspectos mais evidentes e tangíveis da cultura. Definem o seu nível e 
constituem a sua eficácia. O equipamento material da cultura, no entanto, não é uma 
força em si mesmo. O conhecimento é necessário para fabricação, manejo e utilização de 
artefatos, ferramentas, armas e outras construções e se relaciona essencialmente com a 
disciplina mental e moral, da qual a religião, as leis e as regras éticas são a fonte última. 
O manejo e a posse de bens implicam também uma apreciação de seu valor. A 
manipulação de ferramentas e o consumo de bens requerem igualmente cooperação. O 
trabalho comum e o uso coletivo de seus resultados se baseiam sempre em um tipo 
definido de organização social. Por isso, a cultura material precisa de um complemento 
menos simples, menos fácil de catalogar ou analisar, que consiste na massa de 
conhecimentos intelectuais, no sistema de valores morais, espirituais e econômicos, na 
 2 
organização social e na linguagem. A cultura material é por outro lado, um aparato 
indispensável para o modelamento ou condicionamento de cada nova geração de seres 
humanos. O meio ambiente secundário, o aparelhamento da cultura material, é um 
laboratório no qual se formam os reflexos, os impulsos e as tendências emocionais do 
organismo. As mãos, os braços, as pernas e os olhos são ajustados pelo uso das 
ferramentas às habilidades técnicas apropriadas necessárias em uma cultura. Os processos 
nervosos são modificados de forma a se ajustarem ao conjunto completo de conceitos 
intelectuais, tipos emocionais e sentimentos que formam o corpo da ciência, religião e 
moral predominantes em uma comunidade. Como contrapartida importante desses 
processos mentais se produzem modificações na laringe e na língua que fixam alguns dos 
conceitos e valores cruciais associando-os com sons definidos. Artefatos e hábitos são 
igualmente indispensáveis e se produzem e se determinam mutuamente uns aos outros. 
A linguagem é muitas vezes considerada como algo diferente tanto dos 
bens materiais do homem como de seu sistema de costumes. Essa concepção está 
freqüentemente associada a uma teoria segundo a qual o significado é considerado como 
um conteúdo místico da palavra, que pode ser transmitido de um entendimento a outro 
mediante a elocução. O significado de uma palavra não está, porém, misteriosamente 
contido nela mas é antes o efeito ativo do som pronunciado no contexto de uma situação. 
A elocução de um som é um ato significante indispensável em todas as formas pactuadas 
de ação humana. É um tipo de comportamento estritamente comparável ao uso de uma 
ferramenta, ao manejo de uma arma, à execução de um ritual ou ao fechamento de um 
contrato. A utilização de palavras em todas essas formas de atividade humana é o 
correlato indispensável do comportamento manual e corporal. O significado das palavras 
consiste naquilo que conseguem pela ação convencionada, a manipulação indireta do 
meio ambiente mediante a ação direta sobre outros organismos. A língua é portanto, um 
hábito corporal e é comparável a qualquer outro tipo de costume. A aprendizagem da 
língua consiste no desenvolvimento de um sistema de reflexos condicionados que se 
transformam ao mesmo tempo em estímulos condicionados. A língua é a produção de 
sons articulados, desenvolvidos na infância a partir de elocuções infantis desarticuladas 
que constituem o principal dom das crianças no relacionamento com o seu meio 
ambiente. Conforme cresce o indivíduo, o aumento de seu conhecimento lingüístico corre 
paralelamente com o seu desenvolvimento geral. O conhecimento crescente dos 
procedimentos técnicos se liga com a aprendizagem dos termos técnicos; o 
desenvolvimento da cidadania tribal e da responsabilidade social vem acompanhado da 
aquisição do vocabulário sociológico e da fala educada, dos enunciados imperativos e da 
fraseologia legal; a experiência crescente dos valores religiosos e morais está associada 
com o desenvolvimento de fórmulas rituais e éticas. O conhecimento completo da 
linguagem é o correlato inevitável da completa aquisição de um status tribal e cultural. A 
linguagem, portanto, é parte integrante da cultura; não é entretanto, um sistema de 
ferramentas, mas antes um corpo de costumes vocais. 
A organização social é muitas vezes considerada pelos sociólogos como 
exterior à cultura, mas a organização dos grupos sociais é uma combinação complexa de 
equipamento material e de costumes corporais que não podem ser separada de seu 
substrato nem material nem psicológico. A organização social é a maneira estandardizada 
pela qual os grupos agem. Mas um grupo social consta sempre de indivíduos. A criança, 
ligada a seus pais pela satisfação de todas as suas necessidades, cresce dentro do abrigo 
 3 
da casa, da choça ou da tenda paterna. A lareira doméstica é o centro em torno do qual se 
satisfazem as diferentes necessidades de calor, comodidade, alimento e companhia. Mais 
tarde, em todas as sociedades humanas, a vida comunitária está associada com o 
assentamento local, a cidade, a aldeia, o conglomerado; está localizada dentro de limites 
definidos e relacionada com atividades públicas eprivadas de natureza econômica, 
política e religiosa. Portanto, em toda atividade organizada, os seres humanos se 
encontram unidos entre si por meio de sua conexão com um determinado setor do meio 
ambiente, por sua associação com um refúgio comum e pelo fato de que executarem 
certas tarefas em comum. O caráter convencional de seu comportamento é o resultado de 
regras sociais, quer dizer, de costumes, ou sancionados por medidas explícitas ou 
funcionando de forma aparentemente automática. As regras sancionadas - leis, costumes 
e maneiras - pertencem à categoria dos hábitos corporais adquiridos. A essência dos 
valores morais, pelos quais o homem é orientado para um comportamento definido 
mediante compulsão interna, tem sido atribuía, no pensamento religioso e metafísico, à 
consciência, à vontade de Deus ou a um imperativo categórico inato; ao passo que alguns 
sociólogos a tem explicado como devido a um ser supremo moral: a sociedade ou a alma 
coletiva. A motivação moral, considerada empiricamente, consiste em uma disposição do 
sistema nervoso e de todo o organismo para seguir, dentro de determinadas 
circunstâncias, uma linha de comportamento ditada por uma compulsão interior que não 
se deve a impulsos inatos nem muito menos a vantagens ou benefícios evidentes. A 
compulsão interior é o resultado do treinamento gradual do organismo em um conjunto 
definido de condições culturais. Os impulsos, desejos e idéias, dentro de cada sociedade, 
estão fundidos em sistemas específicos, chamados sentimentos na psicologia. Tais 
sentimentos determinam as atitudes de um homem para com os membros de seu grupo, 
sobretudo para com seus parentes mais próximos; para com os objetos materiais de seu 
meio ambiente; para com o país em que habita; para com a comunidade com a qual 
trabalha, para com as realidades de sua Weltanschauung mágica, religiosa ou metafísica. 
Os valores ou sentimentos formados condicionam de tal forma o comportamento humano 
que o indivíduo prefere a morte à renúncia ou compromisso, a dor ao prazer, a privação à 
satisfação do desejo. A formação dos sentimentos e, portanto, dos valores, está sempre 
fundamentada no aparato cultural de uma sociedade. Os sentimentos são formados no 
decorrer de um longo período de tempo e mediante um treinamento ou condicionamento 
muito lento do organismo. Estão baseados em formas de organização, muitas vezes de 
âmbito mundial, tais como a Igreja Cristã, a comunidade Islâmica, o império, a bandeira - 
todos símbolos ou lemas atrás dos quais se escondem, não obstante, realidades culturais 
grandes e vivas. 
A intelecção da cultura deve ser procurada no processo de sua produção 
por sucessivas gerações e na forma pela qual produz, em cada nova geração, o organismo 
adequadamente modelado. Os conceitos metafísicos de pensamento de grupo, de 
consciência ou percepção coletiva, são devidos a uma aparente antinomia da realidade 
sociológica: por um lado, a natureza psicológica da cultura humana e, por outro, o fato de 
a cultura transcender o indivíduo. Solução enganosa dessa antinomia é a teoria de que as 
mentes humanas se combinam ou se integram para formarem um ser supra-individual e, 
com certeza, espiritual na sua essência. A teoria de Durkheim, da coação moral pela 
influência direta do ser social, as teorias baseadas no inconsciente coletivo e no arquétipo 
da cultura, conceitos tais como a consciência de grupo ou a inevitabilidade da imitação 
 4 
coletiva, respondem pela natureza psicológica e ao mesmo tempo supra-individual da 
realidade social, introduzindo significados teóricos metafísicos. 
A natureza psicológica da realidade social, entretanto, é devida ao fato de 
que seu veículo transmissor último é sempre a mente ou o sistema nervoso individual. Os 
elementos coletivos são devidos à identidade das reações no interior dos pequenos 
grupos, que atuam como unidades de organização social mediante o processo de 
condicionamento, e ao instrumento da cultura material, no interior do qual se situa o 
condicionamento. Os pequenos grupos, que atuam como unidades por causa de sua 
identidade mental, são depois integrados em esquemas mais amplos da organização social 
mediante os princípios da distribuição territorial, da cooperação e divisão em estratos de 
cultura material. Dessa forma, a realidade do supra-individual se encontra na massa da 
cultura material que permanece fora de qualquer indivíduo e sem dúvida o influencia de 
modo físico comum. Portanto, não há nada de místico no fato de que a cultura é ao 
mesmo tempo psicológica e coletiva. 
A cultura é uma realidade sui generis e deve ser estudada como tal. Estão 
equivocadas as diferentes escolas de sociologia que tratam o tema da cultura mediante o 
símile orgânico ou do mesmo modo como uma mente coletiva. A cultura é uma unidade 
bem organizada dividida em dois aspectos fundamentais - uma massa de artefatos e um 
sistema de costumes - e também obviamente em outras subdivisões ou unidades. A 
análise da cultura em seus elementos componentes, a relação desses elementos entre si e 
as suas relações com as necessidades do organismo humano, com o meio ambiente e com 
os fins humanos universalmente reconhecidos, a que servem, constituem importantes 
problemas da antropologia. 
A antropologia tem abordado seu objeto com dois métodos diferentes, 
determinados por duas concepções incompatíveis sobre o desenvolvimento e a história da 
cultura. A escola evolucionista tem encarado o crescimento da cultura como uma série de 
metamorfoses espontâneas que procede de acordo com leis definidas e produz uma 
seqüência fixa de etapas sucessivas. Essa escola deu como certa a divisibilidade da 
cultura em elementos simples e se ocupou desses elementos como se fossem unidades da 
mesma ordem; apresentou teorias sobre o desenvolvimento do processo de fazer fogo 
lado a lado de explicações do modo como se desenvolveu a religião, hipóteses da origem 
e evolução do matrimônio e ensinamentos sobre o desenvolvimento da cerâmica. 
Formularam-se estágios do desenvolvimento econômico e etapas na evolução dos 
animais domésticos, dos instrumentos de corte e do desenho ornamental. E no entanto é 
certo que a família, o casamento ou as crenças religiosas não estão sujeitas a 
metamorfoses simples e dramáticas, embora alguns utensílios tenham mudado, passado 
por uma seqüência de etapas e obedecido a leis evolutivas mais ou menos definidas. As 
instituições básicas da cultura humana mudaram não por meio de transformações 
espetaculares, mas antes por meio de uma crescente diferenciação da forma de acordo 
com uma função cada vez mais definida. Antes de se compreender e descrever mais 
amplamente a natureza dos diferentes fenômenos culturais, suas funções e suas formas, 
parece prematuro especular sobre possíveis origens e estágios. Os conceitos de origens, 
estágios, leis de desenvolvimento e crescimento da cultura sempre foram nebulosos e 
essencialmente não empíricos. O método da antropologia evolucionista se baseava 
fundamentalmente no conceito de sobrevivência, posto que permitia ao estudioso 
 5 
reconstruir os estágios passados a partir das condições dos dias presentes. O conceito de 
sobrevivência, entretanto, supõe que um arranjo cultural possa sobreviver à sua função. 
Quanto melhor se conhece um determinado tipo de cultura, menos sobrevivências parece 
haver nela. Uma investigação evolucionista deve ser precedida, portanto, de uma análise 
funcional da cultura. 
A mesma crítica vale para a escola histórica ou difusionista, que tenta 
reconstruir a história das culturas humanas seguindo principalmente as pistas de suas 
difusões. Essa escola nega a importância da evolução espontânea e sustenta que as 
culturas foramcriadas, principalmente, a partir da imitação ou do empréstimo de artefatos 
e costumes. O método da escola consiste em um mapeamento cuidadoso das semelhanças 
culturais em grandes partes do globo e em reconstruções especulativas de como unidades 
semelhantes de cultura migraram de um lugar para outro. As disputas dos antropólogos 
históricos (pois há pouco consenso entre Elliot Smith, F. Boas; W. J. Perry e o Padre 
Schmith; Clark Wissler e Graebner; ou Frobenius e Rivers) referem-se principalmente a 
problemas como onde se originou um tipo de cultura, por onde se difundiu e como se 
difundiu. As diferenças se devem, basicamente, ao modo pelo qual cada escola concebe, 
de um lado, a divisão da cultura em suas partes componentes e, de outro, o processo de 
difusão. Esse processo tem sido muito pouco estudado nas suas manifestações atuais e é 
somente a partir de um estudo empírico da difusão contemporânea que pode ser 
encontrada uma resposta para sua história passada. O método de dividir a cultura em suas 
unidades componentes, que por suposto se difundem depois, é menos satisfatório ainda. 
Os conceitos de traços culturais, complexos de traços e de Kulturkomplexe se aplicam 
indiscriminadamente a utensílios ou ferramentas simples, tais como o boomerang, o arco 
ou os paus de fazer fogo, ou a características vagas da cultura material, como a 
megaliticidade, a sugestionabilidade sexual da concha de cauri ou certos detalhes de 
forma objetiva. A agricultura, o culto da fertilidade e os grandes princípios, embora 
vagos, de agrupamento social, tais como a organização dual, o sistema de clãs ou um tipo 
de culto religioso, são considerados traços únicos, quer dizer, unidades de difusão. Mas a 
cultura não pode ser considerada como um conglomerado fortuito de tais traços. Apenas 
elementos da mesma ordem podem ser tratados como unidades idênticas de coisas; 
apenas elementos compatíveis compõem um todo homogêneo. Detalhes insignificantes 
da cultura material, por um lado, instituições sociais e valores culturais, por outro, devem 
ser tratados de forma diferente. Não foram criados da mesma maneira nem podem ser 
transferidos, difundidos ou introduzidos da mesma maneira. 
O ponto mais fraco no método da escola histórica é forma pela qual seus 
membros estabelecem a identidade dos elementos culturais. Pois, todo o problema da 
difusão histórica surge da ocorrência de traços ou complexos real ou aparentemente 
idênticos em áreas diferentes. Para estabelecer a identidade de dois elementos de cultura, 
os difusionistas empregam os critérios do que poderia ser chamado, respectivamente, de 
forma irrelevante e concatenação fortuita de elementos. A irrelevância da forma é um 
conceito fundamental, porque a forma, que é ditada por necessidade interna, poderia ter 
se desenvolvido independentemente. Os complexos, naturalmente concatenados, 
poderiam ser também o produto de evolução independente - daí a necessidade de 
considerar apenas os traços fortuitamente concatenados. Segundo Graebner e seus 
seguidores, entretanto, concatenação acidental e detalhe irrelevante de forma só pode ser 
o resultado de difusão direta. Mas tanto a irrelevância da forma quanto a acidentalidade 
 6 
do concatenamento são asserções negativas, o que significa em última instância que a 
forma de um artefato ou de uma instituição não pode ser explicada, nem pode ser 
encontrada a concatenação entre vários elementos de cultura. O método histórico 
emprega a ausência de conhecimentos como base de sua argumentação. Para serem 
v lidos, seus resultados precisam ser precedidos de um estudo funcional da cultura dada 
que esgotaria todas as possibilidades de explicar a forma pela função e de estabelecer 
relações entre os diferentes elementos da cultura. 
Se a cultura em seu aspecto material é basicamente uma massa de artefatos 
instrumentais, parece improvável, a primeira vista, que qualquer cultura possa abrigar 
uma grande quantidade de traços irrelevantes, sobrevivências ou complexos fortuitos, 
transmitidos por alguma cultura itinerante estranha ou transferidos como sobrevivências, 
fragmentos inúteis de um estágio desaparecido. Parece menos provável ainda que 
costumes, instituições ou valores morais apresentem esse caráter necrótico ou irrelevante 
pelo qual estão fundamentalmente interessadas as escolas evolucionista e difusionista. 
A cultura consiste no conjunto de bens e de instrumentos, assim como de 
costumes e hábitos corporais e mentais, que funcionam direta ou indiretamente para 
satisfazer as necessidades humanas. Todos os elementos da cultura, se essa concepção for 
correta, devem estar agindo, funcionando, ativos, eficazes. O caráter essencialmente 
dinâmico dos elementos culturais e de suas relações sugere que é no estudo da função 
cultural que se encontra a tarefa mais importante da antropologia. A antropologia 
funcional se interessa basicamente pela função das instituições, dos costumes, das 
ferramentas e das idéias. Sustenta que o processo cultural está sujeito a leis e que essas 
leis devem ser procuradas na função dos verdadeiros elementos da cultura. O tratamento 
atomizador ou segregador dos traços culturais é considerado estéril porque o significado 
da cultura consiste na relação entre seus elementos e não se admite a existência de 
complexos culturais fortuitos ou acidentais. 
Para formular alguns princípios fundamentais basta tomar um exemplo da 
cultura material. O artefato mais singelo, amplamente utilizado nas culturas mais simples, 
um bastão liso, cortado toscamente, de uns seis ou sete p‚s de comprimento, assim que 
pode ser usado para escavar raízes ou cultivar a terra, como varejão ou para caminhar, é 
um elemento ou traço de cultura ideal, pois tem uma forma simples fixa, é aparentemente 
uma unidade auto-suficiente e é de grande importância em todas as culturas. Definir a 
identidade cultural do bastão por sua forma, pela descrição de seu material, de sua 
extensão, de seu peso, de sua cor ou de qualquer outra característica física - descrevê-lo 
de fato segundo o critério último da forma como fazem os difusionistas - seria um 
procedimento metodologicamente equivocado. O bastão de cavar é manejado de um 
modo apropriado; é usado na plantação ou na floresta para objetivos específicos; é 
arranjado e descartado de forma bastante descuidada - pois cada exemplar tem 
freqüentemente muito pouco valor econômico. Mas o bastão de cavar avulta-se 
fortemente no esquema econômico de cada comunidade na qual é usado, assim como no 
folclore, na mitologia e nos costumes. Um bastão de forma idêntica pode ser utilizado na 
mesma cultura como varejão para impelir, bordão para caminhar ou arma rudimentar. 
Mas em cada um desses usos específicos, o bastão é inserido em um contexto cultural 
diferente; quer dizer, destinado a diferentes usos, envolvido por diferentes idéias, 
revestido com um valor cultural diferente e, de modo geral, designado por nomes 
 7 
diferentes. Em cada caso forma parte integrante de um sistema diferente de atividades 
humanas estandartizadas. Em resumo, desempenha função diferente. É a diversidade da 
função e não a identidade da forma que é relevante para o estudioso da cultura. O bastão 
só existe como parte da cultura na medida em que é usado nas atividades humanas, na 
medida em que serve às necessidades humanas; portanto o bastão de cavar, o bordão de 
caminhar, o varejão de impelir, embora possam ser idênticos na natureza física, são cada 
um deles um elemento distinto de cultura. Pois, tanto o mais simples como o mais 
complexo dos artefatos é definido por sua função, pelo papel que desempenha em um 
sistema de atividades humanas; é definido pelas idéias que se relaciona com ele e pelos 
valoresque o envolvem. 
Essa conclusão adquire importância pelo fato de que os sistemas de 
atividades com os quais se relacionam os objetos materiais não são fortuitos mas 
organizados, bem determinados, sistemas semelhantes encontrados em todo o universo da 
diversidade cultural. O contexto cultural do bastão de cavar, o sistema de atividades 
agrícolas, apresenta sempre as seguintes partes componentes: uma porção de território é 
legalmente destinado para o uso de um grupo humano pelas regras da posse da terra. 
Existe um corpo de usos tradicionais que regula o modo pelo qual esse território deve ser 
cultivado. Regras técnicas, usos cerimoniais e rituais determinam em cada cultura que 
plantas devem ser cultivadas; como o terreno deve ser limpo, a terra preparada e adubada; 
como o trabalho deve ser feito; como, quando e por quem devem ser celebrados os atos 
mágicos e as cerimônias religiosas; como, finalmente, devem ser colhidos, distribuídos, 
armazenados e consumidos os frutos. Da mesma forma, é sempre bem definido o grupo 
de pessoas que possui o território, a plantação e a produção, que trabalha em conjunto, 
desfruta e consome os frutos de seu trabalho. 
Essas são as características da instituição da agricultura tal como é 
universalmente encontrada onde quer que o meio ambiente seja favorável ao cultivo da 
terra e o nível da cultura suficientemente alto para permiti-lo. A identidade fundamental 
desse sistema organizado de atividades é devido primariamente ao fato de surgir em torno 
da satisfação de uma profunda necessidade humana - a provisão regular de alimento 
básico de natureza vegetal. A satisfação dessa necessidade mediante a agricultura, que 
oferece possibilidade de direcionamento, regularidade de produção e abundância relativa, 
é tão superior a qualquer outra atividade provedora de comida que estava fadada a se 
difundir ou a se desenvolver onde quer que as circunstâncias fossem favoráveis e o nível 
de cultura suficientemente alto. 
A uniformidade fundamental na agricultura institucionalizada é devida 
ainda a um outro motivo, ao princípio das possibilidades limitadas, formulado pela 
primeira vez por Goldenweiser. Dada uma necessidade cultural definida, os meios para 
sua satisfação são poucos em número e, portanto, o arranjo cultural que surge em resposta 
à necessidade é escolhido dentro de limites estreitos. Dada a necessidade humana de 
proteção, de armas rudimentares e de ferramenta para explorar no escuro, o material mais 
adequado é a madeira, a única forma adequada acessível, larga e fina, e de farto 
sortimento. É possível ainda uma sociologia ou uma teoria cultural do bastão de 
caminhar, pois o bastão apresenta diversidade de usos, idéias e associações místicas, e em 
seus desenvolvimentos ornamentais, rituais e simbólicos se transforma em parte de 
instituições importantes, tais como a magia, a chefia e a realeza. 
 8 
As verdadeiras unidades componentes das culturas, que têm considerável 
grau de permanência, universalidade e independência, são os sistemas organizados das 
atividades humanas chamados instituições. Toda instituição se organiza em torno de uma 
necessidade básica, une permanentemente um grupo de pessoas em uma tarefa 
cooperativa e tem um corpo especial de doutrinas e de técnicas artesanais. As instituições 
não se correlacionam de forma simples e direta com suas funções: uma necessidade não 
encontra a sua satisfação em uma instituição. Mas as instituições apresentam um 
acentuado amálgama de funções e têm um caráter sintético. O princípio local ou 
territorial e a relação de descendência atuam como os fatores mais importantes de 
integração. Toda instituição está baseada em um substrato material de meio ambiente 
compartilhado e de aparato cultural. 
Só é possível definir a identidade cultural de um artefato situando-o dentro 
do contexto cultural de uma instituição, mostrando como funciona culturalmente. Um 
bastão pontiagudo, quer dizer, uma lança, usado como arma de caça, leva ao estudo do 
tipo de caça, praticado em uma dada cultura, na qual funciona, aos direitos legais de caça, 
à organização da equipe, à técnica, ao ritual mágico, à distribuição da caça, assim como à 
relação do tipo particular de caça com outros tipos e à importância geral da caça dentro 
da economia da tribo. As canoas têm sido freqüentemente tomadas como traços 
característicos para o estabelecimento de afinidades culturais e, daí, como prova da 
difusão, porque a forma varia em um amplo leque e apresenta tipos de caráter marcante, 
tais como canoas com um ou dois flutuadores, a balsa, o kayak, o catamarã ou a canoa 
dupla. E mesmo assim, esses artefatos complexos não podem ser definidos somente pela 
forma. A canoa, para as pessoas que a fabricam, possuem, utilizam e valorizam, é 
principalmente um meio para um fim. Precisam atravessar uma extensão de água, ou 
porque vivem em pequenas ilhas, ou em casas sobre palafitas, ou porque desejam fazer 
comércio, pescar ou fazer a guerra, ou pelo desejo de exploração e aventura. O objeto 
material, a embarcação, sua forma, suas peculiaridades, são determinadas pelo uso 
particular para o qual se destina. Todo uso determina um sistema especial de navegação, 
quer dizer, em primeiro lugar, a técnica de utilizar remos, o timão, o mastro, os panos ou 
as velas. Tais técnicas, entretanto, estão invariavelmente baseadas em conhecimento: 
princípios de estabilidade, flutuação, condições de velocidade e resposta ao leme. A 
forma e a estrutura da canoa estão estreitamente relacionadas com a técnica e a forma de 
sua utilização. Embora estejam disponíveis inúmeras descrições apenas da forma e da 
estrutura de uma canoa, pouco se sabe sobre a técnica de navegação e sobre a relação 
entre ela e o uso particular a que se destina uma canoa. 
A canoa tem também a sua sociologia. Mesmo quando tripulada por uma 
única pessoa, é possuída, fabricada, alugada ou emprestada, e nisso estão invariavelmente 
envolvidos tanto o grupo como o indivíduo. Mas, freqüentemente a canoa tem que ser 
manejada por uma tripulação e isso implica a complexa sociologia da propriedade, da 
divisão de funções, dos direitos e das obrigações. Essas coisas se tornam mais 
complicadas pelo fato de que uma embarcação grande precisa ser fabricada 
coletivamente, e a produção e a propriedade estão comumente relacionadas. Todos esses 
fatos, que são complexos mas regulamentados, e apresentam diferentes aspectos, todos 
relacionados segundo regras definidas, determinam a forma da canoa. A forma não pode 
ser tratada como um traço independente e auto-suficiente, acidental e irrelevante, que se 
difunde isoladamente sem o seu contexto. Todos os suposições, argumentos e conclusões 
 9 
relativos à difusão de um elemento e à expansão da cultura em geral, terão de ser 
modificados desde que se reconheça que o que se difunde são as instituições e não os 
traços, as formas ou os complexos fortuitos. 
Na construção de canoas de alto mar há certos elementos estáveis de 
forma determinados pela natureza da atividade para a qual se destina a embarcação. Há 
certos elementos variáveis devidos ou a possibilidades alternativas de solução ou ainda a 
detalhes menos importantes associados com uma solução possível. Esse é um princípio 
universal que se aplica a todos os artefatos. Os produtos utilizados para a satisfação direta 
das necessidades corporais ou consumidos no uso devem atender a condições colocadas 
diretamente pelas necessidades corporais. Os comestíveis, por exemplo, são sob certos 
aspectos determinados pela fisiologia; devem ser nutritivos, digeríveis, não venenosos. 
Evidentemente, são determinados também pelo meio ambiente e pelo nível da cultura. 
Casas, roupas, refúgios, fogo comofonte de calor, luz e sequidão, armas, embarcações e 
caminhos são determinados, em parte, pelas necessidades corporais com as quais estão 
relacionados. Ferramentas, utensílios ou máquinas que são usados para a produção de 
bens têm a natureza e a forma definidas pela finalidade para a qual devem ser 
empregados. Cortar ou raspar, juntar ou despedaçar, bater ou impelir, perfurar ou tradear, 
definem a forma de um objeto no sentido estrito do termo. 
Mas ocorrem variações dentro dos limites impostos pela função primária, 
que fazem com que o caráter principal do artefato se mantenha estável. Não há variações 
infinitas, mas um tipo fixo ocorre, como se tivesse havido uma escolha e logo uma 
adesão. Em uma comunidade costeira qualquer, por exemplo, não se encontra uma 
variedade infinita de embarcações que podem ir do simples tronco vazado a complexa 
out-rigger. Ocorrem no máximo umas poucas formas, diferenciadas pelo tamanho, pela 
construção e também pela posição e pela finalidade sociais, e cada forma tradicional é 
reproduzida constantemente até nos menores detalhes da decoração e do processo de 
construção. 
At‚ o momento a antropologia concentrou a sua atenção nessas 
regularidades secundárias de forma que não podem ser explicadas pela função primária 
do objeto. A ocorrência regular de tais detalhes de forma aparentemente acidentais 
levantou o problema de se saber se são devidos a invenções independentes ou à difusão. 
Muitos desses detalhes, porém, devem ser explicados pelo contexto cultural; quer dizer, o 
modo particular pela qual um objeto é utilizado por um homem ou por um grupo de 
pessoas, por idéias, ritos e combinações cerimoniais que envolvem seu uso principal. A 
ornamentação de um bastão de caminhar significa geralmente que estabeleceu na cultura 
alguma relação cerimonial ou religiosa. Um bastão de cavar pode ser pesado, pontiagudo 
ou rombudo, segundo o tipo de solo, o desenvolvimento das plantas e o tipo de cultivo. A 
explicação da out-rigger dos mares do Sul deve ser procurada no fato de que esse arranjo 
dá maior estabilidade, segurança e maneabilidade, considerando as limitações de material 
e de técnicas artesanais das culturas marítimas. 
A forma dos objetos culturais é determinada, de um lado, pelas 
necessidades corporais diretas e, por outro, pelos usos instrumentais. Mas essa divisão 
das necessidades e dos usos não é nem completa nem satisfatória. O bastão cerimonial 
usado como sinal de hierarquia ou de cargo não é nem um instrumento nem uma 
 10 
utilidade, e, costumes, palavras e crenças não podem ser referidas nem à fisiologia nem à 
atividade. 
O homem, como qualquer outro animal, precisa se alimentar e se 
reproduzir para continuar existindo como indivíduo e como espécie. Precisa ter também 
abrigos permanentes contra perigosos oriundos do meio ambiente físico, de animais e de 
outros seres humanos. Precisa providenciar todo um leque de comodidades corporais 
necessárias: refúgio, calor, cama seca e meios de limpeza. A satisfação efetiva dessas 
necessidades corporais primárias impõe ou dita a todas culturas um certo número de 
aspectos fundamentais; instituições para a alimentação, ou para o aprovisionamento; 
instituições para o casamento e a reprodução; e organizações para a defesa e para a 
comodidade. As necessidades orgânicas do homem constituem os imperativos básicos 
que levam ao desenvolvimento da cultura, na medida em que obrigam a comunidade 
inteira a executar inúmeras atividades organizadas. A religião ou a magia, a manutenção 
da lei ou os sistemas de conhecimento e a mitologia se apresentam com regularidade tão 
constante em todas as culturas que é preciso concluir que são também o resultado de 
imperativos ou necessidades profundas. 
O modo cultural de satisfazer essas necessidades biológicas do organismo 
humano cria novas condições e, dessa forma, impõe novos imperativos culturais. Com 
algumas exceções, a vontade de alimento não leva o homem a um contato direto com a 
natureza nem o força a consumir os frutos tal como crescem na mata. Em todas as 
culturas, por simples que sejam, o alimento básico é preparado, cozinhado e comido em 
grupo definido, segundo regras específicas, e com a observância de maneiras, direitos e 
tabus. É geralmente obtido por meio de procedimentos mais ou menos complicados, 
executados pela coletividade, como agricultura, troca, ou algum outro sistema de 
cooperação social e de distribuição comunitária. Em tudo isso o homem depende do 
aparato artificialmente produzido de armas, ferramentas agrícolas, embarcações e 
apetrechos de pesca. Depende igualmente da cooperação organizada e dos valores 
econômicos e morais. 
Desse modo, da satisfação das necessidades fisiológicas nascem os 
imperativos derivados. Posto que são essencialmente meios para um fim, podem ser 
denominados de imperativos instrumentais da cultura. São tão indispensáveis para o 
aprovisionamento do homem, para a satisfação de suas necessidades alimentares, como a 
matéria prima do alimento e os procedimentos de seu consumo. O homem está de tal 
forma moldado que se ficasse sem sua organização econômica e suas ferramentas 
pereceria do mesmo modo que se fosse privado de seus próprios alimentos. 
Do ponto de vista biológico, a continuidade da raça poderia ser garantida 
de forma muito simples; bastaria que as pessoas copulassem, gerassem dois ou mais 
filhos por casal, o suficiente para assegurar que dois indivíduos sobrevivessem para cada 
dois que morressem. Se apenas a biologia controlasse a procriação humana, as pessoas se 
acasalariam segundo leis fisiológicas, que são as mesmas para todas as espécies; 
produziriam descendentes seguindo o curso natural da gravidez e do parto e a espécie 
animal homem teria uma vida familiar típica, fisiologicamente determinada. A família 
humana, a unidade biológica, teria então exatamente a mesma constituição em toda a 
humanidade. Ficaria também fora do campo da ciência da cultura, como de fato 
postularam muitos sociólogos, particularmente Durkheim. Mas, pelo contrário, o 
 11 
casamento, quer dizer, o sistema de fazer corte, de fazer amor e de escolher o cônjuge é 
tradicionalmente determinado em todas as sociedades humanas pelo corpo de costumes 
culturais vigente na comunidade. Há regras que proíbem o casamento de determinadas 
pessoas e que prescrevem ou mesmo obriguem o casamento de outras. Há regras de 
castidade e regras de libertinagem. Há elementos estritamente culturais que se misturam 
com o impulso natural e produzem um ideal de atratividade que varia de uma sociedade 
ou de uma cultura para outra. Em lugar da uniformidade biologicamente determinada, 
existe uma enorme variedade de costumes sexuais e de formas de fazer a corte que 
regulam o casamento. O casamento não é de modo algum, em nenhuma cultura humana, 
uma simples questão de união sexual ou de coabitação de duas pessoas. É 
invariavelmente um contrato legal que determina o modo pelo qual o marido e a esposa 
devem viver juntos e as condições econômicas de sua união, tais como a cooperação nos 
bens, as contribuições mútuas e as contribuições dos respectivos parentes de cada 
cônjuge. É invariavelmente uma cerimônia pública, um assunto de interesse social, que 
envolve grandes grupos de pessoas e os dois atores principais. Tanto a sua dissolução 
como o seu estabelecimento estão sujeitos a regras tradicionalmente fixas. 
Nem a paternidade é uma simples relação biológica. A concepção é objeto 
de um rico folclore tradicional em todas as comunidades humanas e encontra seu aspecto 
legal nas regras que discriminam os filhos concebidos no casamento dos que nascem fora 
dele. A gravidez está envolvida em uma atmosfera de regras e de valores morais.De 
regra geral a mãe que espera um filho é obrigada a levar um modo de vida especial, 
rodeado de tabus, que precisa observar para o bem-estar do filho. Há, pois, uma 
maternidade antecipada, culturalmente estabelecida, que antecede o fato biológico. O 
parto é também um acontecimento profundamente modificado por procedimentos rituais, 
legais, mágicos e religiosos, nos quais se moldam as emoções da mãe, suas relações com 
o filho e as relações de ambos com o grupo social, de forma a ajustá-los a um padrão 
tradicional específico. Da mesma forma, o pai nunca permanece passivo ou indiferente 
por ocasião do parto. A tradição define exatamente as obrigações dos pais desde o início 
da gravidez e a forma como se dividem entre o marido e a esposa e se transferem em 
parte para os parentes mais distantes. 
O parentesco, os laços entre a criança, seus pais e parentes, nunca é um 
assunto deixado ao acaso. Seu estabelecimento é determinado pelo sistema legal da 
comunidade, que organiza segundo padrões definidos tanto as respostas emocionais como 
os deveres, atitudes morais e obrigações consuetudinárias. A importante distinção entre 
parentes matrilineares e patrilineares, o aparecimento tanto de relações mais amplas ou o 
parentesco classificatório, como a formação de clãs ou sibs, nos quais grandes grupos de 
parentes são, até certo ponto, vistos e tratados como verdadeiros parentes, constituem 
modificações culturais do parentesco natural. Desse modo, a procriação se transforma, 
nas sociedades humanas, em um grande empreendimento cultural. A necessidade racial 
de continuidade não é satisfeita pela simples ação dos impulsos e dos processos 
fisiológicos, mas pelo funcionamento de regras tradicionais associadas a um aparato da 
cultura material. Al‚m disso, o empreendimento da procriação parece compreender várias 
instituições integrantes: o cortejo, o casamento, a paternidade, o parentesco e a filiação a 
um clã, padronizados. Da mesma forma, o empreendimento da alimentação pode ser 
dividido em instituições de consumo, quer dizer, a família e o clube de homens com seu 
refeitório masculino; as instituições de produção, a agricultura, a caça e a pesca tribais; e 
 12 
as instituições de distribuição, como os mercados e os dispositivos comerciais. Os 
impulsos funcionam na forma de ordens sociais ou culturais, que são a reinterpretação 
dos impulsos fisiológicos em termos de regras sociais tradicionalmente sancionadas. O 
ser humano começa a fazer a corte ou a cavar o solo, a fazer amor ou a ir à pesca e à caça, 
não porque é diretamente movido por um instinto, mas porque a rotina de sua tribo o leva 
a fazer essas coisas. Ao mesmo tempo a rotina tribal assegura que as necessidades 
fisiológicas sejam satisfeitas e que os meios culturais de satisfação ajustem a padrões 
semelhantes, apenas com pequenas variações de detalhes. A motivação direta das ações 
humanas se expressa em termos culturais e se ajusta a um padrão cultural. Mas as 
exigências culturais permitem sempre ao homem satisfazer suas necessidades de maneira 
mais ou menos direta, e, no todo, o sistema de exigências culturais de uma sociedade 
determinada deixa sem satisfazer pouquíssimas necessidades fisiológicas. 
Em muitas instituições humanas se produz um amálgama de funções. A 
família não é apenas uma instituição de procriação, é uma das principais instituições de 
alimentação e uma unidade jurídica, econômica, e muitas vezes religiosa. A família é o 
lugar onde se assegura a continuidade cultural através da educação. Esse amálgama de 
funções dentro da mesma instituição não é fortuito. A grande maioria das necessidades 
básicas do homem está de tal forma entrelaçada que se pode conseguir melhor a sua 
satisfação dentro do mesmo grupo humano e mediante um aparato combinado de cultura 
material. A própria fisiologia humana faz com o nascimento seja seguido da 
amamentação, e esta esteja inevitavelmente associada a cuidados amorosos da mãe para 
com o filho, que se transforma gradualmente nos primeiros passos da educação. A mãe 
necessidade de um companheiro do sexo masculino e o grupo de parentesco deve se 
transformar em uma associação tanto cooperativa como educadora. O fato de que o 
casamento seja uma relação econômica, educadora e procriadora influi profundamente no 
noivado, e este se converte em uma seleção de companheirismo, de trabalho comum e de 
responsabilidades comuns para toda a vida, de tal forma que o sexo precisa se harmonizar 
com outras exigências pessoais e culturais. 
Educação significa treinamento na utilização de ferramentas e de bens, no 
conhecimento da tradição, no manejo do poder e da responsabilidade sociais. Os pais que 
desenvolvem em sua prole atitudes econômicas, destrezas técnicas, obrigações morais e 
sociais, devem também transmitir-lhe suas posses, seu status e sua profissão. Assim, pois, 
a relação doméstica implica um sistema de leis de herança, de descendência e de 
sucessão. 
Fica, dessa forma, esclarecida a relação entre a necessidade cultural, um 
fato social total, de um lado, e os motivos individuais em que se transforma, de outro. A 
necessidade cultural é a massa de condições que devem ser preenchidas se a comunidade 
deve sobreviver e sua cultura continuar. Os motivos individuais, por outro lado, nada têm 
a ver com postulados tais como a continuidade da espécie ou a continuidade da cultura 
nem sequer com a necessidade de alimentação. Poucas pessoas, selvagens ou civilizadas, 
se dão conta de que existem tais necessidades gerais. O selvagem ignora ou tem apenas 
uma consciência vaga de que o fato do acasalamento gera as crianças e de que a comida 
sustenta o corpo. O que se apresenta para a consciência individual é o apetite 
culturalmente transformado que impele as pessoas, em certas estações, a procurar um 
companheiro ou, em determinadas circunstâncias, a buscar frutos silvestres, cavar a terra 
 13 
ou ir a pesca. Os fins sociológicos nunca estão presentes na consciência dos nativos e 
nunca se encontrou uma legislação tribal de grande escala. Uma teoria, por exemplo, 
como a de Frazer relativa à origem da exogamia como um ato deliberado da lei originária 
é insustentável. Existe em toda a literatura antropológica uma confusão entre 
necessidades culturais, que encontram expressão em grandes empreendimentos ou 
aspectos da constituição social, e a motivação consciente, que existe como fato 
psicológico no mente de um membro individual da sociedade. 
O costume, o modo padronizado de comportamento tradicionalmente 
imposto aos membros de uma comunidade, pode atuar ou funcionar. O noivado, por 
exemplo, não é mais do que uma etapa do processo culturalmente determinado da 
procriação. Consiste na massa de dispositivos que permite uma escolha conjugal 
adequada. Dado que o contrato matrimonial varia consideravelmente de uma cultura para 
outra, as considerações de adequação sexual, jurídica e econômica variam também, e os 
mecanismos mediante os quais esses diferentes elementos se harmonizam não podem ser 
os mesmos. Por maior que possa ser a liberdade sexual permitida, em nenhuma sociedade 
humana se permite que os jovens sejam completamente indiscriminados ou promíscuos 
nas experiências sexuais. São conhecidos três grandes tipos de limitações: a proibição do 
incesto, o respeito às obrigações matrimoniais anteriores e as regras combinadas de 
exogamia e endogamia. A proibição do incesto, com poucas e insignificantes exceções, é 
universal. Se fosse possível demonstrar que o incesto é biologicamente pernicioso, seria 
evidente a função desse tabu universal. Mas os especialistas em hereditariedade não são 
unânimes nesse assunto. Não obstante, é possível demonstrar que sob o ponto de vista 
sociológicoa função do tabu do incesto têm grande importância. O impulso sexual, que é 
em geral uma força muito desordenada e socialmente destruidora, não pode se misturar 
com um sentimento previamente existente sem provocar nele uma mudança 
revolucionária. O interesse sexual é portanto, incompatível com qualquer forma de 
relação familiar, seja entre pais e filhos ou entre irmãos e irmãs, porque essas relações se 
formaram no período pre-sexual da vida humana e foram fundamentadas em 
necessidades fisiológicas profundas de caráter não-sexual. Se fosse permitido à paixão 
erótica invadir o recinto do lar, ela não só provocaria o desenvolvimento de ciúmes e de 
elementos de competição e desorganizaria a família, como também subverteria os laços 
de parentesco mais fundamentais sobre os quais se baseia o aparecimento ulterior de 
todas as relações sociais. Dentro de cada família só pode haver uma relação erótica e essa 
é a relação entre o marido e a mulher que embora construída desde o princípio a partir de 
elementos eróticos precisa se ajustar perfeitamente a outros componentes da cooperação 
doméstica. Uma sociedade que permitisse o incesto não poderia desenvolver famílias 
estáveis. Seria, portanto, privada do cimento mais forte do parentesco e isso, em uma 
sociedade primitiva, significaria a ausência de ordem social. 
A exogamia elimina o sexo de todo um conjunto de relações sociais, 
aquelas que se produzem entre os membros masculinos e femininos do mesmo clã. Posto 
que o clã constitui o grupo cooperativo típico, cujos membros estão unidos por um certo 
número de interesses e atividades jurídicas, cerimoniais e econômicas, a exogamia 
retirando da cooperação cotidiana um elemento demolidor e competitivo cumpre uma vez 
mais uma importante função cultural. A completa preservação da exclusividade sexual do 
casamento produz essa estabilidade relativa do casamento que é também inevitável se 
essa instituição não deve ser minada por ciúmes e desconfianças do galanteio 
 14 
competitivo. O fato de que nenhuma das regras de incesto, exogamia e adultério funcione 
com precisão absoluta e força automática só reforça a lógica deste argumento, pois o 
mais importante é a exclusão da prática aberta do sexo. A fuga clandestina às regras e 
suas suspensões ocasionais durante as celebrações cerimoniais funcionam como válvulas 
e resistências de segurança contra sua severidade muitas vezes penosa. 
Regras tradicionais indicam as ocasiões de fazer amor, os métodos de 
aproximação e de galanteio, inclusive os meios para atrair e conquistar. A tradição 
permite também certas liberdades e até mesmo excessos, embora lhes imponha também 
limites rigorosos. Esses limites determinam o grau de publicidade, de promiscuidade, de 
indecências de palavras e obras; determinam aquilo que deve ser considerado normal e 
perverso. Em tudo isso, o verdadeiro motor do comportamento sexual humano não 
consiste em impulsos fisiológicos naturais, mas se apresenta à consciência humana sob a 
forma de mandamentos ditados pela tradição. A poderosa influência demolidora do sexo 
deve ter jogo livre de forma limitada. O principal tipo de liberdade regulada é a liberdade 
de copular permitida às pessoas solteiras, o que tem sido muitas vezes equivocadamente 
considerado como sobrevivência da promiscuidade primitiva. Para apreciar a função da 
licenciosidade prenupcial ela deve ser correlacionada com os fatos biológicos, com a 
instituição do casamento e com a vida entre pais e filhos na família. O impulso sexual 
que leva as pessoas a copular é extraordinariamente mais poderoso do que qualquer outro 
impulso. Onde o casamento é a condição indispensável para a cópula, esse impulso que 
supera todas a demais considerações pode levar a uniões que espiritual e fisiologicamente 
não são nem adequadas nem estáveis. Nas culturas mais elevadas, um treinamento moral 
e uma subordinação do sexo a interesses culturais mais amplos funcionam como 
salvaguardas gerais contra um domínio exclusivo do elemento erótico no casamento, ou 
então casamentos culturalmente determinados, arranjados pelos pais ou pelas famílias, 
asseguram a influência de fatores econômicos e culturais sobre o simples erotismo. Em 
certas comunidades primitivas assim como em grandes setores do campesinato europeu, o 
casamento de experiência como forma de assegurar a compatibilidade pessoal e também 
em grande parte como meio para eliminar a simples impulso sexual, funciona como uma 
salvaguarda da instituição do matrimônio permanente. Graças às liberdades pré-
matrimoniais durante o noivado, as pessoas deixam de valorizar a simples atração do 
apelo erótico e, consequentemente, se tornam cada vez mais influenciadas pelas 
afinidades pessoais, se não há nenhuma incompatibilidade fisiológica. A função, pois, da 
liberdade pré-matrimonial consiste na influência sobre a escolha conjugal, que se torna 
deliberada, baseada na experiência e orientada por considerações mais amplas e sintéticas 
do que o impulso sexual cego. Portanto, a falta de castidade pré-matrimonial funciona 
como forma de preparação para o casamento, eliminando o impulso sexual bruto, não 
empírico e não educado, e fundindo esse impulso com outros em uma apreciação mais 
profunda da personalidade. 
A couvade, o ritual simbólico mediante o qual um marido imita o parto 
enquanto sua esposa dá à luz, não é também uma sobrevivência, mas pode ser explicada 
funcionalmente no seu contexto cultural. 
Nas idéias, costumes e arranjos sociais referentes a concepção, gravidez e 
parto, o fato da maternidade é culturalmente determinado apesar de sua natureza 
biológica. A paternidade é estabelecida de forma sim‚trica por regras, segundo as quais o 
 15 
pai tem que observar em parte os tabus, as prescrições e as regras de conduta 
tradicionalmente impostas a mãe e tem também de se encarregar de certas funções 
associadas. O comportamento do pai por ocasião do parto é rigorosamente definido e, em 
todas as partes, tanto se for excluído da companhia da mãe como se for obrigado a lhe dar 
assistência, tanto se for considerado perigoso como indispensável para o bem-estar da 
mãe e da criança, o pai tem que assumir um papel definido, rigorosamente prescrito. Mais 
tarde o pai participa amplamente de muitas das obrigações da mãe; a imita e a substitui 
plenamente em muitos dos cuidados ternos que se deve à criança. A função da couvade é 
o estabelecimento da paternidade social pela adaptação simbólica do pai à mãe. Longe de 
ser uma sobrevivência ou um traço morto e inútil, a couvade é simplesmente um dos atos 
rituais criativos que se encontra na base da instituição da família. Sua natureza pode ser 
entendida não pelo seu isolamento, nem pela ênfase no seu caráter singular ou pela 
separação de seu contexto natural, mas, pelo contrário, apenas pela sua contextualização 
nas instituições a que pertence, sendo compreendido como parte integrante da instituição 
da família. 
As terminologias classificatórias são explicadas como se compreendessem 
ao mesmo tempo um "plano inteligente" (segundo palavras de Morgan) para a 
classificação dos parentes. Na teoria de Morgan se supunha que essa classificação 
indicasse com precisão quase matemática os limites da paternidade potencial. Segundo 
teorias mais recentes, sobretudo a de Rivers, as terminologias classificatórias foram em 
algum momento a manifestação clara e real de matrimônios anômalos. Qualquer que seja 
a variação das diferentes teorias, o fato das terminologias classificatórias tem sido fonte 
de uma torrente de especulações sobre as etapas da evolução do casamento, sobre as 
uniões anômalas, sobre a promiscuidade e a gerontocracia primitiva, sobre o clã ou 
qualquer outro empreendimento procriativocomunitário que em uma ou outra etapa 
tenha ocupado o lugar da família. Não obstante, foram poucos os que pesquisaram 
seriamente a função atual dos termos classificatórios. McLennan sugeriu que poderiam 
ser simplesmente uma forma educada de tratamento e nisso foi seguido por alguns 
escritores. Mas uma vez que essas nomenclaturas contam com uma adesão muito rígida e 
uma vez que, como mostrou Rivers, aparecem associadas a status sociais determinados, a 
explicação de McLennan deve ser descartada. 
As terminologias classificatórias, não entanto, cumprem uma função muito 
importante e muito específica que só pode ser apreciada a partir de um estudo cuidadoso 
de como os termos adquirem significado na história de vida de um membro da tribo. O 
primeiro significado que a criança descobre é sempre individual. Baseia-se nas relações 
pessoais com o pai e a mãe, com os irmãos e irmãs. Antes de qualquer outro 
desenvolvimento lingüístico, se adquire sempre um completo cabedal de termos 
familiares com significados individuais bem determinados. Logo tem lugar, porém, uma 
série de extensões do significado. As palavras pai e mãe se aplicam primeiro às irmãs da 
mãe e aos irmãos do pai, respectivamente, mas se aplicam a essas pessoas de maneira 
claramente metafórica, quer dizer, com um significado ampliado e diferente que de forma 
alguma se contrapõe ou encobre o significado original quando aplicado aos pais 
verdadeiros. A extensão acontece porque, em uma sociedade primitiva, os parentes mais 
próximos têm obrigação de atuar como substitutos dos pais, de substituir os progenitores 
das crianças em caso de morte ou ausência deles e em todas as oportunidades de 
compartilhar amplamente de suas obrigações. Contudo, enquanto e até que não haja uma 
 16 
adoção completa, os parentes substitutos não tomam o lugar dos pais verdadeiros e de 
forma alguma se confundem ou se identificam com eles. Eles são apenas parcialmente 
iguais. O ato de dar nome às pessoas é sempre um ato semilegal, especialmente nas 
comunidades primitivas. Assim como nas cerimônias de adoção se imita o parto 
verdadeiro, na couvade se simula o ato de dar à luz, no ritual da irmandade de sangue há 
ficções tais como a troca de sangue, no casamento ocorre uma ligação, uma união, uma 
junção simbólica ou o ato de comer juntos ou às vezes de aparecer juntos em público, 
assim aqui uma relação derivada, parcialmente estabelecida, se caracteriza pelo ato da 
imitação verbal no tratamento. A função do uso da terminologia classificatória é pois, o 
estabelecimento de reivindicações legais de parentesco substituto pela metáfora da 
extensão nos termos de parentesco. A descoberta da função da terminologia 
classificatória levanta um conjunto de novos problemas: o estudo da situação inicial do 
parentesco, das extensões do significado do parentesco, da responsabilização parcial das 
obrigações de parentesco e das mudanças produzidas por tais extensões nas relações 
anteriores. Esses são problemas empíricos que não levam à novas especulações, mas a 
estudos mais completos dos fatos no campo. Ao mesmo tempo, o descoberta da função 
do uso da terminologia classificatória em termos da realidade sociológica atual derruba as 
razões sobre as quais se baseavam séries inteiras de especulações segundo as quais as 
nomenclaturas selvagens foram explicadas como sobrevivências de etapas anteriores do 
matrimônio humano. 
O aparato da domesticidade influencia o aspecto moral ou espiritual da 
vida familiar. Seu substrato material se compõe dos alojamentos, dos arranjos internos, 
dos apetrechos da cozinha, das ferramentas domésticas e também do modo da residência, 
quer dizer, da forma como se repartem os alojamentos no terreno. Esse substrato material 
se incorpora da forma mais sutil na textura da vida familiar e influencia profundamente 
seus aspectos legais, econômicos e morais. A constituição da família característica de 
uma cultura está profundamente associada ao aspecto material do interior do alojamento, 
quer se trate de um arranha-céu ou de um refúgio, de um apartamento suntuoso ou de 
uma choupana. Há uma escala infinita de associações pessoais íntimas com a residência, 
desde a infância e a adolescência, passando pela puberdade e o despertar das emoções, 
pela época do noivado e do início da vida conjugal, até a velhice. As conseqüências 
sentimentais e românticas desses fatos são reconhecidas, na cultura contemporânea, na 
preservação e no culto dos lugares de nascimento e das casas dos grandes homens. Mas 
embora se conheça grande parte da tecnologia da construção de lares e inclusive da 
estrutura das casas em diferentes culturas e embora se conheça também muito a respeito 
da constituição da família, poucos estudos se preocupam com a relação entre a forma de 
alojamento e a forma dos arranjos domésticos, de um lado, e a constituição da família, de 
outro, e sem dúvida existem tais relações. Um lar isolado diante de todos os demais 
produz uma família fortemente unida, auto-suficiente, econômica e moralmente 
independente. Casas auto-suficiente reunidas em comunidades de aldeia permitem uma 
textura muito mais estreita da rede de parentesco e um alcance maior da cooperação 
local. As casas compostas de lares reunidos, especialmente quando estão juntas sob um 
único proprietário, são a base necessária da família extensa ou da Großfamilie. As 
grandes casas comunitárias onde apenas uma lareira separada ou uma repartição distingue 
as várias famílias componentes contribuem para um sistema de parentesco ainda mais 
unido. Por último, a existência de clubes especiais, onde dormem, comem e cozinham 
 17 
juntos os homens, os solteiros, ou as moças não casadas da comunidade, se correlaciona 
evidentemente com a estrutura geral da comunidade na qual o parentesco se complica 
com os grupos de idade, as sociedades secretas e outras associações masculinas ou 
femininas e geralmente se correlaciona também com a presença ou ausência de liberdade 
sexual. 
Quanto mais se estuda a correlação entre a sociologia e a forma dos 
assentamentos e alojamentos melhor se compreende cada uma dessas partes. Enquanto 
que, por um lado, a forma dos arranjos materiais ganha seu significado próprio a partir de 
seu contexto sociológico, por outro lado, toda a determinação objetiva dos fenômenos 
sociais e morais pode ser melhor definida e descrita em termos do substrato material, 
dado que ele modela e influencia a vida social e espiritual de uma cultura. Os arranjos do 
interior da casa mostram também a necessidade do estudo e da correlação paralela do 
material e do espiritual. O mobiliário pobre, a lareira, os bancos de dormir, as esteiras e 
as redes de uma choça indígena mostram simplicidade e até mesmo pobreza de forma que 
pela qualidade e profundidade da correlação sociológica e espiritual se torna, entretanto, 
imensamente significativa. A lareira, por exemplo, muda pouco de forma. Sob o ponto de 
vista meramente técnico bastam uns poucos conhecimentos sobre como se colocam as 
pedras, como se elimina a fumaça, como se arrumam os suportes para cozinhar, como se 
utiliza o fogo para aquecer ou iluminar o interior. Mas mesmo ao expor esses detalhes 
simples as pessoas se sentem atraídas para o estudo do emprego característico do fogo, a 
identificação das atitudes e emoções humanas; em resumo, para a análise dos costumes 
sociais e morais que se formam em torno da lareira. Dado que a lareira é o centro da vida 
doméstica, o modo como é utilizada, os costumes para acendê-la, alimentá-la e apagá-la, 
a mitologia e a significação simbólica da lareira, são dados indispensáveis para o estudo 
da domesticidade e de seu lugar na cultura. Nas ilhas de Trobriand, por exemplo, a lareiraprecisa ser localizada no centro, para que a bruxaria, que é ativa principalmente através 
da fumaça, não passe de fora para dentro. A lareira é uma propriedade exclusiva das 
mulheres. Cozinhar é até certo ponto, tabu para os homens cuja proximidade contamina 
os alimentos vegetais não cozidos. Por essa razão existe nas aldeias uma divisão entre 
armazéns e casas de cozinhar. Tudo isso transforma o simples arranjo material de uma 
casa em uma realidade social, moral, jurídica e religiosa. 
O disposição dos bancos de dormir se correlaciona igualmente com o lado 
sexual e aparentado da vida conjugal, com o tabu do incesto e a necessidade de casas para 
solteiros. O acesso à casa se correlaciona com a privacidade da vida familiar, com a 
propriedade e a moralidade sexual. Onde quer que a forma se torna cada vez mais 
significativa melhor se compreende a relação entre as realidades sociológicas e seus 
substratos materiais. As idéias, os costumes e as leis codificam e determinam os arranjos 
materiais enquanto que estes últimos são a principal aparelhagem para moldar as novas 
gerações nos padrões tradicionais típicos de sua sociedade. 
As necessidades biológicas primárias de uma comunidade, quer dizer, as 
condições sob as quais uma cultura pode prosperar, desenvolver e continuar, são 
satisfeitas de uma forma indireta que impõe exigências secundárias ou derivadas. Essas 
exigências podem ser chamadas de imperativos instrumentais da cultura. O conjunto 
inteiro da cultura material precisa ser produzido, mantido, distribuído e utilizado. Em 
toda cultura, portanto, existe um sistema de regras ou mandamentos tradicionais que 
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determina as atividades, os usos e os valores pelos quais a comida é produzida, 
armazenada e repartida, os bens são manufaturados, possuídos e utilizados, as 
ferramentas são preparadas e incorporadas na produção. A organização econômica é 
indispensável para qualquer comunidade e a cultura precisa estar sempre em contato com 
esse substrato material. 
Cooperação regulada existe até mesmo nas atividades mais simples como 
a coleta de alimentos entre os primitivos mais inferiores . Precisam, por vezes, 
providenciar alimento para grandes reuniões tribais e isso exige um complicado sistema 
de abastecimento. Há divisão do trabalho dentro da família e a cooperação das famílias 
no seio da comunidade local nunca é um simples assunto econômico. A aplicação do 
princípio utilitário da produção está estreitamente ligada com atividades artísticas, 
mágicas, religiosas e cerimoniais. A propriedade primitiva da terra, dos objetos pessoais e 
dos diferentes meios de produção é muito mais complicada do que supunha a velha 
antropologia e o estudo da economia primitiva está desenvolvendo um considerável 
interesse por aquilo que se poderia denominar de primeiras formas do direito civil. 
Cooperação significa sacrifício, esforço, subordinação das inclinações e 
dos interesses particulares a fins comuns da comunidade, a existência de coação social. A 
vida em comum oferece muitas tentações, especialmente para os impulsos do sexo, e por 
isso é inevitável um sistema de proibições e repressões assim como de prescrições. A 
produção econômica fornece ao homem coisas valiosas e desejáveis, que não são 
indiscriminadamente acessíveis para uso e o gozo de todos, e são desenvolvidas e 
impostas regras de propriedade e de posse. A organização tem como conseqüência 
principalmente diferenças de hierarquia, de liderança, de status e de influência. A 
hierarquia provoca as ambições sociais e exige salvaguardas que são efetivamente 
aprovadas. Todo esse conjunto de problemas tem sido notadamente omitido porque a lei e 
suas sanções na sociedade primitiva estão muito raramente incorporadas em instituições 
especiais. A legislação, as sanções legais e a aplicação efetiva das leis tribais são muito 
freqüentemente colocadas em prática como subprodutos de outras atividades. A 
manutenção da lei é geralmente uma das funções secundárias ou derivadas de instituições 
como a família, a casa, a comunidade local e a organização tribal. Mas embora não 
estejam assentadas em um corpo específico de leis codificadas nem muito menos sejam 
aplicadas por um grupo de pessoas especialmente organizado, as sanções da lei primitiva 
funcionam todavia de forma excepcional e desenvolvem traços característicos nas 
instituições a que pertencem. Portanto, é absolutamente incorreto afirmar, como se tem 
feito com freqüência, que a lei primitiva funciona automaticamente e o selvagem é por 
natureza um cidadão submisso à lei. As regras de conduta devem ser transmitidas a cada 
nova geração mediante a educação; quer dizer, providências devem ser tomadas para a 
continuidade da cultura através da instrumentalidade da tradição. A primeira condição é a 
existência de sinais simbólicos através dos quais a experiência acumulada pode ser 
transmitida de uma geração para outra. A linguagem é o tipo mais importante de desses 
sinais simbólicos. A linguagem não contem a experiência; é antes um sistema de hábitos 
sonoros que acompanha o desenvolvimento da experiência cultural em toda comunidade 
humana e se converte em parte integrante dessa experiência cultural. Nas culturas 
primitivas a tradição se mantém oralmente. A fala de uma tribo primitiva está cheia de 
ditos, máximas, regras e reflexões que transmitem de forma estereotipada a sabedoria de 
uma geração para outra. Os contos populares e a mitologia formam um outro 
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departamento da tradição oral. Nas culturas mais elevadas a escrita ajuda a transmitir a 
tradição oral. O não se ter dado conta de que a linguagem é parte integrante da cultura 
levou a paralelismos vagos, metafóricos e equivocados entre as sociedades animais e a 
cultura humana, que muito prejudicaram a sociologia. Se se compreendesse claramente 
que a cultura não existe sem a linguagem, o estudo das comunidades animais deixaria de 
fazer parte da sociologia e as adaptações dos animais à natureza se distinguiriam 
claramente da cultura. Na sociedade primitiva, a educação raramente implica instituições 
específicas. A família, o grupo de parentes consangüíneos, a comunidade local, os grupos 
de idade, as sociedades secretas, os retiros de iniciação, os grupos profissionais ou 
corporações de técnicos, de feiticeiros ou religiosos, são as instituições que 
correspondem, em algumas de suas funções derivadas, às escolas nas culturas mais 
avançadas. 
Os três imperativos instrumentais, a organização econômica, a lei e a 
educação, não esgotam tudo o que a cultura produz para a satisfação indireta das 
necessidades humanas. A magia e a religião, o conhecimento e a arte, fazem parte do 
esquema universal que subjaz a todas as culturas concretas e que se pode dizer nascem 
em resposta a um imperativo integrador ou sintético da cultura humana. 
A despeito das várias teorias sobre o caráter específico, não empírico e 
prelógico da mentalidade primitiva, não cabe dúvida alguma de que o homem, tão logo 
tenha adquirido o domínio do meio ambiente pelo uso de ferramentas, e tão tenha 
aparecido a linguagem, deve ter existido também um conhecimento primitivo de caráter 
essencialmente científico. Nenhuma cultura poderia sobreviver se suas artes e ofícios, 
suas armas e objetivos econômicos estivessem baseadas em concepções e doutrinas 
místicas e não empíricas. Quando a cultura humana é abordada pelo lado pragmático e 
tecnológico, se descobre que o homem primitivo é capaz de observação correta, de 
generalizações perfeitas e de raciocínio lógico em todos aqueles assuntos que afetam suas 
atividades normais e se encontram na base de sua produção. O conhecimento é pois, uma 
necessidade completamente derivada da cultura. Contudo, é maisdo que um meio para 
um fim e não pode, portanto, ser classificado entre os imperativos instrumentais. Seu 
lugar na cultura, sua função, é ligeiramente diferente daquela da produção, da lei ou da 
educação. Os sistemas de conhecimento servem para interligar diferentes tipos de 
comportamento; transmitem os resultados das experiências passadas para os 
empreendimentos futuros e reúnem os elementos da experiência humana e permitem que 
o homem coordene e integre suas atividades. O conhecimento é uma atitude mental, uma 
diáteses do sistema nervoso que permite ao homem levar a cabo o trabalho que a cultura 
o leva a executar. Sua função consiste em organizar e integrar as atividades 
indispensáveis da cultura. 
A personificação material do conhecimento se encontra na massa de artes 
e ofícios, de procedimentos técnicos e de regras de artesanato. Mais especificamente, nas 
culturas mais primitivas e certamente nas mais elevadas, existem ferramentas especiais 
do conhecimento: diagramas, modelos topográficos, medidas, ajudas para a orientar ou 
calcular. 
A conexão entre o pensamento indígena e a linguagem levanta importantes 
problemas de função. A abstração lingüística, as categorias de espaço, tempo e relação, e 
os meios lógicos para expressar a concatenação das idéias são pontos extraordinariamente 
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importantes, e o estudo de como funciona o pensamento através da linguagem em 
qualquer cultura é ainda um terreno virgem da lingüística cultural. Como funciona a 
linguagem primitiva, onde está incorporada, como se relaciona com a organização social, 
com a religião e a magia primitivas, constituem problemas importantes da antropologia 
funcional. 
Pela própria previsão e prospectiva que possibilita, a função integradora 
do conhecimento cria novas necessidades, quer dizer, impõe novos imperativos. O 
conhecimento abre ao homem a possibilidade de planejar antecipadamente, de abarcar 
vastos conjuntos de tempo e espaço; oferece um vasto campo de variações para suas 
esperanças e desejos. Por mais que o conhecimento e a ciência ajudem o homem, 
possibilitando-lhe alcançar o que deseja, são, entretanto, absolutamente incapazes de 
controlar a sorte, de eliminar os imprevistos, de adivinhar as mudanças inesperadas nos 
acontecimentos naturais ou então de fazer com que o trabalho manual do homem mereça 
confiança e seja adequado a todas as exigências práticas. Nesse campo, muito mais 
prático, concreto e circunscrito do que o da religião, se desenvolve um tipo especial de 
atividades rituais que a antropologia denomina globalmente de magia. 
O mais imprevisto de todos os empreendimentos conhecidos pelo homem 
primitivo é a navegação. Para preparar suas embarcações e traçar seus planos o selvagem 
se volta para a sua ciência. O trabalho cuidadoso assim como o esforço inteligentemente 
organizado da construção e da navegação testemunham a confiança do selvagem na 
ciência e na submissão a ela. Mas ventos adversos ou absoluta falta de vento, mau tempo, 
correntes marinhas e arrecifes estão constantemente prontos para desmoronar seus 
melhores planos e mais cuidadosos preparativos. Precisa admitir que nem seus 
conhecimentos nem seus esforços mais cuidadosos são garantia de êxito. Alguma coisa 
de inexplicável costuma aparecer e frustrar as suas previsões. Mas embora inexplicável 
essa coisa parece ter um significado profundo e atuar ou agir com alguma intenção. A 
seqüência, a concatenação significativa dos acontecimentos parece abrigar alguma 
coerência lógica interna. O homem sente que pode fazer alguma coisa para combater esse 
elemento ou força misteriosa, para ajudar ou favorecer sua sorte. Existem sempre 
sistemas de superstição, de ritual mais ou menos desenvolvido, associados à navegação e 
nas comunidades primitivas a magia das embarcações é altamente desenvolvida. Aqueles 
que sabem fazer bem alguma boa magia demonstram em virtude disso coragem e 
confiança. Quando se utilizam as canoas para a pesca, os imprevistos e a boa ou má sorte 
podem se referir não apenas ao transporte mas também ao aparecimento dos peixes e às 
condições de sua captura. No comércio, seja marítimo ou entre vizinhos próximos, a sorte 
pode favorecer ou atrapalhar os objetivos e os desejos dos homens. Em conseqüência 
disso, se verifica um forte desenvolvimento tanto da magia da pesca como da magia do 
comércio. 
Da mesma forma na guerra, o homem, por mais primitivo que seja, sabe 
que as armas bem feitas de ataque e defesa, a estratégia, a força dos números e o vigor 
dos indivíduos garantem a vitória. Contudo, apesar de tudo isso, o imprevisto e o 
contingência podem levar até mesmo o mais fraco à vitória se o combate for travado sob 
a proteção da noite, se for possível as emboscadas, se as condições do encontro forem 
abertamente favoráveis a um grupo em detrimento do outro. A magia é utilizada como 
algo que, estando fora e acima do equipamento e da força do homem, o ajuda a dominar a 
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contingência e a enganar a sorte. Também no amor um tipo misterioso, inexplicável de 
êxito ou até mesmo uma predestinação para o fracasso parece estar acompanhado de 
alguma força independente da atração manifesta e dos planos e preparativos mais bem 
executados. A magia aparece para assegurar algo que se encontra acima e além das 
realidades visíveis e explicáveis. 
O homem primitivo para seu bem-estar depende de tal forma de suas 
atividades econômicas que sente a má sorte de modo muito doloroso e direto. Entre os 
povos que dependem de seus campos ou culturas o que pode ser chamado de 
conhecimento agrícola é invariavelmente bem desenvolvido. Os indígenas conhecem as 
propriedades do solo, a necessidade de uma limpeza cuidadosa do mato e das ervas 
daninhas, da fertilização com cinza e da semeadura adequada. Mas acontecem 
calamidades por mais bem escolhida que seja a localização e por mais bem trabalhadas 
que sejam as culturas. Secas ou inundações aparecendo nos momentos mais 
inapropriados destroem completamente a safra ou então, as doenças, os insetos ou os 
animais silvestres a diminuem. Ou em algum ano, quando o homem tem consciência de 
que faz jus apenas a uma pequena colheita, tudo corre tão acertada e prosperamente que 
rendimentos inesperados premeiam o agricultor sem m‚ritos. Os elementos ameaçadores 
da chuva e do sol, as pragas e a fertilidade parecem controlados por forças que se 
encontram para além da experiência e do conhecimento humano ordinários, e o homem 
recorre, mais uma vez, à magia. 
Em todos esses exemplos aparecem os mesmos fatores. A experiência e a 
lógica ensinam ao homem que, dentro de determinados limites, o conhecimento é 
soberano; mas que além deles não se pode fazer nada com esforços práticos de 
fundamento racional. Contudo, o homem se rebela contra a inação porque, mesmo se 
dando conta de sua impotência, se sente fortemente impelido à ação por intenso desejo e 
fortes emoções. Nem a inação é sempre possível. Uma vez que tenha embarcado para 
uma viagem longa ou se encontre em meio a um combate ou a meio caminho do ciclo de 
desenvolvimento de uma cultura, o indígena trata de colocar sua frágil canoa em 
melhores condições de navegar com encantamentos ou de afastar gafanhotos e animais 
selvagens com rituais ou de vencer seus inimigos com dança. 
A magia pode mudar de forma, variar de fundamento, mas existe em todos 
os lugares. Nas sociedades modernas, a magia está associada com o ascender um terceiro 
cigarro com o mesmo palito de fósforo, com sal derrubado e a necessidade de atirá-lo por 
cima do ombro esquerdo, com os espelhos quebrados, com o passar por debaixo de uma 
escada, com a lua nova vista através de um cristal ou na mão esquerda, com o número 
treze ou com a sexta feira.