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HEURÍSTICAS E ANCORAGENS NA FORMAÇÃO DOS PREÇOS EM SUPERMERCADOS ARTIGO – MARKETING REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 Roberto Brazileiro Paixão Doutorando em Administração pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia. Professor Assistente da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia – Salvador-BA, Brasil E-mail: roberto.brazileiro@ufba.br Recebido em: 10/3/2009 Aprovado em: 30/6/2010 César Valentim de Oliveira Carvalho Júnior Doutorando em Ciências Contábeis pela Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Professor Assistente da Faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal da Bahia – Salvador-BA, Brasil E-mail: cesarvalentim@ufba.br Adriano Leal Bruni Doutor em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Professor Titular da Faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal da Bahia – Salvador-BA, Brasil E-mail: albruni@ufba.br RESUMO Este artigo buscou analisar o processo de formação de preços, enfatizando o fenômeno da ancoragem do dígito esquerdo, que supõe que em um processo simplificado de tomada de decisão consumidores poderiam registrar apenas o dígito esquerdo, anterior à virgula. Os centavos não seriam percebidos, e um preço como R$ 2,99 seria registrado mentalmente como apenas R$ 2,00. Duas pesquisas distintas foram feitas. A primeira analisou 4.144 preços em gôndolas e 52 preços em tabloides de três redes de supermercados de Salvador, Bahia, e constatou a prática significativa de preços com centavos mais altos, coerente com a ancoragem. A segunda pesquisa procurou encontrar as razões para o fenômeno, realizando experimento com 96 consumidores, cada um analisando dez preços de produtos diferentes, o que totalizou 952 observações. Os resultados da segunda pesquisa indicam que quando se veem diante de preços com centavos diferentes, os consumidores apresentam percepções aleatoriamente distribuídas entre o preço inteiro superior e o inferior. Embora a ancoragem no dígito esquerdo não tenha sido comprovada, a distribuição aleatória das respostas é coerente com a prática sistemática de preços com centavos mais elevados, já que a percepção do consumidor não seria afetada pelos centavos. Palavras-chave: Preços, Supermercados, Heurísticas, Ancoragem. HEURISTICS AND ANCHORAGES IN THE FORMATION OF PRICES IN SUPERMARKETS ABSTRACT This paper analyzes the process of the formation of prices emphasizing the phenomenon of anchoring on the digit before the period, which assumes that in a simplified decision-making process, consumers might stress only the digit before the period. Therefore the cents would not be perceived and a price such as $ 2.99 would be mentally registered as only $ 2.00. One study examined 4.144 prices on gondolas and 52 prices on tabloids at three supermarket chains in Salvador, Bahia. Results disclosed a significant practice of pricing Roberto Brazileiro Paixão, César Valentim de Oliveira Carvalho Júnior e Adriano Leal Bruni REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 438 with the higher number of cents that is consistent with anchoring. A second separate study sought reasons for the phenomenon by conducting an experiment with 96 consumers where each analyzed ten prices of different products for a total of 952 observations. These results revealed that when customers are faced with a price and different cents, they have randomly distributed perceptions between the full upper and lower price. Although the anchoring described has not been proven, random distribution of responses is coherent with the systematic practice of prices with a larger number of cents since the perception of consumers would not be affected by the cents. Key words: Prices, Supermarkets, Heuristics, Anchorage. HEURÍSTICAS Y ANCORAJES EN LA FORMACIÓN DE LOS PRECIOS EN SUPERMERCADOS RESUMEN Este artículo buscó analizar el proceso de formación de precios, enfatizando el fenómeno del ancoraje del dígito izquierdo, que supone que en un proceso simplificado de tomar decisiones los consumidores podrían registrar apenas el dígito izquierdo, anterior a la coma. Los centavos no serían percibidos, y un precio como R$ 2,99 sería registrado mentalmente como apenas R$ 2,00. Dos encuestas distintas fueron hechas. La primera analizó 4.144 precios en anaqueles y 52 precios en tabloides de tres redes de supermercados de Salvador, Bahía, y constató la práctica significativa de precios con centavos más altos, coherente con el ancoraje. La segunda encuesta buscó encontrar las razones para el fenómeno, realizando una experiencia con 96 consumidores, cada uno analizando diez precios de productos diferentes, lo que completó 952 observaciones. Los resultados de la segunda encuesta indican que cuando se ven delante de precios con centavos diferentes, los consumidores presentan percepciones aleatoriamente distribuidas entre el precio entero superior y el inferior. Aunque el ancoraje en el dígito izquierdo no haya sido comprobado, la distribución aleatoria de las respuestas es coherente con la práctica sistemática de precios con centavos más elevados, ya que la percepción del consumidor no seria afectada por los centavos. Palabras-clave: Precios, Supermercados, Heurísticas, Ancoraje. Heurísticas e ancoragens na formação dos preços em supermercados REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 439 1. INTRODUÇÃO O marketing segue numa busca incansável por atender às necessidades dos clientes por meio do produto (ou serviço) comercializado e das peculiaridades associadas à sua criação, entrega e consumo (LEVITT, 1990). Para isso, é necessário o estabelecimento do mix de marketing. Quando os profissionais de marketing decidem sobre os produtos e suas características, definem seus preços, decidem sobre como os distribuir e selecionam métodos para a sua promoção (KOTLER; KELLER, 2007). Quanto ao mix de marketing, Kotler e Keller (2007) destacam que o preço difere dos três outros elementos (produto, promoção e ponto de venda ou distribuição) por gerar receita, enquanto os demais itens são geradores de custos. Esses autores defendem que são necessários investimentos ou gastos nos demais componentes para a produção da receita gerada pelo preço praticado. Seguindo essa linha de pensamento, Feldman (2002) também ressalta a importância do preço e os seus efeitos na lucratividade das companhias, destacando o quanto o preço pode provocar efeitos instantâneos de curto prazo nos resultados das organizações por meio de reduções ou aumentos em consideráveis proporções. Atestando a importância de uma ampla visão no processo de precificação de produtos e serviços, Nagle e Holden (2003) consideram um erro definir as quantidades a serem vendidas e os compradores a serem atendidos sem ao menos identificar os preços que podem ser cobrados. Assim, os autores defendem que os aspectos mercadológicos devem primar pela avaliação de quanto os compradores podem ser convencidos a pagar, enfatizando mais uma vez a importância do preço no mix de marketing das organizações. Observando a importância do preço no composto mercadológico, acadêmicos e empresários estão cada vez mais interessados em entender como os consumidores percebem o valor de um bem ou serviço, como podem influenciá-lo e, consequentemente, como eles avaliam os preços. Os empresários muitas vezes tomam decisões relativas a preços baseados nas suas experiências, com pouco ou nenhum embasamento científico.Nesse sentido, há um largo campo a ser pesquisado, especificamente para entender como e por que os consumidores respondem a diferentes formas de precificação (SMITH; NAGLE, 1995). Alguns estudos vêm chamando a atenção para a análise de aspectos cognitivos dos consumidores, principalmente os vinculados à percepção dos preços. Visto que a percepção dos preços e a decisão de compra sofrem uma grande influência de heurísticas, ou seja, de processos cognitivos simplificadores, alguns estudos se baseiam na ancoragem de tais percepções nos dígitos esquerdos dos preços (SMITH; NAGLE, 1995; ANDERSON; SIMESTER, 2003; THOMAS; MORWITZ, 2005; SCHINDLER; KIBARIAN, 2001). Algumas investigações destacam a relevância da adoção de centavos elevados quando os dígitos esquerdos são diferentes (como R$ 1,99 e R$ 2,00). Neste caso, os consumidores perceberiam os preços com centavos elevados como mais baixos, enquanto a percepção de preços não apresentaria diferenças em casos nos quais os dígitos esquerdos não se alteram (como R$ 1,99 e R$ 1,70) (ANDERSON; SIMESTER, 2003; THOMAS; MORWITZ, 2005; SCHINDLER; KIBARIAN, 2001). Apesar de sua relevância, observa-se a incipiência de pesquisas acerca deste tema no Brasil, em razão da pouca atenção dada à eficiência ou relevância da formação de preços, o que é, em parte, justificado por Giglio e Figueiredo (2004), que identificaram que o processo inflacionário das décadas de 80 e 90 gerava resultados financeiros superiores aos operacionais. Assim, buscando contribuir com as pesquisas referentes às formas de precificação no Brasil e à maneira pela qual elas são percebidas pelos consumidores, este artigo objetiva analisar como os consumidores ancoram a sua percepção dos preços no dígito esquerdo (nos centavos). Este trabalho buscou estudar o fenômeno da ancoragem no dígito esquerdo mediante dois objetivos e metodologias diferentes. O primeiro objetivo foi analisar a distribuição dos centavos nos preços em gôndolas e tabloides de supermercados, testando a hipótese de uma prática mais intensa de preços com centavos mais altos. O segundo objetivo foi analisar o fenômeno da ancoragem que poderia justificar a prática de preços com centavos elevados, mediante experimento que testou a hipótese de que os consumidores ancorarão sua percepção no dígito esquerdo anterior à vírgula do preço. Existindo ancoragem, produtos com centavos elevados nos Roberto Brazileiro Paixão, César Valentim de Oliveira Carvalho Júnior e Adriano Leal Bruni REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 440 preços, como R$ 3,99, seriam percebidos em razão, unicamente, do dígito esquerdo. O preço seria percebido como R$ 3,00, apenas. O artigo está subdividido em outras quatro partes, além desta introdução. A segunda parte apresenta o referencial teórico sobre o tema, com foco nas pesquisas mais recentes publicadas em periódicos de relevância internacional. A terceira parte apresenta os procedimentos metodológicos da pesquisa, incluindo os testes estatísticos realizados. Os resultados são analisados na quarta parte. Por fim, na quinta parte são apresentadas as considerações finais a respeito das pesquisas e dos resultados encontrados. 2. REFERENCIAL TEÓRICO O processo de tomada de decisão do consumidor, segundo Hastie (2001), surge da combinação de desejos (utilidades, valores pessoais e objetivos) e crenças (expectativas e conhecimentos) na escolha de um curso de ação, sendo, portanto, um processo complexo. O processo de compra ocorre, basicamente, em dois estágios: o reconhecimento da necessidade, estágio considerado primário e que representa o despertar do desejo e a intenção de satisfazê-lo; e a busca de informações, que consiste na coleta de informações esclarecedoras acerca dos produtos ou serviços disponíveis e que atendam ao desejo (KOTLER; KELLER, 2007). Engel, Blackwell e Miniard (1995) acreditam que o processo de decisão de compra do consumidor é influenciado por variáveis do ambiente (cultura, etnia, classe social, por exemplo), por diferenças individuais (recursos disponíveis para compra, conhecimento, atitude e estilo de vida, por exemplo) e por variáveis psicológicas (processamento de informações, aprendizagem e influência sobre atitudes e comportamentos, por exemplo). Essas variáveis vão influenciar na identificação da necessidade, na procura, na avaliação de alternativas de aquisição, na compra efetiva, no consumo e na avaliação pós-compra. Contudo, visto que o processo de decisão de compra ocorre muitas vezes em situações adversas, em ambientes complexos e suscetíveis a mudanças, nos quais os consumidores possuem apenas informações incompletas e não confiáveis, é comum que sejam utilizadas heurísticas. As heurísticas são processos simplificados de julgamento que facilitam as tomadas de decisão, como a decisão de compra de um determinado bem ou serviço. Tversky e Kahneman (1974) buscaram entender como se dava o julgamento humano em situações complexas. Para esses autores, as decisões que as pessoas tomam não obedecem a modelos matemáticos, ou seja, na maioria das vezes as pessoas não utilizam um embasamento estatístico para ponderar suas decisões. Ao contrário, utilizam regras de inferência com a finalidade de simplificar o processo, as chamadas heurísticas. As heurísticas simplificam o processo decisório, reduzindo os esforços empreendidos nos julgamentos e o tempo gasto no processo. Contudo, podem conduzir a erros e vieses na tomada da decisão. Tversky e Kahneman (1974) classificaram as heurísticas em três tipos: disponibilidade, representatividade e ancoragem. A disponibilidade consiste na facilidade com que determinado fato é lembrado ou imaginado pelo indivíduo e em como ele pode afetar a estimação da probabilidade de determinado evento ocorrer. Ou seja, de acordo com a heurística da disponibilidade, as pessoas julgam a partir da facilidade de consultar em sua memória experiências anteriores. A heurística da representatividade está relacionada à ocorrência de um determinado evento típico ou representativo de uma certa situação. A representatividade é determinada pela similaridade entre outros eventos – significa que a probabilidade de ocorrência de um evento está ligada ao nível de similaridade entre as características do processo ou da população a partir dos quais ele foi gerado. Para Bazerman (2004), ao fazerem um julgamento sobre um indivíduo, objeto ou evento, as pessoas tendem a procurar peculiaridades que eles possam ter que correspondam a estereótipos formados anteriormente. A heurística da ancoragem consiste em adotar um valor inicial como âncora para um julgamento posterior. Tal âncora serve de parâmetro para uma estimativa sobre uma decisão. A ancoragem permite ganhos de tempo e não demanda esforços cognitivos, contudo pode levar a julgamentos tendenciosos. A heurística de ancoragem é especialmente importante neste trabalho e nas pesquisas sobre como os consumidores são afetados por políticas de preços diferenciados. Dado o volume de Heurísticas e ancoragens na formação dos preços em supermercados REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 441 informações de preços referentes aos itens ofertados por varejistas, julga-se comum a ancoragem com base em algum preço diferenciado, por exemplo, um preço terminado em 99. Para Smith e Nagle (1995), os consumidores percebem um preço de, por exemplo, R$ 95 comose nesse preço houvesse um desconto para um preço “regular” de R$ 100, entendendo que tal valor implicaria um ganho. De maneira inversa, um preço de R$ 105 seria visto como implicando uma possível “perda”, pois seria considerado um aumento de um preço “regular” de R$ 100. Tal lógica se baseia na leitura do preço no sentido esquerda-direita. Smith e Nagle (1995) exemplificam tal percepção por meio de pares de preços, conforme a Figura 1. Considerando-se os preços dessa figura, para qual dos pares de preços o preço mais baixo representa um desconto? Segundo esses autores, a maioria das pessoas percebe o preço mais baixo do segundo par de preços como sendo uma barganha. Isso ocorre mesmo que a diferença entre os preços de cada par seja exatamente a mesma (14 centavos), pois as pessoas tendem a comparar, no primeiro par, o dígito oito com o sete (um “ponto” menor) e, no segundo par, o dígito 9 com o dígito sete (dois “pontos” menor). Sendo assim, a diferença entre os preços seria maior no segundo par de preços. Figura 1: Exemplo da percepção de preços Preço mais alto Preço mais baixo Par 1 $0,89 $0,75 Par 2 $0,93 $0,79 Fonte: SMITH; NAGLE, 1995. De acordo com Schindler e Kibarian (2001), o uso de preços terminados em 99, como R$ 14,99 em vez de R$ 15,00, faz incrementar substancialmente o volume de vendas do produto, apesar de ainda não estar tão claro o motivo para tal aumento nas vendas. Na visão desses autores, uma possível resposta para tal efeito está na imagem que o preço passa aos consumidores. Nesse sentido, tal efeito ocorrerá sempre que o preço terminado em 9 for captado pelos consumidores como um preço favorável, sem que a qualidade do produto seja alterada na sua percepção. O preço terminado em 99 tende a ser entendido como um preço inferior. As pessoas tendem a dar menor atenção aos dígitos direitos de um preço e, consequentemente, a subestimar o impacto do final 99 (SCHINDLER; KIBARIAN, 2001). Isso significa que a atenção das pessoas é centrada no dígito esquerdo (antes da vírgula) de um preço e não nos centavos (SMITH; NAGLE, 1995). Assim, ao se observar um preço de R$ 14,99 pode ocorrer a percepção de preço tendendo mais para o valor 14 do que para o valor 15. Para Thomas e Morwitz (2005), a mudança de um preço de R$ 5,00 para R$ 4,99, por exemplo, muda o dígito esquerdo (de 5 para 4), e é justamente tal mudança, e não a redução de um centavo, que afeta a magnitude da percepção dos consumidores. Uma possível explicação para o efeito do preço terminado em 99 pode estar no processo de leitura da esquerda para a direita. Nesse sentido, a ancoragem no dígito esquerdo aconteceria antes mesmo do término da leitura do preço, em um processo extremamente rápido e inconsciente (THOMAS; MORWITZ, 2005). Tal estratégia de precificação, que utiliza preços terminados em 9, é mais utilizada em promoções do que em preços regulares; também é mais utilizada por varejistas que atuam em mercados com elevada concorrência (SCHINDLER; KIBARIAN, 2001). Esse fato pode ser observado nos tabloides promocionais das redes supermercadistas. Os encartes trazem promoções nas quais a precificação se concentra no uso de valores terminados em 9 ou 8. A Figura 2 apresenta alguns exemplos de anúncios de uma rede de supermercados coletados nesta pesquisa. Todos os preços apresentados apresentam centavos iguais a R$ 0,98. Roberto Brazileiro Paixão, César Valentim de Oliveira Carvalho Júnior e Adriano Leal Bruni REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 442 Figura 2: Parte de tabloide com todos os preços terminados em ,98 Fonte: Dados da pesquisa. A estratégia de precificação que utiliza dígitos direitos terminados em 9 ou 8 enfatiza a visualização do dígito esquerdo pelo consumidor. O dígito esquerdo aparece em destaque nos tabloides pesquisados (ver Figura 3), o que de certa forma condiz com os estudos de Schindler e Kibarian (2001), Anderson e Simester (2003) e Thomas e Morwitz (2005). Figura 3: Anúncio com parte esquerda do preço enfatizada Fonte: Dados da pesquisa. Schindler e Kibarian (2001) realizaram um experimento com anúncios de preços terminados em 99 e terminados em 0 (exemplo: R$ 9,99 e R$ 10,00). A pesquisa foi feita com dois grupos distintos: um grupo avaliou anúncios com preços terminados em 99 e outro com preços terminados em 0. Em seguida, fizeram perguntas às pessoas que participaram do experimento. Os autores concluíram que o primeiro grupo acreditava que tais preços estavam em promoção e que dificilmente poderia encontrar preços mais baixos. De outro lado, os resultados referentes à qualidade dos produtos não foram significativos, ou seja, os respondentes não consideraram os preços terminados em 9 como de qualidade inferior. Para Thomas e Morwitz (2005), a percepção dos consumidores só é afetada quando a alteração do preço terminado em 9 ocorre em conjunto com o dígito esquerdo. Ou seja, a percepção só será afetada quando o preço for alterado de R$ 5,00 para R$ 4,99. Caso o preço seja alterado de R$ 3,60 para Heurísticas e ancoragens na formação dos preços em supermercados REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 443 R$ 3,59 tal efeito não terá o mesmo impacto, pois o dígito esquerdo não foi alterado. Em sua pesquisa sobre o efeito do dígito esquerdo, Thomas e Morwitz (2005) fizeram uma análise do efeito da percepção da magnitude dos preços terminados em 9 com alteração no dígito esquerdo (R$ 3,00 para R$ 2,99) e sem tal alteração (R$ 3,60 para R$ 3,59). A percepção da magnitude dos preços foi significante quando a alteração nos preços ocorreu com alteração no dígito esquerdo, porém insignificante quando não ocorreu a alteração no dígito esquerdo. Também em pesquisa voltada ao mapeamento dos efeitos de preços terminados em 9 nas vendas dos varejistas, Anderson e Simester (2003) investigaram tais efeitos a partir de três estudos em larga escala conduzidos em dois diferentes catálogos de roupas femininas. Esses estudos envolveram ampla manipulação de preços (geralmente de R$ 1,00 a R$ 5,00) e revelaram evidências conclusivas de que preços terminados em 9 podem elevar a demanda. Foi identificado também que os preços terminados em 9 são mais eficazes para novos itens e para os casos em que há sugestões de venda. Os autores destacam ainda que a eficácia do final dos preços é moderada pelo contexto no qual estes são usados, e que esse fato pode ajudar a explicar alguns dos inconclusivos resultados encontrados em estudos anteriores. Anderson e Simester (2003) avaliaram dois tipos de explicações para os resultados encontrados: (a) sob uma explicação baseada em informações, os consumidores usam o final dos preços para deduzir que o item é caro ou barato em relação aos níveis de preço do mercado; (b) já sob explicações baseadas em “dropping-off”, em que a referência de valor é perdida pelos consumidores, estes são caracterizados por processar as informações de preços de forma imperfeita. Assim, de acordo com esses autores, os resultados encontrados no estudo oferecem maior suporte à explicação baseada em informações. Em outro estudo, Schindler e Chandrashekaran (2004) buscaram analisar a influência dos últimos dígitos na recordação dos preços. Assim, o interesse do estudo foi, observando o padrão de recordação pela posição dos dígitos, tentar entender como os consumidores recordam um grupo de preços. O objetivo do estudofoi investigar se diferentes formatos de finais de preço (terminados em 9 versus finais baixos versus finais altos) influenciam a precisão da recordação do grupo de números que representam os preços em quatro dígitos. Os resultados encontrados sugerem que os consumidores percebem os dígitos esquerdos mais elevados como mais caros. Tais preços apresentam desvantagem na perspectiva dos consumidores quando comparados a dígitos esquerdos inferiores. Assim, os dígitos esquerdos acabam forçando os consumidores a ter uma percepção irregular dos preços. Os autores também destacam que a precificação de produtos com números finais baixos faz com que estes possam ser percebidos como mais caros do que os produtos daqueles varejistas que precificam os seus produtos com finais de preço altos ou preços terminados em 9. Apesar da importância e principalmente da grande utilização da precificação terminada em centavos elevados, são poucos os estudos empíricos sobre seus efeitos (SCHINDLER; KIBARIAN, 2001). Particularmente no Brasil, pesquisas envolvendo tal tema também são escassas. Giglio e Figueiredo (2004) afirmam que, no Brasil, a pouca atenção dada pela academia à pesquisa sobre preços se deve em grande parte a fatores econômicos marcantes das últimas décadas, como o processo inflacionário dos anos 80 e 90 e o congelamento de preços pelo governo. 3. METODOLOGIA A hipótese principal do estudo afirma que os consumidores ancorarão sua percepção no dígito esquerdo no caso de produtos cuja parte fracionária do preço seja elevada. Neste estudo, considerou-se que a ancoragem iria ocorrer no dígito esquerdo mesmo nos casos em que a parte fracionária fosse maior que R$ 0,50 (cinquenta centavos). Assim, produtos com preços iguais a R$ 16,98, por exemplo, seriam armazenados na lembrança dos consumidores como custando “Dezesseis reais e pouco”. A confirmação dessa ancoragem justificaria a prática tão intensa de preços com centavos elevados. Sua análise é o principal objetivo deste estudo. Para isso, os procedimentos metodológicos envolveram a realização de duas pesquisas distintas. A primeira pesquisa analisou os preços de produtos variados expostos nas gôndolas e também em tabloides impressos distribuídos em três lojas diferentes situadas em Salvador, Bahia, de três Roberto Brazileiro Paixão, César Valentim de Oliveira Carvalho Júnior e Adriano Leal Bruni REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 444 grandes redes de supermercados. O objetivo de tal coleta foi identificar a prática de precificação com dígitos direitos (ou centavos) mais elevados (principalmente 9 e 8). No total, foram coletados 4.144 preços de gôndolas e 52 preços de tabloides. Existindo o fenômeno da ancoragem no dígito esquerdo e o desprezo à percepção dos centavos nos preços, era esperado que o fenômeno fosse explorado por fabricantes e varejistas, que apresentariam preços sistematicamente com centavos mais altos. A segunda pesquisa envolveu um experimento constituído de duas partes sequenciais. A amostra foi formada por 96 alunos de graduação e pós- graduação de duas instituições particulares de ensino de Salvador, Bahia. A amostragem foi definida como não probabilística por conveniência, na qual o pesquisador se dirige intencionalmente aos respondentes. Justifica-se esse tipo de amostragem, principalmente, pela facilidade de obtenção dos dados e pelo baixo custo de operacionalização (AAKER; KUMAR; DAY, 2004). Na primeira parte, apresentou-se uma relação com dez produtos escolhidos aleatoriamente do tabloide informativo de preços de uma grande rede de supermercados da cidade. Os produtos foram escolhidos com base unicamente em seus preços anunciados. Com o objetivo de manter um grupo de controle, optou-se pela análise experimental também de preços com menos de cinquenta centavos. A inclusão de um grupo de controle permitiu análises adicionais dos níveis de significância dos testes. Foram selecionados dois produtos com preços começados em R$ 1,00, outros dois com preços começados em R$ 2,00 e assim por diante, até R$ 5,00. Dentro de cada faixa de preço, escolheu-se um produto com valor em centavos menor que R$ 0,50 e outro com valor em centavos maior que R$ 0,50. Posteriormente, os produtos foram aleatoriamente sorteados e incluídos na versão impressa dos questionários distribuídos. A relação dos produtos, seus respectivos preços e a ordem em que apareceram nos questionários podem ser vistos no Quadro 1. Quadro 1: Produtos e respectivos preços utilizados no experimento Amaciante Mon Bijou diversos tipos 500 ml, R$ 1,67 Esponja de lã de aço Lanux com 8 unidades 60 g, R$ 1,27 Desinfetante Pinho Sol diversos tipos 500 ml, R$ 2,37 Coxa com sobrecoxa de frango Galinha Gorda resfriada quilo, R$ 5,98 Lava-roupas em pó Omo Multiação 500 g, R$ 2,57 Papel toalha Chifon Jumbo com 2 unidades, R$ 3,98 Xampu infantil Equate 443 ml, R$ 4,98 Talco Equate Baby 200 g, R$ 3,48 Charque dianteiro Margeo 500 g, R$ 5,48 Amaciante Fofo diversos tipos 2 litros, R$ 4,37 Fonte: os Autores. O objetivo da primeira parte do experimento consistia em os respondentes analisarem cada um dos produtos individualmente. Para reforçar a análise das características, foi solicitado ao respondente que apontasse a probabilidade de ele comprar cada um dos produtos apresentados, assinalando um número entre 1 (Probabilidade baixa) e 7 (Probabilidade alta). A parte inicial da etapa antecedente do experimento com os dois primeiros produtos pode ser visualizada na Figura 4. Heurísticas e ancoragens na formação dos preços em supermercados REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 445 Figura 4: Parte inicial da primeira etapa do experimento _______________________________________________________________________________________ Observe cada um dos produtos apresentados a seguir. Estude todas as informações de cada anúncio com muita atenção. Analise com cuidado o PREÇO cobrado por cada um dos produtos, apresentados por um grande supermercado da cidade. Posteriormente, determine qual a probabilidade de você comprar cada um dos produtos apresentados, assinalando um número entre 1 (Probabilidade baixa) e 7 (Probabilidade alta). Qual alternativa melhor descreve a probabilidade de você comprar o produto anunciado? Assinale um número entre 1 (Probabilidade baixa) e 7 (Probabilidade alta). Baixa] 1 2 3 4 5 6 7 [Alta Baixa] 1 2 3 4 5 6 7 [Alta Fonte: Dados da pesquisa. A Figura 5 apresenta a parte inicial da segunda etapa do experimento. Imediatamente após todos os questionários da primeira parte terem sido recolhidos, foram distribuídos os questionários da segunda parte. Os mesmos produtos foram apresentados, porém os preços foram omitidos e o respondente deveria assinalar uma de duas alternativas escolhidas. As alternativas apresentadas estavam situadas em torno do preço real do produto. Assim, no caso do produto “Esponja de lã de aço Lanux com 8 unidades 60 g”, com preço de R$ 1,27, foram apresentadas as alternativas [_] R$ 1,00 ou [_] R$ 2,00. As alternativas de resposta foram codificadas como sendo 0 (valor baixo) ou 1 (valor alto). Figura 5: Parte inicial da segunda etapa do experimento _______________________________________________________________________________________ As figuras apresentadas a seguir já foram analisadas na nossa experiência anterior. Agora, o nosso objetivo consiste em verificar se você consegue se lembrardo preço que estava sendo cobrado por cada um dos itens. Assinale a alternativa que mais se aproxima do preço cobrado por cada um dos produtos, conforme o que foi exibido na primeira parte do nosso experimento. Qual alternativa mais se aproxima do preço cobrado pelo produto anunciado, conforme apresentado a você anteriormente? [_] R$ 1,00 [_] R$ 2,00 [_] R$ 1,00 [_] R$ 2,00 Fonte: Dados da pesquisa. ? ? Roberto Brazileiro Paixão, César Valentim de Oliveira Carvalho Júnior e Adriano Leal Bruni REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 446 A análise dos dados empregou estatísticas descritivas (média, frequências, desvio-padrão e erro-padrão da média), teste t para uma amostra (one-sample t-test) e teste t para duas amostras independentes (independent-samples t-test), que buscaram verificar a relação entre as variáveis por meio de testes de igualdade de média. Os resultados dos testes indicam se existe ou não uma diferença estatisticamente significante entre as médias analisadas (FONSECA; MARTINS, 1996). Foi utilizado o software estatístico SPSS versão 15 para a análise dos dados. 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS Uma análise do uso da prática de preços com dígito direito ou casa das dezenas de centavos elevados pode ser feita a partir da interpretação dos dados apresentados na Tabela 1, que exibe os resultados da tabulação de 4.144 preços coletados em gôndolas e de outros 52 preços coletados em tabloides de supermercados baianos em fins de 2007. Entende-se que os tabloides, que correspondem a ferramentas de comunicação de atividades promocionais das lojas, focam anúncios de preços. Tabela 1: Frequências de preços em gôndolas e tabloides Dígito direito Preços de Gôndola Preços de Tabloide Todos Maiores que R$ 1,00 Todos Maiores que R$ 1,00 Fi Fi% Fi Fi% Fi Fi% Fi Fi% 0 297 7 297 8 2 4 2 4 1 354 9 354 9 3 6 3 6 2 351 8 349 9 3 6 3 6 3 381 9 381 10 6 12 6 12 4 366 9 363 9 5 10 5 10 5 376 9 372 10 1 2 1 2 6 337 8 332 9 3 6 3 6 7 482 12 402 10 7 13 6 12 8 436 11 366 9 6 12 6 12 9 764 18 645 17 16 31 16 31 Soma 4144 100 3861 100 52 100 51 100 Fonte: os Autores. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos preços encontrados, considerando todos os elementos ou apenas aqueles maiores que R$ 1,00, já que um produto com preço inferior a R$ 1,00 não poderia ser aproximado para o inteiro inferior R$ 0,00. Como são dez os dígitos direitos, caso a distribuição fosse uniformemente distribuída, as frequências relativas obtidas deveriam situar-se em torno de 10%. É possível, porém, perceber frequências crescentes de acordo com o aumento da casa dos centavos do preço. Considerando-se apenas os preços maiores que R$ 1,00, nos preços de gôndola, obteve-se uma frequência relativa igual a 17% do dígito 9 e de apenas 8% do dígito 0. Já nos preços de tabloides, a frequência relativa do dígito 9 elevou-se substancialmente, tendo sido obtida uma frequência de 31%, enquanto o dígito 0 teve uma freqüência de apenas 4%. Os resultados confirmam o uso de dígitos direitos elevados nas atividades promocionais de preços apresentados em tabloides. O nível de significância dos resultados da prática de preços com a casa da dezena dos centavos elevada pode ser verificado na Tabela 2, que apresenta as frequências consolidadas para os dígitos agrupados de 0 a 4 e de 5 a 9. A frequência de preços com centavos mais altos é maior nos tabloides promocionais (63%) do que nas gôndolas (58%). A prática promocional mais intensa de preços com dígitos direitos maiores é coerente com os estudos de Schindler e Kibarian (2001) e de Thomas e Morwitz (2005). Heurísticas e ancoragens na formação dos preços em supermercados REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 447 Tabela 2: Frequências de preços agrupados em gôndolas e tabloides Dígito direito Preços de Gôndola Preços de Tabloide Todos Maiores que R$ 1,00 Todos Maiores que R$ 1,00 Fi Fi% Fi Fi% Fi Fi% Fi Fi% 0 a 4 1749 42 1744 45 19 37 19 37 5 a 9 2395 58 2117 55 33 63 32 63 Soma 4144 100 3861 100 52 100 51 100 Z teste 10,16 6,03 2,02 1,88 Sig. Uni 0,000 0,000 0,022 0,030 Fonte: os Autores. Considerando-se o teste de igualdade de frequências relativas, conclui-se que, de um modo geral, todos os resultados são significativos a um nível de significância padrão igual a 5%. Existe, de fato, uma maior concentração de frequências nos dígitos mais altos. A menor significância estatística nos preços de tabloides pode ser explicada pelo tamanho menor da amostra. Em seguida, foram analisados os dados do experimento. A Tabela 3 apresenta cada um dos dez produtos participantes do experimento, com seus respectivos valores de preços, número de observações, média, desvio-padrão, erro-padrão, teste t para a média de uma amostra, graus de liberdade e nível de significância. As estatísticas foram calculadas com base na segunda parte do experimento, na qual o respondente indicaria o preço do produto: mais alto ou mais baixo; este último evidenciaria a ancoragem no dígito esquerdo. O teste assumiu uma média igual a R$ 0,50 (0 = R$ 0,50), o que condiz com uma resposta aleatória, sem nenhuma ancoragem no limite inferior e no limite superior. Para o primeiro produto apresentado no experimento, pode-se observar que os respondentes ancoraram a sua resposta no valor mais alto do dígito esquerdo (média = 0,93), sendo tal diferença estatisticamente significante (p = 0,000). Esse resultado vai ao encontro dos resultados das pesquisas de Schindler e Kibarian (2001), Anderson e Simester (2003) e Thomas e Morwitz (2005). Os produtos posicionados na quinta, sétima e oitava posições também apresentaram resultados significativos, porém apenas o sétimo produto apresentou resultados próximos ao que se esperava, ou seja, ancoragem no dígito esquerdo. Como se pode observar, o preço do produto é R$ 4,98, e os respondentes, em média, ancoraram o valor em R$ 4,00. Quando agrupados os preços em duas categorias, acima de R$ 0,50 e abaixo de R$ 0,50, os resultados do teste t para cada uma das amostras (0 = $0,50) mostram-se significativos apenas para valores acima de R$ 0,50, indo também ao encontro dos resultados encontrados por Schindler e Kibarian (2001), Anderson e Simester (2003) e Thomas e Morwitz (2005). A ancoragem ocorre com a aproximação do preço para cima, e não para baixo, semelhantemente aos resultados das pesquisas desses autores. Tabela 3: Estatísticas para os preços do experimento Ordem Preço anunciado N Média Desvio- padrão Erro da média Teste t Graus de lib Sig. (Bi caudal) 1 1,67 95 0,93 0,263 0,027 15,821 94 0,000 2 1,27 94 0,44 0,499 0,051 -1,241 93 0,218 3 2,37 95 0,54 0,501 0,051 0,716 94 0,476 4 5,98 96 0,47 0,502 0,051 -0,610 95 0,543 5 2,57 95 0,79 0,410 0,042 6,884 94 0,000 6 3,98 95 0,49 0,503 0,052 -0,102 94 0,919 7 4,98 96 0,40 0,492 0,050 -2,076 95 0,041 8 3,48 95 0,38 0,488 0,050 -2,419 94 0,017 Roberto Brazileiro Paixão, César Valentim de Oliveira Carvalho Júnior e Adriano Leal Bruni REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 448 Ordem Preço anunciado N Média Desvio- padrão Erro da média Teste t Graus de lib Sig. (Bi caudal) 9 5,48 96 0,51 0,503 0,051 0,203 95 0,839 10 4,37 95 0,49 0,503 0,052 -0,102 94 0,919 Centavos < 0,50 475 0,47 0,500 0,023 -1,240 474 0,216 Centavos> 0,50 477 0,61 0,487 0,022 5,121 476 0,000 Fonte: os Autores. Uma segunda etapa da análise aplicou o teste t para duas amostras independentes, considerando o agrupamento em relação aos centavos e estabelecendo dois grupos: (1) com centavos nos preços menores que R$ 0,50; (2) com centavos nos preços maiores que R$ 0,50. Considerando-se todos os dez produtos analisados no experimento, observa-se que a média da categoria menor que R$ 0,50 é menor do que a média da categoria maior que R$ 0,50 (0,47 e 0,61, respectivamente). Ou seja, os resultados contradizem a hipótese de ancoragem no dígito esquerdo. A média dos preços maiores foi maior, com 61% dos respondentes ancorando sua resposta no limite superior. Tal diferença foi significativa ao nível de 5% (p = 0,000), o que também se mostra incoerente com a hipótese de existência da ancoragem. Poder-se-ia afirmar haver diferença significativa entre as médias, contudo nada poderia ser afirmado sobre a existência de ancoragem no dígito esquerdo quando os dígitos direitos são maiores que R$ 0,50. Tabela 4: Resultados do teste de hipóteses para os 10 produtos Centavos do preço N Média Desvio-padrão Erro-padrão Menor que $0,50 475 0,47 0,500 0,023 Maior que $0,50 477 0,61 0,487 0,022 T teste Teste F Sig. Teste T Graus de Liberdade Sig. (Bi caudal) Variâncias assumidas como iguais 21,58 0,00 -4,46 950,00 0,00 Variâncias não assumidas como iguais -4,46 949,18 0,00 Fonte: os Autores. Uma mesma análise foi conduzida para duas amostras independentes, desconsiderando-se os dados do primeiro produto. O objetivo de tal análise era verificar se o preço do primeiro produto avaliado estaria interferindo nos resultados encontrados no experimento. As estatísticas foram calculadas para os nove produtos restantes, conforme é apresentado na Tabela 5. Tabela 5: Resultados do teste de hipóteses para 9 produtos Centavos do preço N Média Desvio-padrão Erro-padrão Menor que $0,50 475 0,47 0,500 0,023 Maior que $0,50 382 0,54 0,499 0,026 T Teste Teste F Sig. Teste T Graus de Liberdade Sig. (Bi caudal) Variâncias assumidas como iguais 0,233 0,630 -1,895 855 0,058 Variâncias não assumidas como iguais -1,896 816,287 0,058 Fonte: os Autores. Heurísticas e ancoragens na formação dos preços em supermercados REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 449 As médias encontradas para as categorias de preços (menores que R$ 0,50 e maiores que R$ 0,50) foram próximas (0,47 e 0,54, respectivamente), e o resultado do teste t não permitiu concluir ser significativa tal diferença entre as médias. Isso sugere que houve realmente uma influência do primeiro produto na análise. Ademais, não se pode afirmar haver uma influência dos dígitos direitos mais elevados em uma ancoragem no dígito esquerdo. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A literatura tem indicado haver uma razão na utilização de dígitos finais elevados nos preços, ou, como usualmente feito, de dígitos terminados em 9. Essa prática baseia-se na ideia de que existe ancoragem no dígito esquerdo (parte inteira do preço), como se a parte fracionária fosse excluída ou não lembrada. Um preço, por exemplo, de R$ 6,99 tenderia a ser lido como “seis e pouco”, não havendo aproximação para o número inteiro superior. Os estudos de Schindler e Kibarian (2001), Anderson e Simester (2003) e Thomas e Morwitz (2005) confirmam tal associação. Todos esses autores, em diferentes experimentos, confirmaram suas hipóteses referentes aos preços terminados em 9 e até mesmo um crescimento nas vendas com tal prática de precificação. Nesta pesquisa, analisou-se inicialmente se a prática de usar preços fracionários, ou dígitos direitos, elevados (terminados em 8 e 9) é usual. Os resultados confirmaram que essa prática de precificação é bastante utilizada pelos supermercados baianos, tanto nos preços das gôndolas quanto nos preços dos tabloides. Posteriormente, realizou-se um experimento em duas fases. A segunda fase indicaria haver ou não a ancoragem no dígito esquerdo quando da ocorrência de precificação com valores fracionários mais elevados, diga-se acima de R$ 0,50. A amostra foi dividida em dois grupos (menor ou maior que R$ 0,50). Na primeira análise, que considerou todos os dez produtos, concluiu-se haver diferença significativa na média entre os dois grupos, contudo a hipótese do presente estudo foi negada. No grupo de preços maiores que R$ 0,50 era esperado encontrar uma média abaixo de tal valor, o que indicaria a ancoragem no dígito esquerdo. Os dados foram novamente avaliados, excluindo- se contudo os valores do primeiro produto, visto que poderiam estar influenciando os resultados dos demais. O resultado encontrado não permitiu identificar uma diferença significativa entre as médias dos grupos (menor ou maior que R$ 0,50). Esse resultado permite apenas concluir que as diferenças encontradas se devem ao acaso. Apesar de os resultados encontrados não serem condizentes com os estudos de Schindler e Kibarian (2001), Anderson e Simester (2003) e Thomas e Morwitz (2005), eles podem contribuir para os estudos de precificação no Brasil. Os resultados reforçam a coerência da prática de preços com centavos elevados, que estaria baseada na dificuldade dos consumidores em realizar aproximações nos preços. O presente estudo possui as limitações condizentes com um experimento (KERLINGER, 1980). Ressalta-se que a quantidade de produtos avaliados por cada respondente (dez) pode, de alguma forma, ter interferido nos resultados. Destaca-se, além disso, que a escolha dos produtos também pode ter influenciado nos resultados. Acredita-se que é mais difícil fazer considerações de preços relativos a produtos com os quais o consumidor tem um baixo nível de envolvimento. Outra limitação da pesquisa, especificamente da sua segunda parte, refere-se ao processo de amostragem. Por se tratar de uma amostragem não probabilística por conveniência, ressaltam-se as limitações referentes ao grupo escolhido para a coleta (alunos). Uma recomendação para novos estudos é que realizem abordagens semelhantes, utilizando porém uma amostragem com maior rigor estatístico. É relevante salientar ainda que, conforme destaca Kerlinger (1980), um experimento, a princípio, não pode ser generalizável. Para que as conclusões dos experimentos sejam mais robustas, estes devem ser replicados diversas vezes. Os resultados do presente estudo contribuem para os estudos de preços. Sugere-se que novos experimentos, utilizando novos produtos (e outras variáveis), sejam realizados. Estudos nesta linha ainda são incipientes no Brasil e mostram-se como um campo bastante fértil para pesquisas futuras. Roberto Brazileiro Paixão, César Valentim de Oliveira Carvalho Júnior e Adriano Leal Bruni REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 17, n. 4, p. 437-450, out./dez. 2010 450 6. 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