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ROBERT DAHL Formulador do conceito de "poliarquia"

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DEMOCRATIZAÇÃO, OPOSIÇÃO PÚBLICA E POLIARQUIA SOB A ÓTICA DE 
ROBERT DAHL 
 
Rodrigo Janoni Carvalho1 
 
Nesse trabalho abordaremos em forma de resenha a obra Poliarquia: Participação e 
Oposição, do cientista político Robert Alan Dahl2, em especial seu primeiro capítulo referente 
à democratização e oposição pública. Inicialmente, colocamos a definição do próprio autor 
sobre o que é uma poliarquia, para que possamos compreender aspectos essenciais de sua 
abordagem. 
 
As poliarquias podem ser pensadas então como regimes relativamente, mas 
incompletamente, democratizados, ou, em outros termos, as poliarquias são 
regimes que foram substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, 
fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação pública (DAHL, 
1997, p. 31). (grifo nosso) 
 
Com base nesta definição o autor procura trabalhar aspectos inerentes ao 
desenvolvimento da democratização, partindo do pressuposto que uma característica-chave da 
democracia é a contínua responsividade do governo às preferências de seus cidadãos, 
considerados politicamente iguais. Dahl caracteriza o termo “democracia” como um sistema 
político que seja responsivo àquela maneira, de modo que não há a preocupação se este 
sistema realmente existe, existiu ou pode existir. É neste ponto que se localiza a definição 
supramencionada de poliarquia, isto é, um sistema hipotético, ancorado como um ideal ou 
parte de um ideal para muita gente, e, que, em escala, pode servir de base para se avaliar o 
grau com que vários sistemas se aproximam deste limite teórico. 
Nesse sentido, um governo responsivo deve atender às preferências de seus cidadãos, 
considerados politicamente iguais. Para tanto, o autor aponta três necessárias oportunidades 
plenas para todos cidadãos: a) de formular suas preferências; b) de expressar suas preferências 
a seus concidadãos e ao governo através da ação individual e da coletiva; c) de ter suas 
preferências igualmente consideradas na conduta do governo, ou seja, consideradas sem 
discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte da preferência (DAHL, 1997, p. 26). 
 
1 Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Cursando Especialização em 
Gestão e Políticas Públicas pela Faculdade Católica de Uberlândia. Contato: rudrigu7@gmail.com. 
2 Robert Alan Dahl (1915-) é um dos cientistas políticos norte-americanos mais destacados em atividade, sendo 
uma referência na reflexão sobre os processos da política democrática contemporânea. Ressaltamos que a edição 
da obra aqui resenhada é datada de 1997, versão em português brasileiro, lembrando que a edição original, em 
inglês, é de 1972. 
É na plenitude dessas preferências que a democracia de estrutura, tendo em vista a 
complementação de garantias institucionais. Conforme o autor, para essas três oportunidades 
existirem para um grande número de pessoas, as instituições da sociedade devem fornecer ao 
menos oito garantias. Observando as mesmas é possível delinear uma escala teórica de 
ordenamento de diferentes sistemas políticos. 
 
 
Tabela 1. Alguns requisitos de uma democracia para um grande número de pessoas.3 
 
 
Em se considerando tais garantias, Dahl coloca ainda duas dimensões teóricas 
ligeiramente distintas de democratização. Primeiramente, tanto historicamente como no 
presente (lembrando que o autor escreve a obra na década de 1970), os regimes variam na 
amplitude com que as condições institucionais destacadas acima estão abertamente 
disponíveis, são publicamente utilizadas e plenamente garantidas. Em segundo lugar, os 
regimes variam também na proporção da população habitada a participar, de maneira 
igualitária, do controle e da contestação à conduta do governo. Nesse ponto, uma escala 
quanto à amplitude do direito de participação na contestação pública poderia comparar 
diferentes regimes segundo sua inclusividade, conforme análise do autor. 
 
A contestação pública e a inclusão variam um tanto 
independentemente. A Grã-Bretanha possuía um sistema altamente 
desenvolvido de contestação pública ao final do século XVIII, mas 
apenas uma minúscula parcela da população estava plenamente 
incluída nele até a ampliação do sufrágio, em 1867 e 1884. A Suíça 
possui um dos sistemas mais plenamente desenvolvidos de 
contestação pública. Poucas pessoas provavelmente contestariam a 
visão de que o regime suíço é “altamente democrático”. No entanto, a 
metade feminina da população suíça ainda está excluída das eleições 
nacionais (DAHL, 1997, p. 31). (grifo nosso) 
 
Lembramos novamente que o autor escreve o texto na década de 1970. Robert Dahl 
prossegue, ponderando a variação entre contestação pública e inclusão, porém, em contraste, 
elucidando o regime soviético, ainda vigente à época: 
 
 
3 Informações extraídas de tabela própria do autor. DAHL, 1997, p. 27. 
[...] a União Soviética ainda não possui quase nenhum sistema de 
contestação pública, apesar de possuir o sufrágio universal. Na 
verdade, uma das mudanças mais impressionantes deste século tem 
sido o virtual desaparecimento de uma total negação da legitimidade 
da participação popular no governo. Somente um punhado de países 
não tem conseguido garantir uma votação pelo menos ritualística de 
seus cidadãos, e de manter ao menos eleições nominais; mesmos os 
ditadores mais repressivos geralmente se dizem favoráveis ao legítimo 
direito do povo de participar no governo, isto é, de participar na 
“administração”, ainda que não na contestação pública (DAHL, 
1997, p. 27). 
 
Nesse contexto, um país com sufrágio universal e com um governo totalmente 
repressivo certamente proporcionaria menos oportunidades a oposições do que um país com 
um sufrágio limitado, mas com um governo fortemente tolerante, aponta Dahl. Ressalta-se 
que a democratização possui ao menos duas dimensões: a contestação pública e o direito de 
participação. O autor demonstra a relação entre a contestação e a democratização, bem como 
a liberalização e a inclusividade, em gráficos, conforme expomos: 
 
 
Gráfico 1. Duas dimensões teóricas da democratização.4 
 
 
Gráfico 2. Liberalização, inclusividade e democratização.5 
 
 
No Gráfico 2, acima, o autor demonstra o deslocamento de regimes de hegemonias 
fechadas para três possíveis direcionamentos. Deslocando-se para cima (I), o regime estará se 
deslocando para uma maior contestação pública, envolvendo a liberalização do mesmo e 
tornando-se mais competitivo (oligarquia competitiva). Uma mudança de sentido para 
proporcionar uma maior participação (II) representa uma maior popularização e maior 
inclusão, todavia sem aumentar as oportunidades de contestação pública (hegemonia 
inclusiva). A democracia, como apontamos no início deste trabalho conforme a definição de 
poliarquia do autor, poderia ser concebida como um regime localizado no canto superior 
direito. Neste caminho (III), no entendimento de Dahl, nenhum grande sistema no mundo real 
é plenamente democratizado (poliarquias). 
 
4 Informações extraídas de gráfico próprio do autor, DAHL, 1997, p. 29. 
5 Idem, p. 30. 
A democratização é um fenômeno cuja consistência possui diversas transformações 
históricas amplas. Segundo Robert Dahl, uma delas é a transformação de hegemonias e 
oligarquias competitivas em quase-poliarquias, sendo um processo característico, ao longo do 
século XIX, do mundo ocidental. Outra foi a transformação de quase-poliarquias em 
poliarquias plenas, o que ocorreu no continente europeu no último quartel do século 
mencionado até a Primeira Guerra Mundial. Uma terceira transformação é a democratização 
aindamaior de poliarquias plenas, sendo um processo histórico coincidente com o rápido 
desenvolvimento do Estado de bem-estar democrático posterior à grande depressão 
econômica, interrompido pela Segunda Guerra Mundial e renovado ao final dos anos 1960. 
Nesse contexto, é perceptível o incremento das reivindicações pela democratização de uma 
grande diversidade de instituições sociais. 
 
O pós-guerra representou uma era de ouro e prosperidade única 
para o capitalismo, pelo menos aos países liberais ocidentais. As 
décadas de 1950 e 1960 foram marcadas pela organização fordista-
keynesiana, pela estética modernista e a funcionalidade e eficiência 
do trabalho. A elevação do padrão de vida e de tecnologia modificou 
os hábitos das pessoas. Percebemos uma forte intervenção estatal 
pela tomada de frente por parte deste organismo no controle das 
políticas fiscais e monetárias. É este mesmo [o Estado] que determina 
as prioridades de investimentos em transportes, indústrias de base, 
políticas de seguridade social, educação, habitação, saúde etc. 
(CARVALHO, 2010, p. 91). (grifo nosso) 
 
Quanto à participação, Dahl chama a atenção referente às críticas sobre a 
democratização incompleta em poliarquias, ainda que as mesmas possam ser competitivas em 
nível nacional, muitas organizações subnacionais, como associações privadas, são 
hegemônicas e oligárquicas. 
 
[...] as unidades subnacionais frequentemente diferem nas 
oportunidades que proporcionam para a contestação e a 
participação. Em muitos países modernos, por exemplo, essas 
oportunidades são muito maiores nos governos municipais do que nos 
sindicatos, e maiores nos sindicatos do que nas empresas privadas. 
Consequentemente, seria preciso dividir as unidades subnacionais em 
algumas categorias: empresas, sindicatos, governos municipais, 
igrejas, instituições educacionais etc. (DAHL, 1997, p. 35). 
 
Por fim, o autor enfatiza que quando regimes hegemônicos e oligarquias competitivas 
se deslocam na direção de uma poliarquia, há um aumento de oportunidades de efetiva 
participação e contestação, nas quais os indivíduos, grupos e interesses podem exprimir suas 
preferências em consideração nas decisões políticas. Dahl chama atenção também para que 
qualquer transformação que dê mais oportunidades de os opositores do governo traduzirem 
seus objetivos em políticas aplicadas pelo Estado traz consigo a possibilidade de conflito com 
representantes dos indivíduos que eles substituem no governo. 
Nesse sentido, quanto maior o conflito entre governo e oposição, mais provável é o 
esforço de cada parte para negar uma efetiva oportunidade de participação à outra nas 
decisões políticas e mais difícil se faz a tolerância de cada um para com o outro. Dahl finaliza 
esta discussão inicial em sua obra, sobre a democratização e a oposição pública, indicando 
três axiomas. Primeiro, a probabilidade de um governo tolerar uma oposição aumenta com a 
diminuição dos custos esperados da tolerância. Segundo, a probabilidade de um governo 
tolerar uma oposição aumenta na medida em que crescem os custos de sua eliminação. E, 
terceiro, quanto mais os custos da supressão excederem os custos da tolerância, tanto maior a 
possibilidade de um regime competitivo (DAHL, 1997, p. 36-37). 
Assim, quanto mais baixos os custos de tolerância, maior a segurança do governo; 
quanto maiores os custos de supressão, maior a segurança da oposição. Finalmente, evidencia-
se que a geração e preservação de oportunidades mais amplas para as oposições contestarem a 
conduta do governo se baseiam nas condições que proporcionam um alto grau de segurança 
mútua para governo e oposições. 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
CARVALHO, Rodrigo J. Capitalismo em perspectiva: um breve estudo sobre crises. In: A 
MARgem, v. 4, p. 89-103, 2010. Disponível em 
<http://www.mel.ileel.ufu.br/pet/amargem/amargem4/estudos/MARGEM2-E02.pdf>. Acesso 
em 25 abr. 2011. 
 
Ø DAHL, Robert A. Poliarquia: Participação e Oposição. Tradução de Celso Mauro 
Paciornik. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997. 
 
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991). Tradução de 
Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 
 
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução 
de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.

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