Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL PIAUIENSE – FUNEAC FACULDADE DAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS DE TERESINA – FAETE DIREÇÃO DE ASSUNTOS ACADÊMICOS E COMUNITÁRIOS COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO ANÁLISE JURÍDICA DO DIREITO DE LOCOMOÇÃO DOS CADEIRANTES NA CIDADE DE TERESINA – PI JOSIELDON MOURA GUEDES TERESINA – PIAUÍ 2011 1 JOSIELDON MOURA GUEDES ANÁLISE JURÍDICA DO DIREITO DE LOCOMOÇÃO DOS CADEIRANTES NA CIDADE DE TERESINA – PI Monografia apresentada à Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina – FAETE, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação da Profª Esp. Gerlanne Luiza Santos de Melo TERESINA – PIAUÍ 2011 2 JOSIELDON MOURA GUEDES ANÁLISE JURÍDICA DO DIREITO DE LOCOMOÇÃO DOS CADEIRANTES NA CIDADE DE TERESINA – PI Monografia aprovada em ____/____/____ BANCA EXAMINADORA Profª Gerlanne Luiza Santos de Melo Orientadora 2°Examinador 3° Examinador 3 Suba o primeiro degrau com fé. Mesmo que você não veja toda a escada, apenas dê o primeiro passo. (Martin Luther King) 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, vida e fonte de inspiração, que me deu forças nos momentos mais difíceis; coragem para seguir em frente. Aos meus pais, José Luís dos Santos Guedes e Maria Marlene de Moura Guedes, pelo apoio e amor incondicional. Aos meus irmãos, pelo incentivo e encorajamento nos momentos de desânimo e cansaço. À professora Orientadora Gerlanne Luiza Santos de Melo, pela paciência e sabedoria como me conduziu neste trabalho, sempre atenciosa e brilhante. Aos demais professores da FAETE, pelas preciosas orientações e ensinamentos. Aos colegas de Curso, com quem compartilhamos conhecimentos e expectativas. Aos meus patrões Ediomar Lourenço Borges e Maria do Carmo Almeida Borges, pelo incentivo e compreensão nos momentos difíceis ao longo da minha capacitação profissional. À Carla Karine Lopes da Silva, pela amizade, apoio e prestimosos aconselhamentos. Enfim, agradeço a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para minha formação acadêmica e realização deste trabalho 5 A Deus, por iluminar-nos rumo a conquista desta jornada na busca pelo saber e pela qualificação profissional. 6 RESUMO Os dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, 24% (vinte e quatro por cento) da população brasileira correspondem a pessoas com deficiências, levando este pesquisador à necessidade de refletir sobre o direito de locomoção como uma das garantias essenciais do cidadão relacionadas na Carta Magna Brasileira de 1988. Assim, o assunto é de grande importância para o mundo jurídico, uma vez que, através desse estudo, discutiu-se um dos princípios basilares de nosso estado democrático de direito, qual seja o princípio da igualdade, face às condições de locomoção das pessoas com deficiência no Brasil. A preocupação por essa temática deve-se ao fato de que, nossas cidades não se encontram estruturalmente preparadas para atender às necessidades e anseios desses cidadãos. Nesse contexto, abordou-se como problema: quais os desafios enfrentados pelos cadeirantes na efetivação do direito de locomoção em Teresina – PI? O referido estudo tem como objetivo geral analisar juridicamente o direito de locomoção dos cadeirantes na cidade de Teresina – PI. A metodologia adotada contemplou uma concepção qualitativa de natureza descritiva e interpretativa através de revisão da literatura e uma pesquisa de campo através da aplicação de um roteiro semi-estruturado junto a 10 (dez) cadeirantes freqüentadores do Centro Integrado de Reabilitação (CEIR), como também, uma entrevista junto a Assessoria Jurídica e Serviço Social da referida instituição. Diante de tais resultados, verifica-se que as pessoas com deficiência apesar de grande parte conhecer seus direitos intrínsecos, não tem esses direitos reconhecidos e respeitados, confrontando-se com inúmeras dificuldades e desafios, especialmente relacionadas ao direito à acessibilidade. Palavras-Chave: Direito à Locomoção. Cadeirantes. Desafios. 7 ABSTRACT Data from the last census of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) show that 24% (twenty-four percent) of the population corresponds to people with disabilities, leading this researcher to the need to reflect on the right of movement as a essential guarantees of the citizen listed in the 1988 Brazilian Constitution. Thus, the issue is of great importance to the legal world, since, through this study, we discussed one of the fundamental principles of our democratic state of law, namely the principle of equality, given the conditions of movement of people with deficiency in Brazil. The concern for this issue is due to the fact that our cities are not structurally designed to suit the needs and wishes of those citizens. In this context, we dealt with as a problem: what are the challenges faced by wheelchair users in the realization of the right of locomotion in Teresina - PI? This study aims at analyzing the legal right of movement of the wheelchair in the city of Teresina - PI. The design methodology adopted contemplated a qualitative descriptive and interpretive in nature through a literature review and field research by applying a semi-structured with 10 (ten) wheelchair patrons of the Center for Integrated Rehabilitation (Coir), as well as an interview with the Legal and Social Service of that institution. Given these results, it appears that people with disabilities although most know their inherent rights, does not have those rights recognized and respected, faced with numerous difficulties and challenges, especially regarding the right to accessibility. Key-words: Right to Locomotion. Wheelchair. Challenges. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................... 1 CONCEPÇÕES GERAIS SOBRE DEFICIÊNCIA ............................................ 1.1 Aspectos Históricos ....................................................................................... 1.2 Conceito legal de deficiência ......................................................................... 1.3 Processo de legitimação da inclusão ............................................................2 BREVE PRELIMINAR SOBRE DIREITOS HUMANOS ................................... 2.1 Panorama conceitual ..................................................................................... 2.2 Trajetória histórica e legal ............................................................................. 2.3 Direito à locomoção: garantia constitucional ................................................. 3 DESAFIOS DOS CADEIRANTES FRENTE AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO 3.1 Locomoção dos Cadeirantes na cidade de Teresina ................................... 3.2 Análise dos Dados ........................................................................................ CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ REFERÊNCIAS ................................................................................................... APÊNDICE A – ROTEIRO SEMI-ESTRUTURADO ............................................ ANEXO A – RECOMENDAÇÃO N.11/2006 ........................................................ ANEXO B – PORTARIA N.002/2005 .................................................................. 09 11 11 15 17 20 20 22 27 31 31 32 38 40 44 45 47 9 INTRODUÇÃO É sabido que, segundo os dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24% (vinte e quatro por cento) da população brasileira corresponde a pessoas com deficiências. No contexto da sociedade globalizada, este estudo vem atender à necessidade de se refletir sobre o direito de locomoção como uma das garantias essenciais do cidadão relacionadas na Carta Magna Brasileira de 1988, constituindo uma das premissas do estado democrático de direito que, por sua vez, fundamenta- se no poder que emana do povo (SARNEY, 2008). Assim, o assunto é de grande importância para o mundo jurídico, uma vez que, através desse estudo, discutir-se-á um dos princípios basilares de nosso estado democrático de direito, o princípio da igualdade e analisar sua aplicabilidade prática, buscando demonstrar que de nada servem os princípios apenas na teoria, necessário se faz transpô-los à concretude das atividades práticas sociais do dia-a- dia, favorecendo, pois, uma efetiva mudança social (BIGIO, 2008). Além disso, a preocupação por essa temática deve-se ao fato de que, nossas cidades não se encontram estruturalmente preparadas para atender às necessidades e anseios desses cidadãos. Nesse contexto, abordou-se como problema, a questão básica: quais os desafios enfrentados pelos cadeirantes na efetivação do direito de locomoção em Teresina – PI? O referido estudo tem como objetivo geral analisar juridicamente o direito de locomoção dos cadeirantes na cidade de Teresina – PI. E como objetivos específicos: entender a acepção de Deficiência e Inclusão; relacionar um panorama histórico-conceitual acerca dos direitos humanos; identificar os direitos fundamentais dos portadores de necessidades especiais; verificar dificuldades enfrentadas pelos cadeirantes em Teresina - PI; refletir sobre os desafios impostos aos cadeirantes hoje. Vale destacar, pois, que a importância do presente estudo relaciona-se ao caráter teórico-prático debatido por autores como Lima (2006), Bonavides (1997), 10 Sarlet (2006), Sarney (2008), Bigio (2009), Azevedo (2007), Lacômica (2008), Figueiredo (2000), além da Constituição Federal, Declaração dos Direitos Humanos, revista eletrônicas, jornais, dentre outros. A metodologia adotada contemplou uma concepção qualitativa de natureza descritiva e interpretativa através de revisão da literatura e análise de artigos de jornais e revistas, bem como, de trabalhos disponíveis na internet. Além disso, utilizou-se ainda uma pesquisa de campo através da aplicação de um roteiro semi-estruturado junto a 10 (dez) cadeirantes freqüentadores do Centro Integrado de Reabilitação (CEIR), como também, uma entrevista junto a Assessoria Jurídica e Serviço Social da referida instituição. Ao eleger “Análise Jurídica dos direitos de locomoção dos cadeirantes na cidade de Teresina – PI” como tema central do presente trabalho justificando-se, em razão dos inúmeros debates a respeito dessa temática e ainda por Teresina constituir centro de excelência no que se refere ao atendimento e reabilitação de pessoas com deficiência. Diante desse contexto, percebeu-se a necessidade realizar uma pesquisa que pudesse analisar a realidade vivenciada pelos cadeirantes em nossa sociedade; tendo em vista a situação de discriminação e desrespeito ao direito de locomoção desses cidadãos. Ademais, observa-se facilmente a existência de políticas públicas inclusivas insuficientes destinadas a esses indivíduos. Dessa forma, propõe-se investigar, discutir, refletir e analisar acerca de soluções que viabilizem a efetivação da garantia dos direitos de locomoção dos cadeirantes. O desenvolvimento do estudo encontra-se estruturada em três capítulos, a saber: a) o primeiro capítulo enfoca algumas concepções preliminares sobre deficiência, abordando aspectos históricos e conceituais; b) o segundo capítulo, trata dos direitos humanos, analisando-os histórica e conceitualmente; c) terceiro capítulo, reflete sobre os desafios enfrentados pelos cadeirantes na efetivação do direito de locomoção em Teresina – PI. 11 1 CONCEPÇÕES GERAIS SOBRE DEFICIÊNCIA 1.1 Aspectos Históricos Nos tempos mais remotos da humanidade, a idéia de deficiência relaciona-se intimamente aos conceitos de inatismo e irreversibilidade, sendo explicada por fatores orgânicos que não podiam ser modificados. Somente a partir das primeiras civilizações do planeta e das primeiras noções de vida cultural, política e econômica é que foram estabelecidas as regras sociais de convivência e então se passa a enfrentar a inclusão do deficiente como resposta a fatores relacionados ao mundo da guerra e do trabalho. A idéia de exclusão tem suas raízes nos períodos mais antigos da história primitiva das sociedades humanas, quando os indivíduos lutavam contra diversas forças da natureza com a intenção de sobreviver aos mistérios do mundo natural a partir da ausência de explicações cientificas a respeito de fenômenos naturais. Uma dessas forças naturais era a deficiência. As diversas manifestações dessas forças eram compreendidas como intervenção de poderes sobrenaturais, no mundo físico. Nos períodos em que, as sociedades eram regidas pela força física e necessidade de uso ágil das funções corporais, os indivíduos com deficiências eram considerados inaptos para a sobrevivência, tornando-se até mesmo um fardo para o grupo produtivo e que portanto não serviria para a produção e tão pouco para o sacrifício. Conforme estudos antropológicos, desde a pré-história, pessoas com algum tipo de malformação congênita ou adquirida eram retratadas em pinturas e cerâmicas, concorrendo para a afirmação de que a temática da deficiência fazia parte da vida diária daquelas comunidades (SILVA, 1986). Na História Antiga e Medieval, em conformidade com lição de Garcia (2011), verifica-se que, as pessoas com deficiência recebiam dois tipos de tratamento: a rejeição com a eliminação sumária (morte) ou a proteção 12 assistencialista e piedosa. Em Roma Antiga, os filhos com deficiência eram sacrificados por seus próprios pais, coincidindo com tratamento observado em Esparta, onde os bebês e as pessoas que adquiriam alguma deficiência eram lançados ao mar ou em precipícios. Já em Atenas, foi definida a premissa jurídica segundo a qual, as pessoas com deficiência eram amparados e protegidos pelas instituições sociais, influenciadospelo pensamento de Aristóteles, afirmando “tratar os desiguais de maneira igual constitui-se em injustiça” (GARCIA, 2011). Verifica-se já na Idade Moderna a passagem de um período de extrema ignorância para o nascer de novas idéias; ocorrendo no período compreendido entre o ano de 1453 (Século XV), quando da tomada de Constantinopla pelos Turcos otomanos, até 1789 (Século XVIII) com a Revolução Francesa. O período mais festejado é o que vai até o Século XVI, com o chamado Renascimento das artes, da música e das ciências, pois revelaram grandes transformações, marcada pelo humanismo (GUGEL, 2011). Com isso, no cenário mundial, especialmente em meados do século XV, as crianças deformadas eram atiradas nos esgotos de Roma; enquanto que, na Idade Média, os portadores de deficiências eram abrigados nas igrejas e passaram a ganhar a função de bobo da corte; já entre os séculos XVI e XIX, as pessoas com deficiências permaneciam isoladas, sendo colocados em instituições como asilos, conventos e albergues. O precitado autor acrescenta ainda que, o século XX encontra-se marcado pelo seu caráter assistencial, pois, a partir desse período, as pessoas com deficiências começam a ser considerados cidadãos com direitos e deveres de participação na sociedade materializado através da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que será posteriormente comentado. De acordo com lição de Fonseca (2011), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência realizada em 2007 insere-se num processo de construção do conjunto dos direitos humanos, os quais foram sistematizados a partir do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ambos de 1966, os quais elencaram os direitos individuais básicos e os direitos sociais. Posteriormente, esta construção voltou-se a grupos vulneráveis, a saber: minorias raciais, mulheres, pessoas 13 submetidas à tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, crianças, migrantes e, finalmente, pessoas com deficiência. Assim sendo, verifica-se conforme expresso no próprio preâmbulo da última Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência (2007) que a atenção aos grupos vulneráveis visa dar eficácia aos direitos humanos de forma a fazê-los unos, indivisíveis e interdependentes, de vez que as liberdades individuais e os direitos sociais fazem parte de uma sistematização monolítica e reciprocamente alimentada. No entendimento de Garcia (2011), a assistência e a qualidade do tratamento dispensado às pessoas com deficiência apresentaram significativo avanço ao longo do século XX por duas razões: o elevado contingentes de indivíduos com seqüelas de guerra e a atenção às crianças com deficiência. Os dois fatores exigiram medidas para o crescimento com o desenvolvimento de especialidades e programas de reabilitação específicos. Diante do quadro social de muitas pessoas deficientes, é que no século XX, as causas e origens das deficiências foram explicadas cientificamente, rompendo-se a concepção mítica, religiosa e maniqueísta que a sociedade construiu ao longo dos anos a respeito das pessoas com deficiência. No entanto, embora muitos mitos tenham sido extintos e a compreensão da deficiência seja percebida de forma menos obscura, ainda persiste nos dias de hoje, os preconceitos e o descaso com alguns tipos de deficiências. Importante ressaltar que, o grau de desconhecimento sobre as deficiências e suas potencialidades, todavia, permaneceu elevado ao longo de meados do século XX, haja vista o elevado índice de pessoas com deficiência mental tratadas como doentes mentais; sendo que, a inexistência de diagnósticos precisos ocasionaram história de vida trágica para pessoas com deficiência que passavam por internações indevidas e afastamento do convívio social. A movimentação social foi fundamental na mudança política e social conferida aos deficientes, pois na década de 60, nos Estados Unidos, os familiares de pessoas com deficiência voltados para o combate à discriminação surgiram os primeiros movimentos organizados. A partir dos anos 70, naquele mesmo país, pesquisas e teorias sobre a inclusão e melhoria das condições de vida dos mutilados de guerra avançaram. E, já nos anos 80 e 90, declarações e tratados mundiais passam a defender a inclusão. 14 O precitado autor acrescenta que, no âmbito brasileiro, a integração começou a ser discutida a partir do citado processo iniciado nos Estados Unidos nos anos 60. Por outro lado, as pessoas com deficiência tratadas como objeto de caridade e assistencialismo conserva a exclusão social das pessoas deficientes, e consoante entendimento de Savary (2007, p.61), Pessoas com deficiência, em uma grande parcela, fazem parte de uma zona de vulnerabilidade social que alimenta a caridade e o assistencialismo. São pessoas, na grande maioria, fora do mercado de trabalho, com pouco nível de instrução e acostumadas a receber auxílio e assistência de diversos grupos sociais. Assim, a caridade e o assistencialismo mantêm as pessoas com deficiência nesse lugar de necessitados, fixam-nos na zona de vulnerabilidade social, impedindo que aumente a tensão entre a demanda por integração e a possibilidade de desfiliação. A tensão permanece suportável e retroalimenta o assistencialismo. Neste contexto, a História revela para a humanidade um caminho persistente pela exclusão social e humana. Se, no passado, o indivíduo com algum comprometimento físico era banido por meio da morte, hoje, este tipo de tratamento não é mais praticado, todavia, é banido com a internação em instituições, com o cárcere privado, asilos e tantas outras que foram criadas com este objetivo: segregar o "diferente" da sociedade. Diante disso, verifica-se que Figueira (2008, p.17) esclarece que, [...] as questões que envolvem as pessoas com deficiência no Brasil, – por exemplo, mecanismos de exclusão, políticas de assistencialismo, caridade, inferioridade, oportunismo, dentre outras – foram construídas culturalmente. Sendo assim, torna-se necessário destacar a importância das questões culturais como fundamentais na história da deficiência no Brasil, em que a política de exclusão relacionadas às pessoas que apresentam algum tipo de deficiência teve sua consolidação desde os primórdios através da associação entre deficiência e doença, como se verá adiante no item 2.2. Quando comparada a realidade brasileira com a portuguesa, observa-se muitas diferenças; haja vista que, a etiologia da deficiência em Portugal, que não é significativamente diferente de outros países europeus, tem suas origens no aumento de acidentes aéreos e de trabalho. Todavia, a etiologia no Brasil ainda está 15 muito relacionada com a falta de acesso a serviços de saúde e a qualidade desses serviços, justificando a relação entre deficiência e pobreza (ALMEIDA, 2006). Desse modo, ao longo da história da humanidade, percebe-se que, a deficiência sempre foi tratada em instituições de prestação de serviços assistenciais e hospitalares. 1.2 Conceito Legal e doutrinário de Deficiência Conforme o Código de Doenças Internacionais (CDI-10), o conceito de deficiência está relacionado a conceitos como o de incapacidade e de desvantagens, sendo esta definida como a perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, filosófica ou anatômica, temporária ou permanente; incluindo-se nessas conceituações a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das funções mentais. Neste contexto, em consonância com Varonos e Karam (2010), observa- se a existência de alguns termos para se relacionar às pessoas com deficiênciaque estão desatualizados: Pessoa com necessidades especiais: Serve mais pra fila de banco, porque engloba mais do que apenas as pessoas com deficiência mas também, idosos, pessoas com crianças de colo, obesos e pessoas com mobilidade reduzida. Portador de deficiência: Portar, significa carregar, e nós não carregamos nossa deficiência como se fosse um objeto e a deixamos quando não a queremos mais, a deficiência é definitiva então não a portamos. Deficiente: É estranho parece um grupo isolado, os deficientes. Especial: Não é especial ter uma deficiência, aliás vira um preconceito ao contrário, falar que é especial ser uma pessoa com deficiência é mascarar uma situação e quando a gente mascara a gente não supera. Os referidos autores lecionam que o termo mais atual, indicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) é pessoa com deficiência, sendo que, observe que antes da deficiência vem o termo ‘pessoa’, pessoa cega, pessoa surda, existindo uma pessoa antes de qualquer limitação. 16 Ao declarar que um indivíduo tem uma deficiência não implica, portanto, que ele tenha uma doença nem que tenha de ser concebido como “doente”. Entretanto, o Decreto 3.298/99 (BRASIL, 1999) considera que as deficiências podem ser parte ou uma expressão de uma condição de saúde, mas não indicam necessariamente a presença de uma doença ou que o indivíduo deva ser considerado doente; entendendo doença como um distúrbio das funções de um órgão, da psiqué ou do organismo como um todo que está associado a sintomas específicos. Completa, informando que as deficiências podem ser temporários ou permanente, progressivas, regressivas ou estáveis, intermitentes ou contínuas. Amiralian (2000) define deficiência como perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente; incluindo-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das funções mentais; representando assim, a exteriorização de um estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico. Em conformidade com dados da UNESCO (1994), a deficiência é definida da seguinte maneira: [...] é uma dentre todas as possibilidades do ser humano e daí dever ser considerada, mesmo se as suas causas e conseqüências se modificam, como um fato natural que nós mostramos e de que falamos, do mesmo modo que o fazemos em relação a todas as outras potencialidades humanas. Segundo a Declaração de Málaga sobre pessoas com deficiência (2003 apud ROSS, 2004, p.53), deficiência significa: [...] uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. Segundo o Código Civil (2002), a deficiência pode ser concebida como uma incapacidade absoluta ou relativa, tendo em vista que, em seus art. 3º e 4º, ficam expressos como incapazes, respectivamente: 17 [...] os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e [...] os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido e os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo. Doutrinariamente, as pessoas com deficiência têm uma condição humana diferente que limita a capacidade de exercício mas não deve excluí-las da esfera pública social. Conforme Arendt (2004) acrescenta que, a condição humana não é a mesma coisa que natureza humana; referindo-se às formas de vida que o homem impõe a si mesmo para sobreviver, constituindo condições que tendem a suprir a existência do homem, variando de acordo com o lugar e o momento histórico do qual o homem é parte. Logo, todos os homens são condicionados, até mesmo aqueles que condicionam o comportamento de outros tornam-se condicionados pelo próprio movimento de condicionar; sendo assim, os condicionamentos funcionam como ferramenta de inclusão das pessoas com deficiência. 1.3 Processo de Legitimação da Inclusão Diante do exposto no item 1.2 sobre o condicionamento humano, fica evidenciado um quadro de condicionamento humano no qual estão inseridas essas pessoas com deficiência, que segundo leciona Marques apud Mantoan (1997, p.20): [...] enquanto a pessoa está adequada às normas, no anonimato, ela é socialmente aceita. Basta, no entanto, que ela cometa qualquer infração ou adquira qualquer traço de anormalidade para que seja denunciada como desviante. Atualmente, a deficiência está relacionada aos conceitos de incapacidade e desvantagem, portanto, vinculada à definição médica. Por isso, ela é vista como um problema do individuo, e que este é o responsável por adaptar-se à sociedade, na medida em que o modelo social da maioria é bem mais abrangente, propondo-se especial atenção às barreiras sociais que não estão, necessariamente, relacionadas ao diferente, mas a preconceitos, estereótipos e discriminações. 18 A superação dessas representações sociais da deficiência, caracterizadas pelas idéias de inferioridade, protecionismo, piedade, genialidade precisam ser reavaliadas, tendo em vista a necessidade de se compreender o homem ativo, suas lutas reais para superar as dificuldades e apropriar-se tanto da sua individualidade como dos bens socialmente construídos. Neste horizonte, entende-se que a luta pela integração dos sujeitos com necessidades especiais, suas instituições e suas utopias eram expressão de um momento de politização dos sujeitos, de um lado, e adoção ou implementação de políticas públicas de bem-estar social (welfare state), de outro. Consoante Honda (2003, p.2), welfare state corresponde a “uma transformação do próprio Estado a partir das suas estruturas, funções e legitimidade. Ele é uma solução para a necessidade de serviços de segurança sócio-econômica”. Além disso, de acordo com o precitado autor, o surgimento do Welfare State no Brasil ocorreu de maneira ímpar comparado à outros países, sendo que, o processo de modernização no Brasil é segmentado, com setores industriais modernos convivendo com setores tradicionais e com uma economia agrário-exportadora. Então, no Brasil, tal surgimento ocorreu a partir de decisões autárquicas com um caráter político muito forte: regular aspectos relativos à organização dos trabalhadores assalariados dos setores modernos da economia e da burocracia, em que as políticas que apareceram no Brasil, em meados dos anos 20 poderiam ser consideradas com um esboço da formação do Welfare State brasileiro, apresentando como função controlar os movimentos de trabalhadores no país. Com isso, excluindo-se o caráter político, constata-se a desintegração das pessoas, isto é, a exclusão social. Ao invés de se lutar pelo direito ao exercício do trabalho, ao bem-estar, a participação política, a felicidade, a rebeldia, as trocas simbólicas e culturais, é preciso, agora, estar inserido simplesmente no processo. É necessário, pois, acreditar que as pessoas com deficiência são capazes de aprender, ensinar e romper a barreira da recusa da escuta, fronteira esta que não podiam transpor. Dessa forma, ser capturada e alojada em espaços onde se possa exercer vigilância e dominação tem sido a sina, a marca e a tragédia da pessoa com deficiência. Por conseguinte, o advento da ideologia da inclusão social, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 representa um retorno da apologia da comunidade, da cooperação, do comprometimento com o outro, com a qualidade do 19 que se aprende, difundindo-se o restabelecimento de laços entre as pessoas tão longinquamente esquecidas. Pode-se, enfatizar que o percurso históricoda prática inclusiva vem sofrendo um processo de legitimação importante, especialmente, nos dias atuais com suporte oferecido pela cientificidade, pela compreensão do desenvolvimento psicológico, social, sensorial, motor e humano, o que possibilita um progresso nos seus quadros. Porém, são necessários avanços importantes na forma como a sociedade percebe as pessoas com deficiência. E isso não é algo fácil, pois os preconceitos são construídos histórico-culturalmente e são disseminados por ações e atitudes sociais freqüentes. Desse modo, Arendt (2004, p.167) leciona acerca da existência de um processo circular entre meio e fim, instrumento e objeto; em que todo fim se torna meio e todo meio se torna fim; acrescentando ainda que, “Num mundo estritamente utilitário, todos os fins tendem a ser de curta duração e a transformar-se em meios para outros fins.” O maior desafio é tentar conscientizar os indivíduos por meio da sensibilização para aceitação das diferenças do outro; um dos papéis da educação inclusiva e também seu maior desafio. Logo, essa conscientização para efetivar-se em nossa sociedade, necessário se faz o entendimento e o respeito sobre direitos humanos, visando o aprofundamento dos conhecimentos sobre essa temática e, consequentemente, propiciar a disseminação da dignidade da pessoa humana, fundamento da Constituição da República Federativa do Brasil previsto no art.1º, III, fim maior dos direitos humanos. 20 2 BREVE PRELIMINAR SOBRE DIREITOS HUMANOS 2.1 Panorama Conceitual Em consonância com Azevedo (2007, p.14), direitos humanos corresponde a um conceito que não possui unanimidade, em decorrência de seu caráter mutável, dinâmico e em contínua evolução, como todos os demais ramos do direito; são, portanto, indiscutíveis as constantes alterações sofridas pelos direitos fundamentais, tanto no tocante aos conteúdos quanto à eficácia, efetivação ou titularidade. De acordo com pensamento de Bonavides (1997, p.514), fica evidenciado que, a melhor designação preferida pela tradição germânica, qual seja, a de “direitos humanos são direitos fundamentais da pessoa humana”, ou simplesmente, “direitos fundamentais”. Robert e Marcial (1999, p.03) lecionam que, a doutrina aplica a expressão direitos humanos ao tratar dos direitos inerentes à pessoa humana quando consagrados em textos jurídicos internacionais. Todavia, ao serem transportados para o texto constitucional, passam a receber o nome de Direitos e Garantias Fundamentais. No mesmo sentido, quanto a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, Sarlet (2006, p.35) afirma que não ficaria clara a separação entre esses direitos, levando em consideração seu destinatário, tendo em vista que, em ambos os casos os destinatários dessa proteção é a pessoa humana. Acrescenta ainda o autor que o primeiro fator preponderante utilizado para tal distinção é o aspecto espacial da norma. Acrescenta o autor que o primeiro fator preponderante para tal distinção é o aspecto espacial da norma. E, diante disso, leciona que: 21 [...] termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). No entanto, considerando-se apenas o critério espacial como única distinção entre direitos humanos e fundamentais, haveriam inúmeras dúvidas sobre a extensão do conteúdo de ambas as categorias jurídicas. Ainda quanto ao conceito de direitos humanos, este é entendido por Robert e Marcial (1999, p.10), como: [...] As ressalvas e restrições ao poder político ou as imposições a este, expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e consciência, e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais. Azevedo (2007) declara que os direitos humanos são aquelas garantias inerentes à existência da pessoa, definidos como verdadeiros para todos os Estados e positivados nos diversos instrumentos de direito internacional público. Porém, não possuem aplicação simplificada e acessível a todas as pessoas pela ausência de fatores instrumentais. Ao passo que os direitos fundamentais são constituídos por regras e princípios positivados constitucionalmente, os direitos humanos por sua vez, visam garantir a existência digna da pessoa, tendo sua eficácia assegurada pelos tribunais internos. É no plano funcional que se desdobram as duas funções das normas: as regras e os princípios dos direitos fundamentais, sendo que: Por um lado, atuam no plano subjetivo, operando como garantidores da liberdade individual, sendo que esse papel clássico somam-se, hoje, os aspectos sociais e coletivos da subjetividade. De outro lado, os direitos ostentam uma função (ou dimensão) objetiva, que se caracteriza pelo fato de sua normatividade transcender à aplicação subjetivo individual, pois que estes também orientam a atuação do Estado (PEREIRA, 2006, p.77). 22 Além disso, destaca-se que, tais qualificações fundamentais daria a entender que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; implicando que tais situações a todos, por igual, devem ser não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivos. Para Moraes (2002, p.39) numa visão mais constitucionalista e preferindo a expressão direitos humanos fundamentais define-os como: [...] O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. Em consonância com tais posicionamentos, observa-se a dificuldade em definir o que são Direitos Humanos, mas é louvável o interesse de todos em acompanhar a origem e a evolução desses direitos que são inerentes à dignidade da pessoa humana (AZEVEDO, 2007). Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependentes e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais. Neste contexto, tratar-se-á especialmente a respeito dos direitos das pessoas com deficiência, sendo que, para melhor compreensão, far-se-á uma breve incursão acerca dessa temática abrangendo aspectos históricos e legais. 2.2 Trajetória dos Direitos Humanos Historicamente, verifica-se que, o século XVII com a obra de Grotius, De jure Belli act Pacis (1625), marcada por elevada tendência humanista, caracterizava- se pelo Sistema Inquisitório Puro. Ou seja, o poder prevalente nas mãos do juiz autoritário, centralizador, responsável pelas iniciativas processuais e sobre a integridade física e a vida do suspeito, onde a tortura constituía ferramenta processual para a obtenção da confissão, prova fundamental nesse sistema; sendo que, a defesa, a busca da verdade e a própria dignidade do homem, eram 23 abandonadas nesses atos processuais, em face da relevânciadiante do sigilo que imperava para se conseguir a prova. Entretanto, a partir da Revolução Francesa, no ano de 1789, com base iluminista dos pensamentos de Voltaire, Rousseau e Monstesquieu, os valores de respeito aos direitos humanos foram disseminados. Ademais, outros acontecimentos históricos marcaram a Idade Moderna e merecem, uma importância especial, como a Revolução dos Estados Unidos da América, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e as primeiras Constituições dos Estados. Ressalte-se, porém, que é na Inglaterra que continuaram a surgir importantes documentos em defesa dos direitos humanos, talvez até por conta do poder dos reis locais, afinal: “os direitos do homem surgem e se afirmam como direitos do indivíduo face ao poder do soberano no Estado absolutista” (LAFER, 1988, p.126). A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, editada por Thomas Jefferson, foi adotada na Convenção de Filadélfia, em 4 de julho de 1776, destacando-se por proclamar que os governos eram estabelecidos para assegurar os direitos dos homens, em limitar o poder estatal e por considerar os direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade inalienáveis. A partir da queda da Bastilha, tem-se a Revolução Francesa, em 14 de julho de 1789 e, no dia 26 de agosto do mesmo ano, houve a promulgação, pela Assembléia Nacional francesa, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com dezessete artigos. Assim, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão referia-se à igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, possibilidade de associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e da anterioridade em matéria penal, princípio da presunção de inocência, liberdade religiosa, livre manifestação de pensamento e outros. No tocante à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Bobbio (1992, p. 93), afirmou que: [...] o núcleo doutrinário da Declaração está contido nos três artigos iniciais: o primeiro refere-se à condição natural dos indivíduos que precede a formação da sociedade civil; o segundo, à finalidade da sociedade política, que vem depois [...] do estado de natureza; o terceiro, ao princípio de legitimidade do poder que cabe à Nação. 24 Observa-se que, em conformidade com Conceição (1990, p.39), essa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamava a fraternidade, a igualdade e a liberdade como princípios que deveriam guiar todos os homens, em todos os tempos, tanto que ficaram conhecidos no lema da Revolução Francesa. Enquanto isso, a Constituição Francesa apresentou inovações em relação ao controle do poder estatal e ao se analisar as revoluções na América e na França, fazendo com que as opiniões dos homens em relação ao governo mudassem em todos os países. Foi com esse intento que os enormes gastos dos governos levaram o povo a pensar, fazendo-o ter consciência da realidade. Nesse contexto, Moraes (2002, p.27) destaca que a Constituição Francesa, de 1793, configurou como importante documento, ressaltando que “o esquecimento e o desprezo dos direitos naturais do homem são as causas das desgraças do mundo”, preocupando-se com os direitos de “igualdade, liberdade, segurança, propriedade, legalidade, livre acesso aos cargos públicos, livre manifestação de pensamento, liberdade de imprensa, presunção de inocência”, dentre diversos outros. Pinto (2000) informa que “o primeiro marco histórico referido a internacionalização dos Direitos Humanos terá sido a Convenção de Direito Humanitário de 1864”. Sendo assim, o referido Direito surgiu como a primeira positivação, no campo do Direito Internacional, dos Direitos Humanos. Além disso, com as Constituições dos Estados sendo promulgadas, a positivação dos direitos naturais ocorre em instrumentos legais e surgem, em diversos Estados, para a proteção dos direitos humanos. Diante disso, entende-se que é ainda mais significativo referente a afirmação de que “quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais, a única defesa possível contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito de resistência” (BOBBIO, 1992, p.31). Logo em seguida à Segunda Guerra Mundial foi elaborada a Carta das Nações Unidas, datada de 1945, em São Francisco, ficando conhecida como a Carta de São Francisco, inaugurando uma nova fase no respeito à vida e aos direitos essenciais da pessoa humana, contemporaneamente. Compreende-se, pois, como Direitos Humanos aqueles fundamentais da 25 pessoa humana; afirmando-se, que estes visam resguardar a sua integridade física e psicológica perante seus semelhantes e ao Estado em geral, de forma a limitar os poderes das autoridades, garantindo, assim, o bem-estar social através da igualdade, fraternidade e proibição de qualquer espécie de discriminação. A promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos pois, constitui um ponto de referência para a humanidade, uma forma de libertação; propiciando um desenvolvimento teórico das questões de direitos humanos, promulgando outros direitos tais como: econômicos, sociais e culturais; tornando-se uma fonte de inspiração para a elaboração de cartas constitucionais e tratados internacionais voltados para a proteção dos Direitos Humanos. Neste contexto, as lutas e reivindicações em torno das pessoas com deficiência levaram a elaboração de uma vasta legislação que trata da garantia dos direitos desses indivíduos. A Declaração dos Direitos Humanos (1948) assegura, por exemplo, o direito de todos à educação pública e gratuita. Isso implica que independentemente da cor, gênero, classe social, concepção religiosa, limitações físicas ou de outra ordem, todos os indivíduos, por lei, tem direito ao ensino de qualidade. Assim, em meados de 1948, com a universalização dos direitos, os cidadãos dos Estados foram transformados em cidadãos do mundo. No entanto, é preciso observar que, apesar das intenções da Declaração, os Direitos Humanos não são, de fato, universais, nem tampouco podem ser universalizáveis, pois precisam reproduzir a exclusão/exploração das sociedades. Desse modo, o caráter histórico contraditório dos direitos humanos questiona a pretensão européia e ocidental de se considerar o lugar por excelência da emancipação universal. Considerando o que prescreve a citada Declaração, os Estados reafirmam que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos inclusive o direito de não serem submetidas à discriminação com base na deficiência, em decorrência da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano. Destacando ainda a questão dos direitos humanos e, sobretudo, do direito à educação, que todos os brasileiros possuem, Telles (1994 apud CONSTRUIR NOTÍCIAS, 2004, p.20) chama a atenção para o fato de que “os direitos não dizem respeito apenas às garantias inscritas na lei e nas instituições [...] os direitos dizem respeito, antes de tudo, ao modo como as relações sociais se estruturam”. É 26 exatamente nesse ponto que se faz necessário analisar como andam as relações entre professores, alunos, gestores, comunidade e sociedade de modo geral. Já para a concepção filosófica em que se fundamentam os direitos humanos, é evidente que todos devem ter as mesmas oportunidades de aprender e desenvolver suas capacidades, para, assim, integrar-se plenamente na vida comunitária. Por essa razão, os movimentos em defesa dos direitos das pessoas com deficiência foram organizados no mundo todo; defendendo, principalmente, sua integração efetiva na sociedade. A Constituição Federal brasileira, em seu artigo 4º, inciso II, fixou os direitos humanos como um dosprincípios regentes das relações internacionais do Brasil. Ressaltando-se também que a Constituição Federal de 1988 incluiu, dentre os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil fosse signatário, conforme afirma seu artigo 5o, § 2o: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". Verifica-se ainda na Constituição de 1988 inúmeros dispositivos que reproduzem fielmente enunciados constantes dos tratados internacionais de Direitos Humanos. Isto pode ser exemplificado referenciando-se o disposto no art. 5º, III, da Constituição de 1988, que, ao prever que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento cruel, desumano ou degradante", reproduz literalmente o artigo 5º da Declaração Universal de 1948, o artigo 7º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e, ainda, o artigo 5º, da Convenção Americana. Em 1989, portanto, um ano após a promulgação da Constituição Federal, foi sancionada a Lei 7.853, de 24 de outubro, dispondo sobre o apoio às pessoas com deficiência, sua integração na sociedade e assegurando o seu pleno exercício dos direitos individuais e sociais. Embora a legislação brasileira, se comparada a outros países, pode ser considerada avançada no que diz respeito às garantias sociais de participação igualitária da pessoa com deficiência nas várias esferas da sociedade, a realidade revela que tais direitos têm sido sistematicamente violados; seja na rede pública ou privada, seja nas instituições federais, estaduais ou municipais; demonstrando uma certa ineficácia das normas legais quanto à essa temática. 27 Diante dessa realidade, temas como direitos humanos fundamentais das pessoas com deficiência têm sido constantemente foco de debate em grupos de estudos e norteiam a elaboração de políticas públicas, projetos e programas, nos quais onde se destaca, especialmente, na sociedade contemporânea, o direito à locomoção. Ainda na vertente dos direitos humanos a liberdade de locomoção da pessoa com deficiência configura como direito essencial e imprescindível. Neste prisma, as políticas públicas, em seu sentido estrito, são os programas de ação governamental voltados à concretização de direitos, consubstanciando-se em instrumentos de conversão de interesses na direção do atendimento de objetivos comuns, que servirão de pilar à edificação de uma coletividade de interesses; sendo assim, Bucci citado por Bigio (2009) declara que, numa definição estipulativa, entende-se que toda política pública corresponde a um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular; constituindo o fim da ação governamental, as metas nas quais se desdobra esse fim, os meios alocados para a realização das metas e, finalmente, os processos de sua realização. Pela legislação brasileira, toda pessoa, incluindo aquelas que apresentam deficiências, têm direito ao acesso à educação, à saúde, ao lazer e ao trabalho. Desta forma, as pessoas devem ser percebidas com igualdade, implicando assim no reconhecimento e atendimento de suas necessidades especificas. 2.3 Direito à locomoção: Garantia constitucional A Constituição Federal no art.5º, assegura o direito de ir e vir à todas as pessoas independentemente de raça, cor, sexo e religião. Etimologicamente, conforme reza o art.3º, inciso I, do Decreto 3.298/1999 e o art.2º da Lei 10.098/2000, entende-se por acessibilidade: [...] a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. 28 Diante de tal concepção, acessibilidade compõe o conceito de cidadania, no qual os indivíduos têm direitos assegurados por lei que devem ser respeitados, entretanto, muitos destes direitos esbarram em barreiras arquitetônicas e sociais (MANZINI et al., 2003). Um espaço construído, quando acessível a todos, é capaz de oferecer oportunidades igualitárias a todos os usuários (BITTENCOURT et al., 2004). No entanto, as pessoas com deficiência para exercerem seus direitos fundamentais e fortalecerem sua participação como cidadãos, necessário se faz a busca pela efetivação do direito à acessibilidade em edificações de uso público (PAGLIUCA et al., 2007). Sendo assim, verifica-se que, a garantia da acessibilidade encontra-se intimamente relacionada a eliminação de barreiras arquitetônicas como também todas aquelas que impedem ou dificultam que a pessoa com deficiência possa usufruir a vida com segurança e autonomia, fundamento basilar desse direito (ALMEIDA, 2010). Em face da sua limitação, o portador de deficiência física pode se deparar com barreiras arquitetônicas, entre elas a ausência do rebaixamento do meio-fio; as obras no espaço público; as mesas e cadeiras de bar em calçadas; as jardineiras com saliências; as escadarias; a falta de corrimão nas escadas; a ausência de rampas; as ruas e calçadas estreitas; os declives acentuados; os pisos esburacados e/ou escorregadios; os desníveis nas calçadas; a vegetação em lugares inadequados; as placas e letreiros em locais inconvenientes; a falta de placas de advertência, de sinalização de pisos, de botoeiras nos semáforos; a altura inadequada de maçaneta, interfones e telefones; a falta de estacionamento privativo e sinalizado; a ausência de banheiros públicos e de transportes coletivos apropriados para deficientes físicos (JUNIOR-LOPES; FARO, 2006; MASSARI, 2005). Em decorrência de sua relevância, o direito à locomoção encontra respaldo legal em inúmeras leis e decretos que buscam a efetivação de medidas tendentes a garantir a acessibilidade plena das pessoas com deficiência. Segundo a Lei Federal 10.048/2000, em seu art.4º, define que os logradouros e sanitários públicos, bem como os edifícios de uso público, terão normas de construção, para efeito de licenciamento da respectiva edificação, baixadas pela autoridade competente, destinadas a facilitar o acesso e uso desses locais pelas pessoas portadoras de deficiência, conforme condições mínimas de acessibilidade, Portaria 002/2005 e Recomendações n.11/2006, em anexo. 29 Vale ressaltar que, a partir da Lei n. 10.098/2000, ficam estabelecidas normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, sendo que, segundo seu art. 1º, a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida será alcançada mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação. Entretanto, apenas no ano de 2004, através da edição do Decreto Federal n. 5.296/2004, a precitada Lei foi efetivamente regulamentada. Neste sentido, de acordo com lição de Lima (2006, p.1), fica estabelecido sobre locomoção de pessoas com deficiência em espaços públicos e privados, que: a) o planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos demais espaços de uso público deverão ser concebidos e executados de forma a torná-los acessíveis para as pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida; b) as vias públicas, os parques e os demais espaços de uso público existentes, assim como as respectivas instalações de serviços e mobiliários urbanos deverão ser adaptados, obedecendo-se ordem de prioridade que vise à maior eficiência das modificações, no sentido de promover mais ampla acessibilidadeàs pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida; c) o projeto e o traçado dos elementos de urbanização públicos e privados de uso comunitário, nestes compreendidos os itinerários e as passagens de pedestres, os percursos de entrada e de saída de veículos, as escadas e rampas, deverão observar os parâmetros estabelecidos pelas normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT; d) os banheiros de uso público existentes ou a construir em parques, praças, jardins e espaços livres públicos deverão ser acessíveis e dispor, pelo menos, de um sanitário e um lavatório que atendam às especificações das normas técnicas da ABNT; e e) todas as áreas de estacionamento de veículos, localizadas em vias ou em espaços públicos, deverão ser reservadas vagas próximas dos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção. Desse modo, fica evidenciado que, no Brasil, a política de inclusão social das pessoas com deficiência existe desde a Constituição de 1988, originando a Lei n° 7.853/1989 (regulamentada pelo Decreto n° 3.298/ 1999). Destaca-se, pois, que, tais documentos, junto a outros, com destaque para as Leis n° 10.048 e 10.098, de 2000 e o Decreto n° 5.296/2004, conhecido como o “D ecreto da Acessibilidade”, coloca o país em igualdade com o ideário da Convenção da ONU. 30 Todavia, apesar da legislação existente e do conjunto de normas disponíveis, fica evidenciado que a maioria dos Estados brasileiros não atender efetivamente às necessidades da acessibilidade de maneira eficaz. 31 3 DESAFIOS DOS CADEIRANTES FRENTE AO DIREITO À LOCOMOÇÃO 3.1 Locomoção dos Cadeirantes na cidade de Teresina O tema abordado neste estudo tratou sobre a análise jurídica dos direitos de locomoção dos cadeirantes na cidade de Teresina – Piauí e usando como forte de pesquisa bibliográfica, mas para melhorar a abordagem realizou-se uma pesquisa de campo de abordagem descritivo-analítico e de natureza qualitativa. Realizou-se à luz de estudos bibliográficos, análises e fichamentos ao longo do processo de construção. Para melhor fundamentar o tipo de pesquisa qualitativa, buscou-se esclarecer que esta nos remete a uma realidade meramente interpretativa, na qual cabe um estudo mais revelador dos problemas a serem investigados. A presente pesquisa definiu-se de natureza qualitativa que segundo Moreira (2006, p.73), “[...] explora as características que não podem ser fielmente descritas numericamente”. Neste mesmo horizonte, valorizou-se a linha de pensamento que emprega a pesquisa descritiva, pois esta se reflete a aquisição de causa e efeito do fenômeno estudado. A pesquisa de campo foi realizada junto a 10 (dez) cadeirantes freqüentadores do Centro Integrado de Reabilitação (CEIR), na cidade de Teresina – PI. Além disso, foi realizada ainda uma entrevista junto a Assessoria Jurídica e ao Serviço Social da referida entidade. Para compor essa pesquisa, requisitou-se o estudo de campo, de forma a examinar e garantir a realidade fidedigna dos sujeitos investigados, através da aplicação de uma entrevista semi-estruturada (Apêndice A), que de acordo com Andrade (2001) constitui um instrumento eficaz na recolha de dados fidedignos para a elaboração de uma pesquisa. De acordo com Triviños (1995), a entrevista semi-estruturada é o melhor método para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessária, enriquecendo a investigação. 32 Os dados obtidos foram tabulados e processados por meio de programas para elaboração de gráficos e tabelas. 3.2 Análise de Dados Após coleta de dados, buscou-se a realização da análise dos referidos dados, fundamentando-se nos objetivos propostos na pesquisa; sendo interpretados à luz da teoria de Manzini et al (2003), Bittencourt et al (2004), Emmel; Castro (2003), Andrade et al (2007), Bigio (2009), Lacômica (2008), além de documentos legais e jurisprudenciais, dentre outros. Inicialmente, ao instigar os cadeirantes a respeito do conhecimento de seus direitos fundamentais, os sujeitos apresentaram os seguintes relatos: 40% 60% Tem conhecimento Não tem conhecimento Gráfico I – Conhecimento sobre Direitos Fundamentais Fonte: Pesquisa direta – CEIR, 2011. De acordo com os dados acima, percebe-se que, um número significativo de cadeirantes correspondente a 60% (sessenta por cento) não têm conhecimento de seus direitos, e quando têm, 40% (quarenta por cento) na maioria das vezes, não lutam por seus direitos, apesar de terem, consciência sobre os mesmos. Alguns relatos afirmam que, a maioria dos cadeirantes não tem motivação para buscar seus direitos, devido ao desrespeito enfrentado por estas pessoas. 33 Do mesmo modo, essa ausência de conhecimentos por parte dos cadeirantes é evidenciada também na fala do Serviço social do CEIR: Os cadeirantes não são conhecedores de seus direitos fundamentais, até mesmo porque esse reconhecimento é recente, mas de certa forma temos um avanço, porque essas pessoas agora fazem parte de grupos específicos para lutar pelos seus direitos ... além disso, a própria sociedade não reconhece seus direitos, e quando isso acontece, fica até mais difícil, mas claro, estamos em construção (Serviço Social / CEIR, 2011). Para melhor fundamentação, válido se faz mencionar ainda o relato da assessoria jurídica, que destaca o seguinte posicionamento: Segundo conhecimento dessa Assessoria Jurídica poderíamos dizer que nem todos os cadeirantes são cientes dos direitos que lhe são assegurados, especialmente quanto ao básico, que diz respeito, por exemplo, aos acessos nos locais como rampas, elevadores, dentre outros. Por outro lado, aqueles que detêm um pouco deste conhecimento, não vislumbram também que a todo direito se equivale um dever e que em certas ocasiões não há esta correspondência, mas sim prevalência destes direitos sobre os deveres, o que gera polêmica na segurança e garantia dos direitos a estes assegurados (Conceição Machado – Assessoria Jurídica / CEIR, 2011). Com vistas aos dados coletados, verifica-se a necessidade de implementar programas ou projetos que possam contribuir para a conscientização desses sujeitos acerca tanto de seus direitos como de seus deveres, tornando-os efetivos cidadãos em nossa sociedade. Ao questionar os sujeitos sobre a efetivação do respeito aos seus direitos fundamentais, o resultado obtido foi o seguinte: 34 10% 90% Há efetivação Não há efetivação Gráfico II – Respeito aos Direitos Fundamentais Fonte: Pesquisa direta – CEIR, 2011. Diante de tais resultados, verifica-se que os cadeirantes têm consciência de que têm seus direitos fundamentais desrespeitados, especialmente, no que se refere ao direito básico do cidadão, de ir e vir. Do mesmo modo, a assessoria jurídica do CEIR apresenta depoimento similar ao dos cadeirantes, afirmando que: Quanto ao respeito dos cadeirantes praticados por nossa sociedade, se faz pertinente relembrar que a nossa sociedade de um modo geral não é culturalmente trabalhada para respeitar os direitos do cidadão como um todo. Numa sociedade onde o preconceito ainda prepondera sob todos os aspectos, torna-se efetivamente difícil aceitar as diferenças. Portanto, o desrespeito nesta seara é muito mais que a falta de obediência às leis, mas de cunho histórico cultural da sociedade brasileira (Conceição Machado – Assessoria Jurídica / CEIR, 2011).Entretanto, embora os sujeitos entrevistados relatem a inexistência de respeito aos seus direitos intrínsecos, pode-se perceber uma significativa mudança no comportamento da sociedade, sendo que, gradativamente, os objetivos dessas pessoas estão sendo alcançados. Em nossos dias, a pessoa com deficiência está obtendo maior respeitabilidade, passando a ouvir seus anseios e necessidades, em decorrência, principalmente, da mudança comportamental da sociedade advinda do crescente número de pessoas com deficiência (BIGIO, 2009). Quando interrogados acerca das principais dificuldades dos cadeirantes hoje na sociedade, as respostas foram bastantes similares, conforme relatos abaixo: 35 20% 10% 70% Ônibus sem adaptação Barreiras arquitetônicas Aceitar os limites Gráfico III – Dificuldades dos Cadeirantes na Sociedade Contemporânea Fonte: Pesquisa direta – CEIR, 2011. Frente ao questionamento sobre as dificuldades dos cadeirantes na sociedade contemporânea, os relatos dos sujeitos entrevistados apontaram que o direito à acessibilidade corresponde ao principal aspecto, sendo que, a maior dificuldade reside na questão da adaptação das ruas, envolvendo adaptação de calçadas e rampas. Nesta perspectiva, reflexões sobre as dificuldades ao acesso pelas barreiras físicas são salutares, pois contribuem para o repensar de práticas e proposição de ações, que podem favorecer a promoção de saúde e qualidade de vida destes indivíduos, favorecendo a convivência e transformando atitudes e comportamentos, interferindo nas relações interpessoais e nos comportamentos das pessoas (LACÔMICA, 2008). Vale ressaltar que, consoante lição de Bigio (2009), [...] calçadas estreitas e esburacadas, muitas delas com "frades" ou jardineiras colocadas pelos próprios moradores, em flagrante desrespeito à legislação; meios-fios acima da altura permitida pelas normas técnicas; ausência de rampas de acesso a cadeirantes; sinais de trânsito destituídos de sensores de aproximação e afastamento interligados com sistema sonoro de alerta; número ínfimo de veículos adaptados destinados ao transporte coletivo. Estes são apenas alguns exemplos de barreiras físicas a que estão sujeitas as pessoas com deficiência no seu dia-a-dia. Além disso, Lacômica (2008) destaca que, barreiras arquitetônicas têm sido definidas como obstáculos construídos no meio urbano ou nos edifícios, que 36 impedem ou dificultam a livre circulação das pessoas que sofrem de alguma incapacidade transitória ou permanente (EMMEL; CASTRO, 2003); caracterizando- se por obstáculos aos acessos internos ou externos existentes em edificações de uso público ou privado. De acordo com o Manual de Acessibilidade da ABNT (2004), estes obstáculos são descritos como: Escadas sem corrimão e sem contraste de cor nos degraus; Ausência de corrimãos e/ou guarda-corpos normatizados; Ausência de banheiros adaptados, Ausência de rampas de acesso para cadeirante; Pouca iluminação; Ausência de orelhão, extintores de incêndio e caixas de correio adaptados a altura compatível com usuários de cadeira de rodas (a 1m do chão), ausência de sinalização tátil no chão, identificação desse mobiliário urbano pelos deficientes visuais; Falta de manutenção de ruas e calçadas, bueiros sem tampa ou grades de proteção; Salas de aula, teatros, anfiteatros e ginásios sem vagas ou espaços nos corredores entre as poltronas, carteiras, arquibancadas para cadeiras de rodas; Desníveis nas portas que sejam maiores que 5 cm; Portas e corredores estreitos (menor que 85 cm), catracas sem porta alternativa; Portas emperradas e com maçanetas roliças ao invés do tipo alavanca, principalmente em banheiros adaptados; Banheiros sem identificação escrita, ao invés de símbolo que designem o gênero (para identificação dos analfabetos) e em relevo (para deficientes visuais); Falta de abrigos para sol e chuva nos pontos de ônibus. No que se refere aos desafios enfrentados pelos cadeirantes, as respostas obtidas foram as seguintes: 50% 20% 30% Preconceito Inclusão social Acessibilidade Gráfico IV – Desafios enfrentados pelos Cadeirantes na Sociedade Contemporânea Fonte: Pesquisa direta – CEIR, 2011. 37 De acordo com os dados apresentados no gráfico acima, percebe-se que, o direito à acessibilidade é apontado como principal desafio a ser perseguido por nossa sociedade. Assim, vários estudos apontam a necessidade redução das barreiras arquitetônicas para promover a integração de pessoas com deficiência em todos os ambientes; demonstrando que na presença de barreiras a qualidade dos serviços prestados está comprometida e a legislação brasileira está desrespeitada, sendo necessário então, reconhecer os direitos legítimos e legais da acessibilidade e integração social das pessoas e promover mudanças (EMMEL; CASTRO, 2003; MANZINI et al., 2003; BITTENCOURT et al., 2004; ANDRADE et al., 2007). Diante de tais resultados, verifica-se que as pessoas com deficiência apesar de grande parte conhecer seus direitos intrínsecos, estas pessoas não tem esses direitos reconhecidos e respeitados, confrontando-se com inúmeras dificuldades e desafios, especialmente relacionadas ao direito à acessibilidade. 38 CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando o exposto, e tendo em vista que, o objetivo precípuo da presente monografia corresponde ao aprofundamento do saber alcançado durante a vida acadêmica, a temática abordada justifica-se pela constante preocupação em se tratar a respeito dos direito de locomoção dos cadeirantes na cidade de Teresina – Piauí. Desse modo, concluiu-se que, foram alcançados os objetivos previamente propostos, abordando a análise jurídica dos direitos de locomoção como uma das garantias essenciais do cidadão constituindo uma das premissas do estado democrático de direito. A revisão da literatura apresentou a trajetória para que se pudesse alcançar tais objetivos. É sabido que, os direitos humanos representam tema bastante complexo e polêmico, haja vista que, estes constituem característica imprescindível para a efetivação de um estado democrático de direito, em que as pessoas possam ter asseguradas sua cidadania, envolvendo assim, o direito de locomoção como direito que integra a referida cidadania, contemplando assim a dignidade da pessoa humana. O estudo bibliográfico e de campo evidenciou um número significativo de cadeirantes que não apresentam conhecimento a respeito de seus direitos, haja vista, o reconhecimento de tais direitos é bastante recente na história da humanidade; demonstrando a necessidade da efetivação da implementação de programas ou projetos que possibilitem a conscientização dessas pessoas enquanto cidadãos em nossa sociedade. Diante dos dados coletados, verificou-se certa conscientização por parte dos cadeirantes quanto ao desrespeito aos seus direitos essenciais, em que se destaca o direito básico do cidadão à locomoção. Todavia, pode-se perceber uma gradual e significativa mudança comportamental na sociedade contemporânea, tendo em vista, o crescimento do número de pessoas com deficiência e sua respeitabilidade. 39 No tocante às principais dificuldades dos cadeirantes hoje na sociedade, averiguou-se que o direito à acessibilidade corresponde ao principal aspecto apontado pelos entrevistados. Com isso, torna-se relevante refletir sobre as dificuldades ao acesso pelas barreiras físicas, contribuindo para a promoção da saúde, qualidade de vida e inclusão social. Verificou-se ainda como principal desafio enfrentado pelos cadeirantes, o direito à acessibilidade, emergindo, com isso, a necessidade redução das barreiras arquitetônicascom vistas a integração de pessoas com deficiência em todos os ambientes. Destaca-se a necessidade de maior fiscalização do poder público municipal, como por exemplo, a cidade de São Paulo, que recentemente sancionou uma lei que, a cada metro quadrado de calçada, que não estiver nos padrões adequados receberá o proprietário uma multa equivalente ao valor variável de R$ 96,33 a R$ 300,00. A Lei 15.442, de 09 de setembro de 2011, também determina que a área da calçada reservada à passagem livre dos pedestres passe de 0,9 m (noventa centímetros) para 1,2 m (um metro e vinte centímetros). Mediante o estudo realizado, conclui-se que, a presente pesquisa ora delineada representa uma oportunidade de refletir e analisar os direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente, relacionadas ao direito à locomoção das pessoas com deficiência, trazendo informações importantes para a formação acadêmica dos estudantes de Direito, assim como colaborar para toda a sociedade. Portanto, entende-se como imprescindível uma efetiva reflexão acerca do direito à locomoção adequando os preceitos legais e sociais, através do estabelecimento de uma legislação que prime pela dignidade da pessoa humana, especificamente, no que diz respeito ao seu direito de ir e vir. 40 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Marlúcia Gomes Evaristo. A acessibilidade em sua acepção plena. II Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com deficiência. 14 jul.2010. ALMEIDA, Ana Lúcia de Jesus. A pessoa com deficiência em Portugal e Brasil: desafios para ações em saúde. Hygeia Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, v.2, n.3, p.47-56, 2006. ALMEIDA, P.C. et al. Barreiras arquitetônicas no percurso do deficiente físico em hospitais de Sobral, Ceará. Revista Eletrônica de Enfermagem, v.8, n.2, p.205-212, 2006. Disponível em: www.fen.ufg.br/revista. Acesso em: 11 out.2011. AMIRALIAN, Maria L.T. et al. The concepto f disability. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v.34, n.1, p.97-103, 2000. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php. Acesso em: 12 set.2011. ANDRADE, Maria Margarida. Introdução à metodologia do trabalho cientifico. Elaboração de trabalhos na graduação. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. ANDRADE, M.S.A.; et al. Pessoas com deficiência rumo ao processo de inclusão na educação superior. 2007. Artigo eletrônico. Disponível em: <http://www.fasb.edu.br/revista/index /php/conquer.article/view/pdfinterstitial27/0 >. Acesso em: 14 set.2011. ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. AZEVEDO, Eduardo Veras. Os Direitos Humanos dos Policiais e das Vítimas de Crimes em Face da Criação do Estado Democrático de Direito. Brasília: 2007. BIGIO, Luiz Renato Junqueira. A pessoa com deficiência, o princípio da igualdade e as políticas públicas no setor de transporte coletivo urbano no município do Rio de Janeiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2012, 3 jan. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12170>. Acesso em: 8 nov. 2011. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 14. ed. Rio de Janeiro: Campos, 1992. BITTENCOURT, L. S. et al.. Acessibilidade e Cidadania: barreiras arquitetônicas e exclusão social dos portadores de deficiência física. ANAIS DO 2º CONGRESSO BRASILEIRO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, 2, Belo Horizonte, 2004. Anais... Belo Horizonte, 2004. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/educonl/arquivos/ anais/congresso >. Acesso em: 7 out.2011. 41 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 1997. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,1988. _______. Decreto Nº 3256/2001. Disponível em: www.jusbrasil.com.br. Acesso em: 12 ago.2011. _______. Decreto Nº 3298/1999. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 17 ago.2011. _______. Lei 7853 de 24 de outubro de 1989. _______. Lei 5296/2004 _______. Lei 10.048 e 10.098/ 2000 CONCEIÇÃO, Selma Regina de Souza Aragão. Direitos humanos: do mundo antigo ao Brasil de todos. Rio de Janeiro: Forense, 1990. CONSTRUIR NOTÍCIAS. N° 16, Ano 03, Maio/junho, 2004 . EMMEL, E.M. G; CASTRO, C.B. Barreiras arquitetônicas no campus universitário: o caso da UFSCAR. In: MARQUEZINI, M. C. et al.. (Org.). Educação física, atividades lúdicas e acessibilidade de pessoas com necessidades especiais. Londrina: Uel, 2003. p.177-183. (Coleção Perspectivas Multidisciplinares em Educação Especial. v.9) FIGUEIRA, Emílio. Caminhando em silêncio: uma introdução à trajetória das pessoas com deficiência na história do Brasil. 1.ed. São Paulo: Giz Editora, 2008. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito de locomoção da pessoa portadora de deficiência no meio ambiente urbano. Revista de Direito, Rio de Janeiro, v.4, n.7, jan./jun., 2000. FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A ONU e seu conceito revolucionário da pessoa com deficiência. 24 out.2011. Disponível em: www.ampid.org.br. Acesso em: 30 out. 2011 GARCIA, Vinícius Gaspar. As pessoas com deficiência na História. 26 set.2011. Disponível em: vggarcia30.blogspot.com. Acesso em: 10 out.2011. GUGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e sua relação com a história da humanidade. Data: 03 out.2011. Disponível em: www.ampid.com.br Acesso em: 17 out.2011. HONDA, Fernando Yonaha. Welfare State: o estado de bem-estar social. 4 nov.2003. Disponível em: intervox.nce.ufrj.br. Acesso em: 12 out.2011. 42 JUNIOR LOPES, M.; FARO, A. C. M. Deficiências e educação inclusiva. Mundo da Saúde, Brasília, v.30, n.1, p.45-51, 2006. LACÔMICA, Dionísia Aparecida Cusin. Acessibilidade em ambiente universitário: identificação de barreiras arquitetônicas no campus da USP em Bauru. Revista Bras. Educ. Espec., v.14, n.2, Marília, Mai./Jun., 2008. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. LIMA, Luiz Henrique. Acessibilidade para pessoas portadoras de deficiências: requisito da legalidade, legitimidade e economicidade das edificações públicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1233, 16 nov. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9167>. Acesso em: 9 nov. 2011 MANSO, Maria Elisa Gonzalez. Código Civil. Data: Mai/2003. Disponível em: jusnavegandi.com.br. Acesso em: 14 ago.2011. MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A Integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon, 1997. MANZINI, E. J. et al.. Acessibilidade em ambiente Universitário: identificação e quantificação de barreiras arquitetônicas. In: MARQUEZINI, M. C. et al. (Org.). Educação física, atividades lúdicas e acessibilidade de pessoas com necessidades especiais. Londrina: Uel, 2003. p.185-192 (Coleção Perspectivas Multidisciplinares em Educação Especial, v. 9). MASSARI, S.A. A igualdade começa pelo acesso na cidade. 2005. [online]. Disponível em: http://www.deficiente.com.br/novo. Acesso em 18 out.2011. MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2002. MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia da Pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP & A, 2006. PAGLIUCA, Lorita Marlena et al. Acessibilidade e deficiência física: identificação de barreiras arquitetônicas em áreas internas de hospitais de Sobral, Ceará. Revista Esc. Enferm. USP, 2007, v.41, n.4, p.581-8. Disponível em: www.scielo.br/pdf/reeusp/ Acesso em: 15 set.2011. PEREIRA. Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios.
Compartilhar