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UNIVERSIDADE DO CONTESTADO – UNC CURSO DE DIREITO AGDA ZORZAN INVESTIGAÇÃO CRIMINAL REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ÂMBITO DO CRIME ORGANIZADO CANOINHAS 2013 1 AGDA ZORZAN INVESTIGAÇÃO CRIMINAL REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ÂMBITO DO CRIME ORGANIZADO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência para obtenção do título de Bacharel, do Curso de Direito, ministrado pela Universidade do Contestado – UnC, sob a orientação do professor Rafael Theodoro Kuyavski Rangni. CANOINHAS 2013 2 INVESTIGAÇÃO CRIMINAL REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ÂMBITO DO CRIME ORGANIZADO AGDA ZORZAN Este Trabalho de Conclusão de Curso, Monografia foi submetido ao processo de avaliação para a obtenção do Título de: Bacharel em: Direito E aprovado na sua versão final em ___________________ (data), atendendo às normas de legislação vigentes da Universidade do Contestado e Coordenação do Curso de Direito. _____________________________________ Terezinha Elisabete Padilha Avaliadores: Rafael Theodoro Kuyavski Rangni Simara Sá de Souza Ern Tércio Pangratz de Paula e Silva 3 DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Através deste instrumento, isento meu Orientador e a Banca Examinadora de qualquer responsabilidade sobre o aporte ideológico conferido ao presente trabalho. ____________________________ AGDA ZORZAN 4 DECLARAÇÃO DE REVISÃO Declaro, para os devidos fins, que a monografia da graduanda: AGDA ZORZAN, do Curso de Direito da Universidade do Contestado – UnC, Campus Canoinhas (SC), intitulada: INVESTIGAÇÃO CRIMINAL REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ÂMBITO DO CRIME ORGANIZADO, recebeu a correção de Língua Portuguesa, em 06 /11/2013. E, por ser a expressão da verdade, firmo a presente declaração. São Mateus do Sul (PR), 06 de novembro de 2013. 5 Dedico esta conquista aos meus pais, Lourdes e Ineldo e a meu irmão Agnes. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pois ele é o governador da vida, que sempre guiou e iluminou meus passos. Agradeço aos meus pais Lourdes e Ineldo e a meu irmão Agnes pelo auxílio e exemplo de vida, por construírem a base sólida, fortaleza inviolável munida dos mais puros sentimentos vertentes da natureza humana. Sempre estiveram ao meu lado nas horas boas ou ruins, mostrando que a pessoa que acredita nos seus objetivos sempre os alcança. MUITO OBRIGADA. A uma pessoa especial que não poderia deixar de agradecer: Edilson você foi um dos pilares em minha vida, muito obrigada. A todos os professores do curso que foram tão importantes no desenvolvimento da vida acadêmica e em especial um agradecimento ao meu orientador Rafael Theodoro K. Rangni. A minha segunda família, 2ª Promotoria de São Mateus do Sul, meus sinceros agradecimentos pelo apoio. Aos amigos e colegas, exemplos de dedicação, pela colaboração ininterrupta durante a realização deste trabalho e, em especial aos meus grandes amigos Ana Júlia Bertolin e Telmo Roberto Ossowski, que, com toda a certeza se não estivessem ao meu lado o caminho seria muito mais árduo. 7 ―As raízes do estudo são amargas, mas seus frutos são doces.‖ (Aristóteles) 8 RESUMO O Ministério Público, instituição essencial à justiça, ganhou maior respeito no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição Federal de 1988, órgão autônomo e indivisível, que possui autonomia funcional e não está atrelado a nenhum dos outros poderes. Tema que gera polêmica no meio jurídico é quanto aos atos investigatórios do Ministério Público, sua legalidade e constitucionalidade para realizá-los e a precariedade que norteia o inquérito policial, que na maioria das vezes chega ao titular da ação penal incompleto, necessitando maiores diligências, o que acaba por deixar o procedimento moroso e prejudica, a futura ação penal. Verificar-se-á as normas de proteção do Ministério Público, entre elas, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei nº. 8.625/93, Resolução 13/2006, bem como o atual Projeto de Emenda Constitucional nº. 37/2011. Abordar-se-á os primórdios do crime organizado, bem como os problemas enfrentados com as organizações criminosas brasileiras, trazendo as características das duas principais organizações criminosas brasileiras. Ainda será abordada a possibilidade de investigação direta pelo Ministério Público, principalmente no que se refere ao combate das organizações criminosas, que acarretam prejuízos enormes a máquina estatal, bem como a corrupção que norteia o sistema estatal envolvendo agentes que deveriam coibir a prática criminosa mas que integram as organizações criminosas, fortalecendo de forma relevante estas organizações. Palavras-chaves: Ministério Público; Investigação criminal pelo Ministério Público; Crime organizado; Organizações Criminosas; Ministério Público no combate ao Crime Organizado. 9 ABSTRACT The prosecution institution essential to justice, which gained more respect from the The prosecutor, essential institution to justice, gained greater respect in the Brazilian legal system from the Constitution of 1988, an autonomous body and indivisible, that has functional autonomy and is not linked to any of the other powers. Issue that generates controversy is in the legal acts regarding investigative prosecutor, its legality and constitutionality to realize them and insecurity that drives the police investigation, that most often comes to the holder of the criminal incomplete, requiring more steps, the which ultimately let the lengthy procedure and affect the future prosecution. Check will be the protection standards of the Public Ministry, among them, the Organic Law of the National Public Prosecutor, Law nº. 8.625/93, Resolution 13/2006, as well as the current draft Constitutional Amendment. 37/2011. Address will be the beginnings of organized crime, as well as the problems faced with criminal organizations in Brazil, bringing the characteristics of the two major criminal organizations in Brazil. Still be addressed the possibility of direct investigation by prosecutors, especially when it comes to combating criminal organizations that cause huge losses to the state machine, as well as the corruption that guides the state system involving agents that should curb criminal activity but part of criminal organizations, strengthening of these organizations significantly. Key-words: Prosecutor; criminal investigation by prosecutors; Organized Crime; Criminal Organizations; prosecutors in combating organized crime. 10 LISTA DE SIGLAS ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade ADEPOL – Associação dos Delegados de Polícia do Brasil Art. – Artigo CF – Constituição Federal de 1988 CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público CP – Código Penal CPC – Código de Processo Civil CPI – Comissões Parlamentaresde Inquérito CPP – Código de Processo Penal LC – Lei Complementar LOMPU – Lei Orgânica do Ministério Público da União OAB – Ordem dos Advogados do Brasil MP – Ministério Público PEC – Projeto de Emenda a Constituição STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça IPM – Inquérito Policial Militar UnC – Universidade do Contestado 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 2 O MINISTÉRIO PÚBLICO ...................................................................................... 16 2.1.1 HISTÓRICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ......................................................... 17 2.1.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESTRUTURA DO ESTADO ............................. 21 2.1.3 FUNÇÕES E PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO PREVISTOS CONSTITUCIONALMENTE ................................................................. 23 2.1.4 DEFINIÇÃO DE MINISTÉRIO PÚBLICO ......................................................... 32 3 O CRIME ORGANIZADO ....................................................................................... 35 3.1 CONCEITO ......................................................................................................... 36 3.2 OS PRIMÓRDIOS DO CRIME ORGANIZADO ................................................... 40 3.3 O CRIME ORGANIZADO NOS PRINCIPAIS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA E DA EUROPA ............................................................................................................. 43 3.3.1 Argentina .......................................................................................................... 44 3.3.2 Chile ................................................................................................................. 46 3.3.3 Cuba ................................................................................................................. 49 3.3.4 Espanha ........................................................................................................... 50 3.3.5 Alemanha ......................................................................................................... 52 3.3.6 França .............................................................................................................. 56 3.3.7 Itália .................................................................................................................. 58 3.3.8 Brasil ................................................................................................................ 62 4 INVESTIGAÇÃO CRIMINAL REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO E A CRISE DO INQUÉRITO POLICIAL .... 69 4.1 PERSECUÇÃO PENAL....................................................................................... 70 4.2 POLÍCIA JUDICIÁRIA ......................................................................................... 72 4.3 CONCEITO DE INQUÉRITO POLICIAL, SUA FINALIDADE E SUA DISPENSABILIDADE ................................................................................................ 74 4.3.1 A CRISE DO INQUÉRITO POLICIAL ............................................................... 80 12 4.4 INVESTIGAÇÃO CRIMINAL REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO ..................................................................... 81 4.4.1 ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DOS TRIBUNAIS REGIONAIS .............................................................................................................. 92 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 104 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 109 13 1 INTRODUÇÃO O crime organizado é tema de destaque na área de investigação criminal presidida pelo Ministério Público, haja vista a preocupação da sociedade com a existência de grupos criminosos voltados a prática de crimes de alto potencial ofensivo, os quais agem de forma direta em todo o meio social, seja nos prejuízos causados com a lavagem de dinheiro, seja angariando seguidores ou destruindo o bem jurídico tutelado. O crescimento do crime organizado se dá devido aos problemas socioeconômicos e a inconstância de valores e princípios, aliados a ineficácia dos direitos fundamentais, os quais passam a ofender bens jurídicos fundamentais. Com o crescimento e fortificação do crime organizado, os agentes estatais passam a ser membros dessas organizações, sendo corrompidos com os altos montantes que norteiam as organizações e assim acarretando uma precariedade no sistema investigatório estatal. Essa precariedade nos dias atuais é evidente, posto que os inquéritos policiais são instruídos de forma duvidosa e sem o mínimo de elementos possíveis a formar a opinio delicti do titular da ação penal, acarretando assim que um número imenso de inquéritos acabe por ser arquivado ainda em sua fase preliminar, haja vista a falta de elementos para propositura da ação penal. A presente monografia tem por escopo principal debater a legalidade dos atos investigatórios do Ministério Público, sua constitucionalidade e sua indispensabilidade no âmbito dos crimes organizados. Mostrar-se-á os debates entre o Superior Tribunal Federal, os Tribunais Regionais, os projetos de Emenda Constitucional e a atual condição que norteia o ordenamento brasileiro trazendo a possibilidade de investigação criminal pelo Ministério Público. No primeiro capítulo abordar-se-á as modificações do Ministério Público no decorrer dos tempos, sua indispensabilidade à justiça e a ênfase que a referida instituição passou a ter após a vigência da Constituição Federal de 1988, trazendo um histórico da instituição e seu desenvolvimento entre as Constituições que estiveram em vigência em nosso ordenamento, até sua atual conjuntura no sistema. 14 Trará alguns apontamentos sobre tão importante instituição, conceituação e seus pontos fundamentais, a função jurisdicional do Estado e sua autonomia funcional não sendo integrante de nenhum órgão do governo como Executivo, Legislativo e Judiciário. Buscar-se-á, no presente capítulo, traçar um panorama sobre suas funções e princípios previstos constitucionalmente, sua definição constitucional e seu destaque no ordenamento jurídico como ferramenta essencial na organização do Estado e no combate aos crimes. No segundo capítulo tratar-se-á do crime organizado, trazendo sua conceituação e o panorama histórico do crime organizado dentro do ordenamento jurídico, bem como seus primórdios, abordando o surgimento das organizações criminosas. Com relação ao crime organizado, será tratado das organizações criminosas na América Latina e na Europa, trazendo um comparativo de como tais organizações são tratadas nos demais Países e como as investigações criminais são presididas nos referidos Países. Será abordado as organizações criminosas dentro dos ordenamentos jurídicos penais dos Países: Argentina, Chile, Cuba, Espanha, Alemanha, França, Itália, bem como, de que maneira os ordenamentos jurídicos disciplinam a matéria de investigação criminal. Terá enfoque especial o crime organizado no Brasil, sua atuação nas favelas e morros e trará a forma como as duas das principais organizações criminosas agem contra o sistema jurídico penal brasileiro, bem como seu surgimento no Brasil e o modelo que foi seguido pelos criminosos para chegar na proporção que se encontram. Já no terceiro capítulo tratar-se-á do inquérito policial, bem como a precariedadeque norteia as investigações criminais realizadas pela polícia judiciária. Conceituação de Persecução Penal, sua aplicação no ordenamento jurídico, polícia judiciária. Conceituação de inquérito policial, sua finalidade e sua dispensabilidade, haja vista os inúmeros problemas que norteiam a fase da investigação criminal realizada pela polícia, o índice de corrupção no meio policial e demais fatores que acarretam a precariedade desta peça de informação dispensável. 15 E por fim, será tratada a investigação criminal realizada pelo Ministério Público, sua constitucionalidade e os entendimentos jurisprudenciais, bem como sua função primordial no combate as organizações criminosas, e a recente votação do Projeto de Emenda a Constituição nº. 37 de 2011, que trouxe um grande avanço ao sistema processual penal brasileiro. O objetivo principal é a realização de estudo acerca da investigação criminal realizada pelo Ministério Público no âmbito do crime organizado, sua constitucionalidade e sua eficácia. O presente trabalho foi realizado através de pesquisa bibliográfica, sendo utilizado o método indutivo que, segundo a lição de Cesar Luiz Pasold, consiste em ―pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral‖.1 1 PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica e Metodologia da Pesquisa Jurídica. 10ª. Ed. Florianópolis: OAB/SC, 2007. Pág. 104. 16 2 O MINISTÉRIO PÚBLICO Verifica-se que no decorrer dos tempos a instituição do Ministério Público foi a que mais se fortaleceu e ganhou ênfase no ordenamento jurídico brasileiro, se tornando, assim, indispensável à justiça. O Ministério Público passou por um longo processo de modificações no decorrer do seu desenvolvimento, seja jurídico ou social. Órgão autônomo do Estado, indispensável para assegurar a prestação jurisdicional. O qual ao longo dos anos passou a ganhar espaço e se tornar a instituição fundamental que é atualmente. Nas palavras de Hugo Nigro Mazzili2, ―embora não seja um poder de Estado, o Ministério Público alcançou na Constituição Federal de 1988 as mesmas garantias de Poder.‖ Buscar-se-á, no presente capítulo, traçar alguns apontamentos sobre esta tão importante instituição, a fim de trazer conceitos e abordar os pontos mais interessantes a serem salientados a cerca da instituição do Ministério Público. Nesse sentido, tratar-se-á da instituição como ferramenta essencial a função jurisdicional do Estado, suas regulamentações no texto Constitucional e em Leis esparsas que observam as necessidades sociais e traz a instituição do Ministério Público como órgão indispensável na luta pelos direitos individuais e coletivos. Ademais, necessário se faz abordar a instituição do Ministério Público na estrutura do Estado, os basilares princípios que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu para a instituição e que a norteiam, tratar das garantias e das vedações que constituem tal instituição, abordando os pontos mais relevantes que acarretaram no desenvolvimento e formação da instituição do Ministério Público. Abordar-se-á o plano infraconstitucional e as principais normas regulamentadoras que estabelecem as competências da instituição, seja no âmbito estadual ou no âmbito federal, suas principais Leis Complementares e Orgânicas que definem as competências, funções e repartições das competências, que se encontram definidas pela Constituição Federal. Buscar-se-á no presente capítulo, estabelecer um alicerce para o desenvolvimento do tema no decorrer dos capítulos. 2 MAZZILI Hugo Nigro. Ministério Público. 2ª Edição – São Paulo: Damásio de Jesus, 2004, pág. 15. 17 2.1.1 HISTÓRICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO Mesmo antes do advento da Constituição Federal de 1988, haviam grandes disparidades no Ministério Público nacional, como cita Hugo Nigro Mazzilli3: Em alguns Ministérios Públicos, seus membros exerciam a advocacia privada e representavam a Fazenda Pública; a instituição não tinha sequer a mesma organização básica nos vários Estados; na União e em alguns Estados, havia Procuradores-Gerais escolhidos fora da instituição e sem mandato, enquanto outros Estados já tinham estatutos locais que garantiam que a chefia da instituição fosse necessariamente exercida por integrantes da carreira, com investidura por tempo certo. De acordo com Hugo Nigro Mazzili4, foi só a partir de 1980 que começou a surgir uma consciência nacional de Ministério Público, fruto, em grande parte, dos trabalhos da Confederação das Associações Nacionais de Ministério Público. Nesse quadro é que foi editada a primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Complementar nº 40/81), que estabeleceu o conceito da instituição, seus princípios, suas garantias, vedações e atribuições, bem como sua organização básica. Sem óbice aos trabalhos da Confederação das Associações Nacionais do Ministério Público para o desenvolvimento da instituição, a análise da história do Ministério Público denota que sua atual instituição é fruto do desenvolvimento do Estado Brasileiro e da democracia. Tal história é marcada por dois grandes processos que culminaram na formalização do Parquet5 como instituição e na ampliação de sua área de atuação. Antes de tratar de tais processos, entretanto, é necessário traçar a paulatina evolução da instituição no direito brasileiro. Segundo Hugo Nigro Mazzili6 a evolução do Ministério Público brasileiro esteve evidentemente ligada ao Direito Lusitano do Brasil Colônia. Em 1609 foi instituído o procurador da Coroa no Tribunal da Relação na Bahia. ―Nesse, período, a legislação só fazia referências esparsas ao procurador geral, subordinando-o expressamente ao governante.‖ 3 MAZZILI Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 27. 4 MAZZILI Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 27. 5 Parquet: a palavra parquet, que é utilizada comumente em textos jurídicos e em processos judiciais, tem origem francesa e é sinônimo de Ministério Público. O termo remete aos antigos procuradores do rei da França, que ficavam em pé sobre o assoalho (parquet) da sala de audiência, e não se sentavam ao lado dos magistrados, como ocorre hoje. 6 MAZZILI Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 21. 18 Na Constituição de 1824, já sob o Brasil Império foi aludido ao procurador da Coroa e Soberania Nacional a acusação dos crimes. Com a implantação do Código de Processo Criminal em 1832 trouxe uma seção para os promotores, cuidando de sua nomeação e atribuições. Em 1841 houve a Reforma processual, passou-se a exigir a condição de ―bacharel idôneo‖ para a nomeação dos promotores públicos, que eram nada mais que os substitutos do procurador geral. Somente em 1890 com Campos Salles, Ministro da Justiça no Governo Provisório da República, que o Ministério Público passou a ser tratado como uma instituição. Por essa razão, Campos Salles é considerado o patrono do Ministério Público brasileiro. A Constituição Federal de 1891 cuidou da escolha do Procurador Geral da República dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal e aludiu a uma única atribuição: a impetração de revisão criminal pro reo. Em 1934 institucionalizou-se efetivamente o Ministério Público. O Código de Processo Penal de 1941 trouxe poderes requisitórios ao Ministério Público, transformando em regra o princípio da titularidade ativa da ação penal pública. A Constituição Federal de 1946 inseriu o Ministério Público em título próprio, previu sua organização,forma de ingresso e conferiu garantias a seus membros. Foi com a primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei Complementar Federal nº. 40 de 14 de dezembro de 1981, que a instituição passou a ter perfil nacional, com conceituação, princípios, funções, garantias, instrumentos e organização básica, conforme ensinamentos de Hugo Nigro Mazzili7. O primeiro processo inicia-se no período colonial, o Brasil foi orientado pelo direito lusitano. Não havia o Ministério Público como instituição, mas as Ordenações Manuelinas de 1521 e as Ordenações Filipinas de 1603 já faziam menção aos promotores de justiça, atribuindo a eles o papel de fiscalizar a lei e de promover a acusação criminal. Existia ainda o cargo de procurador dos feitos da Coroa (defensor da Coroa) e o de procurador da Fazenda (defensor do fisco). O segundo processo se deu só no Império em 1832, com o Código de Processo Penal do Império iniciou-se a sistematização das ações do Ministério Público. Contudo, apenas em janeiro de 1838, teve-se a notícia da função de fiscal 7 MAZZILI Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 27. 19 da lei do representado do Ministério Público, sendo este o marco inicial das modernas atribuições do Ministério Público. Para Sauwen Filho8: Foi somente em 16 de janeiro de 1838, que o Governo deu mostras da feição que reservava ao futuro Ministério Público, estabelecendo pelo Aviso Imperial daquela data que os Promotores de Justiça eram ―fiscais da lei‖, referindo-se aos curadores como ―verdadeiros advogados‖, destacando assim os papéis que estavam reservados àqueles membros do Ministério Público na futura lei que regularia a Instituição. Na República, o decreto nº 848 de 11/09/1890, ao criar e regulamentar a Justiça Federal, dispôs, em um capítulo, sobre a estrutura e atribuições do Ministério Público no âmbito federal. Neste decreto destacam-se dois pontos principais a saber: a indicação do procurador geral pelo Presidente da República e a função do procurador de "cumprir as ordens do Governo da República relativas ao exercício de suas funções" e de "promover o bem dos direitos e interesses da União." (artigo 24, alínea c). Mas foi o processo de codificação do Direito nacional que permitiu o crescimento institucional do Ministério Público, visto que os códigos (Civil de 1916, de Processo Civil de 1939 e de 1973, Penal de 1940 e de Processo Penal de 1941) atribuíram várias funções à instituição. Além dos códigos, algumas leis merecem destaque na evolução do Ministério Público. Dentre estas destacam-se, conforme nos ensina Alexandre de Moraes9, a lei federal nº 1.341 de 1951, que criou o Ministério Público da União, que se ramificava em Ministério Público Federal, Militar, Eleitoral e do Trabalho. O Ministério Público da União - MPU pertencia à época ao Poder Executivo. Em 1981, a Lei Complementar nº 40 dispôs sobre o Estatuto do Ministério Público, instituindo garantias, atribuições e vedações aos membros do órgão. Em 1985, a lei nº. 7.347 de Ação Civil Pública ampliou consideravelmente a área de atuação do Ministério Público, ao atribuir a função de defesa dos interesses difusos e coletivos. Antes da ação civil pública, o Ministério Público desempenhava basicamente funções na área criminal, possuindo na área cível, apenas uma atuação interveniente como fiscal da lei em ações individuais. Com o advento da 8 SAUWEN, Filho, J. F. O Ministério Público brasileiro: e o Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pág. 120. 9 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2000, pág. 20. 20 ação civil pública, a instituição passa a ser agente tutelador dos interesses difusos e coletivos. Quanto aos textos constitucionais, deve-se lembrar que nem todas as Cartas Magnas trataram do Ministério Público, decorrendo tal inconstância das oscilações entre regimes democráticos e regimes autoritário-ditatoriais. Veja-se a evolução do Ministério Público frente às Constituições Brasileiras, segundo o Histórico do Ministério Público no Brasil, elaborado pelo Ministério Público da União10: Constituição de 1824: não faz referência expressa ao Ministério Público. Estabelece que "nos juízos dos crimes, cuja acusação não pertence à Câmara dos Deputados, acusará o procurador da Coroa e Soberania Nacional". Constituição de 1891: não faz referência expressa ao Ministério Público. Dispõe sobre a escolha do Procurador-Geral da República e a sua iniciativa na revisão criminal. Constituição de 1934: faz referência expressa ao Ministério Público no capítulo "Dos órgãos de cooperação". Institucionaliza o Ministério Público. Prevê lei federal sobre a organização do Ministério Público da União. Constituição de 1937: não faz referência expressa ao Ministério Público. Diz respeito ao Procurador-Geral da República e ao quinto constitucional. Constituição de 1946: faz referência expressa ao Ministério Público em título próprio (artigos 125 a 128) sem vinculação aos poderes. Constituição de 1967: faz referência expressa ao Ministério Público no capítulo destinado ao Poder Judiciário. Emenda constitucional de 1969: faz referência expressa ao Ministério Público no capítulo destinado ao Poder Executivo. Constituição de 1988: faz referência expressa ao Ministério Público no capítulo "Das funções essenciais à Justiça". Define as funções institucionais, as garantias e as vedações de seus membros. Foi na área cível que o Ministério Público adquiriu novas funções, destacando a sua atuação na tutela dos interesses difusos e coletivos (meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico, turístico e paisagístico; pessoa portadora de deficiência; criança e adolescente, comunidades indígenas e minorias ético-sociais). Isso deu evidência à instituição, tornando-a uma espécie de Ouvidoria da sociedade brasileira. Com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Ministério Público alcançou grande relevância no cenário nacional. Passou-se a dar mais importância a este órgão estatal, que vem ganhando força e justificando, cada vez mais, o fato de ser indispensável à justiça. Se tornou órgão autônomo e indispensável a prestação jurisdicional. Nesse sentido, destaca Edílson Gonçalves11: 10 BRASIL, Histórico do Ministério Público no. Disponível em: http://www.mpu.gov.br/navegacao/institucional/historico. 11 GONÇALVES, Edílson Santana. O Ministério Público no Estado Democrático de Direito. Curitiba: Jaruá, 2000, pág. 61. 21 É cediço afirmar que o Ministério Público traduz um ofício integrante da essência do Estado, exercendo parcela da soberania, imprescindível à própria sobrevivência da sociedade, dada a sua tamanha importância no atual momento histórico. O Ministério Público deixou de ser um apêndice do Poder Judiciário para se transformar num defensor da sociedade em todos os aspectos, com funções primordiais e indispensáveis, as quais buscam a aplicação do ordenamento constitucional, visando o bem social. Passa-se a ver o Ministério Público como instituição desvinculado a outro órgão, com independência funcional para lutar em prol da justiça social. 2.1.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESTRUTURA DO ESTADO Muito se tem discutido em doutrina sobre qual o posicionamento ideal para o Ministério Público na Constituição Federal, como denota Hugo Nigro Mazzili12: a) Se dentro do Poder Legislativo (já que fiscaliza a aplicação da lei); Se dentro do Poder Judiciário (já que preponderantemente atua junto a ele quando da aplicação contenciosa da lei);Se dentro do Poder Executivo (pelo critério residual, já que o Ministério Público não faz a lei nem presta jurisdição); Se como um quarto Poder de Estado (como já foi sugerido em doutrina); Se em título ou capítulo à parte, com garantias de efetiva autonomia funcional. A posição que prevaleceu na Constituição Federal de 1988 foi a de ficar o Ministério Público inserido em capítulo à parte: ―Das funções essenciais à Justiça‖, solução semelhante às das Constituições de 1934 e 1946, ou seja, na Constituição Federal atual, o Ministério Público não foi erigido formalmente à condição de quarto Poder de Estado, mas alcançou efetivamente as garantias de Poder. A natureza jurídica do Ministério Público é a de órgão do Estado, não de Governo. No Brasil sua posição no Estado é muito clara, como visto acima: não faz parte do Poder Judiciário, nem tampouco do Poder Legislativo ou Executivo. É uma instituição permanente, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A instituição do Ministério Público é considerada autônoma no meio jurídico, eis que não está inserido nem no poder judiciário, tampouco no poder executivo. O Ministério Público é uma instituição independente, essencial à função jurisdicional do 12 MAZZILI, Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 29. 22 Estado, que ganhou maior força após a promulgação da Constituição de 1988, Constituição esta conhecida como Constituição Cidadã. Nas palavras de Hugo Nigro Mazzili13: A Constituição Federal de 1988, denominada de ―Constituição cidadã‖, e de nítido caráter democrático, eis que rompe com o regime político anterior, deu nova feição ao Ministério Público, estruturando-o com uma série de garantias e prerrogativas destinadas a propiciar desempenho satisfatório na defesa dos interesses da sociedade, inclusive contra os próprios órgãos do Estado. Há certo distanciamento dessa função, na medida em que o Texto Constitucional trata do Ministério Público em capítulo próprio, qual seja, ―Das funções essenciais da justiça‖, com a advocacia defensoria pública e a advocacia pública. O Ministério Público passa a ser uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, desfrutando deposição ímpar no sistema constitucional pátrio. Se a instituição do Ministério Público estivesse relacionada ao Poder Executivo, poderia acarretar alguns problemas no tocante a sua independência política e funcional. Saliente-se que essa independência constitui-se em um pressuposto da objetividade e da imparcialidade de sua atuação no mister de defensor da ordem jurídica. Aplica-se tanto à instituição como aos seus membros. Na hipótese de o Ministério Público estar relacionado ao Poder Legislativo tem-se que ele poderá ser concebido como um defensor do princípio da legalidade. Legalidade essa oriunda do próprio Poder Legislativo, ao qual se encontra vinculado. No entanto, aqui o perigo reside na defesa de uma legalidade socialista. Se o Ministério Público se encontra dentro da estrutura do Poder Judiciário, ele se torna sua dependente ou integrante, o que pode comprometer a sua atuação. Hugo Nigro Mazzili14 assevera que: Os Estados democráticos preferem relacionar o Ministério Público à estrutura constitucional do Poder Judiciário, por conceberem-no como função essencial ao desempenho da justiça. No sistema constitucional brasileiro o Ministério Público integra as funções essenciais à justiça e é erigido ao status de instituição permanente, desvinculada dos demais Poderes, constituindo-se em crime de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentem contra o livre exercício do Ministério Público, conforme o disposto no art. 85, II, da Constituição Federal de 1988. De igual modo restam vedadas a edição de medida provisória e a delegação legislativa em matéria relativa à organização do Ministério Público. 13 MAZZILLI, Hugo Nigro. MARTINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. O Ministério Público depois da Constituição de 1988. Constituição Federal anotada. São Paulo: Revista dos Tribunais e Centro de Extensão Universitária, 2008, pág. 411. 14 MAZZILLI, Hugo Nigro. MARTINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. O Ministério Público depois da Constituição de 1988. Constituição Federal anotada. Pág. 411. 23 Com a Constituição Federal de 1988 o Ministério Público passou a ter autonomia e foi erigido como condição de instituição. A circunstância de elencar o Ministério Público no rol das funções essenciais à justiça, portanto não submetido ao Poder Executivo, lhe conferiu autonomia e independência para exercer o mister livremente e se legitimar como defensor da sociedade e dos valores democráticos. Ao ser conferido uma série de garantias à própria instituição do Ministério Público e aos seus membros, conferiu-se liberdade necessária à sua atuação, submetendo-o somente aos limites Constitucionais e às leis. Com a liberdade prevista pela Constituição Federal, foi conferida autonomia e os instrumentos e garantias necessários para cumprir a sua missão em prol da justiça. A instituição do Ministério Público possui autonomia na estrutura do estado e não pode ser extinto ou modificado, como já visto não pertence a nenhum dos outros poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. A atuação do Ministério Público acabou por legitimá-lo perante a sociedade representando hoje a instituição um dos grandes esteios do próprio regime democrático. 2.1.3 FUNÇÕES E PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO PREVISTOS CONSTITUCIONALMENTE A atual instituição do Ministério Público possui definição jurídica prevista no artigo 127 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, in verbis: Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo‑lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Como já referido anteriormente, o Ministério Público vem ocupando lugar cada vez mais destacado dentro da organização do Estado, dado o alargamento de suas funções de proteção de direitos (coletivos, difusos e individuais indisponíveis), que ganha realce na Constituição de 1988, tornando esta instituição um dos pilares do ordenamento jurídico pátrio. Os princípios constituem o alicerce do sistema jurídico ou de uma instituição, designam a estruturação de um sistema ou normas por um significado chave, o qual conduz o ordenamento e são subordinados. 24 A Constituição Federal disciplinou, em seu artigo 127, §1º, os princípios nos quais se alicerça a Instituição do Ministério Público, quais sejam a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Como se infere, o Ministério Público possui, entre os demais princípios, independência funcional, que significa dizer, de acordo com Hugo Nigro Mazzili15 que o Ministério Público exerce suas funções de forma livre e sem ingerências de qualquer outro órgão Estatal. Ressalta, nesse sentido, José Afonso da Silva16 para quem: Independência funcional (artigo 127, § 1º) quer dizer que, no exercício de sua atividade-fim, o membro do Ministério Público, assim como seus órgãos colegiados, têm inteira liberdade de atuação, não ficam sujeitos a determinações superiores e devem observância à Constituição e as leis. Por sua vez, os princípios da unidade e indivisibilidade, se referem à ―características‖ da instituição permitindo que os membros do Ministério Público se substituam dentro de uma mesma jurisdição ou que atuem de forma conjunta. Neste sentidoAcordão Habeas Corpus nº. 132544/PR17: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA POR PROMOTOR ATUANTE EM VARA CRIMINAL QUE NÃO A DO TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. A instituição do Ministério Público é una e indivisível, ou seja, cada um de seus membros a representa como um todo, sendo, portanto, reciprocamente substituíveis em suas atribuições. Conforme se extrai da regra do art. 5º, LIII, da Carta Magna, é vedado pelo ordenamento pátrio apenas a designação de um "acusador de exceção", nomeado mediante manipulações casuísticas e em desacordo com os critérios legais pertinentes - isto é, considera-se violado o princípio se e quando violado o exercício pleno e independente das funções institucionais. Precedente da Sexta Turma. 2. A ocorrência de opiniões colidentes - manifestadas em momentos distintos por promotores de Justiça que atuam na área penal e após a realização de diligências - não traduz ofensa ao princípio do promotor natural. 3. No caso, quando encaminhado o feito para outro Juízo, não existiam elementos, sob a ótica do promotor de Justiça responsável pela Vara do Tribunal do Júri, da existência de crime doloso contra a vida, restando evidenciada, posteriormente, no curso das investigações, a prática de homicídio doloso, o que ensejou a denúncia oferecida pelo promotor atuante na vara criminal comum e a remessa dos autos ao Juízo competente. 4. Ordem denegada. Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (1148). DJe 04/06/2012. T6 - SEXTA TURMA. 17/05/2012. 15 MAZZILI, Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 35. 16 SILVA, José Afonso da. O Constitucionalismo brasileiro – evolução institucional. São Paulo, Malheiros, 2011, pág. 386. 17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 132.544/PR, 6ª Turma. Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, julgado em 17/05/2012, DJe 04/06/2012. 25 Ainda, com relação à indivisibilidade, Pedro Roberto Decomain18 traz que: A indivisibilidade resulta em verdadeiro corolário do princípio da unidade. O Ministério Público não se pode subdividir em vários outros Ministérios Públicos autônomos e desvinculados uns dos outros. Ao sentir mais uma vez de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, indivisível quer dizer a ―instituição não pode ser duplicada, de modo a que suas funções sejam cometidas a estruturas diferentes e paralelas.‖ A concepção de promotor natural, assim como juiz natural, remete a uma ideia de isenção e imparcialidade inconciliável com a atividade do Ministério Público, que é de parte, embora haja sob o critério de legalidade. Por tudo isso, pode-se afirmar que o princípio do promotor natural não tem fundamento constitucional e os princípios da unidade e indivisibilidade foram inadequadamente importados pela Constituição, não correspondendo na prática ao contexto brasileiro. Aliás, no Superior Tribunal de Justiça - STJ a questão tem sido tratada nos seguintes termos, conforme traz Fernando da Costa Tourinho Filho19: Constitucional e Processual Penal. ―Habeas corpus‖. Peculato. Princípio do Promotor Natural. Garantia constitucional inexistente (art. 127, §1ª, a contrário sensu). I – A Constituição, diferentemente do que faz com os Juízes, tudo em prol dos jurisdicionados, não garante o ―Princípio do Promotor Natural‖. Ao contrário, consagra no §1º do art. 127 os princípios da ―Unidade‖ e da ―Indivisibilidade‖ do Ministério Público, dando maior mobilidade à instituição, permitindo avocação e substituição do órgão acusador, tudo, evidentemente, nos termos da Lei Orgânica. (STJ, RHC º. 3.061). Recurso em Habeas Corpus. Violação ao princípio do Promotor Natural. Inexistência. 1. A possibilidade de designação de outros membros do Ministério Público para atuar em conjunto com o promotor titular é expressamente permitida pelo art. 24 da Lei 8.625/1993, não havendo que se falar em violação do princípio do promotor natural. (STJ, RHC nº. 17.035). Tendo em vista os entendimentos acima explanados, tem-se que é garantido aos membros do Ministério Público a unidade e indivisibilidade, portanto o órgão do Ministério Público é uma única instituição, representada por seus Promotores de Justiça, os quais exercem suas funções pertinentes, não sendo assegurado o princípio do promotor natural, com ressalvas em casos específicos. Como bem 18 DECOMAIN, Pedro Roberto. Comentários à Lei orgânica nacional do Ministério Público: Lei 8.625, de 12.02.1993. Florianópolis: Obra Jurídica, 1996, pág. 19. 19 FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 12ª Ed. 1990, Saraiva, pág. 308. 26 assevera Hugro Nigro Mazzili20, ―o princípio do promotor natural comporta diversas aplicações práticas‖. Pode-se dizer que, em tese, o princípio do promotor natural é equiparado ao do Juiz, posto que o membro do Ministério Público é quem oficia em um processo ou inquérito policial. Visa garantir tanto ao membro do Ministério Público quanto ao processado, que seja assegurado o exercício pleno e independente de seu ofício. Sobre os princípios institucionais o Constitucionalista Pedro Lenza21 definiu-os da seguinte forma: Unidade: sob a égide de um só Chefe, o Ministério Público deve ser visto como uma instituição única, sendo a divisão existente meramente funcional. Importante notar, porém, que a unidade se encontra dentro de cada órgão, não se falando em unidade entre o Ministério Público da União (qualquer deles) e o dos Estados, nem entre os ramos daquele. Indivisibilidade: corolário do princípio da unidade, em verdadeira relação de logicidade, é possível que um membro do Ministério Público substitua outro, dentro da mesma função, sem que, com isso, exista qualquer implicação prática. Isso porque quem exerce os atos, em essência, é a instituição ―Ministério Público‖, e não a pessoa do Promotor de Justiça ou Procurador. Independência funcional: trata-se de autonomia de convicção, na medida em que os membros do Ministério Público não se submetam a qualquer poder hierárquico no exercício de seu mister, podendo agir, no processo, da maneira que melhor entenderem. A hierarquia existente restringe-se às questões de caráter administrativo, materializada pelo Chefe da Instituição, mas nunca, como dito, de caráter funcional. Tanto é que o art. 85, II da CF/88 considera crime de responsabilidade qualquer ato do Presidente da República que atentar contra o livre exercício do Ministério Público. Responsabilidade: qualquer ato do Presidente da República que atentar contra livre-exercício do Ministério Público. Os princípios institucionais elencados acima tem a função estruturante da instituição, os quais devem ser observados e aplicados no ordenamento jurídico, sob pena de se considerar violação ao texto constitucional. Os princípios trazem garantias ao sistema jurídico e aos membros do Ministério Público, garantindo que o Ministério Público exerça de forma livre e sem pressões e influências a sua missão constitucional, de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Essas garantias asseguradas ao Ministério Público visam afirmar ainda mais as funções desta tão importante instituição, coibindo de forma fundamental os crimes sem envolvimentos de outras instituições. 20 MAZZILI, Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 37. 21 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010, pág.672. 27 Hugo Nigro Mazzili22 traz as garantias do Ministério Público:―Garantias são atributos que se destinam a assegurar o livre exercício das funções: a) do próprio Ministério Público, como instituição; b) de seus órgãos e membros, como agentes.‖ A Constituição Federal de 1988 estabelece três tipos de garantias para o Ministério Público, quais sejam em relação à instituição, aos seus órgãos e aos seus membros. Preliminarmente deve-se estabelecer a distinção entre impedimentos e vedações. Impedimentos, nos ensinamentos de Hugo Nigro Mazzili23, são impossibilidades materiais ou jurídicas para que um membro do Ministério Público exerça suas funções. As vedações do Ministério Público são semelhantes às da Magistratura, conforme estabelecido no artigo 128, §5º, inciso II da Constituição Federal de 1988. Ainda no código de processo penal no artigo 104 prevê a possibilidade da arguição de exceção de suspeição contra membros do ministério público e em seu artigo 258 do mesmo diploma legal prevê que a eles se estendem, no que lhes for aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes, sendo-lhes vedado atuar em processos que sejam partes, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau. Nas palavras de Hugo Nigro Mazzili24: a) Vedações (de caráter absoluto), ou seja, são impedimentos éticos ou jurídicos que geram incompatibilidades (por exemplo: não atuar no processo em que ele próprio seja parte); b) Causas de suspeição (de caráter relativo), em cuja ocorrência o legislador presume haja parcialidade do membro do Ministério Público (amizade íntima ou inimizade capital com a parte). Ainda sobre vedações assevera o citado autor: a) Receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais (se o Ministério Público for vitorioso na ação, seus membros não podem receber honorários; se sucumbir, os ônus da sucumbência ficarão a cargo do Estado); b) Exercer a advocacia (aos membros do Ministério Público veda-se qualquer forma de postulação ou consultoria jurídica fora das atividades próprias à instituição ministerial, quer essa postulação se dê perante o Poder Judiciário ou não; além de vedar-se a consultoria jurídica, veda-se 22 MAZZILI, Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 49. 23 MAZZILI, Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 49. 24 MAZZILI, Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 57. 28 também a representação das entidades públicas pelos membros do Ministério Público); c) Participar de sociedade comercial, na forma da lei (entende-se que o membro do Ministério Público pode participar de sociedades de capital, como sociedades anônimas ou de responsabilidade limitada, mas não de sociedades de pessoas; com maior razão, os membros do Ministério Público não podem exercer o comércio individual); d) Exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; e) Exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas em lei. Tais fundamentos encontram respaldo para que se preserve sua função, visando garantir a independência, a isenção ou a dedicação dos membros do Ministério Público. Visa ainda evitar causas de nulidade no processo em que for arguida a suspeição do membro do Ministério Público, podendo causar interposição de recurso, sendo reconhecida a nulidade dos atos por ofensa ao princípio constitucional. Ainda no artigo 129 da Constituição da República Federativa do Brasil, estão elencadas as funções institucionais do Ministério Público: Art. 129. São funções institucionais do ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. [...] Destaca-se que a Constituição Federal enumera de forma exemplificativa tais funções, neste sentido Pedro Lenza25 assevera que: 25 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Pág. 677. 29 Trata-se de rol meramente exemplificativo, uma vez que seu inciso IX estabelece que compete, ainda, ao Ministério Público exercer outras funções que lhes forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade. Da análise do texto constitucional se pode auferir que o legislador constituinte atribuiu ao Ministério Público a defesa da sociedade, tanto no campo penal quanto no campo cível, trazendo a instituição à titularidade da ação penal pública de forma exclusiva, bem como a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública. De acordo com o entendimento de Hugo Nigro Mazzili26: Embora o art. 129 da CF diga estar referindo-se às funções institucionais do Ministério Público, na verdade, refere-se antes a seus instrumentos de atuação institucional (ação penal pública, ação civil pública, inquérito civil, requisições, notificações etc.). Funções institucionais do Ministério Público são aquelas previstas no art. 127, caput, ou seja, aqueles fins para os quais existe e para cujo adimplemento o Ministério Público emprega os instrumentos de atuação que a lei lhe conferiu; assim, estão entre suas funções institucionais a defesa do regime democrático, a defesa dos interesses sociais e dos individuais indisponíveis. Assim, o Ministério Público é instituição que visa garantir e defender os interesses coletivos ou individuais indisponíveis, dentre outras funções que lhe são asseguradas no texto constitucional, bem como em Leis Complementares. Para tanto, existem garantias que buscam criar condições para se efetuar tais objetivos, sem influência de conflitos internos ou externos à instituição ou mesmo subordinação. Segundo o mesmo autor, a melhor distinção já feita entre funções e instrumentos foi feita pela Lei Complementar nº. 75/93 (LOMPU), em seus artigos 5º e 6º, respectivamente. Com efeito, considera a Lei como função institucional do Ministério Público da União o seguinte: Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União: I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios: a) a soberania e a representatividade popular; b) os direitos políticos; c) os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; d) a indissolubilidade da União; e) a independência e a harmonia dos Poderes da União; f) a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;26 MAZZILI, Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 64. 30 g) as vedações impostas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União; II - zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos: a) ao sistema tributário, às limitações do poder de tributar, à repartição do poder impositivo e das receitas tributárias e aos direitos do contribuinte; b) às finanças públicas; c) à atividade econômica, à política urbana, agrícola, fundiária e de reforma agrária e ao sistema financeiro nacional; d) à seguridade social, à educação, à cultura e ao desporto, à ciência e à tecnologia, à comunicação social e ao meio ambiente; e) à segurança pública; III - a defesa dos seguintes bens e interesses: a) o patrimônio nacional; b) o patrimônio público e social; c) o patrimônio cultural brasileiro; d) o meio ambiente; e) os direitos e interesses coletivos, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso; IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social; V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto: a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação; b) aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade; VI - exercer outras funções previstas na Constituição Federal e na lei. Noutro aspecto, o artigo 6º traz uma série de instrumentos necessários para que o Ministério Público possa dar consecução nos seus objetivos institucionais, dentre as quais se destacam: Ação direta de inconstitucionalidade, respectivo pedido de medida cautelar, ação direita de inconstitucionalidade por omissão, arguição de descumprimento de preceito fundamental, representação para intervenção federal, ação penal pública, habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, inquérito civil e ação civil pública, defender direitos e interesses das populações indígenas, ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos, ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, ações cabíveis, representar, responsabilidade. Ademais, cabe o exercício de outras atribuições pelo Ministério Público que lhe forem respaldadas por lei, desde que compatíveis com sua finalidade, cm intuito de valorizar a instituição, além de assegurar o benefício da comunidade. 31 Destaca-se, também, a atuação do Ministério Público como custus legis o fiscal da lei, visando à aplicação da lei de forma correta, bem como a titularidade exclusiva da ação penal pública (dominis litis em tal matéria), sendo o titular exclusivo da referida ação. Hugo Nigro Mazzili27 nos ensina que o Ministério Público tem dois tipos de função, devendo atuar sempre com observância aos requisitos constitucionais, quais sejam: Típicas são as funções intrinsecamente próprias do Ministério Público, ou seja, aos do que apenas compatíveis, são funções às quais o Ministério Público está diretamente votado (o combate ao crime, a defesa do meio ambiente, a defesa de interesses difusos e coletivos etc.). Naturalmente, nem todas as funções típicas são privativas do Ministério Público. Atípicas são as funções que o Ministério Público ainda exerce, mas que estão fora de sua atual destinação geral (como a defesa cível da vítima pobre ou do reclamante trabalhista, na ação civil ex delicto ou na reclamação trabalhista, hipóteses estas de atuação transitória, enquanto não sejam criados e estejam em efetivo funcionamento os órgãos próprios de assistência judiciária). Cumpre destacar com a discussão existente quanto às atuações do Ministério Público em ações de usucapião e divórcio que tenham nos polos ativos e passivos pessoas maiores e capazes: embora atualmente a lei prevê tal atuação por parte do Ministério Público, mas está se formando uma tendência de se limitar referida atuação, encaixando dentro do próprio texto constitucional, artigo 127, caput, e artigo 129, IX da Constituição Federal, nos quais o interesse de agir do Ministério Público só se dá em casos específicos como, por exemplo, em ações que envolvam menores e incapazes ou em interesses sociais e interesses individuais indisponíveis. Pode-se concluir, de acordo com o até aqui exposto, que o Ministério Público, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ganhou grande relevância no ordenamento jurídico, se tornando instituição essencial à justiça, que busca defender os interesses coletivos e individuais, que possui atribuições, garantias e vedações previstas no texto constitucional e que ainda, possui um amplo leque de meios, previstos em Leis Complementares, que visam adicionar a instituição. Instituição de papel fundamental, que visa combater crimes organizados, hediondos, dentro outros que a própria policial judiciária não obtenha meios de fazer. A par de tais conceitos, é possível a busca de uma definição de Ministério Público, objeto do próximo item deste capítulo. 27 MAZZILI, Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 64. 32 2.1.4 DEFINIÇÃO DE MINISTÉRIO PÚBLICO Verificou-se no capítulo anterior que de acordo com o texto constitucional, o Ministério Público é instituição permanente, una e indivisível, essencial à função jurisdicional do Estado, com a incumbência de defender os interesses da sociedade e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Além disso, cumpre destacar que a instituição possui autonomia para organizar as suas funções administrativas e independência para gerir e executar o seu orçamento, estando sujeito unicamente à Constituição Federal e à legislação vigente. Com fundamento no até aqui exposto, oportuno o entendimento de Hugo Nigro Mazzili28 para quem o Ministério Público: Trata-se de um órgão autônomo do Estado, indispensável para assegurar a inércia do Poder Judiciário e para garantir efetivo acesso à jurisdição, quando da ocorrência de lesões a interesses públicos ou coletivos, tomados estes em seu sentido lato. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei 8.625/1993, definiu a instituição com a mesma redação dada no artigo 127 da Constituição Federal, citado acima. De acordo com Pedro Lenza29 foram editados diplomas legais, visando a complementação da Constituição Federal de 1988, trazendo formas de organizações da instituição do Ministério Público e conceituando outros procedimentos utilizados por tal instituição, quais sejam: Lei nº. 8.625, de 12/02/1993: Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispondo sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados; Lei Complementar nº. 75, de 20/05/1993: Lei Orgânica do Ministério Público da União (de caráter federal e não nacional, como a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), dispondo sobre a organização, atribuições e estatuto do Ministério Público da União (Ministério Público Federal – arts. 3-82; Ministério Público Militar – arts. 116-148; Ministério Público do Trabalho – arts. 83-115 e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – arts. 149- 181, todos independentes entre si). Leis complementares estaduais: cada Estado elabora a sua; para se ter um exemplo, a Lei Complementar nº. 74, de 26/11/1991, Lei Orgânica do Ministério Público do Estadode São Paulo. O Ministério Público exerce a atividade de controle, verificando e fiscalizando as notícias crime, instrumento de registro de ocorrências, as providências cabíveis, 28 MAZZILI, Hugo Nigro. Ministério Público. Pág. 17. 29 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Pág. 667. 33 andamento de investigação, tramitação de inquéritos policiais e procedimentos judiciais e extrajudiciais, o cumprimento de decisões judiciais, cumprimento de requisições do próprio Ministério Público, a detenção de presos e execução de pena de condenados. Também estão inseridas nas atividades de controle externo do Ministério Público as de prevenção e repressão que afetem o cidadão e a sociedade. Atua em prol da saúde pública, do meio ambiente, da criança e do adolescente, das famílias, do idoso, das pessoas portadoras de necessidades especiais, do patrimônio público, dos direitos do consumidor, enfim atua em todas as áreas do direito, os quais são previstos constitucionalmente, sempre visando a proteção dos cidadãos. Para Hugo Nigro Mazzili30, no caput do artigo 127 da Constituição Federal pode-se encontrar os seguintes conceitos: a) Instituição permanente: Diz a Constituição que o Ministério Público é instituição permanente. A assertiva, que já constava do art. 1° da Lei Complementar federal n. 40, de 14 de dezembro de 1981, e que agora foi consagrada na Constituição da República de 1988 (art. 127), parte do pressuposto de que o Ministério Público é um dos órgãos pelos quais o Estado atual manifesta sua soberania; ora, entre as instituições públicas, caracterizadas por um fim a realizar no meio social, o Ministério Público tem a destinação permanente de defender a ordem jurídica, o próprio regime democrático e ainda os interesses sociais e individuais indisponíveis, inclusive e principalmente perante o Poder Judiciário, junto ao qual tem a missão de promover a ação penal pública. b) Zelo das principais formas de interesse público: Destina-se o Ministério Público à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis: em última análise, trata-se do zelo do interesse público. Ainda que muito criticada a expressão ―interesse público‖, por sua imprecisão, parece-nos preferível à enumeração falha, porque casuística, de outros textos que, na busca de cobrir todo o campo de atuação ministerial, elencam interesses sociais, interesses indisponíveis do indivíduo e da coletividade, interesses coletivos, difusos, transindividuais etc. Num sentido lato, portanto, até o interesse individual, se indisponível, é interesse público, cujo zelo é cometido ao Ministério Público (CR, art. 127); a defesa do próprio interesse coletivo também pode coincidir com o zelo do interesse público empreendido pela instituição (CR, art. 129, III). c) O Ministério Público e a função jurisdicional: A referência a ser ―essencial à função jurisdicional do Estado‖, que já se achava presente no art. 1º da Lei Complementar n. 40/81, bem como constava do art. 308 do Anteprojeto Afonso Arinos, não deixa de ser incorreta: diz menos do que deveria (o Ministério Público tem inúmeras funções exercidas independentemente da prestação jurisdicional, como na fiscalização de fundações e prisões, nas habilitações de casamento, na homologação de acordos extrajudiciais, no atendimento ao público), como, paradoxalmente, diz mais do que deveria (pois o Ministério Público não oficia em todos os feitos submetidos à prestação jurisdicional, e sim, normalmente, naqueles em que haja algum interesse indisponível, difuso ou coletivo, ligado à qualidade de uma das partes ou à natureza da própria lide — cf. art. 82 do CPC). 30 MAZZILI, Hugo Nigro. Manual do Promotor de Justiça. 2010. Versão Eletrônica, pág. 42 34 Entretanto, lançando a própria Constituição a assertiva de que o Ministério Público é essencial à atividade jurisdicional do Estado, por certo agora abre caminho para maior ou quiçá integral participação do Ministério Público junto à tarefa da prestação jurisdicional, podendo-se cogitar, de lege ferenda, de sua intervenção em todos os feitos, ad instar do que ocorre com o procurador-geral da República perante o Supremo Tribunal Federal. d) A defesa da ordem jurídica: O novo texto constitucional menciona a defesa da ordem jurídica como objetivo da atuação ministerial (art. 127). Há muito consagrado o Ministério Público como instituição fiscal da lei, essa sua destinação constitucional deve ser compreendida à luz dos demais dispositivos da Lei Maior que disciplinam sua atividade, e, em especial, à luz de sua própria finalidade tuitiva de interesses sociais e individuais indisponíveis. Além disso, não se pode olvidar que o art. 129, IX, lhe veda exercer outras funções que não sejam compatíveis com sua finalidade, como, por exemplo, a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. e) Ministério Público e democracia: Há estreita ligação entre democracia e um Ministério Público forte e independente. Já na Exposição de Motivos do primeiro texto legal que deu organicidade à instituição, na abertura da República, dizia Campos Salles: ―O Ministério Público é instituição necessária em toda organização democrática e imposta pelas boas normas da justiça, à qual compete: velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devem ser aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela convier‖ (Dec. n. 848, de 11-10-1890). O Ministério Público é instituição que só atinge sua destinação última em meio essencialmente democrático. Em parecer ofertado sob instâncias da Associação Paulista do Ministério Público, Eurico de Andrade Azevedo assegurou, com razão, que ―a manutenção da ordem democrática e o cumprimento das leis são condições indispensáveis à existência de respeito e ao estabelecimento da paz e da liberdade entre as pessoas. Há, pois, uma íntima relação, delimitada em lei, entre o equilíbrio da vida social e o fiel exercício das funções próprias do Ministério Público‖. Ao reconhecer-se o papel da instituição em defesa do regime democrático, retomou-se ideia que já vinha do Anteprojeto Afonso Arinos e da Carta de Curitiba, inspiração haurida da Constituição portuguesa de 1976, que atribui ao Ministério Público a defesa da ―legalidade democrática‖ (art. 224, 1). A atuação do Ministério Público pressupõe a indisponibilidade de um interesse ligado a uma pessoa (ex. incapaz), indisponibilidade de um interesse ligado a uma relação jurídica (ex. estado) e a presença de uma questão de abrangência social (ex. interesses transindividuais). Ainda a Constituição Federal de 1988 trouxe ao Ministério Público o encargo de defesa do regime democrático, visando que o Ministério Público mantenha a ordem democrática e o cumprimento das leis que são condições para manter a liberdade das pessoas e a paz social. 35 3 O CRIME ORGANIZADO No presente capítulo buscar-se conceituar e traçar o panorama histórico do crime organizado dentro do ordenamento jurídico, bem como a precariedade que acompanha as investigações criminais realizadas pela polícia judiciária. O crime organizado é tema de destaque nesta área, em razão da preocupação da sociedade mundial com a existência de grupos criminosos organizados voltados a uma gama de crimes de alto potencial ofensivo. Nas palavras de Luiz Roberto Ungaretti de Godoy31, os problemas socioeconômicos e a instabilidade de valores e princípios, aliados a ineficácia dos direitos fundamentais, acarretam um crescimento do crime organizado, ofendendo bens jurídicos fundamentais, tais como a vida, liberdade, paz pública,probidade administrativa, liberdade sexual, meio ambiente, dentre tantos outros bens que são afetados por estas organizações criminosas que vêm se formando com mais frequência e se aprimorando cada vez mais, como se tratará a seguir. Em razão deste constante aprimoramento, bem como das características inerentes a esse tipo de criminalidade, nem sempre o Inquérito Policial é ferramenta adequada para a persecução penal. Neste diapasão, pode-se entender-se que o inquérito policial, ferramenta de captação de provas para formar a opinio delicti, é dispensável para a propositura da ação penal. Em todo caso, abordar-se-á o tema sob o viés de sua inoportunidade para a persecução penal dos atos de organização criminosa. Será abordado a problemática do crime organizado no Brasil, suas características e forma de agir, bem como as duas das principais organizações criminais que atuam em nosso País. A corrupção dos agentes estatais em prol do crime organizado e a evolução que o crime organizado teve com o passar dos tempos. Abordar-se-á ainda o crime organizado em determinados Países da América Latina e Europa, trazendo suas formas de organização, bem como a forma de combate utilizado pelos ordenamentos jurídicos dos referidos países. 31 GODOY, Luiz Roberto Ungaretti. Crime organizado e seu tratamento jurídico penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. Pág. 16. 36 3.1 CONCEITO A doutrina e jurisprudência atualmente divergem sobre a conceituação de crime organizado. O artigo 2º do Projeto de Lei nº. 3.516, de 24 de agosto de 1989, de autoria do Deputado Federal Michel Temer, assim definia organização criminosa: Art. 2º. Para efeitos desta Lei, considera-se organizações criminosas aquelas que, por suas características, demonstrem a exigência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com atuação regional, nacional e/ou internacional. Desde a definição proposta por Michel Temer, a sociedade se modificou e evoluiu, vindo a proclamar modificações, eis que a legislação encontrava-se obsoleta e superada, haja vista que primava não só as organizações criminosas, mas o direito de ir e vir do cidadão, os quais pleiteavam mudanças na forma de combate as organizações criminosas. Nos ensinamentos de Luiz Roberto Ungaretti de Godoy32, somente no dia 06 de abril de 1995, após longos anos de tramitação no Congresso Nacional, foi apresentado o substitutivo do Senado Federal ao Projeto de Lei nº. 3.516 de 1989, que modificava o aludido artigo 2º do Projeto de Lei nº. 3.516, passando a ter a seguinte redação: Art. 2º. Considera-se crime organizado o conjunto de atos delituosos que decorrem ou resultem das atividades de quadrilha ou bando, definidos no §1º do art. 288 do Decreto Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Após diversas alterações no texto legal, a fim de se encontrar uma conceituação adequada de crime organizado ou organização criminosa, só em 12 de março de 2004, após a promulgação da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado, também conhecida como Convenção de Palermo, é que no ordenamento jurídico brasileiro passou a dispor de conceituação de crime organizado. Através do artigo 2º do Decreto nº. 5.015, de 12/03/04, foi inserido no sistema penal brasileiro o conceito de organização criminosa, qual seja: "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de 32 GODOY, Luiz Roberto Ungaretti. Crime organizado e seu tratamento jurídico penal. Pág. 54. 37 cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Para Carlo Velho Masi33, recentemente a jurisprudência respaldada na Recomendação nº. 03 do CNJ, de 30 de maio de 2006, vinha adotando a definição de "grupo criminoso organizado" da Convenção de Palermo, nos moldes do artigo 1º da Lei 9.034/95 (redação dada pela Lei 10.217/01), com a tipificação do artigo 288 Código Penal, in verbis: Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) ‗Grupo Criminoso Organizado‘ - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. A verdade é que, após sucessivas discussões, ainda não se encontrou a conceituação adequada de organização criminosa, havendo, como se disse no início, divergência entre doutrina e jurisprudência a respeito do tema. A conceituação mais utilizada recentemente era a prevista no artigo 2º do Decreto nº. 5.015, de 12/03/04 cumulada com o conceito de associação presente no artigo 288 do Código Penal Brasileiro: ―Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: pena – reclusão de 01 (um) a 03 (três) anos‖. Houve ainda a promulgação da Lei nº. 12.694/2012 a qual conceituava organização criminosa dispondo que a associação de 03 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. Atualmente entrou em vigor a Lei nº. 12.850, de 02 de agosto de 2013, com vacacio legis de 45 dias, trazendo a definição de organização criminosa, dispondo sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais 33 MASI, Carlo Velho. A inconsistência do conceito jurisprudencial de organização criminosa e sua influência no combate efetivo ao crime organizado. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/19917/a-inconsistencia-do-conceito-jurisprudencial-de-organizacao-criminosa- e-sua-influencia-no-combate-efetivo-ao-crime-organizado#ixzz2fXvNSxMe 38 correlatas e o procedimento criminal, bem como revogando a Lei nº. 9.034, de 3 de maio de 1995 (antigo diploma regulador de tais práticas). Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci34, organização criminosa: É a associação de agentes, com caráter estável e duradouro, para o fim de praticar infrações penais, devidamente estruturada em organismo pré- estabelecido, com divisão de tarefas, embora visando ao objetivo comum de alcançar qualquer vantagem ilícita, a ser partilhada entre os seus integrantes. O conceito adotado pela nova Lei 12.850/2013 não é muito diferente, prevendo-se, no art. 1º, § 1º, o seguinte: ―considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional‖. Com o advento desta lei, percebe-se que esta nova definição de organização criminosa difere, ainda que sutilmente, da primeira (prevista na Lei nº. 12.694/2012) em três aspectos, conforme nos ensina Rômulo de Andrade Moreira35: considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas [...]; mediante a prática de infrações penais [...] e penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos [...]. Nesse sentido Rômulo de Andrade
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