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FARMACOLOGIA DA DOR 37 Capítulo 2Capítulo 2 FARMACOLOGIA DA DOR * Professor Titular de Anestesiologia da UERJ Livre-Docente em Farmacologia pela UFRJ Clínica da Dor do Hospital UniversitÆrio Pedro Ernesto - UERJ Luiz Fernando de Oliveira * A dor Ø o sintoma que com maior freqüŒncia leva o paciente a procu- rar o mØdico. Apesar disso, seu controle Ø freqüentemente inadequado geran- do insatisfaçªo do doente. VÆrias razıes podem ser apontadas para esse resultado: a) subvalorizaçªo da queixa por parte do mØdico, com ausŒncia de preocupaçªo com o tratamento; b) falta de obediŒncia por parte do paciente à prescriçªo, devido à insatisfatória relaçªo mØdico-paciente e/ou efeitos colaterais indesejÆveis; c) prescriçªo de doses subterapŒuticas de analgØsicos, devido ao receio de efeitos adversos graves e desconhecimento da sua far- macologia Na realidade os recursos terapŒuticos atuais nos permitem controlar com eficiŒncia a dor aguda. A persistŒncia da dor revela, quase sempre, uma terapŒutica analgØsica mal conduzida. O mesmo nªo Ø possível dizer-se da 38 DOR dor crônica, contra a qual nem sempre se dispıe de mØtodos analgØsicos eficazes. Apesar da variedade de recursos à nossa disposiçªo, o tratamento medicamentoso ainda Ø a arma mais simples e eficaz para o controle da dor, desde que conduzido de forma coerente e eficiente. 1 - Medicamentos Analgésicos Classicamente sªo divididos em dois grupos: os AnalgØsicos- Antiinflamatórios e os Opióides (ou HipnoanalgØsicos). Os primeiros, considerados erradamente como analgØsicos fracos e de açªo perifØrica, e os segundos, como analgØsicos fortes, de açªo central e com elevado risco de depressªo respiratória e dependŒncia. Na realidade, nem sempre os anal- gØsicos-antiinflamatórios sªo fracos, nem os opióides atuam exclusivamente por via central ou necessariamente produzem depressªo respiratória ou de- pendŒncia, quando usados corretamente. 1.1 - AnalgØsicos-antiinflamatórios (Antiinflamatórios Nªo-Esteroidais - AINE) Sªo caracterizados pela propriedade comum analgØsica, antipirØtica e antiinflamatória. Faz exceçªo o paracetamol (p-acetoaminofenol), que nªo apresenta efeito antiinflamatório nas doses habituais. Considerados como medicamentos de açªo principalmente perifØrica, apresentam perfil farmacodinâmico, mecanismo de açªo e eficÆcia analgØsica semelhante. Possuem mecanismo de açªo perifØrica e central, ambos conseqüentes da inibiçªo da Ciclooxigenase, com subseqüente inibiçªo da síntese de endoperóxidos cíclicos e Prostaglandinas, mediadores da inflamaçªo e da hiperalgesia primÆria (perifØrica) (Fig. 1). Os AINEs de 1“. geraçªo bloqueiam tanto a COX-1 constitutiva quanto a COX-2 induzida do endotØlio e do macrófago, enquanto que os AINEs mais recentes (coxibs) bloqueiam seletivamente a COX-2. Embora a COX-2 seja primariamente induzida no macrófago, ela tem carÆter constitutivo no sistema nervoso e no rim. Recentemente foi descrita uma nova isoforma da ciclooxigenase, a COX-3, aparentemente alvo da açªo do paracetamol e da dipirona. FARMACOLOGIA DA DOR 39 Tanto o efeito analgØsico quanto o antiinflamatório dos AINE sªo usualmente moderados, apresentando efeito teto. Em algumas situaçıes, no entanto, quando utilizados por via parenteral, podem ser eficientes no controle de dores de grande intensidade como, p.ex., a da cólica renal e a dor pós-operatória. Seu efeito analgØsico nªo pode ser atribuído apenas à inibiçªo da sín- tese das Prostaglandinas perifØricas. O paracetamol, que nªo inibe a ciclooxigenase, em tecido inflamado nas concentraçıes terapŒuticas, por exem- plo, apresenta efeito analgØsico comparÆvel aos dos outros derivados. AlØm disso, a potŒncia analgØsica nªo varia proporcionalmente com a potŒncia antiinflamatória. Trabalhos recentes demonstraram que os analgØsicos- antiiflamatórios atuam tambØm no sistema nervoso central, inibindo a hipersensibilidade espinhal e ativando mecanismos inibitórios descendentes da nocicepçªo, por mecanismo dependente de prostaglandina (COX-2 de- pendentes). Figura 1 - Mecanismo celular de açªo dos antiinflamatórios Em virtude de um mecanismo de açªo comum os AINE tŒm perfil farmacodinâmico, terapŒutico e toxicológico semelhantes. Todos, exceto o paracetamol, podem levar à erosªo da mucosa gastroduodenal e sangramento digestivo (com menor freqüŒncia e intensidade, os inibidores seletivos da COX- 2), a reaçıes anafilactóides e à lesªo renal com nefrite. Algumas diferenças 40 DOR podem ser observadas na relaçªo custo/benefício do tratamento, que apresen- ta grande variaçªo interindividual, como, p.ex., na incidŒncia de epigastralgia e sangramento digestivo, que parece ser maior com a aspirina e a indometacina. Os inibidores da COX-2, como o celecoxib, o rofecoxib, o etoricoxib e o valdecoxib, tŒm morbidade gastro-intestinal significativamente menor, apresentando baixa incidŒncia de erosªo e sangramento digestivo, mas po- dem acarretar lesªo renal . Tabela I - Principais derivados analgØsicos-antiinflamatórios A resposta analgØsica dos analgØsicos-antiinflamatórios Ø em geral moderada e caracterizada por efeito teto, isto Ø, alcançado determinado nível de analgesia, o aumento da dose nªo traz alívio adicional. Tradicional- mente se explica essa característica pela natureza do mecanismo de açªo, ca- I Inibidores da COX-1 e COX-2 1. SALICILATOS ASPIRINA DIFLUNISAL 2. INDÓIS INDOMETACINA SULINDAC 3. ` C. PROPIÔNICO IBUPROFENO CETOPROFENO NAPROXENO 4. ` C. ANTRAN˝LICO `C. MEFEN´MICO 5. ` C. FENILACÉTICO DICLOFENACO 6. OXICAMS PIROXICAM TENOXICAM MELOXICAM II- Inibidores da COX-2 NIMESULID MELOXICAM CELECOXIB ROFECOXIB ETORICOXIB VALDECOXIB III Inibidores da COX-1 e COX-3 1. PIRAZOLÔNICOS DIPIRONA(Metamizol) 2. p-ACETOAMINOFENOL PARACETAMOL FARMACOLOGIA DA DOR 41 racterizado pela inibiçªo de mecanismo facilitador da nocicepçªo, mas nªo pela supressªo da ativaçªo do sistema nociceptivo. Assim, estímulos lesivos de maior intensidade ainda seriam capazes de estimular os nociceptores dire- tamente. AlØm disso, esses medicamentos tŒm curvas dose-efeito pouco in- clinadas, em que a resposta terapŒutica aumenta pouco com o aumento da dose. Dor aguda de grande intensidade nªo Ø assim muitas vezes bem con- trolada apenas com analgØsicos-antiinflamatórios. A atividade antiinflamatória tambØm Ø limitada, sendo muito inferior à dos corticóides, uma vez que nªo interferem com a produçªo ou açªo de outros mediadores inflamatórios como a Bradicinina, Leucotrienos, PAF, TNFa, IL-1, etc. Na verdade, sªo mais eficientes naqueles casos onde a mediaçªo Ø principal- mente PG-dependente, como os processos ósteo-articulares, espasmo das vias urinÆrias, contraçªo uterina, traumatismos, etc. Processos inflamatórios das vias aØreas, como rinite e asma, mediados principalmente por Leucotrienos e PAF, ao contrÆrio, podem atØ ser agravados pelo uso dos antiinflamatórios convencio- nais. Novas drogas com propriedade mais geral de inibiçªo da síntese de deriva- dos de fosfolipídeo ou do Æcido aracdônico poderªo representar um considerÆ- vel avanço na busca de antiinflamatórios mais eficazes. A relaçªo custo-benefício do tratamento com analgØsicos- antiinflamatórios Ø um aspecto importante a ser considerado sempre. A ma- nutençªo do tratamento vai depender de se observar uma efetiva e signifi- cativa melhora do quadro Ælgico que compense a morbidade acarretada por efeitos colaterais importantes como desconforto gÆstrico, possibilidade de ulceraçªo e sangramento digestivo, reaçıes anafilactóides e nefrite intersticial, especialmente quando usados, em doses antiinflamatórias, por lon- gos períodos. Ao redor de 20 % dos pacientes tratados referem efeitos ad- versos e cerca de 5 % interrompem o tratamento em funçªo desses efeitos. Sªo utilizados principalmente por via oral ou retal, emboratambØm possam ser usados por via intramuscular ou intravenosa. Atualmente estªo disponíveis para uso parenteral a dipirona, o diclofenaco, o cetoprofeno, o tenoxicam e o valdecoxib (sob a forma de parecoxib, sua pró-droga). A via parenteral Ø reservada para os casos de dor intensa e no controle da dor peri- operatória. A via venosa, embora tecnicamente mais difícil, Ø mais recomen- dada, nªo só pela maior eficÆcia mas tambØm por ser menos dolorosa, de- vendo ser usada, de preferŒncia, nos pacientes hospitalizados e quando mœl- tiplas administraçıes se fazem necessÆrias. 42 DOR Tabela II - Efeitos colaterais dos AnalgØsicos-Antiinflamatórios 1.2 - Opióides (HipnoanalgØsicos) Caracterizados por propriedade analgØsica potente, efeito tranqüili- zante (sedativo) e hipnótico, e tendŒncia a produzir tolerância, dependŒncia psíquica e física, quando usados cronicamente. Medicamentos de açªo primariamente central destacam-se pela inten- sa analgesia associada à depressªo da consciŒncia e das funçıes neurovegetativas. Utilizados no controle da dor aguda de grande intensidade, refratÆria aos antiinflamatórios, e no controle da dor crônica de natureza neoplÆsica. Os opiÆceos de baixa potŒncia, como a codeína e o tramadol, apresentam efeito analgØsico aditivo aos analgØsicos-antiinflamatórios, sendo de grande utilidade na dor moderada à intensa. Seu mecanismo de açªo Ø fundamentalmente central. Interagem com receptores específicos dos peptídios opióides (Receptores Opióides) distri- buídos amplamente pelo sistema nervoso central e encontrados tambØm nos terminais nociceptivos. Pelo menos trŒs tipos de receptores jÆ foram identifi- 1. DIGESTIVOS - Epigastralgia, sangramento digestivo, nÆusea e enjôo. Todos em maior ou menor grau, exceto Paracetamol Inibidores da COX-2 tŒm menor morbidade gÆstrica 2. RENAIS - Retençªo de Ægua e sal, edema. Nefrite intersticial Todos, inclusive Paracetamol 3. HEMATOLÓGICOS - Leucopenia. Anemia aplÆstica. Agranulocitose Evento raro. Maior risco com Indometacina e Pirazolônicos, no trata- mento crônico. 4. NEUROLÓGICOS - Síndrome de Reye. Confusªo mental. Coma (intoxicaçªo) Observado com a Aspirina 5. HEP`TICOS - InsuficiŒncia hepÆtica. Necrose hepÆtica Na intoxicaçªo com Paracetamol 6. DERMATOLÓGICOS - Rash cutâneo. Prurido 7. RESPIRATÓRIOS Pioram Rinite e Asma FARMACOLOGIA DA DOR 43 cados e clonados: ì, Œ e ä. Em geral, esses receptores intermedeiam resposta inibitória, via aumento da gK (hiperpolarizaçªo) e reduçªo da gCa. Indireta- mente, por mecanismo de derepressªo inibitória, podem mediar efeito excitatório. Os opióides ativam mecanismos inibitórios na Formaçªo Reticular do Tronco Cerebral, na Medula Espinhal e no Sistema Límbico. Sua açªo anal- gØsica deve-se a: a) ativaçªo de mecanismo inibitório descendente (Sistema AnalgØsico Central) originÆrio na regiªo periaquedutal (PAG) e que, atravØs de fibras noradrenØrgicas originadas no Locus Coeruleus e fibras serotoninØrgicas originadas no nœcleo giganto-celular, exercem controle inibitório sobre as sinapses nociceptivas espinhais e reticulares; b) inibiçªo direta da sinapse nociceptiva espinhal; c) inibiçªo direta dos terminais nociceptivos (efeito lo- cal). Nas doses usuais, agem primariamente no nível central, deprimindo o componente afetivo-emocional, inibindo a sensaçªo aversiva, desagradÆvel (sofrimento) da dor. Apesar de seu efeito analgØsico potente, sua utilizaçªo terapŒutica Ø limitada por seus efeitos colaterais de risco, como dependŒncia física, depres- sªo da consciŒncia (da sonolŒncia ao coma), e depressªo dos reflexos neurovegetativos, com hipotensªo postural e depressªo respiratória que pode variar da bradipnØia à apnØia. Tabela III - Principais derivados Opióides 1. De baixa potŒncia TRAMADOL CODE˝NA 2. De alta potŒncia MORFINA MEPERIDINA (Petidina) METADONA OXICODONA FENTANIL SUFENTANIL ALFENTANIL REMIFENTANIL 44 DOR Outros efeitos indesejÆveis e que limitam seu uso, como a constipaçªo intestinal (para a qual nªo se desenvolve tolerância), nÆusea e vômito, sono- lŒncia, confusªo mental e retençªo urinÆria, podem ocorrer. A depressªo res- piratória e a dependŒncia física dependem do modo de administraçªo, sendo normalmente resultado ou de sobredose (iatrogenia), ou de administraçªo prolongada (superior a uma semana). O risco de dependŒncia física nªo Ø impedimento para seu uso na dor neoplÆsica, mas obriga a cuidado nos pacientes de dor benigna. Nunca Ø demais enfatizar que dependŒncia física nªo Ø sinônimo de Toxicomania, pois o que caracteriza esta Ø a dependŒncia psíquica com seu impulso para procura, obtençªo e uso da droga em busca de seus efeitos psicotrópicos. Em virtude de seus efeitos colaterais de risco, mesmo nos casos em que sua indicaçªo Ø absoluta, freqüentemente, esses medicamentos sªo subutilizados. Como resultado dessa prÆtica, muitos pacientes sªo privados do alívio que esses medicamentos podem propiciar. O desconhecimento, tanto por parte de mØdicos quanto de enfermei- ros, da farmacologia e farmacocinØtica desses medicamentos Ø o principal responsÆvel por sua utilizaçªo inadequada. Na verdade, quando utilizados ade- quadamente, sªo medicamentos seguros, desde que sejam tomados os cuida- dos de vigilância e controle necessÆrios e sejam respeitadas as limitaçıes ao seu uso, como o modo de administraçªo, a idade, grau de hidrataçªo e volemia, e presença de doença obstrutiva pulmonar crônica que, na maioria das vezes, nªo impedem seu uso, mas impıem cuidados e observaçªo permanente. Podem ser utilizados pela via oral, subcutânea, intramuscular, intravenosa, transdØrmica e intra-raquiana (epidural ou sub-aracnóide). A via oral Ø a mais recomendada, no tratamento crônico, como no caso da dor neoplÆsica. As vias subcutânea, intramuscular e intravenosa sªo mais utilizadas na emergŒncia e na dor aguda. A via epidural Ø utilizada no controle da dor pós-operatória, em alguns casos de dor crônica (dor neuropÆtica) e no câncer terminal. A via transdØrmica (Fentanil) Ø reservada ao tratamento da dor neoplÆsica. 1.3 - AnestØsicos Locais Apresentam propriedade bloqueadora da conduçªo nervosa, tanto sensorial quanto motora. Sªo empregados basicamente nos procedimentos de bloqueio e infiltraçªo para tratamento da dor aguda e crônica. FARMACOLOGIA DA DOR 45 Atualmente, empregam-se apenas os anestØsicos do grupo das amino- amidas, em especial a lidocaína, a bupivacaína e a ropivacaína. Seu mecanismo de açªo caracteriza-se pela propriedade de bloquear a corrente de sódio do potencial de açªo nas membranas eletroexcitÆveis. Os anestØsicos locais no pH celular apresentam-se tanto sob a forma ionizada (catiônica) quanto nªo ionizada, ambas ativas. Na forma ionizada, interagem com o canal de sódio estabilizando a forma inativa, nªo-permeÆvel, elevan- do o limiar de excitabilidade, alongando o período refratÆrio efetivo e blo- queando a despolarizaçªo. Nos procedimentos infiltrativos, especialmente os de curta duraçªo, dÆ-se preferŒncia à lidocaína a 1%. Atualmente usa-se tambØm, com a finali- dade de produzir anestesia superficial preparaçªo transdØrmica de mistura eutØtica de lidocaína e prilocaína. Essa mistura apresenta longo tempo de latŒncia (mínimo de 60 min), mas, quando aplicada sob forma de curativo oclusivo, pode propiciar analgesia local por atØ 3 a 4 horas. Nos bloqueios centrais para controle da dor, especialmente no caso do bloqueio ou infiltraçªo peridural, a preferŒncia Ø para a bupivacaína (de 0,125% a 0,25%) e para a ropivacaína a 0,2%, pela maior duraçªo de efeito. Na dor neuropÆtica, a lidocaína venosa (1 a 2 mg/kg) propicia rÆpido alívio da dor, mas que nªo Ø sustentado devido à farmacocinØtica muito rÆpida da droga. Alguns estudos mostram que, nos casos em que a lidocaína venosa Ø eficaz, a mexilitina, derivado de uso oral, com propriedades seme- lhantesàs da lidocaína, pode ser usada com algum sucesso. No caso de bloqueio peridural, embora as doses utilizadas sejam muito menores que aquelas normalmente utilizadas na anestesia, devemos estar alerta para a possibilidade de sØrias complicaçıes, tanto devidas à tØcnica (bloqueio simpÆtico, hipotensªo arterial, perfuraçªo acidental da duramÆter, etc..) quanto às devidas à injeçªo intravascular acidental. Neste caso, podemos ter, desde discretos sinais neurológicos como zumbido, gosto metÆlico, atØ convulsªo e parada cÆrdio-respiratória (no caso de injeçªo de doses mais elevadas). A utilizaçªo dessas drogas, por via central, exige ma- terial de ressuscitaçªo bem como pessoal habilitado para lidar com essa emergŒncia. O uso da associaçªo de morfina com anestØsico local (bupivacaína ou ropivacaína), por via peridural, tanto em bolus quanto sob regime de PCA (Analgesia Controlada pelo Paciente), Ø mØtodo muito eficaz para controle 46 DOR da dor pós-operatória, surtos de agudizaçªo de dor neuropÆtica e controle da dor dos portadores de neoplasia metastÆtica terminal. 1.4 - Medicaçªo Coadjuvante Outros medicamentos podem ser utilizados no controle da dor, como adjuvantes ou drogas com açªo analgØsica específica. Estªo, nesse caso, os ansiolíticos, os antidepressivos tricíclicos, os antipsicóticos, os relaxantes mus- culares de açªo central, os corticóides, os anticonvulsivantes e os agonistas alfa-2. O objetivo da medicaçªo coadjuvante deve melhorar a qualidade e/ ou a intensidade da analgesia, sem aumentar a morbidade do tratamento. Nem sempre, no entanto, esse objetivo Ø plenamente alcançado, em virtude de efeitos adversos novos, como sedaçªo excessiva, hipotensªo postural, efeito atropínico, confusªo mental, etc. 1.4.1 - Ansiolíticos e Antipsicóticos Um dos erros cometidos mais freqüentemente Ø o abuso na prescri- çªo de benzodiazepínicos, podendo acarretar sedaçªo excessiva, agravamen- to da depressªo e dependŒncia. Entre esses, o bromazepam e o alprazolam sªo os mais indicados, em pacientes de dor crônica, por nªo induzirem ou agravarem depressªo e terem menor efeito hipnótico. De qualquer forma, esses medicamentos, inclusive os hipnóticos como o flunitrazepam e o midazolam, devem ser usados sempre em ciclos curtos, por tempo limitado nªo superior a 3 meses. Pacientes que requeiram medicaçªo tranqüilizante ou hipnótica por tempo maior sªo portadores de distœrbio emocional ou do sono importante, e devem receber atendimento especializado. Entre os antipsicóticos, a levomepromazina e a sulpirida sªo as drogas mais usadas nos pacientes com dor. A sulpirida Ø uma boa alternativa, pelo seu potencial ansiolítico e seu moderado efeito antidepressivo. Na adminis- traçªo crônica, pode levar à galactorrØa. JÆ a levomepromazina Ø utilizada como agente indutor do sono, especialmente no idoso, apresentando ainda propriedade potencializadora dos analgØsicos. Devido a seu potente efeito sedativo, nªo Ø recomendada para sedaçªo diurna, inclusive pelo risco de hipotensªo postural. FARMACOLOGIA DA DOR 47 1.4.2 - Relaxantes Musculares Nos casos em que hÆ espasmo muscular importante, o diazepam e o clonazepam sªo os relaxantes musculares mais eficazes, superiores ao carisoprodol e ao tiocolcosídeo. A tizanidina e a orfenadrina tŒm bom efeito miorelaxante, embora aparentemente menos potentes que os benzodiazepínicos. A orfenadrina tem a vantagem de nªo induzir sedaçªo, mas nªo deve ser usada junto com tricíclicos ou inibidores seletivos da capta- çªo da serotonina, pelo risco de crise serotoninØrgica. 1.4.3 - Antidepressivos Os derivados tricíclicos sªo œteis, nas dores com componente cen- tral, como a dor neuropÆtica, a dor do câncer terminal e as dores crônicas em geral, nas quais possuem açªo analgØsica independente de seus efeitos antidepressivos. TambØm aqui pacientes com depressªo grave devem ser orientados para tratamento psiquiÆtrico especializado. Entre os antidepressivos, os de primeira geraçªo, como a amitriptilina, a clomipramina e a nortriptilina, sªo os mais indicados no tratamento adjuvante da dor crônica e no tratamento específico da dor neuropÆtica, associados ou nªo aos anticonvulsivantes. Os inibidores seletivos da captaçªo da serotonina (ISCS), como a fluoxetina e a sertralina, nªo parecem produzir os mesmos efeitos que aqueles, na dor, embora sejam superiores, no trata- mento da depressªo. Devido ao risco de desencadeamento de crise serotoninØrgica, nªo Ø recomendado o uso associado dos tricíclicos com os ISCS. A introduçªo de um antidepressivo, especialmente os tricíclicos, deve ser gradual, aumentando-se progressivamente a dose (a cada 5 a 7 dias) de modo a aumentar a adesªo ao tratamento. 1.4.4 - Corticóides Os corticóides (especialmente a prednisona, a betametasona e a dexametasona) podem ser muito œteis, quando utilizados localmente por in- filtraçªo, associados a anestØsico local, nas dores ósteo-articulares (bursites, dor pós-traumÆtica, distensªo muscular), ou quando usados por via oral, nas metÆstases ósseas e processos invasivos ou expansivos do SNC. 48 DOR Na hØrnia de disco e nas dores lombares por distensªo, a infiltraçªo peridural ou paravertebral de anestØsico local e corticóide de depósito (acetato de metilprednisolona) propicia alívio rÆpido e intenso da sintomatologia do- lorosa, encurtando o período de repouso e facilitando a fisioterapia. AtØ 3 (trŒs) aplicaçıes com intervalo de uma semana podem ser necessÆrias para a remissªo do quadro Ælgico. Na lombociatalgia por estenose de canal, o corticóide peridural tambØm Ø œtil no tratamento dos surtos de dor, e deve ser associado à fisioterapia. 1.4.5 - Anticonvulsivantes Os anticonvulsivantes, como a carbamazepina, a oxicarbazepina, a gabapentina e, mais recentemente, a lamotrigina, estªo indicados no controle da dor neuropÆtica, especialmente quando esta apresenta componente fulgu- rante ou em choque, como na neuralgia do trigŒmeo. Na dor neuropÆtica com componente em queimaçªo predominante, os tricíclicos tŒm se revelado me- lhores, embora, em alguns casos, a associaçªo com gabapentina ou carba- mazepina tenha mostrado resposta superior, devendo ser tentada sempre que nªo se consiga o alívio da sintomatologia com apenas um dos tipos de droga. 1.4.6 - Agonistas Alfa-2 A clonidina, agonista alfa-2, tem efeito analgØsico por via epidural com- parÆvel ao da morfina, embora de menor duraçªo, sendo recomendada em substituiçªo à morfina, nos casos de rÆpido desenvolvimento de tolerância, ou em associaçªo com a morfina, de forma a se obter uma melhor resposta analgØsica. Acarreta hipotensªo arterial e sedaçªo, devendo, por isso, ser introduzida progressivamente. Por via venosa tem excelente, embora curto, efeito analgØsico, na dor neuropÆtica da distrofia simpÆtica reflexa e da neu- ralgia pós-herpØtica. Infelizmente, por via oral, seu efeito analgØsico Ø pouco potente e ainda nªo foi plenamente demonstrado. 1.4.7 - Bloqueadores do Glutamato A cetamina, bloqueadora do canal de cÆlcio do receptor NMDA, tem potente efeito analgØsico, especialmente na dor neuropÆtica. Embora alguns FARMACOLOGIA DA DOR 49 trabalhos apontem para a existŒncia de efeito analgØsico com doses baixas, outros relatam alta incidŒncia de efeitos adversos de natureza psicodislØptica. Permanece como uma droga de exceçªo, no tratamento da dor crônica, indicada apenas para casos selecionados e sob contínua vigilância. O mesmo pode-se dizer do dextrometorfano, bloqueador NMDA nªo-competitivo, que, em es- tudos experimentais de modelos de dor neuropÆtica, apresenta efeito analgØsi- co significativo. Estudos em pacientes humanos nªo sªo conclusivos, embora sugiram que, em doses elevadas, podem ser œteis nesse tipo de dor. 2 - Escolha do Analgésico A escolha do analgØsico baseia-se nos seguintes princípios: 1. Intensidade da dor - Em geral, nas dores de pequena a moderadaintensidade (1 a 5 na Escala Analógica Visual - EAV), dÆ-se preferŒncia aos analgØsicos-antiinflamatórios, enquanto, naquelas de grande intensidade, (EAV>5) aos opióides. Esse critØrio nªo pode, no entanto, ser rígido. Como orientaçªo bÆsica, recomendaria: a) iniciar o tratamento com AINE oral ou parenteral, dependendo da intensidade da dor; b) associar opióide fraco como a codeína ou tramadol em caso de insucesso e; c) substituiçªo por opióide potente como a morfina ou metadona, nos casos de dor intensa (EAV>7) ou quando a opçªo anterior se mostrar ineficaz. Nesse caso, nossa primeira op- çªo deve ser a via oral. Apenas quando esta nªo Ø possível ou nªo dÆ o resultado esperado, devemos optar pelas demais vias de administraçªo. 2. Natureza da dor - Dores de origem inflamatória respondem bem aos antiinflamatórios, embora, eventualmente, em casos de dor de maior intensidade, possa ser necessÆria a associaçªo de um opióide. Na dor central ou neuropÆtica, os opióides, em virtude do risco de tolerância e dependŒncia, no uso crônico, só devem ser usados nos surtos de agudizaçªo. Dores crô- nicas ditas benignas normalmente sªo tratadas com AINE e drogas adjuvantes. Em alguns casos, quando a dor Ø incapacitante, esgotadas todas as outras formas de tratamento, podem-se utilizar opióides como a metadona e a oxicodona oral no seu controle, evitando-se seu uso em pacientes com história de abuso de drogas. 50 DOR 3. Risco - Pacientes com história de gastrite ou œlcera digestiva, ou passado de sangramento digestivo tŒm contra-indicaçªo para o uso de antiinflamatórios. Pacientes com história de doença pulmonar obstrutiva ou de idade avançada sªo contra-indicaçªo relativa para o uso de opióides. O uso crônico de AINE deve sempre ser acompanhado de monitoramento dos efeitos digestivos, tendo em vista a freqüŒncia e a gravidade dos epi- sódios de ulceraçªo e sangramento digestivos. Recomenda-se o uso associa- do de inibidores da bomba de próton, como o omeprazol ou a utilizaçªo de inibidores seletivos da COX-2, que apresentam menor risco de erosªo gÆstri- ca. 3 - Critérios de Administração A prescriçªo do analgØsico, como vimos, depende do tipo, intensida- de e localizaçªo da dor. A OMS propôs, para o controle da dor no câncer, uma escada de prioridades (Fig. 2), critØrio hoje aplicado tambØm na dor aguda. No caso de dores neuropÆticas, no entanto, esse critØrio nªo Ø adequa- do. Embora nossa primeira opçªo continue sendo os AINE, freqüentemente, esse tipo de dor nªo responde de forma adequada a essas drogas, e sim aos tricíclicos e/ou anticonvulsivantes, como vimos. A resposta aos opióides tam- bØm freqüentemente nªo Ø adequada, exigindo doses elevadas, com alta inci- dŒncia de efeitos colaterais. Qualquer que seja a medicaçªo escolhida, esta deve ser introduzida progressivamente, a fim de reduzir o impacto dos efeitos adversos, aumen- tar a adesªo ao tratamento e permitir a titulaçªo da dose adequada. Devemos sempre lembrar que qualquer medicaçªo, administrada em doses adequadas, que nªo dŒ efeito satisfatório após 30 dias de administra- çªo, Ø INEFICAZ, e deve ser descontinuada, pois estÆ apenas contribuindo para aumentar a morbidade do processo terapŒutico. 4 - Farmacovigilância Um dos problemas que levam à descontinuidade do tratamento Ø a resposta analgØsica insatisfatória ou o aparecimento de efeitos adversos. HÆ necessidade de permanente acompanhamento do tratamento, nªo só pela necessidade de se corrigir a prescriçªo (ajuste da dose ou troca do medica- FARMACOLOGIA DA DOR 51 mento), como de se detectar precocemente complicaçıes como sangramento digestivo, lesªo renal, depressªo respiratória, etc. Assim, o mØdico, ou alguØm de sua equipe, deve estar sempre dispo- nível para o paciente, o que reforçarÆ a relaçªo mØdico-paciente e o elo de confiança na equipe, parte essencial para o sucesso do tratamento. Figura 2 - Escala AnalgØsica da OMS 5 - Princípios Gerais do Tratamento Concluindo, alguns princípios gerais devem ser seguidos para se obter o melhor resultado no tratamento da dor: 1 - Escolha do analgØsico segundo a intensidade e o tipo de dor; 2 - Ajustamento da dose atØ alcançar o controle da dor ou tornÆ-la tolerÆvel; 3 - Utilizaçªo sempre de esquemas regulares de administraçªo do anal- gØsico. Evite esquema S.O.S.; 4 - Acompanhamento do tratamento, de modo a detectar precoce- mente efeitos adversos ou necessidade de reajustar o esquema terapŒutico; 5 - Utilizaçªo de drogas adjuvantes sempre que necessÆrio, mas evite sedaçªo excessiva. 52 DOR 6 - Bibliografia ABRAM SE e Schlicht CR. Chronic Pain Management, em Clinical Anesthesia, 4th. ED., Ed. Barash PG, Cullen BF e Stoelting RK, Philadelphia, Lippincott, 2000. Botting RM. Mechanism of action of acetaminophen: is there a cyclooxygenase 3? Clin Infect Dis 2000 Oct;31 Suppl 5:S202-10. BRATER DC. Effects of nonsteroidal anti-inflammatory drugs on renal function: focus on cyclooxygenase-2-selective inhibition. Am J Med 1999 Dec 13;107(6A):65S- 70S; discussion 70S-71S. CLEMETT D, Goa KL. Celecoxib: a review of its use in osteoarthritis, rheumatoid arthritis and acute pain. Drugs 2000 Apr;59(4):957-80. GUTSTEIN HB E AKIL H. Opioid Analgesics, em Goodman & Gilmans The Pharmacological Basis of Therapeutics, Eds. 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