Buscar

Identidade e Diversidade

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 39 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 39 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 39 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

César Niemietz
ANTROPOLOGIA,
IDENTIDADE E
DIVERSIDADE
Sumário
INTRODUÇÃO ������������������������������������������������� 3
SOBRE A NOÇÃO DE IDENTIDADE 
CULTURAL ������������������������������������������������������ 5
QUESTÕES CLÁSSICAS DE ANTROPOLOGIA 7
Os primórdios da perspectiva antropológica ���������������������� 9
A Antropologia moderna e seus objetos de estudos ������� 12
As culturas e as mudanças de perspectivas �������������������� 20
Alteridade, identidade coletiva, mitos e ritos �������������������� 21
A identidade do “eu”������������������������������������������������������������ 29
Sobre o conceito de indivíduo e individualismo ��������������� 32
CONSIDERAÇÕES FINAIS ����������������������������35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS & 
CONSULTADAS ��������������������������������������������36
2
INTRODUÇÃO
As perguntas a seguir talvez pareçam um tanto 
confusas para iniciarmos nossa discussão sobre 
Antropologia, identidade e diversidade, mas vale o 
esforço de abstração: as noções de eu e de outro 
são naturais ou são formuladas de acordo com 
o contexto cultural em que são enunciadas? As 
categorias eu e outro estão presentes de manei-
ra semelhante em todas as sociedades? Todos 
os grupos humanos percebem os outros e a si 
mesmos de maneira parecida? Ou será que essas 
concepções são diferentemente compartilhadas 
por grupos igualmente distintos?
Com essas questões em nosso horizonte, entra-
remos em um terreno amplo e ao mesmo tempo 
específico. Amplo, pois trata da complexidade dos 
agrupamentos humanos, ou seja, algo necessa-
riamente múltiplo, mas também específico, uma 
vez que essas características contribuem para 
formular, como diria o sociólogo e antropólogo 
Émile Durkheim, as nossas maneiras de agir, pensar 
e sentir o mundo ao nosso redor� Essa aparente 
ambiguidade está presente em um dos principais 
eixos sobre o qual o presente material irá se de-
bruçar, a saber: a identidade�
A origem da palavra antropologia indica de saída 
a dimensão humana como central para a análise 
3
que essa disciplina promove, uma vez que a jun-
ção entre os termos anthropos e logos resulta, de 
maneira literal, em estudo do homem� Todavia, 
devemos pensar qual é a característica específica 
desse tipo de estudo sistemático realizado pela 
Antropologia� A Biologia e a Psicologia não são 
também disciplinas que estudam o homem? Então 
em que difere a Antropologia dos demais modos 
de compreensão do ser humano?
A resposta a essas questões não é simples, pois 
os próprios problemas não são, mas, para os 
nossos propósitos, tomaremos a especificidade 
da Antropologia como relacionada à dimensão da 
cultura e da sociedade� Ou seja, trataremos aqui 
dos cruzamentos entre a Antropologia cultural e a 
Antropologia social, deixando provisoriamente de 
lado as questões que envolvem as características 
biológicas dos grupos humanos�
Acesse o Podcast 1 em módulos
4
SOBRE A NOÇÃO DE 
IDENTIDADE CULTURAL
Ao abordarmos a noção de identidade pela pers-
pectiva da cultura e da sociedade, direcionaremos 
nosso interesse para o espaço de construção 
simbólica da identidade, sendo esse o problema 
característico que nos diferenciará dos estudos 
biológicos e psicológicos acerca desse mesmo 
assunto�
Nesse sentido, tal como defende o antropólogo 
Roberto Cardoso de Oliveira (1976), podemos 
perceber que a noção de identidade comporta ao 
menos duas dimensões fundamentais: pessoal 
(ou individual) e social (ou coletiva)� Embora essas 
duas formas de identidade sejam difíceis de ser 
discernidas, uma vez que uma influencia a outra, 
em menor ou maior grau� Costuma-se atribuir à 
psicologia a função de exame da perspectiva in-
dividual e psíquica, enquanto a dimensão social é 
investigada pelas ciências sociais, destacando-se 
a sociologia e a antropologia�
Quanto à noção de indivíduo, trata-se de noção es-
pinhosa para a antropologia, pois exige o constante 
esforço de analisar essa categoria de acordo com 
o contexto em que é apresentada� Nas palavras 
do antropólogo Gilberto Velho:
5
“Ora, a antropologia, justamente por ter, por 
definição, uma perspectiva comparativista, é o 
ramo do conhecimento que, ao defrontar-se com 
sociedades e culturas díspares e diferenciadas, é 
obrigada a relativizar o indivíduo, tal como entendido 
e percebido na sociedade e na cultura nas quais a 
psiquiatria, a psicologia e a psicanálise se desen-
volveram� Esse indivíduo universal, que varia seu 
comportamento em função de modelos diferentes 
apresentados por culturas específicas, é que está 
sendo questionado� Na realidade, parece que se corre 
o risco de confundir o indivíduo biológico, membro 
de uma espécie, com a noção de indivíduo, produto 
particular de uma cultura que, esquematicamente, 
chamarei de ocidental-moderna-contemporânea
(VELHO, 2012, p�98)�”
Ao leitor iniciante dos textos antropológicos, as 
questões acima apresentadas correm o risco de 
soar um tanto quanto esquisitas, pois aparentemente 
estão distantes das nossas reflexões cotidianas. 
Todavia, ao fim desse nosso percurso, será possível 
afirmar que não estão, pois essas indagações são 
fundamentais para a compreensão do mundo ao 
nosso redor�
6
QUESTÕES CLÁSSICAS DE 
ANTROPOLOGIA
O termo identidade traz consigo diversos sentidos 
que, por sua vez, são adaptáveis aos diferentes 
contextos em que são apresentados� Em termos 
mais usuais, podemos compreender seu sentido 
geral como algo que possui uma característica 
distinguível, ou que estabelece uma relação de 
semelhança. Porém, essa definição se encontra 
no registro do senso comum, o que exige de nós 
uma elaboração teórica para definir de maneira 
mais precisa o termo, enquadrando seu sentido 
nos diferentes contextos históricos a que esteve 
submetido�
Podemos afirmar que, de certa maneira, o termo 
identidade está relacionado a processos de iden-
tificação entre os indivíduos em seus espaços de 
socialização� Por sua vez, tais processos, como 
observaremos nas seções a seguir, estão relacio-
nados à imagem que os indivíduos fazem de si 
mesmos (autoconsciência) e com a imagem que 
fazem também dos outros indivíduos� Esse duplo 
movimento de se compreender e compreender os 
outros traz consigo uma série de questões que são 
objetos de análise da Antropologia�
7
Quando ampliamos nosso olhar para as identidades 
dos grupos, esbarramos no conceito de etnicidade�
Tal conceito se insere como uma das principais 
noções sobre as quais a antropologia passou a 
refletir ao longo do século 20. Para nosso objetivo, 
neste material de estudo, podemos compreender a 
etnicidade como uma noção que define o conjunto 
de aspectos culturais e/ou biológicos semelhantes 
em relação a grupos humanos específicos. Os tra-
ços aos quais o termo se refere não são limitados 
exclusivamente pela Biologia, de modo que a noção 
de etnia difere significativamente da ideia de raça. 
Difere também do conceito de nação, pois deve-se 
levar em consideração o fato de que existem na-
ções que são compostas por identidades étnicas 
distintas, sendo estas anteriores ao advento dos 
Estados modernos�
A Antropologia moderna se distanciou significati-
vamente das perspectivas evolucionistas, funda-
mentadas sobre o conhecimento biológico das 
espécies vivas, uma vez que os autores culturalistas 
verificaram que é impossível indicar uma cultura 
única que serve como referencial de evolução 
para todos os agrupamentos sociais, conforme 
analisamos anteriormente�
Desse modo, o interesse nos grupos étnicos pas-
sou a fundamentar a experiência antropológica, 
8
ampliando o conhecimento humano a respeito da 
diversidade cultural existente�
OS PRIMÓRDIOS DA PERSPECTIVA 
ANTROPOLÓGICA
Embora a Antropologia moderna tenha sido desenvol-
vida sobretudo na virada do século 19 para o século 
20, os europeus contaram com dois importantes 
precursores: Michel de Montaigne (1533-1592) e 
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)�
Diz-se sobre Montaigne que teria sido um provocador 
de seu tempo – século 16 – e do meiosocial em 
que viveu – Europa –, tecendo comentários ásperos 
em ensaios que geralmente causavam grandes 
polêmicas devido às suas duras críticas� É esse o 
tom presente, por exemplo, em um comentário seu 
a respeito das notícias que os franceses receberam 
sobre a existência dos índios no litoral brasileiro, 
que, segundo esses relatos, seriam adeptos da 
antropofagia, prática que consistia no consumo 
ritual da carne dos inimigos guerreiros, com o in-
tuito de incorporar simbolicamente suas virtudes:
“Penso que há mais barbárie em comer um ho-
mem vivo do que em comê-lo morto, em dilacerar 
por tormentos e suplícios um corpo ainda cheio de 
sensações, fazê-lo assar pouco a pouco, fazê-lo ser 
mordido e esmagado pelos cães e pelos porcos 
(como não apenas lemos mas vimos de fresca 
9
memória, não entre inimigos antigos, mas entre 
vizinhos e compatriotas, e, o que é pior, a pretexto 
de piedade e religião) do que em assá-lo e comê-
-lo depois que está morto [���]� Portanto, podemos 
muito bem chamá-los de bárbaros com relação às 
regras da razão, mas não com relação a nós, que 
os ultrapassamos em toda espécie de barbárie 
(MONTAIGNE, 2010, p�140)�”
Essas questões levantadas por Montaigne datam do 
longínquo século 16� De lá para cá, tanto os índios 
descentes dos Tupinambá quanto os europeus 
passaram a atenuar diversos de seus costumes, 
uma vez que, como estudaremos, mitos quanto os 
ritos são constantemente reformulados na dinâ-
mica permanente de construção e reconstrução 
das culturas�
São antigas constatações, mas deixaram uma 
marca: a ideia de que parece ser mais fácil apon-
tar as culturas alheias como inferiores do que 
perceber que cada cultura possui características 
particulares que são irredutíveis às lógicas umas 
das outras – no caso, utilizava-se pejorativamente 
o termo bárbaro para tudo aquilo que não fosse 
apresentado à imagem que o europeu tinha de si 
mesmo�
10
Figura 1: Tapuia (1641), pintado pelo holandês Albert 
Eckhout, um dos principais responsáveis pela criação do 
imaginário sobre os indígenas brasileiros até a chegada 
da família real portuguesa�
Fonte: Samlinger
Dois séculos adiante, e em uma forma distinta de 
se considerar os “selvagens”, o filósofo iluminista 
Jean-Jacques Rousseau também se esforçou 
11
https://samlinger.natmus.dk/ES/asset/25615
para deixar de lado seus preconceitos europeus 
ao refletir sobre os “outros”. Em sua obra Discurso 
sobre a origem e os fundamentos da desigualdade 
entre os homens, publicada em 1755, Rousseau 
defendeu a necessidade de se realizar uma histó-
ria natural, moral e política dos diferentes grupos 
humanos distribuídos ao redor do mundo, de modo 
a melhor compreender o próprio horizonte cultural 
dos europeus do seu tempo�
A respeito do filósofo iluminista, é considerado 
como o pai das ciências do homem por um impor-
tante antropólogo francês (LÉVI-STRAUSS, [1973], 
2018), uma vez que Rousseau teria apresentado 
a perspectiva de investigação humanística das 
diferentes culturas� Desse modo, a perspectiva de 
Rousseau teria aberto caminho para o desenvolvi-
mento posterior da etnografia e da etnologia, sendo 
a primeira o trabalho de registro e descrição, por 
parte do antropólogo, dos aspectos culturais de 
cada grupo estudado e a segunda o estudo siste-
mático das diferentes formas culturais e históricas 
estudadas pelos antropólogos�
A ANTROPOLOGIA MODERNA E 
SEUS OBJETOS DE ESTUDOS
Pode-se afirmar que o surgimento da Antropologia 
esteve relacionado a certa perspectiva estreita atri-
buída aos chamados “evolucionistas”, identificados 
12
dessa forma pois aderiam à teoria da evolução de 
Charles Darwin (1809–1882) para a compreensão 
dos fenômenos culturais� Para eles, havia apenas 
uma única cultura considerada superior, de modo 
que as demais seriam derivações ainda não de-
senvolvidas� Trata-se de uma visão associada ao 
etnocentrismo, ou seja, à concepção que define 
uma única cultura como central e as demais, por 
conseguinte, como marginais em relação a ela� 
Essa visão etnocêntrica esteve associada inicial-
mente aos antropólogos europeus, que viam em 
sua própria cultura indícios de superioridade sobre 
as demais�
Acesse o Podcast 2 em módulos
Como resposta ao evolucionismo, estabeleceu-se 
a moderna Antropologia, fundamentada em uma 
visão abrangente e relativista das posições ocu-
padas pelas diferentes culturas humanas� A esta 
nova maneira de se considerar os grupos humanos, 
deu-se inicialmente o nome de culturalismo, uma 
vez que a pluralidade passou a prevalecer sobre 
a divisão entre superioridade e inferioridade das 
culturas� Mas, antes de comentarmos a respeito 
desses autores, como podemos definir cultura?
A noção de cultura pode ser compreendida por 
mais de uma perspectiva� De um lado, no sentido 
amplo, temos cultura como um todo que engloba 
13
tradições, língua, regras, comportamentos e formas 
de sociabilidade específicas de um determinado 
grupo�
A origem do termo cultura advém da palavra latina 
colere, que significava uma série de processos re-
lacionados aos verbos habitar, cultivar e proteger, 
entre outros� Com o passar do tempo, o termo foi 
adquirindo significados em razão dos contextos 
históricos em que foi considerado� Todavia, se 
considerarmos a maneira como utilizamos o ter-
mo nos dias de hoje, podemos considerar suas 
origens modernas durante o século 19� Trata-se 
de considerar não mais o termo no singular, mas 
sim compreender cultura como expressão plural� 
Segundo Raymond Williams:
“ As culturas especificas e variáveis de diferen-
tes nações e períodos, porém também as culturas 
específicas e variáveis dos grupos sociais e eco-
nômicos contidos dentro de uma mesma nação� 
O movimento romântico desenvolveu amplamente 
este sentido como uma alternativa à ‘civilização’ 
ortodoxa e dominante� Em um primeiro momento 
se utilizou para ressaltar as culturas nacionais e 
tradicionais [���]� Posteriormente, utilizou-se o termo 
para atacar o que se via como o caráter ‘mecânico’ 
da nova civilização então emergente: tanto por seu 
racionalismo abstrato como pela ‘desumanidade’ do 
14
desenvolvimento industrial do momento (WILLIAMS, 
2003, p�90, tradução própria)�”
Em seus usos mais específicos, a cultura designa 
uma série de processos estudados com atenção, 
que foram se tornando cada vez mais importantes 
para se compreender as características de pensa-
mentos, ações e sentimentos que diferenciam os 
grupos humanos� Nesse sentido, gradualmente, 
deixa-se de defender-se a existência de um modelo 
cultural universal que define a espécie humana, 
bem como a noção de que existem culturas puras 
ou superiores, uma vez que se tem constatado, 
cada vez mais, a pluralidade imensa de formas de 
se viver que não podem ser reduzidas a modelos 
simplistas que separam culturas em desenvolvidas 
e subdesenvolvidas�
A partir do constante exercício de reflexividade so-
bre a ideia de cultura, feita pelos cientistas sociais, 
pode-se verificar a complexa relação existente 
entre os objetos e tecnologias produzidos pelos 
grupos humanos – cultura material – e a produ-
ção simbólica desses mesmos grupos – cultura 
imaterial –, pertinente às suas demandas especí-
ficas. Percebe-se, assim, o equívoco de se medir 
ou de se comparar as culturas de acordo com um 
parâmetro único de desenvolvimento�
15
Enquanto domínio de análise dentro das ciências 
sociais, a Antropologia moderna, preocupada com 
o domínio cultural, desenvolveu métodos próprios 
de investigação dos grupos humanos, sendo Franz 
Boas (1858-1942) e Bronislaw Malinowski (1884-
1942) dois de seus principais iniciadores� A partir 
das obras desses dois autores, os grupos passaram 
a ser cada vez mais analisados, sobretudo em fun-
ção de seus contextos e em seus próprios termos�
Antropólogo de origem alemã, Franz Boas defendeu 
a noção de que a Antropologia deveria se afastar 
das concepções que estabelecem hierarquias entre 
os grupos humanos� Essa mudança de perspectiva 
foi fundamental, pois distanciou-seda noção de 
que os diferentes grupos humanos evoluem de 
maneira unilinear, sendo esta concepção presente, 
por exemplo, entre aqueles que defendiam que as 
centenas de grupos indígenas então conhecidos 
estavam em uma etapa primitiva de evolução, 
enquanto a sociedade europeia estaria no grau 
mais elevado�
16
Figura 2: Homem Kwakiutl com vestimentas tradicionais, 
fotografado por Edward S� Curtis, 1914�
Fonte: Britannica 
Embora ainda estivesse relacionada ao espírito 
de seu tempo, expressando ainda algumas incon-
sistências analíticas a respeito das relações entre 
natureza e cultura, que posteriormente foram motivo 
de amplos debates entre os antropólogos, pode-se 
dizer que a importância de Franz Boas foi notável� 
Como exemplo da agudez de seu pensamento 
17
https://www.britannica.com/topic/Kwakiutl/images-videos/media/325792/92280
humanista, tem-se o fato de que os nazistas con-
sideraram seus livros perigosos, pois defendiam 
ideias que iam contra as propostas de suprema-
cia racial de Adolf Hitler, de modo que seus livros 
foram retirados das prateleiras da Universidade 
de Heidelberg e queimados pela polícia nazista�
A percepção de que é necessário compreender-se 
os detalhes referentes às lógicas internas das cultu-
ras resultou na necessidade de se acompanhar de 
perto o cotidiano dos grupos nativos, ou, em outras 
palavras, tornou-se fundamental desenvolver um 
estudo imersivo junto aos grupos� Essa percepção 
resultou na ideia de trabalho de campo, que pode 
ser definida como a inserção do antropólogo no 
dia-a-dia dos grupos por ele estudados�
Bronislaw Malinowski, antropólogo de origem po-
lonesa, desenvolveu diversos estudos a respeito 
de grupos localizados na costa oriental da Nova-
-Guiné, nas Ilhas Trombriand� Partindo da premissa 
de que é necessário conviver com as pessoas dos 
grupos pesquisados, Malinowski passou a ser um 
dos principais defensores do trabalho de campo 
como essencial para a análise realizada pelos 
antropólogos�
Em sua obra mais famosa, Argonautas do Pacífico 
Ocidental, publicada em 1922, Malinowski defende 
uma forma de análise dos fenômenos culturais 
18
a partir da adoção de um método que se tornou 
fundamental para a antropologia: a observação 
participante�
Figura 3: O antropólogo Bronislaw Malinowski em ob-
servação participante junto aos habitantes das Ilhas 
Trombriand�
Fonte: Anthoronow
Em linhas gerais, a observação participante pode 
ser compreendida como uma forma de compreen-
são dos aspectos culturais dos grupos que exige 
um esforço de se inserir no cotidiano dos nativos, 
resultando na compreensão dos “imponderáveis 
da vida cotidiana”, segundo Malinowski� Por trás 
dessa prática, encontra-se a ideia de que não basta 
consultar documentos e realizar entrevistas com 
os nativos, deve-se entrar de cabeça na cultura que 
se deseja investigar, de modo a aprender a língua, 
os valores e os padrões de gostos, bem como 
19
http://anthronow.com/wp-content/uploads/2015/10/young-2.jpg
as regras explícitas e implícitas que permeiam 
a sociabilidade dos grupos. Essa premissa ficou 
consagrada na representação do antropólogo 
sempre acompanhado de seu fiel caderno de ano-
tações� Dentre essas anotações, são ressaltados 
costumes, aspectos linguísticos, rituais e todo tipo 
de regularidades específicas da cultura analisada.
Após desenvolver suas próprias perspectivas e 
técnicas, distanciadas das teorias evolucionistas, 
pode-se dizer que a Antropologia moderna ingres-
sou em um espaço particular de compreensão da 
formação das identidades entre pessoas que estão 
em contextos históricos e culturais específicos.
AS CULTURAS E AS MUDANÇAS DE 
PERSPECTIVAS
Podemos afirmar que, em sua acepção mais co-
mum, o termo perspectiva indica uma posição 
específica de determinado observador a respeito 
do seu entorno� Quando aplicamos essa noção para 
estudarmos os temas da Antropologia, verificamos 
necessariamente que é possível ampliar nossa 
perspectiva para além do nosso espaço imediato 
de observação� Assim, pode-se dizer que a Antro-
pologia possibilita uma significativa extensão de 
nossas perspectivas, inclusive no que concerne ao 
reconhecimento de nossa própria identidade e das 
identidades alheias, como observaremos a seguir�
20
ALTERIDADE, IDENTIDADE 
COLETIVA, MITOS E RITOS
Ao considerarmos as culturas em seus próprios 
termos, outro campo de preocupações surge� 
Trata-se das constantes relações de mudanças 
dos padrões culturais, mediante o encontro entre 
grupos de origens diferentes�
Quando nos referimos à compreensão das di-
ferenças dos outros em relação à nossa identi-
dade cultural, estamos pensando em termos de 
alteridade� Essa noção faz parte constitutiva da 
antropologia, na medida em que o antropólogo 
procura compreender a diferença em relação aos 
grupos por ele estudado. É o que afirma Marcio 
Goldman, por exemplo, ao constatar que o objetivo 
do antropólogo é necessariamente permeado pela 
alteridade� Diz o autor:
“[���] O próprio fato de dedicar-se à diferença 
nunca é desprovido de consequências e, em lugar 
de simplesmente diferi-la, a Antropologia sempre foi 
capaz de valorizar essa diferença, sempre foi capaz 
de ao menos tentar apreendê-la sem suprimi-la, 
pensá-la em si mesma, como ponto de apoio para 
impulsionar o pensamento, não como objeto a ser 
simplesmente explicado – explicação que, aliás, 
acaba por deter a própria marcha do pensamento 
(GOLDMAN, 2006, p�163)�”
21
Filme Moi, um noir (Eu, um negro)� Dirigido por Jean Rou-
ch,1958, 70 min� Produzido por Les Films de la Pléiade�
Figura 4: Pôster do filme Moi, um noir, de Jean 
Rouch�
Fonte: IMDB
O cineasta e antropólogo Jean Rouch (1917–2004) foi 
um dos nomes fundamentais para o que posteriormente 
ficou conhecido como etnocinema. Rouch dirigiu filmes 
que retrataram questões relacionadas à etnicidade e às 
múltiplas identidades de populações marginalizadas� 
SAIBA MAIS
22
Fonte:https://www.imdb.com/title/
tt0051942/
Dentre suas obras fílmicas, talvez a que mais se desta-
que é Moi, un noir (em português: Eu, um negro)� Neste 
filme, Jean Rouch acompanha a trajetória de jovens 
desempregados que deixam suas comunidades rurais 
no interior da Nigéria e partem para as grandes cidades, 
em busca de oportunidades no “mundo moderno”� Tra-
ta-se, como adverte Rouch logo no início do filme, de 
uma juventude presa entre tradições e máquinas, entre 
o Islã e o álcool, e que não renunciou às suas crenças, 
mas adora os ídolos modernos do boxe e do cinema� Ao 
longo do filme surgem questões relacionadas a como 
os jovens se percebem no mundo social, bem como o 
universo de possibilidades que conseguem identificar 
para si mesmos em um mundo que se torna cada vez 
mais complexo�
Compreender a cultura em seus próprios termos 
exige atenção aos conhecimentos compartilhados 
pelos grupos estudados� Tomemos a questão dos 
mitos nas sociedades indígenas� Uma visão dis-
tanciada e pautada por senso-comum a respeito 
das dinâmicas culturais afirma que os mitos são 
heranças de um passado distante, histórias que 
ficaram na memória e são revisitadas apenas 
como nostalgia� Porém essa noção é equivocada� 
Para Eduardo Viveiros de Castro, um mito não é 
“apenas o repositório de eventos originários que 
se perderam na aurora dos tempos; ele orienta e 
justifica constantemente o presente” (CASTRO, 
23
2014, p� 69), ou seja, os mitos são representações 
vivas no inconsciente coletivo�
De maneira geral, o termo mito designa uma narra-
tiva que está associada a eventos de fundação de 
determinados agrupamentos humanos, de início 
incerto e que foram incorporados ao imaginário 
desses mesmos grupos sociais� Assim, os cha-
mados mitos de origem indicam uma situação 
que serviu de criação para a formação de uma 
certa identidade coletiva� Essa perspectiva está 
presente, por exemplo, nas palavras de Joseph 
Campbell, ao afirmar que “mitos são pistas para 
as potencialidades espirituais da vida humana” 
(CAMPBELL, 1988, p� 17)� Ou seja, atravésda 
compreensão dos mitos, é possível compreender 
as diferentes formas de construção simbólica dos 
grupos humanos para além daquelas que nos são 
próximas no tempo e no espaço�
As narrativas associadas aos mitos se apresentam 
de diversas formas, nem sempre relacionadas a 
uma perspectiva racional, no sentido que esta pa-
lavra passou a adquirir com os desenvolvimentos 
ocidentais da ciência� Mas ao separarmos mito e 
ciência entramos em um problema que ocupou 
o grande antropólogo francês chamado Claude 
Lévi-Strauss�
24
Para Claude Lévi-Strauss (1908–2009), a partir dos 
séculos 17 e 18, ocorreu um importante movimen-
to de construção da diferença entre pensamento 
mítico e pensamento lógico-científico, a partir de 
nomes como René Descartes, Isaac Newton e 
Francis Bacon� A essa separação o antropólogo 
atribui a noção de divórcio, uma vez que, até então, 
ambas as formas de explicação do mundo estavam 
bastante relacionadas entre si�
Contudo, a leitura da obra de Lévi-Strauss indica 
a complexidade existente nas explicações sobre 
o funcionamento do mundo de acordo com os 
diferentes grupos indígenas, de maneira a se dis-
tanciar do senso comum que compreende tais 
grupos humanos como pouco desenvolvidos em 
suas capacidades de abstração e de entendimento 
da realidade ao seu redor� Trata-se precisamente 
do oposto: esses grupos humanos deixam de ser 
considerados pelo antropólogo como primitivos, 
uma vez que talvez o único traço que os distancia 
de fato das sociedades consideradas desenvolvidas 
é a sua inclinação à escrita, atuando de maneira 
intensa em suas produções intelectuais, bem como 
no desenvolvimento de suas próprias representa-
ções a respeito de sua história e de sua ecologia�
Evidentemente, os mitos exigem interpretação 
adequada, correndo-se o risco de reduzir-se sua 
compreensão aos seus aspectos superficiais. Ou 
25
seja, um mito esconde elementos nem sempre visí-
veis em uma primeira apreensão. Seus significados 
demandam um grande esforço interpretativo e é 
nesse ponto que a figura do antropólogo se torna 
fundamental�
As questões anteriormente levantadas por Lévi-
-Strauss demonstram a contribuição que essas 
outras maneiras (diferentes) de se refletir sobre 
o universo podem servir para o desenvolvimento 
mesmo da ciência ocidental� No limiar do século 
20, Lévi-Strauss identificava a necessidade de se 
repensar essa separação, sem, contudo, abandonar 
o conjunto de métodos oferecidos pela própria 
ciência� Segundo ele:
“A ciência moderna parece ser capaz de progredir 
não só segundo a sua linha tradicional – pressio-
nando continuamente para a frente, mas sempre no 
mesmo canal limitado – mas também, ao mesmo 
tempo, alargando o canal e reincorporando uma 
grande quantidade de problemas anteriormente 
postos de parte (LÉVI-STRAUSS, 2010, pp� 18-19)�”
O mito está relacionado à cosmologia, que pode ser 
compreendida como uma determinada ambição de 
se conhecer o universo de maneira total, sendo os 
mitos parte constitutiva dessa forma ampliada de 
explicação da realidade existente� A cosmologia, 
26
dessa forma, indica as relações existentes entre 
mitos e a sua dimensão prática, os ritos�
Em Antropologia, ritos podem ser compreendidos 
como cerimônias nas quais ocorrem eventos ex-
traordinários (ou seja, que não estão no registro do 
ordinário), caracterizados por conjuntos de palavras 
e de ações ordenadas que definem uma determi-
nada situação em que predominam as interações 
simbólicas� Nesse sentido, esse tipo particular de 
cerimônia está relacionado às mudanças ocorri-
das nas posições e nas identidades assumidas 
pelas pessoas ao longo de suas vidas� Arnold van 
Gennep (1873–1957), um dos primeiros teóricos 
a investigar de maneira aprofundada as questões 
relativas aos ritos de passagens, afirma que:
“É o próprio fato de viver que exige as passagens 
sucessivas de uma sociedade especial a outra e de 
uma situação social a outra, de tal modo que a vida 
individual consiste em uma sucessão de etapas, 
tendo por término e começo conjuntos da mesma 
natureza, a saber, nascimento, puberdade social, 
casamento, paternidade, progressão de classe, 
especialização de ocupação, morte (GENNEP, 2013, 
p� 21)�”
Nessa perspectiva apontada por Gennep (2013), os 
ritos são fundamentais para demarcar a mudança 
de espaços e de comportamentos que definem 
27
as pessoas em determinados momentos de suas 
vidas� Vê-se, desse modo, que a importância dada 
a tais eventos não está restrita apenas aos seus 
aspectos sagrados, uma vez que eles se combinam 
a todo momento com elementos da nossa vida 
vulgar, compreendidos como profanos�
Essas referidas interações podem ser definidas 
como detentoras de características particulares, 
que estão próximas à noção de performance social:
“A ação ritual nos seus traços constitutivos pode 
ser vista como “performativa” em três sentidos: 1) 
no sentido pelo qual dizer é também fazer alguma 
coisa como um ato convencional [como quando se 
diz “sim” à pergunta do padre em um casamento]; 2) 
no sentido pelo qual os participantes experimentam 
intensamente uma performance que utiliza vários 
meios de comunicação [um exemplo seria o nosso 
carnaval] e 3), finalmente, no sentido de valores 
sendo inferidos e criados pelos atores durante a 
performance (por exemplo, quando identificamos 
como “Brasil” o time de futebol campeão do mundo) 
(TAMBIAH apud PEIRANO, 2003, p� 10)�”
Dentre os rituais mais comuns, estão aqueles de 
iniciação, de nascimento, de puberdade, nupciais 
e de purificação. Há de se ressaltar que, assim 
como os mitos, os ritos não estão restritos às 
sociedades não-brancas (indígenas e outras), pois 
28
são presenças constantes mesmo em sociedades 
industriais e urbanas� Dessa forma, deixamos de 
compreender os rituais exclusivamente como 
referentes à esfera do religioso e passamos a 
pensá-lo também em contextos nos quais existe 
o predomínio do pensamento racional, a exemplo 
das sociedades contemporâneas�
A IDENTIDADE DO “EU”
Em texto intitulado Uma categoria do espírito 
humano: a noção de pessoa, a de “eu”, publicado 
originalmente em 1938, o antropólogo Marcel 
Mauss (1872–1950) dedicou-se a estudar como 
a ideia de que existe um eu, relacionado por sua 
vez a uma pessoa, surgiu e se modificou ao longo 
dos tempos� Para tanto, o autor defende a neces-
sidade de nos afastarmos de uma visão ingênua 
a respeito do sentido que atribuímos a essas duas 
categorias�
Em primeiro lugar, Mauss defende que mesmo no 
tempo presente não há um consenso sobre o que 
seja o eu em todos os grupos humanos espalha-
dos ao redor do mundo� E o mesmo vale para a 
perspectiva histórica: como, durante o desenrolar 
do tempo, foi elaborada essa noção tão singular, 
essa forma que adquirimos para pensar sobre nós 
mesmos através da noção de eu? Para tanto, Mauss 
recorre a diferentes códigos legais, costumes e 
29
religiões, que estruturam diferentes sociedades 
e, consequentemente, diferentes mentalidades�
Os exemplos colhidos por Mauss oferecem uma 
visão para além da nossa própria cultura, de maneira 
a compreender-se as características específicas 
desse grupo estudado, incluindo a própria forma 
como eles se veem� De acordo com Mauss, dife-
rentemente de nossa compreensão ocidentalizada 
do eu como relacionado à noção de indivíduo, os 
Kwakiutl, por exemplo, compartilham essa noção 
a partir da ideia de atores que são separados por 
castas:
“Ordenam-se as “pessoas humanas”, e, a partir 
destas, ordenam-se os gestos dos atores num dra-
ma� Aqui, todos os atores são teoricamente todos 
os homens livres� Mas, desta vez, o drama é mais 
do que estético� É religioso, e ao mesmo tempo 
cósmico, mitológico, social e pessoal (MAUSS, 
2003, p� 376)�”
30
Os gregos acreditavam em seus mitos?
Você já se questionou a respeito de como os gregos 
consideravam os seus mitos? Será que o relacionamento 
que eles tinham com suas crenças é semelhante ao 
que as pessoas têm nos dias de hoje com suas reli-
giões? Para o historiadorPaul Veyne, essa não é uma 
boa analogia, pois induz a uma adaptação forçada da 
experiência histórica dos gregos à nossa experiência 
contemporânea�
Segundo ele, os mundos lendários relacionados aos 
mitos não eram percebidos como mentiras pelos gregos, 
embora eles compreendessem esses universos como 
pertencentes a um outro local, no qual a temporalida-
de era vista de maneira diferente daquela em que as 
pessoas estavam envolvidas� Trata-se, desse modo, 
de uma forma complexa de se relacionar com os mitos 
que deve levar em consideração as alternativas culturais 
dessa sociedade�
De acordo com Veyne, “um grego colocava os deuses 
‘no céu’, mas teria ficado atônito se os percebesse no 
céu” (VEYNE,1983, p� 28)� Vê-se, desse modo, que, para 
o historiador, a questão não está relacionada exclusi-
vamente à questão da crença, mas também à forma 
como os gregos entendiam a própria noção de verdade� 
Assim, diversas percepções a respeito da “verdade” dos 
mitos eram compartilhadas por diferentes estratos da 
sociedade grega, soando, muitas vezes, contraditórias 
aos nossos ouvidos de hoje, mas fazendo todo o sentido 
para quem ali se encontrava�
SAIBA MAIS
31
SOBRE O CONCEITO DE INDIVÍDUO 
E INDIVIDUALISMO
Nossa experiência contemporânea define pessoa 
como um indivíduo, ou seja, uma unidade indivisível 
e única que se projeta como distinguível diante do 
grupo do qual participa� Essa perspectiva, como pu-
demos observar, não é universal, uma vez que cada 
cultura possui formas específicas de representar 
as pessoas, sendo a nossa demasiado particular� 
Em outras palavras, a própria forma como consi-
derarmos uns aos outros em nosso meio social 
e no tempo em que vivemos é condicionada por 
determinantes particulares, não sendo possível 
esperar que toda a diversidade de culturas tenha 
percebido a experiência humana da mesma forma 
como percebemos nos dias de hoje�
O antropólogo Roberto DaMatta define a forma de 
percepção individual das pessoas como um dado 
evidente de nossas sociedades contemporâneas� 
Afirma ele que:
“[���] Individualidade se associa fortemente à tra-
dição clássica da filosofia política, uma tradição que 
moldou o pensamento social moderno� Um modo 
de pensar a sociedade historicamente fundado e, 
em consequência, sumamente preocupado com 
as conexões entre instituições, práticas sociais e 
esferas percebidas como críticas (e universais), 
32
como o “religioso”, o “político” e o “econômico 
(DAMATTA, 2000, p� 9)�”
Desse modo, falar de indivíduo em nossa sociedade 
demanda uma conexão com a influência que os 
valores políticos, econômicos e religiosos exercem 
sobre nossa identidade� Nosso comportamento 
e a forma como nos identificamos uns com os 
outros estabelece conexões sobretudo com o 
tipo de sociedade em que vivemos, ou, no nosso 
caso, com o modelo sócio-histórico denominado 
capitalismo�
As sociedades capitalistas, provenientes dos valo-
res e padrões de socialização originados no bojo 
da Revolução Francesa (final do século 18) e da 
Revolução Industrial (sobretudo durante o século 
19), constituíram-se como sociedades permeadas 
por ampla diversidade de identidades situadas em 
espaços cada vez mais urbanos e cosmopolitas� 
Esse encontro de identidades torna a compreensão 
da diferença uma necessidade diária aos habitantes 
das grandes cidades, resultando em uma série de 
aspectos que demarcam a experiência do homem 
na multidão�
Dessa forma, a individualidade que marca nossa 
noção de pessoa passa a ser condicionada pelos 
estímulos específicos de nosso tempo. Tem-se, 
dessa maneira, o advento do individualismo, 
33
compreendido como um processo de produção 
de identidades que induz a uma intensificação 
da sensação de autonomia das pessoas diante 
do mundo em que vivem� Assim, o individualismo 
resulta em um sistema de pensamentos e de ações 
que toma como postulado o valor da pessoa em 
detrimento da autoridade tradicional dos grupos, 
ou, em outras palavras, na produção de pessoas 
autocentradas propensas a afastarem suas per-
sonalidades da coletividade�
Figura 5: Operários, obra de Tarsila do Amaral (1933, óleo 
sobre tela, 150x205 cm)
Fonte: Tarsila do Amaral
34
http://tarsiladoamaral.com.br/obra/social-1933/
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como estudamos anteriormente, a noção de identi-
dade, quando percebida pela perspectiva analítica 
da Antropologia, indica a existência de uma constru-
ção social prévia, ou seja, a identidade é produzida 
e definida de acordo com os diferentes tempos e 
espaços em que é formulada, seguindo padrões 
culturais distintos� Assim, expressões recorrentes 
como eu e outro ganham novos significados, pois 
as investigações realizadas pela Antropologia 
demonstram que essas são formas particulares 
de compreensão do mundo ao nosso redor, sendo 
impossível reduzir-se a pluralidade de perspectivas 
existentes entre todos os grupos humanos a uma 
construção identitária única e parcial�
Na próxima unidade investigaremos outras formas 
de produção das identidades a partir de estudos 
clássicos realizados por antropólogos, de ma-
neira a darmos continuidade ao nosso exercício 
de desnaturalização do senso comum mediante 
uma comparação de diferentes grupos humanos, 
marcada pelo reconhecimento da alteridade�
35
Referências Bibliográficas 
& Consultadas
BOAS, Franz� Antropologia cultural� Zahar, 2004�
CAMPBELL, Joseph� O poder do mito� São Paulo: 
Palas Athenas, 1988�
CASTRO, Eduardo Viveiros de� A inconstância da 
alma selvagem� São Paulo: Editora Cosac Naify, 
2014�
CASTRO, Celso� Textos básicos de antropologia, 
cem anos de tradição: Boas, Malinowski, Lévi-
Strauss e outros� Rio de Janeiro: Zahar, 2016�
DAMATTA, Roberto� Individualidade e 
liminaridade: considerações sobre os ritos 
de passagem e a modernidade� Mana, Rio de 
Janeiro, v� 6, n� 1, p� 7-29, Abr� 2000�
GENNEP, Arnold van� Os ritos de passagem: 
estudo sistemático dos ritos da porta e da 
soleira, da hospitalidade, da adoção, gravidez 
e parto, nascimento, infância, puberdade, 
iniciação, coroação, noivado, casamento, 
funerais, estações etc� Petrópolis: Vozes, 2013�
GEERTZ, Clifford� Nova luz sobre a antropologia� 
Rio de Janeiro: Zahar, 2014�
GOLDMAN, Marcio� Alteridade e experiência: 
Antropologia e teoria etnográfica. Etnográfica, 
Lisboa, v� 10, n� 1, p� 161-173, mai� 2006�
GOMES, Márcio Pereira� Antropologia: ciência do 
homem, filosofia da cultura. São Paulo: Editora 
Contexto, 2008�
LEIRNER, Piero de Camargo� Hierarquia e 
individualismo� Rio de Janeiro: Zahar, 2003�
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. 
Lisboa: Edições, 2010�
LÉVI-STRAUSS, Claude� Antropologia estrutural 
dois� São Paulo: Editora Ubu, 2018�
MAUSS, Marcel� Sociologia e antropologia� São 
Paulo: Cosac Naify, 2003�
MONTAIGNE, Michel de� Os ensaios: uma 
seleção� São Paulo: Companhia das Letras, 
2010�
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de� Identidade, etnia 
e estrutura social� São Paulo: Livraria Pioneira 
Editora, 1976�
PEIRANO, Mariza� Rituais ontem e hoje� Rio de 
Janeiro: Zahar, 2003�
VELHO, Gilberto� Individualismo e cultura: 
notas para uma antropologia da sociedade 
contemporânea� Rio de Janeiro: Zahar, 1987�
VELHO, Gilberto� Individualismo e cultura: 
notas para uma antropologia da sociedade 
contemporânea� Rio de Janeiro: Zahar, 2012�
VELHO, Gilberto� Um antropólogo na cidade: 
ensaios de antropologia urbana� Rio de Janeiro: 
Zahar, 2013�
WILLIAMS, Raymond� Palabras clave: un 
vocabulario de la cultura y de la sociedade� 
Buenos Aires: Nueva Visión, 2003�
	_GoBack
	Introdução
	SOBRE A NOÇÃO DE IDENTIDADE CULTURAL
	QUESTÕES CLÁSSICAS DE ANTROPOLOGIA
	Os primórdios da perspectiva antropológica
	A Antropologia moderna e seus objetos de estudos
	As culturas e as mudanças de perspectivas
	Alteridade, identidade coletiva, mitos e ritos
	A identidade do “eu”
	Sobre o conceito de indivíduo e individualismo
	Considerações finais
	Referências Bibliográficas & Consultadas

Continue navegando