Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
MODELO ASSISTENCIAL PARA A SAÚDE INDÍGENA: DSEI-MG/ES. Túlio Batista Franco Prof. Dr. do Instituto de Saúde da Comunidade Universidade Federal Fluminense - UFF Consultor Unesco/Dsei-MG/ES Introdução. O que se pretende neste texto é, à luz do conhecimento de modelos tecnoassistenciais e de um diagnóstico preliminar das condições de assistência à saúde aos povos indígenas, apresentar uma proposta de organização da produção do cuidado a esta população, na área de abrangência do DSEI- MG/ES. A discussão teórica que sustenta a proposta, é feita aqui na medida da necessidade do argumento, isto é, o suficiente para sustentar as diretrizes sugeridas para a organização da assistência à saúde dos índios. Assim a proposta segue com objetividade, expondo os diversos aspectos que devem compor um modelo de assistência, considerando a sua complexidade. Sugerimos uma estrutura que tem como seu foco uma dada equipe básica de saúde, multiprofissional, que deve atuar na assistência às aldeias e domicílios indígenas, e junto a estas equipes, propomos uma outra, matricial, isto é, que deverá ofertar ações de suporte técnico e assistenciais para diversas equipes que estejam atuando em várias comunidades. Esta deve ser composta necessariamente por antropólogo, assistente social, psicólogo e de acordo com a especificidade de cada local, outros profissionais de áreas em que a equipe básica, juntamente com a equipe técnica e o coordenador do DSEI considerarem necessários e pertinente para a integralidade da atenção à saúde indígena. O aspecto da intersetorialidade é ressaltado, partindo da constatação que para a resolução dos graves problemas que afetam a saúde dos índios, devem haver uma ampla colaboração e implicação de diversos órgão relacionados a esta questão, além naturalmente das ações específicas da saúde coletiva. Um breve estudo dos dados disponibilizados pelo Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena, SIASI/DSEI-MG/ES, nos revela o quadro mórbido que predomina entre as nações indígenas destes estados, e vem nos indicar que áreas devem ser priorizadas para implantação de programas para controle de agravos. Podemos assim destacar a alta prevalência da desnutrição, doenças infecciosas e parasitárias, alcoolismo e doenças do aparelho respiratório. Há nesses grupos mais de 50% das causas de adoecimento e morte entre os índios. Um outro olhar sobre os perfis sanitário e epidemiológico das diversas etnias, dão a impressão que os índios não viveram a transição epidemiológica que resultou na prevalência das chamadas “doenças da modernidade”, comuns entre a população urbana após a revolução industrial. Seu quadro sanitário é o mesmo do Brasil rural do século XVII, com predominância de doenças infecciosas e parasitárias, dentre outras como já destacadas acima. Isto coloca no centro da formulação de uma proposta de modelo assistencial, toda questão pertinente à vigilância à saúde que será detalhada no texto. O modelo de assistência deve ter como objetivo central atender às necessidades de saúde dos povos indígenas, que vão de encontro aos grupos de necessidades definidos por Cecílio (1999) como: “Em se ter ‘boas condições de vida’ [...] ter acesso e se poder consumir toda tecnologia de saúde capaz de melhorar e prolongar a vida [...] criação de vínculos (a)efetivos entre cada usuário e uma equipe e/ou um profissional [...] necessidade de cada pessoa ter graus crescentes de autonomia no seu modo de levar a vida”. Além disto, o modelo que se pensa para a saúde indígena, deve empoderar os índios para que eles próprios possam com o tempo, vir a ser protagonistas na produção da sua própria saúde. Torná-los sujeitos plenos, individuais e coletivos, rompendo com um centenário ciclo de relações que os tornam sujeitados. Este é o outro objetivo que deve ser perseguido. Isto só será possível se forem incorporadas às ações da saúde, os outros saberes que possibilitem o acesso ao mundo simbólico destes povos, que contribuem para a compreensão da sua cultura e comportamento e naturalmente a subjetividade dos índios. Nos referimos sobretudo, à questão do processo de trabalho, que deve considerar, para a implantação e operação dos programas e ações de saúde, o modo dialógico e interativo na relação com os índios, respeitando-os e fazendo-se respeitar, procurando assim constituir um ambiente solidário de trabalho e produção da saúde. Pensando o modelo assistencial. O modelo assistencial genericamente é entendido como a forma ideal de organização dos serviços de saúde, ou, o modo como se produz o cuidado a partir de determinadas tecnologias assistenciais, dentro de um contexto social, político, ambiental e subjetivo (Merhy, 1992; Silva Jr., 1998; Franco, 1999). Partimos de um princípio norteador para pensar o modelo de assistência, qual seja: ele deve se estruturar, centrado no usuário-índio e suas necessidades. Isso pressupõe um modelo dinâmico, que pode assumir diferentes matizes, dependendo das necessidades que se interpõem para o cuidado à saúde dos povos indígenas. Deve se adaptar às condições de vida, sociais, sanitárias e epidemiológicas, culturais e simbólicas, subjetivas e de comportamento de cada etnia. Porém, nesse universo complexo, nos guiamos por algumas diretrizes operacionais para pensar esse modelo assistencial, que serão discutidas ao longo do texto, mas que definimos a seguir como: Acolhimento1: significa em primeiro lugar, garantir o ACESSO aos usuários-índios à assistência, ou seja, todos que procuram ou não o serviço de saúde (o acesso se dá também pela visita domiciliar). A sua recepção no serviço de saúde deve ser dar através de ações acolhedoras, realizadas pelo profissional de saúde encarregado de atendê-lo em qualquer situação ou lugar, em uma escuta qualificada, onde o trabalhador deverá se comprometer em resolver o seu problema de saúde. Resolver, significa dar-lhe uma resposta positiva, utilizando dos recursos disponíveis ou garantindo-lhe um encaminhamento seguro. O Acolhimento humaniza a assistência, deve resignificar a relação entre trabalhador e o usuário-índio, pautada pela solidariedade, respeito à sua cultura e hábitos, presidida pelo direito de cidadania no acesso aos serviços. Por outro lado, o Acolhimento deve reordenar o processo de trabalho de forma a torná-lo multiprofissional, reunindo todos os saberes implicados na produção do cuidado, o que significa valorizar, além da clínica, epidemiologia e planejamento, o conhecimento da antropologia, assistência social, psicanálise e esquizo-análise, da cultura, entre outros. O Acolhimento como diretriz geral para os serviços, deve ocorrer em todos os lugares onde houver o encontro de um trabalhador de saúde com o usuário-índio, seja no domicílio, aldeia, no posto de saúde, pólo base, CASAI ou outro equipamento de saúde qualquer. Nesses contatos que são de trabalho e produção de saúde, a escuta qualificada, centrada na relação e compromissada com em resolver o problema de saúde do índio, deve buscar avaliar o risco que este apresenta, tomando uma decisão com base nos recursos disponíveis no serviço e/ou rede de assistência à saúde indígena, inclusive a retaguarda do Sistema Único de Saúde. Após o estabelecimento de um certo diagnóstico 1 Sobre o Acolhimento ver: a) FRANCO, T. B.; BUENO, W. S.; MERHY, E. E. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim (MG). Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, jun. 2000. b) MALTA, D. C. et al. Acolhimento: uma reconfiguração do processo de trabalho em saúde usuário-centrada.In: CAMPOS, C. R.; MALTA, D. C.; REIS, A. T. et al. Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte. São Paulo: Xamã, 1998. clínico-sócio-cultural-subjetivo, a equipe deve definir seu projeto terapêutico, atendendo ao conjunto de necessidades apresentadas pelo usuário-índio. Para o projeto terapêutico devem ser dimensionados recursos e ações compatíveis com a complexidade que envolve a assistência à saúde indígena. Isto requer pensar o acompanhamento do usuário-índio, o cuidado com seus “parentes- acompanhantes”, espaço de escuta e de fala nas relações com os mesmos, possibilidades de realização de seus ritos no ambiente em que estiver, especialmente nas Casas de Atendimento à Saúde Indígena (CASAI) enfim, o projeto terapêutico deve reunir as tecnologias de cuidado que os serviços de saúde usuais dispõem, adicionadas das questões específicas que são da cultura indígena. Tendo o projeto terapêutico definido, é importante definir responsabilidades para a sua condução. Isto pode ser feito, indicando entre os membros da equipe de saúde, aquele que vai fazer a “gestão do cuidado” , ou seja, administrar a condução do seu projeto terapêutico, tendo claro que ele utilizará o trabalho de toda equipe para isso, mas fica sendo a partir de então, o responsável por garantir os cuidados àquele usuário. Vínculo2: se realiza e a partir da adscrição de um certo número de usuários-índios a uma equipe multiprofissional, que deve ser a referência segura para o cuidado àquela população. Para comunidades de até 2.000 índios em média, pode ser utilizada uma equipe multiprofissional e acima deste número as equipes podem ou ganhar uma estrutura ampliada (com maior número de profissionais) ou devem ser organizadas maior número de equipes para uma mesma comunidade indígena. O vínculo pressupõe responsabilização, isto é, que a equipe cuide de todos os aspectos que cercam a saúde dos índios, incluindo as visitas nas aldeias e domicílios, a busca ativa de casos, assistência aos egressos de internações hospitalares e/ou da CASAI, organização de programas de controle de agravos, vigilância à saúde em geral e todo arsenal técnico da clínica que está disponível para o cuidado aos índios. 2 Sobre o vínculo a equipes de referência ver: CAMPOS, G. W. S. Reforma da reforma, repensando a saúde. São Paulo: Hucitec, 1992. Ao vincular um número de usuários-índios a uma ESFI (Equipe de Saúde da Família Indígena), estamos nos referenciando a uma estrutura na organização dos serviços, com foco na sua micro-organização social, assim como de um novo processo de trabalho. O vínculo pode ser organizado no Território Indígena (TI) e/ou em qualquer equipamento de saúde. Partimos da idéia geral de que o nível de assistência na aldeia deve ser o mais resolutivo possível, evitando assim o trânsito de indígenas para as cidades, deslocamento este que muitas vezes coloca em risco o usuário-índio e seus familiares. Encaminhamentos para a CASAI e a rede de maior complexidade do SUS, devem ser feito, somente em casos de necessidade, que foge à competência técnica e missão do posto da aldeia e suas estruturas mais próximas. Assim, no nível das aldeias, sugerimos duas estruturas de vínculo para assistirem aos índios, a saber: i) A ESFI básica, formada por médico, enfermeira, dentista, auxiliares de enfermagem, Auxiliar de Consultório Dentário (ACD) e agentes comunitários indígenas. ii) A Equipe Matricial, formada necessariamente por Antropólogo3, Assistente Social4, Psicólogo5, e outros profissionais para questões específicas, caso a necessidade dos mesmos seja percebida. Esta equipe matricial deve ser referência para um certo número de equipes básicas, a ser definido posteriormente para cada caso-etnia estudado. 3 Sua função poderá ser a de orientar a equipe técnica quanto aos aspectos culturais, hábitos, comportamentos, ritos e todo o mundo simbólico que cerca as comunidades indígenas. Poderá ofertar capacitação básica em antropologia para os profissionais de saúde, entre outras ações. 4 Com atribuição de cuidar dos aspectos que envolvem a assistência social aos usuários-índios e suas família, atuar em conflitos, articular com outros órgão e entidades, sendo um elemento chave na busca da intersetorialidade. 5 Deverá assistir os usuários-índios nos aspectos relacionados à saúde mental, notadamente atendendo à maior urgência atual, articulando um programa de redução de danos relacionado ao alcoolismo. Poderá ofertar capacitação às equipes básicas, nas questões relacionadas à saúde mental, bem como articular as entidades da área. Nota: Para pequenas comunidades, como é o caso de Minas Gerais, onde de 8 nações indígenas, 6 deles têm menos de 350 índios cada, uma equipe matricial pode ser capaz de assistir a estas 6 etnias juntas. Para grandes comunidades a relação equipe/matricial deve ser pensada coletivamente entre os técnicos envolvidos com a assistência direta aos índios. O vínculo pode ser uma diretriz que organiza a assistência em outros tipos de serviços, como por exemplo: iii) CASAI: Pressupõe a vinculação de leitos a uma dada equipe de referência, que assumiria os cuidados ao usuário-índio enquanto ali estivesse internado, inclusive o agendamento a outros serviços, acompanhamento, condução do caso sob todos aspectos, até que o tratamento tenha sido completado. Neste caso, a equipe de referência da CASAI faz a contra-referência para a equipe básica de referência do usuário. Isto para CASAI’s maiores. Para as de pequeno porte, a equipe da CASAI é a de referência, ou seja, ela faz o vínculo a toda a clientela ali internada. A CASAI deve ser caracterizado como um equipamento de saúde, de tipo específico, com atribuição de acolher as demandas que vêm dos postos da aldeia, ou de outros equipamentos e até mesmo a demanda espontânea, e tem a também a responsabilidade de articular toda a retaguarda de assistência à saúde dos índios, incluindo o SUS. Além disto, ela deve receber e cuidar dos usuários que retornam da internação hospitalar e ainda necessitam de cuidados especiais, antes de retornarem para a aldeia. É por excelência, o equipamento que faz a articulação da linha do cuidado6 na assistência à saúde indígena. Ao mesmo tempo, a CASAI serve como um importante observatório da eficácia da assistência realizada pelas equipes em nível das aldeias. Um grande número de casos vindos à CASAI, que poderiam ser resolvidos com os recursos disponibilizados às equipes que atendem nas aldeias, é indicador de baixa eficácia destas equipes. É possível, a partir da CASAI, ter alguns indicadores sentinela da atenção à saúde, por exemplo: Alta presença de desnutrição infantil na CASAI é sentinela para baixa resolutividade dos cuidados à saúde da criança em nível da aldeia. iv) HOSPITAL: O mesmo vínculo que há na CASAI, pode ser feito também no hospital. Sabemos que não é o modelo adotado usualmente na rede de assistência hospitalar do SUS, mas na pactuação entre o subsistema de saúde indígena com os equipamentos hospitalares, pode-se sugerir a vinculação de leitos a equipes de saúde, supondo toda a necessidade de cuidados especiais que devem ser dispensados aos índios. Resolutividade: significa o compromisso do trabalhador de saúde em efetivamente resolver o problema do usuário-índio, ou com os recursos de que ele dispõe, ou dando-lhe um encaminhamento seguro para o lugar onde ele possa ter seu problema resolvido. Integralidade: A integralidade da assistência à saúde, depende da pactuação da rede básica organizada e operada pelo subsistemade saúde indígena, incluindo a CASAI, e toda rede de atenção à média e alta 6 Ver: Franco, T.B. & Magalhães, H.M.; Integralidade na Assistência à Saúde: A organização das Linhas do Cuidado in O Trabalho em Saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano; Merhy, Franco, et al; São Paulo, Hucitec, 2003. complexidade e hospitalar, sob gestão do Sistema Único de Saúde. Ela deve atingir um nível de funcionamento em que os fluxos assistenciais ocorram de forma segura e tranqüila, possibilitando o acesso do usuário-índio a toda tecnologia de cuidado, necessária ao atendimento à sua saúde. Intersetorialidade: Diz respeito às ações conjuntas entre a saúde indígena e todos os outros órgãos governamentais e não governamentais que estão implicados com o atendimento às nações indígenas, sobre todo aspecto, incluindo os de ordem sócio-econômica, ambiental, cultural. Ela deve compor assim uma cartografia orgânica, com funções de cada entidade, relações e fluxos comunicantes entre si, que garantam a produção conjunta das condições favoráveis para o desenvolvimento das comunidades indígenas, potencializando sua capacidade de gerir sua vida individual e coletiva, produzir os bens para sua sobrevivência (autosustentabilidade) e se manterem saudáveis. Autonomização: O sentido da autonomização é o resultado que se pretende obter através de um cuidado à saúde centrado no sujeito índio, seja individual ou coletivo. Este resultado diz respeito justamente ao fato dos próprios índios ganharem autonomia frente aos serviços de saúde, e com o tempo e as ações assistenciais (clínicas, epidemiológicas e sanitárias, de prevenção e promoção, culturais e comportamentais, religiosas e subjetivas, etc...) eles deverão ir adquirindo capacidade protagônica, se tornando sujeitos na produção da sua própria saúde. A Vigilância à Saúde: A Vigilância à Saúde, e os seus sub-componentes, principalmente os da Vigilância Sanitária, Epidemiológica, Ambiental são campos de saberes e práticas da saúde coletiva, que devem estar associados às outras diretrizes na composição do modelo assistencial. Na observação realizada junto aos Maxakali (MG), verifica-se que condições de moradia e ambiental são absolutamente precárias. Mesmo com um esforço importante em ofertar água de qualidade, os hábitos dos Maxakali para o manejo e guarda dos alimentos não garantem que estes se mantenham nas condições ideais para o consumo. Por outro lado, dados do Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), disponibilizados no DSEI-MG/ES, informam que a morbidade entre os índios da sua área de abrangência está concentrada nas doenças infecciosas e parasitárias, que somadas às do aparelho digestivo, muitas vezes associadas a estas causas, totalizam 30% dos agravos anotados no SIASI (Figura I). Ainda conforme o SIASI, as doenças do aparelho respiratório figuram com alta prevalência, perfazendo 22% dos registros mórbidos no ano de 2003. Entre os 41 registros de óbito entre os índios para este ano, 11, ou seja, 17% têm como causa, por hipótese, problemas relacionados às doenças respiratórias. Entre as crianças menores de 1 ano, predomina como quadro mórbido a desnutrição, atingindo segundo os dados disponíveis, 34% dos registros de morbidade nesta faixa etária, para o ano de 2003. Para as crianças na faixa de 1 a 4 anos, a desnutrição continua apresentando-se como um problema extremamente grave, sendo responsável por 49,2% dos registros de morbidade nesta faixa etária, reduzindo para 7,8% para as crianças entre 5 a 9 anos. Em outubro de 2004, havia segundo diagnóstico nutricional realizado por técnicos da CASAI de Governador Valadares (MG), 21 crianças Maxakali internadas na CASAI com desnutrição severa, demonstrando que a alta prevalência deste agravo continua atormentando os indígenas. Nas crianças as doenças infecciosas intestinais, associadas às diarréias e gatrointerites de presumível causa infecciosa, são outros problemas significativos, correspondendo a 12,1% da morbidade na faixa etária até 1 ano; 12,4% de 1 a 4 anos e em 26,6% para os que estão entre 5 a 9 anos de idade. Isto vem nos demonstrar que um programa de controle nutricional entre os índios em Minas Gerais, deverá ser amplo nas ações de educação em saúde, de forma a contemplar aspectos do acondicionamento de alimentos e higienização dos utensílios e do ambiente, com vistas a prevenir os agravos desta natureza. Pressupõe portanto ações prioritárias em nível dos domicílios indígenas e suas respectivas famílias, sobretudo a mulher, que é por natureza, a cuidadora da criança. Os dados sugerem adoção, em caráter emergencial, de programa de recuperação nutricional e controle de agravos relacionados ao aparelho digestivo, de causa infecciosa e parasitária. Da mesma forma, o controle de doenças do aparelho respiratório e programa de redução de danos são também de caráter emergencial. Para construir um modelo de produção do cuidado aos Maxakali em especial, é necessário primeiro, desmontar as “máquinas de morte” presentes nas suas populações, que são principalmente a desnutrição e o alcoolismo. FIGURA I: Morbidade entre os índios da área de abrangência do DSEI-MG/ES, para o ano de 2003, distribuída por grupo de doenças conforme a Classificação Internacional de Doenças (CID10). 24% 22% 13% 7% 7% 6% 6% 5% 4% 2% 4% Alg. D. infecciosas e parasitárias D. do ap. Respiratório D. endócrinas, nutr. e metabólicas D. do ap. Circulatório D. sist. osteomuscular e tec. conjuntivo D. da pele e tecido subcutâneo D. do ap. Digestivo D. aparelho geniturinário D. do sangue e órg. hemat.e transt. Imunitários Transtornos Mentais e Comport.* Outros Fonte: Sistema de Informação da Saúde Indígena, DSEI-MG/ES. A análise dos dados, deixa dúvida no entanto, quanto aos registros relacionados aos transtornos mentais e comportamentais, incluindo o alcoolismo. É sabido a alta prevalência desta doença entre os índios e no entanto, presume-se que os registros não revelam este fato com a extensão que têm e o dano que causa entre os mesmos. Um melhor cuidado sobre este item deve ser verificado, pois a observação do comportamento dos índios e dos danos causados pelo alcoolismo tem nos levado à conclusão de que esta tem sido responsável por inúmeros problemas, inclusive o aumento exacerbado da agressão entre os próprios índios. Conclusão. Este texto assume que a construção de um modelo assistencial para a saúde indígena deve ser obra coletiva e portanto, não considera que aqui se encerra este debate, mas simplesmente, abre a discussão para os diversos sujeitos implicados com o subsistema de saúde indígena. Propõe a composição de um amplo arsenal teórico para construir e operar o novo modelo, que considera, além das tradicionais áreas da saúde coletiva (clínica, epidemiologia, planejamento e ciências sociais), outras se colocam como fundamentais, notadamente a antropologia, assistência social, psicanálise e esquizo-análise, e ainda, naturalmente, os campos de conhecimento que a intersetorialidade pode agregar, como a ecologia, e todos saberes e práticas que operam na linha da autosustentabilidade das aldeias. A diretriz do Acolhimento, faz uma aposta fundamental na relação entre trabalhador e o usuário-índio. Quando implantado nas equipes que atuam em comunidades onde uma minoria de indivíduos se comunicam em português, alguns dos trabalhadores devem aprender o idioma indígena para melhor interagirem com estas etnias. Um exemplo disto é o caso dos Maxakali em Minas Gerais. Isto é um diferencial importantepara a eficácia desta diretriz em um modelo de cuidado, que opera junto aos povos indígenas. Outro aspecto fundamental, é o referencial simbólico sob o qual os índios atuam e constroem a realidade social, e que deve ser considerado quando se trata de assistir a sua saúde. A produção do cuidado nessas comunidades pressupõe a compreensão e respeito à sua cultura e religiosidade, sendo os ritos xamânicos muitas vezes considerados dispositivos terapêuticos. Eis o que nos diz Guattari (1966) quando sugere a esquizo-análise para a compreensão destes fenômenos: Definimos a esquizo-análise por dois aspectos: a destruição das pseudo-formas expressivas do inconsciente, a descoberta dos investimentos inconscientes do campo social pelo desejo. É dentro deste ponto de vista que é preciso considerar muitas curas primitivas: elas são esquizo-análise em acto. (Guattari, 1966). O autor vem nos dizendo que o desejo dos sujeitos individuais e coletivos, é um grande propulsor para a construção do campo social. O desejo se encontra em nível inconsciente, mas atua fortemente sobre a realidade. Por exemplo: implementar um novo modelo assistencial à saúde, que seja produtor do cuidado, depende da ação desejante dos diversos atores implicados com a questão indígena, gestores, técnicos, os próprios índios, isto é, muito além do conhecimento técnico necessário, a mudança está vinculada à subjetividade, que se expressa no ato de desejar e efetivamente atuar na transformação da realidade. Os ritos xamânicos são a expressão do inconsciente coletivo, que acessa e opera um nível simbólico de significação da realidade e servem como dispositivo para a cura de muitos males que afetam a saúde dos índios. O que nos diz o autor é que os rituais são uma forma de operar diversos canais de representação simbólica, que significam ação esquizoanalítica, e têm o objetivo de liberar sua energia criativa, criadora e produtiva, recuperando para os índios bens simbólicos como auto-estima, afirmação como sujeito, domínio sobre a realidade que o cerca, construção de novas subjetividades, poder de atuar sobre o mundo. Isto é altamente terapêutico. Sobre estes aspectos, há um importante debate a se realizar, pois trata-se de algo novo no campo de reflexões da saúde coletiva, mas que vem ganhando terreno e sendo objetivo de atenção de alguns autores. Fica a idéia em geral de que os rituais devem ser estimulados e não desqualificados pelo novo modelo de assistência à saúde indígena. Enfim, atingir níveis ótimos de assistência à saúde indígena é uma missão a ser cumprida e tem como premissa a mudança do atual modelo, ainda centrado no saber biológico, com práticas excessivamente prescritivas, como é o modelo hegemônico. Verifica-se um terrível paradoxo na saúde indígena, enquanto a maioria destas comunidades não viveram o período higienista do sanitarismo brasileiro, e neste quesito assumem o perfil da comunidades rurais do Brasil século XVII, como dito aqui, têm para si um modelo que opera centrado nos recursos ofertados pela maquinaria e instrumental duro normativo e estruturado, pouco relacional e dialógico. Assim, o desafio é o de encontrar um equilíbrio em um modelo que atue sobre as condições sanitárias propriamente ditas, e ao mesmo tempo opera a clínica ampliada, com ênfase nas tecnologias leves e no campo relacional para a produção do cuidado (Merhy, 1997, 1998; Franco, 1999). BIBLIOGRAFIA: BAREMBLITT, G. Compêndio de análise institucional e outras correntes. Rio de Janeiro: Ed. Rosa dos Tempos, 1992. CAMPOS, G. W. S. Reforma da reforma, repensando a saúde. São Paulo: Hucitec, 1992. CAMPOS, G. W. S. A saúde pública e a defesa da vida. São Paulo: Hucitec, 1994b. CECÍLIO, L. C. O. (Org.). Inventando a mudança na saúde. São Paulo: Hucitec, 1994. CECÍLIO, L.C.O.; As Necessidades de Saúde como Conceito Estruturante na Luta pela Integralidade e Equidade na Atenção em Saúde; Rio de Janeiro; UERJ, IMS: ABRASCO; 2001. DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Lisboa: Assírio & Alvim, 1966. DONNANGELO, M. C. Saúde e sociedade. São Paulo: Duas Cidades, 1976. Ferreira Vilarinho, E.; Relatório sobre a Intervenção Nutricional na Casa do Índio; Governador Valadares (MG), mimeo, outubro/2004. FRANCO, T. B. Os processos de trabalho e a mudança do modelo tecnoassistencial em saúde. Campinas, 1999. (Tese - Mestrado – Universidade Estadual de Campinas). FRANCO, T.B. & MAGALHÃES, H.M.; Integralidade na Assistência à Saúde: A organização das Linhas do Cuidado in O Trabalho em Saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano; Merhy, Franco, et al; São Paulo, Hucitec, 2003. FRANCO, T. B.; MERHY, E. E. PSF: contradições de um programa destinado à mudança do modelo assistencial in O Trabalho em Saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano; São Paulo, Hucitec, 2003. FRANCO, T. B.; BUENO, W. S.; MERHY, E. E. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim (MG). Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, jun. 2000. GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1999. MALTA, D. C. et al. Acolhimento: uma reconfiguração do processo de trabalho em saúde usuário-centrada. In: CAMPOS, C. R.; MALTA, D. C.; REIS, A. T. et al. Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte. São Paulo: Xamã, 1998. MERHY, E. E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do Trabalho Vivo em saúde. In: MERHY, E. E.; ONOCKO, R. (Org.), Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec, 1997. MERHY, E.E. A Saúde Pública como Política: um estudo de formuladores de políticas; São Paulo, Hucitec, 1992. MERHY, E. E.; ONOCKO, R. (Org.), Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec, 1997. MERHY, E. E. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde − Uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: MERHY, E. E. Saúde: a cartografia do Trabalho Vivo. São Paulo: Hucitec, 2002. SILVA JR. A. G. Modelos tecnoassistenciais em Saúde − o debate no campo da saúde coletiva. São Paulo: Hucitec, 1998. Belo Horizonte, 30 de novembro de 2004. Fim.
Compartilhar