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Psicologia da Aprendizagem 4ª edição Rio de Janeiro UVA 2016 Leila de Carvalho Mendes Luiza Alves Ferreira Portes 4ª edição Rio de Janeiro UVA 2016 Psicologia da Aprendizagem Copyright © UVA 2014 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. ISBN: 978-85-65812-34-4 Autoria do Conteúdo Leila de Carvalho Mendes Luiza Alves Ferreira Portes Design Instrucional Diana Ferreira de Melo Projeto Gráfico UVA Diagramação Raphaela Saules Revisão Tássia Braga Janaina Vieira Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA. Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho. M538p Mendes, Leila de Carvalho Psicologia da aprendizagem [livro eletrônico] / Leila de Carvalho Mendes. – 4. ed. – Rio de Janeiro : UVA, 2016. 514 KB ISBN: 978-85-65812-34-4 Disponível também impresso. 1. Psicologia da aprendizagem. I. Universidade Veiga de Almeida. II. Título. CDD – 153.15 SUMÁRIO Apresentação..............................................................................................................7 Sobre as autoras..........................................................................................................8 Capítulo 1 - Principais correntes teóricas do desen- volvimento humano e o contexto escolar..................9 Desenvolvimento e aprendizagem na escola................................10 Correntes teóricas do desenvolvimento e da aprendizagem e suas contribuições para a prática escolar..............................................14 As teorias do desenvolvimento e da aprendizagem e a dinâmica escolar.........................................................................................................25 Referências......................................................................................................30 Capítulo 2 - Teoria Psicogenética de Jean Piaget.......31 A aprendizagem e o desenvolvimento em Piaget.....................32 Etapas do desenvolvimento cognitivo em Piaget.........................36 Contribuições à dinâmica escolar.........................................................40 Referências....................................................................................................43 Capítulo 3 - A perspectiva sociocultural de Lev Vygotsky...................................................................45 Introdução à teoria sociocultural. Conceitos básicos. Desenvolvi- mento e aprendizado.................................................................................46 Pensamento e linguagem.......................................................................49 ZDP e contribuições à dinâmica escolar..............................................52 Referências....................................................................................................57 Capítulo 4 - A afetividade em Henry Wallon e a teoria das Inteligências Múltiplas de H. Gardner..................59 A afetividade em Wallon...........................................................................60 A teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner...........................66 Contribuições à dinâmica escolar.........................................................70 Referências....................................................................................................74 Considerações finais........................................................75 7 APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Este livro trata da Psicologia da Aprendizagem, propiciando-lhe apro- fundar seus conhecimentos a respeito das grandes correntes teóricas sobre o desenvolvimento e a aprendizagem: o inatismo, o comporta- mentalismo e o interacionismo. Essas teorias vão contribuir para que você compreenda melhor as práticas escolares e, a partir daí, possa in- tervir de forma mais adequada em sua prática educacional cotidiana, sempre que necessário. Além disso, você terá a oportunidade de conhecer um pouco mais a teoria psicogenética de Piaget, a teoria sócio-histórica de Vygotsky e as Inteligências Múltiplas de Gardner. Esses três pesquisadores apresen- tam perspectivas diferentes sobre o desenvolvimento e a aprendizagem e embora tenham, cada qual, sua especificidade, todos contribuíram so- bremaneira para a educação. Apesar de apresentarmos três teóricos que se debruçaram sobre o de- senvolvimento cognitivo, nenhum deles negligenciou o papel da afetivi- dade. Por isso, dedicamos uma seção desta obra para refletir um pouco sobre o assunto, pois já dizia Piaget que existe o motor e o funciona- mento do motor, referindo-se à afetividade e à cognição. Desejamos que você aproveite ao máximo esta experiência e que a lei- tura desta obra promova uma oportunidade de reflexão sobre os conte- údos abordados, contribuindo efetivamente para o seu enriquecimento cultural e acadêmico. ........................................................................................................... ...................................................................................................................................................................................................................... 8 SOBRE AS AUTORAS Leila de Carvalho Mendes é mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (2004) com a dissertação “A Repre- sentação do professor sobre a inteligência: possíveis implicações na prática pedagógica”; é também psicopedagoga e professora de Língua Portuguesa. Possui experiência de mais de 30 anos como docente e coordenadora na Educação Básica e desde 2000 atua como docente em cursos de graduação e pós-graduação, tendo se dedicado também a produzir conteúdos para EAD. Atualmente, atua no grupo de pesquisa do CNPq: Cognição, Linguagens e Construção da Leitura, e coordena um segmento de uma instituição da rede privada. Luiza Alves Ferreira Portes é mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, tem licenciatura em Pedagogia e especialização em Docência do Ensino Superior pela Associação de En- sino Superior São Judas Tadeu. Tem experiência na área educacional: docência nas redes pública e particular. Atuou como diretora geral e do ensino fundamental do Instituto Superior de Educação do Rio de Janei- ro. Atualmente é pesquisadora do CNPq na área de Educação, membro do Conselho Científico da Associação Brasileira de Tecnologia Educa- cional - ABT. Na Universidade Veiga de Almeida - UVA, é coordenadora do curso de Pedagogia, assessora pedagógica da pró-reitoria acadêmi- ca. Na mesma instituição, é autora do projeto do curso de pós-gradua- ção em Educação e Tecnologia EAD e da disciplina Fundamentos Epis- temológicos da Aprendizagem EAD. Na área empresarial é consultora em Gestão do Conhecimento, elaboração de projetos, cursos e oficinas, assessora técnico-pedagógica de ONGs. 9Desenvolvimento e aprendizagem na escola ...................................................................................................................................................................................................................... CAPÍTULO 1 PRINCIPAIS CORRENTES TEÓRICAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E O CONTEXTO ESCOLAR Este capítulo trata das principais correntes teóricas do de- senvolvimento e da aprendizagem: inatismo, comportamen- talismo e interacionismo. Estudando-as, você compreenderá melhor aspráticas peda- gógicas e terá chances de desenvolver uma atuação mais consciente. Assim, leia com atenção e tente contextualizar suas expe- riências pessoais e profissionais com os tópicos aqui apre- sentados. Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar10 ...................................................................................................................................................................................................................... DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM NA ESCOLA Durante muito tempo, a escola centrou sua atenção no en- sino, sendo a aprendizagem vista como uma questão de método. Para tal, os professores e os responsáveis e com- prometidos com a ação educativa centravam sua preocu- pação e atenção na busca do método mais “eficaz”. Por outro lado, historicamente, o ensino sempre esteve muito próximo de uma concepção limitada e empobrecida, comu- mente chamada de “tradicional”, cujo conteúdo é entendi- do como o de “transmitir conteúdos”. É preciso destacar que, principalmente após a década de 1980, houve um aumento significativo de debates, encon- tros e seminários em diversas áreas que terminaram por contribuir com a educação, reorientando-a. Esses estudos ti- raram o foco do ensino, deslocando-o para a aprendizagem. A aprendizagem não apresentava dificuldades nas situa- ções rotineiras. É na escola que ela começa a se tornar um problema. A aprendizagem que nos contextos informais flui naturalmente, na instituição escolar, frequentemente, constitui um entrave. Daí a constatar-se a ineficiência da aprendizagem nesse contexto. Conteúdos distantes do co- tidiano, objetivos desconhecidos, alunos desinteressados e rebeldes trazem, constantemente, sérios problemas para os professores. 11Desenvolvimento e aprendizagem na escola ...................................................................................................................................................................................................................... As práticas escolares, explícita ou implicitamente, contêm uma teoria sobre o desenvolvimento e a aprendizagem que pode ser entendida como um corpo teórico que se apoia em um conjunto de ações determinadas por um objetivo, consciente ou não. As grandes correntes teóricas do desenvolvimento e da aprendizagem — o inatismo, o comportamentalismo e o interacionismo — permitem compreender que tanto o de- senvolvimento quanto a aprendizagem são explicados de formas distintas. Dependendo da teoria que se adote, o co- nhecimento pode ser entendido como inato, como externo ao indivíduo e ainda como uma construção. Apesar de as três correntes ainda apresentarem exemplos expressivos nas práticas escolares, é o interacionismo, teoricamente, a abordagem que mais reúne adeptos. Os dois pesquisadores que estão na origem dessa corrente são Piaget e Vygotsky. PIAGET (2003) estabeleceu as bases da Epistemologia Ge- nética e elaborou um protótipo de desenvolvimento da inteligência apoiado na biologia. Para o autor, o desenvol- vimento é fruto de alguns fatores, dentre eles, o fator de equilibração. O movimento de equilibração, por sua vez, ao se desenvolver, alcança níveis diferenciados de desenvol- vimento, denominados por ele de “variantes funcionais”: as etapas do desenvolvimento. Dessa forma, a criança se desenvolve para aprender. Já Vygotsky (2004), outro importante teórico da educação, defende outra forma de se compreender o desenvolvimen- Lev Semenovich Vygotsky (1896–1934) Professor de Literatura na Universidade deMoscou. A partir de 1924, sua carreira mudou drasticamente, passando Vygotsky a dedicar-se à Psicologia evolutiva, à Educação e à Psicopatologia. A partir daí, concentrou-se nessas áreas e produziu obras em ritmo intenso até sua morte prematura em 1934, devido à tuberculose. Jean Piaget (1896-1980) Nome mais influente no campo da educação durante a segunda metade do século XX. Porém, ele sempre frisou que não existe um método Piaget, aliás, ele nunca atuou como pedagogo. Ele foi biólogo e dedicou a vida à observação científica rigorosa do processo de aquisição de conhecimento pelo ser humano, particularmente a criança. Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar12 ...................................................................................................................................................................................................................... to e, como consequência, um modo diferenciado de se en- tender a educação. Para ele, a interação social é a origem e o motor da aprendizagem. Ao contrário de Piaget, para Vy- gotsky aprendemos para nos desenvolver. Vygotsky deixa claro que é na atividade prática que as funções psíquicas se desenvolvem, sendo estas sempre mediadas pela lingua- gem. Para este autor, não há representação de mundo, mas (re)interpretações de mundo. Analisando a contribuição desses autores para entender como a aprendizagem se processa, infere-se que o conceito de desenvolvimento-aprendizagem varia de acordo com o teórico adotado; no entanto, é possível uma aproximação dos mestres, visto os dois conceberem o conhecimento como uma construção (guardando cada qual suas peculia- ridades). Não há dúvida de que os alunos precisam apren- der a investigar, dominar as diferentes formas de acesso à informação, desenvolver a capacidade crítica de avaliar, reunir e organizar as informações a fim de produzir co- nhecimento para que a verdadeira aprendizagem aconteça. Assim, o ensino não poderá estar calcado meramente na transmissão de conteúdos e informações. Ele deverá ir muito além, possibilitando a construção e a reconstrução de conhecimentos, desenvolvendo, assim, a autonomia do estudante. O papel do professor é o de garantir a manutenção de um diálogo permanente e, de acordo com o que acontece em cada momento, deve propor situações–problema, desa- fios, desencadear reflexões, estabelecer conexões entre o conhecimento adquirido e os novos conceitos, entre o ocorrido e o pretendido. 13Desenvolvimento e aprendizagem na escola ...................................................................................................................................................................................................................... Além do que, com o avanço da tecnologia, o conhecimen- to é cada vez mais construído coletivamente. Desse modo, esse é o desafio que se coloca para os educadores da socie- dade contemporânea. 14 ...................................................................................................................................................................................................................... Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar CORRENTES TEÓRICAS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA ESCOLAR Com o objetivo de se ter uma melhor compreensão sobre o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem, é necessá- rio que examinemos as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem já formuladas: o inatismo, o comportamen- talismo e o interacionismo. Essas abordagens revelam concepções diferentes para explicar as dimensões bio- lógicas, culturais e afetivas do ser humano, assim como a forma pela qual o homem aprende e se desenvolve. Inatismo Também conhecida como apriorista ou nativista, a aborda- gem inatista, inspirada nas ideias da filosofia racionalista, fundamenta-se na crença de que as capacidadesbásicas de todo ser humano (personalidade, comportamento, poten- cial, formas de pensar e de conhecer) são inatas, isto é, já se encontram prontas ao nascer, ou estão potencialmente determinadas, dependendo apenas do amadurecimento do indivíduo para se manifestar. Desse modo, são definidores da constituição do ser humano e do seu processo de co- nhecimento os fatores maturacionais e hereditários. Con- sequentemente, essa corrente desconsidera as interações socioculturais na formação das estruturas comportamen- tais e cognitivas do sujeito, sendo o desenvolvimento pré- -requisito para o aprendizado e para o desenvolvimento mental e cognitivo desde o nascimento. 15Correntes teóricas do desenvolvimento e da aprendizagem e suas contribuições para a prática escolar ...................................................................................................................................................................................................................... Essa abordagem pode trazer comprometimento ao aspecto pedagógico na medida em que a educação, pouco ou quase nada altera determinações inatas, pois a criança já se en- contra pronta ou não para realizar determinada aprendiza- gem. Ao professor, só resta esperar. Segundo Rego (1995): Esse paradigma promove uma expectativa signi- ficativamente limitada do papel da educação para o desenvolvimento individual, na medida em que considera o desempenho do aluno fruto de suas ca- pacidades inatas. O processo educativo fica, assim, na dependência de seus traços comportamentais ou cognitivos. Desse modo, acaba gerando um certo imobilismo e resignação provocados pela convicção de que as diferenças não serão superáveis pela edu- cação. (p. 87) Na escola, no que diz respeito ao desempenho intelectual e à forma de compreender o comportamento do aluno de modo geral, podemos identificar as consequências da abordagem inatista: as formas de manifestação do com- portamento das crianças, tais como agressividade, impe- tuosidade, passividade ou sensibilidade têm poucas chan- ces de se alterarem, porque acabam sendo interpretadas como preconcebidas, inatas. Os pressupostos inatistas fundamentam um trabalho pe- dagógico “pouco desafiador e que, na maioria das vezes, subestima a capacidade intelectual do aluno, na medida em que seu sucesso ou fracasso depende quase exclusiva- mente de seu talento, aptidão, dom ou maturidade”, como nos afirma Rego (1995, p. 87). Portanto, ao não dar credi- bilidade ao papel interveniente e mediador do professor, desconfiando do valor da educação, sua função fica restri- ta ao respeito às diferenças individuais, aos desejos, aos 16 ...................................................................................................................................................................................................................... Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar interesses e capacidades manifestadas pelo indivíduo, e ao esforço individual proveniente das características inatas. A criança que tiver algumas qualidades e aptidões básicas, isto é, pré-requisitos como inteligência, esforço, atenção, interesse ou mesmo responsabilidade, terá sucesso no pro- cesso de escolarização, mas aquelas que não tiverem serão responsabilizadas pelo fracasso na escola, e, no máximo, sua família; e não a sua relação com o contexto social mais amplo, nem tampouco a dinâmica interna da escola. Comportamentalismo A filosofia positivista de base empirista fundamenta a cor- rente denominada comportamentalista, behaviorista ou ambientalista, e postula que a constituição das caracterís- ticas humanas é de responsabilidade exclusiva do ambien- te e destaca a experiência social como fonte exclusiva de conhecimento e de formação de hábitos de comportamen- to. Sendo assim, as características individuais são deter- minadas por fatores externos ao indivíduo; de acordo com essa concepção, portanto, por meio das relações que o in- divíduo estabelece socialmente, desenvolvimento e apren- dizagem ocorrem simultaneamente. Pavlov e Skinner são destaques do behaviorismo, ainda praticado em nossas escolas: 17Correntes teóricas do desenvolvimento e da aprendizagem e suas contribuições para a prática escolar ...................................................................................................................................................................................................................... Ivan P. Pavlov (1849-1936) – Precursor do com- portamentalismo Estudou a salivação de cães,1 conseguindo elaborar, assim, uma teoria de aprendizagem baseada em es- tímulos condicionados e respostas condicionadas. Podemos citar, como exemplo: se o cão ficar com fome por muito tempo, ele irá salivar diante de um alimento que lhe seja apresentado; ou, simplesmen- te, diante da pessoa que costuma alimentá-lo ou até mesmo ao ouvir seus passos. Segundo Cunha (2002, p. 5): O que Pavlov quis mostrar é que tudo que apren- demos deve ser explicado pelo modo como es- tímulos ambientais e internos - do sistema nervoso mesmo - são dispostos para produzir respostas. Esse modelo de aprendizagem cha- ma-se condicionamento e pode ser observado com facilidade em nosso dia a dia. De modo se- melhante ao cão de Pavlov, também salivamos ao ver os pratos sobre a mesa, mesmo antes de servida a refeição, o que significa termos passa- do por um processo de condicionamento. (p. 5) 1Se um estímulo qualquer, como o som de uma campainha, fosse emitido junto com a carne a um cão com fome, o animal salivava. Com o tempo, o animal passava a salivar diante do som mesmo na ausência da carne. Pavlov intitulou resposta condicionada a esse tipo de salivação controlada por um estímulo que antes era neutro – o som da campanhia – a esse som, então, intitulou estímulo condicionado. (CUNHA. 2002, p. 48-50) 18 ...................................................................................................................................................................................................................... Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar SKINER e a teoria do condicionamento operante Skinner defende que a aprendizagem é uma associação entre estímulos e respostas (E-R) e respostas-estímulo (R-E) – as- sociação que ocorre devido aos reforços e punições. A essa sequência de eventos, Skinner2 chamou de contingências do reforço (apud DAVIDOFF, 1983, p. 178-184). Os reforços estão divididos em dois grupos: o positivo e o negativo. Reforço positivo ocorre quando o estímulo associado à situação aumenta a probabilidade de ocorrência de resposta. Reforço negativo se dá quando o estímulo é retirado da situação, no entanto, aumenta a ocorrência de respos- ta devido à experiência reforçadora na qual ocorreu o estímulo (DAVIDOFF, 1983, p. 178-184). 2 Burrhus Skinner, psicólogo norte-americano, nascido em 1904 e falecido em 1990 (DAVIDOFF, p. 175). 19Correntes teóricas do desenvolvimento e da aprendizagem e suas contribuições para a prática escolar ...................................................................................................................................................................................................................... O que é defendido, então, é que o meio não estimula unica- mente o comportamento, mas que também contribui para a seleção dos comportamentos por meio da análise das consequências. O comportamento é fundamentalmente re- gulado pelos resultados das nossas ações e são esses resul- tados que ocupam um lugar privilegiadona aprendizagem. Segundo Skinner (1986): Se vamos usar os métodos da ciência no campo dos assuntos humanos, devemos pressupor que o com- portamento é ordenado e determinado. Devemos esperar descobrir que o que o homem faz é o re- sultado de condições que podem ser especificadas e que, uma vez determinadas, podemos antecipar e até certo ponto determinar as ações. (SKINNER apud MIZUKAMI, p. 22) Defensoras da concepção de que a aprendizagem está cen- trada apenas nos comportamentos objetivamente obser- váveis, as teorias comportamentalistas negligenciam as atividades mentais — “o exercício das operações mentais está na estrita dependência do estímulo” (BECKER, 2001, p. 264). O comportamento, então, pode ser modificado por meio da seleção prévia de experiência e da manipulação do meio. A aprendizagem é definida, simplesmente, como a aquisi- ção de um novo comportamento, garantido por uma pro- gramação de experiências curriculares, as quais definem previamente o produto desejado, isto é, a experiência pla- nejada é a base do conhecimento. 20 ...................................................................................................................................................................................................................... Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar Pode-se constatar o impacto dessa abordagem na educação nos programas realizados com o objetivo de estimular e intervir no desenvolvimento das crianças das classes po- pulares que, assistencialistas e compensatórios, buscam suprir as “carências sociais” dos indivíduos. Neste contex- to, fica subentendida a ideia de que cabe à escola não so- mente formar e transformar o indivíduo, mas também se incumbir de corrigir os problemas sociais. Os procedimentos didáticos e os conteúdos não precisam ter nenhuma relação com o cotidiano do aluno e, muito menos, com as realidades sociais. Na postura pedagógica, que supervaloriza a “cultura geral” (a que se estabeleceu e que deve ser transmitida hegemonicamente), cabe ao educando — imaturo e inexperiente — apenas ouvir pas- sivamente e executar prescrições que lhes são fixadas por autoridades externas. A prática pedagógica comportamentalista, para garantir a apreensão do conhecimento, valoriza o trabalho indivi- dual, a concentração, o esforço pessoal e a disciplina. A troca de informações, as dúvidas e a comunicação entre os alunos em sala de aula são vistas como falta de respeito, bagunça, dispersão, indisciplina e “conversas paralelas”. Portanto, privilegia-se a interação adulto-criança, sendo aquele visto como modelo perfeito que deve ensinar e mol- dar o caráter, o comportamento e o conhecimento. Para alcançar a eficiência no ensino e na aprendizagem, o ensino, centrado no professor, deverá ser rigoroso e exi- gente na tarefa de direcionar, punir, treinar, vigiar, organi- zar conteúdos e recursos de ensino. 21Correntes teóricas do desenvolvimento e da aprendizagem e suas contribuições para a prática escolar ...................................................................................................................................................................................................................... O professor (elemento central e único detentor do conhe- cimento) é quem corrige, avalia e julga os resultados e comportamentos dos alunos. Ele prioriza seus “erros e di- ficuldades” para que ambos sejam eliminados. A aprendizagem se confunde com a memorização de um conjunto de conteúdos desarticulados, neste paradigma, por meio da repetição de exercícios de fixação e cópia, estimulados por elogios e recompensas (reforço positivo) ou notas baixas, castigos etc (reforço negativo). O método se baseia na exposição verbal, análise e conclusão do con- teúdo, por parte do professor, e a verificação da aprendi- zagem se dá por meio de avaliações periódicas, que são utilizadas como “instrumentos de controle e de checagem da necessidade de reformulação das técnicas utilizadas” (REGO, 1995, p. 91). Assim, nessa concepção, é exclusivamente por meio das relações que os alunos estabelecem de forma controlada com os objetos de seu meio físico, que a construção de conhecimento se dá. Dessa forma, compreende-se que um ambiente rico de estímulos proporcionará por isso desa- fios e aprendizagens. Nas palavras de Rego (1995): [...] baseado nesses pressupostos, se fundamenta na convicção de que o desempenho e as características individuais do aluno são resultantes da educação recebida em sua família e do ambiente socioeconô- mico em que vive. Muitas vezes, as causas de suas dificuldades na escola são atribuídas, exclusiva- mente, aos fatores do universo social, tais como: a pobreza, a desnutrição, a composição familiar, a cri- se econômica que o país atravessa; o ambiente em 22 ...................................................................................................................................................................................................................... Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar que se vive, violência na sociedade atual, influência da televisão, etc. (p. 91-92) Diante do exposto, fica claro o caráter determinante da edu- cação formal na modificação do sujeito, que deverá prepa- rá-lo para enfrentar as supostas “carências” decorrentes de um meio social não alinhado à cultura científica. Ainda é importante destacar que tanto a concepção inatista como a comportamentalista reforçam a ideia de um deter- minismo prévio, por razões inatas ou adquiridas, causando um grande impacto sobre as práticas pedagógicas. Por outro lado, provocam, também, uma espécie de perple- xidade e imobilismo no sistema educacional, pois desvalori- zam as práticas escolares na medida em que a aprendizagem já está determinada ou por fatores inatos ou adquiridos. Interacionismo Tanto Piaget quanto Vygotsky podem ser compreendidos como autores interacionistas, o conhecimento se dá por meio da interação, embora cada qual resguarde suas espe- cificidades. Piaget (1896–1980) estava empenhado em explicar como a inteligência humana se desenvolve e como se dá a cons- trução do conhecimento desde o nascimento do indivíduo. Estabeleceu as bases da teoria a qual chamou de Episte- mologia Genética.3 Para ele, o conhecimento é gerado a partir de uma interação do sujeito com seu meio (objeto), 3Estudo da gênese e o desenvolvimento das estruturas lógicas do sujeito em interação com o objeto de aprendizagem, ou seja, o estudo do proces- so de construção dos conhecimentos. 23Correntes teóricas do desenvolvimento e da aprendizagem e suas contribuições para a prática escolar ...................................................................................................................................................................................................................... a partir de estruturas previamente existentes no indivíduo. Dessa forma, a aquisição de conhecimentos depende tanto de certas estruturas cognitivas, inerentes ao próprio sujei- to, como de sua relação com o objeto, não priorizando ou prescindindo de nenhuma delas. Isto porque a epistemolo- gia genética tem como objetivo explicar não o sujeito em si mesmo, mas sim as etapas de sua formação. Nessa linha, a aprendizagem é subordinada ao desenvol- vimento cognitivo, que passa por sucessivos estágios de acordo com as diferentes fases do indivíduo, em que as operações mentais ressaltam a atividade do sujeito, pre- dominando em cada estágio, respectivamente, a atividade motora, a perceptivae a atividade mental, acrescentando- -se, ainda, a atividade verbal. Embora o sociointeracionismo defenda uma outra forma de se compreender a origem e a evolução do psiquismo humano e, como consequência, um modo diferenciado de se entender o processo de aprendizagem, o conhecimento também é fruto de uma interação, mas, ao contrário de Piaget, toda interação com o meio é um processo mediado por instrumentos. Vygotsky, inspirado nos princípios do materialismo dialé- tico de Karl Max (1818–1883) e Friedrich Engels (1820– 1895), considera o desenvolvimento da estrutura humana como um processo de apropriação da experiência histórica e cultural. Desde o nascimento da criança, o aprendizado está relacionado ao desenvolvimento, e é “[...] um aspec- to necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e es- ...................................................................................................................................................................................................................... 24 ...................................................................................................................................................................................................................... Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar pecificamente humanas” (VYGOTSKY apud KOHL, p. 56). Afirma, ainda, que o desenvolvimento do indivíduo é defi- nido, em parte, pelo processo de maturação do organismo, que é inerente à espécie humana. No entanto, é o apren- dizado que desperta os processos internos de desenvol- vimento. Portanto, o aprendizado segue um percurso que vai do externo para o interno, do social para o individual. Uma vez que o ser humano cresce em um ambiente social, a interação com outras pessoas é fundamental para o seu desenvolvimento. 25As teorias do desenvolvimento e da aprendizagem e a dinâmica escolar ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM E A DINÂMICA ESCOLAR Dependendo da teoria do desenvolvimento e da aprendi- zagem que se adote, tendo o professor consciência ou não, a prática pedagógica ficará marcada pela teoria escolhida. A abordagem inatista pode trazer comprometimentos ao aspecto pedagógico, na medida em que a educação pouco ou quase nada altera as determinações inatas, posto que o aluno já está “pronto”, ou seja, o desenvolvimento é fruto de capacidades inatas, e o processo educativo dependente do desenvolvimento cognitivo. No que diz respeito ao desempenho intelectual e à forma de compreender o comportamento do aluno de um modo geral, as formas de manifestação do comportamento das crianças, tais como agressividade, impetuosidade, passivi- dade ou sensibilidade, têm poucas chances de se altera- rem, porque acabam sendo interpretadas como inatas. Desse modo, os pressupostos inatistas servem como justi- ficativas para um trabalho pedagógico “pouco desafiador e que, na maioria das vezes, subestima a capacidade inte- lectual do aluno, na medida em que seu sucesso ou fra- casso dependa quase que exclusivamente de seu talento, aptidão, dom ou maturidade”. Portanto, ao não dar credi- bilidade ao papel interveniente e mediador do professor, desconfiando do valor da educação, sua função fica restri- ta ao respeito às diferenças individuais, aos desejos, aos interesses e capacidades manifestadas pelo indivíduo, e ao esforço individual provenientes das características inatas. 26 ...................................................................................................................................................................................................................... Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar As teorias comportamentalistas, defensoras da concepção de que a aprendizagem centra-se apenas nos comportamen- tos objetivamente observáveis, negligenciam as atividades mentais. O comportamento só pode ser modificado a partir da seleção prévia de experiência e da manipulação do meio. A aprendizagem é definida como a aquisição de um novo comportamento garantido por uma programação de expe- riências curriculares, as quais definem previamente o pro- duto desejado, ou seja, a experiência planejada é a base do conhecimento. Na educação podemos constatar o comportamentalismo nos programas realizados com a finalidade de estimular e intervir no desenvolvimento das crianças das classes po- pulares. Dentro de uma postura assistencialista e compen- satória, as práticas visam a suprir as “carências sociais” dos indivíduos. Diante desse contexto, os procedimentos didáticos e os conteúdos não precisam ter nenhuma relação com o coti- diano do aluno, e muito menos com as realidades sociais. A prática pedagógica, que supervaloriza a “cultura geral” (a que se estabeleceu e que deve ser transmitida hegemo- nicamente), delega ao educando, devido à sua imaturida- de e inexperiência, apenas ouvir passivamente e executar prescrições que lhes são fixadas por autoridades externas. Assim, há a valorização do trabalho individual, da concen- tração, do esforço pessoal e da disciplina. Já em relação às trocas de informações, às dúvidas e à comunicação entre os alunos em sala de aula, as mesmas são vistas como falta de respeito, bagunça, dispersão, indisciplina e “conversas 27As teorias do desenvolvimento e da aprendizagem e a dinâmica escolar ...................................................................................................................................................................................................................... paralelas”. Portanto, privilegia-se a interação adulto-crian- ça, que é vista como o modelo perfeito que deve ensiná-la a moldar seu caráter, comportamento e conhecimento. Des- te modo, o ensino será centrado no professor que, com o objetivo de alcançar a eficiência no ensino e na aprendiza- gem, deverá ser rigoroso e exigente na tarefa de direcionar, punir, treinar, vigiar, organizar conteúdos e recursos de ensino. Por ser elemento central e único detentor do conhecimen- to, o professor é quem corrige, avalia e julga os resultados e comportamento dos alunos. Ele prioriza seus “erros e dificuldades” para que ambos sejam eliminados. É importante destacar que a aprendizagem se confunde com a memorização de um conjunto de conteúdos desar- ticulados, por meio da repetição de exercícios de fixação e cópia, estimulados por elogios e recompensas (reforço positivo) ou notas baixas, castigos etc (reforço negativo). O método se baseia na exposição verbal, análise e conclu- são do conteúdo por parte do professor. E a verificação da aprendizagem se dá por meio de avaliações periódicas, que são utilizadas como instrumentos de controle. Como vimos, nessa concepção é exclusivamente por meio das relações que as crianças estabelecem de forma contro- lada com os objetos de seu meio físico que a construção de conhecimento se dá. Dessa forma, compreende-se que um ambiente rico de estímulos proporcionará por isso de- safios e aprendizagens. 28 ......................................................................................................................................................................................................................Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar Diante do exposto, fica claro o valor determinante da edu- cação formal na modificação do sujeito, que deverá prepa- rá-lo para enfrentar as supostas “carências” decorrentes de um meio social não alinhado à cultura científica, como vimos em Rego. No entanto, é importante destacar que tanto a concepção inatista como a comportamentalista — abordagens distin- tas, uma vez que ambas reforçam a ideia de um determi- nismo prévio, por razões inatas ou adquiridas — causam um grande impacto sobre as práticas pedagógicas, particu- larmente para as alfabetizadoras, pois estas passam a ver a aprendizagem da leitura e da escrita como uma questão mecânica, ou seja, como aquisição de técnica para decifrar o texto. Por outro lado, provocam, também, uma espécie de perple- xidade e imobilismo no sistema educacional, pois as práti- cas pedagógicas não são valorizadas. Os postulados de interacionistas, como os de Vygotsky e Piaget, vão trazer novo vigor à escola. Tanto Vygotsky quanto Piaget consideram que o conhecimento se constrói por meio da interação. Embora os dois tenham posicio- namentos diferentes sobre como essa interação se dá, o importante aqui é o fator “construção”. O conhecimento não é inato, nem está pronto no meio. Ele é construído. Dessa forma, a escola assume um papel central para o de- senvolvimento e para a aprendizagem do aluno, cabendo ao professor proporcionar essas interações para promover o desenvolvimento e a aprendizagem. Trabalhos em grupo e com os pares, dinâmicas que possibilitem que os alunos interajam e troquem suas experiências são bem-vindas, as- 29As teorias do desenvolvimento e da aprendizagem e a dinâmica escolar ...................................................................................................................................................................................................................... sim como as trocas com os professores. O importante é que o professor conceba o conhecimento como uma cons- trução e trate seus alunos sempre sob a perspectiva de que a escola tem um papel fundamental no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças e dos jovens. Neste capítulo, você estudou as teorias do desenvolvimen- to e da aprendizagem: inatismo, comportamentalismo e interacionismo. No inatismo, vimos que os fatores inatos são determinan- tes para o desenvolvimento e a aprendizagem e, portan- to, resta à escola somente oferecer um ambiente propício para que o sujeito se desenvolva. Já no comportamentalismo, ao contrário, é o meio que de- termina o desenvolvimento e a aprendizagem. Se no ina- tismo o determinismo se deve a fatores hereditários, no comportamentalismo o determinismo é social. Por fim, conhecemos o interacionismo de Piaget e Vygot- sky. Para os autores, o conhecimento é uma construção que se deve tanto a fatores inatos quanto a fatores do meio. Assim, a escola assume um papel importante para o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos, pois, não havendo o determinismo, há muito a se fazer. ...................................................................................................................................................................................................................... 30 ...................................................................................................................................................................................................................... Principais correntes teóricas do desenvolvimento humano e o contexto escolar REFERÊNCIAS BECKER, Fernando. Ensino e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001. DAVIDOFF, Linda. Introdução à Psicologia. McGraw-Hill, São Paulo: 1983, p. 178-184 GOULART, Íris Barbosa. A educação na perspectiva cons- trutivista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. GROSSI, Esther Pillar. Construtivismo Pós-Piagetiano. Petró- polis, RJ: Vozes, 1995. MATUI, Jiron. Construtivismo. São Paulo: Editora Moderna, 1995. MIZUKAMI, Maria da Graça. Ensino: as abordagens do pro- cesso. São Paulo: EPU, 2001. OLIVEIRA, Marta Kohl. de. A abordagem de Vygotsky: prin- cipais postulados teóricos. In: AUTOR. Piaget e Vygotsky: implicações educacionais. São Paulo: Secretaria de Estado da Educação, CENP, 1999-2000. PIAGET, J. A construção do real na criança. São Paulo: Ática, 2003. REGO,Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico- -cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. Brasília: Ed. UNB, 2003. THORNDIKE, E. Educational Psychology: The Psychology of learning. New York: Teachers College Press, 2010. 31A aprendizagem e o desenvolvimento em Piaget ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ CAPÍTULO 2 TEORIA PSICOGENÉTICA DE JEAN PIAGET Este capítulo trata da teoria psicogenética de Jean Piaget. Primeiro, apresentaremos uma pequena introdução; de- pois estudaremos o desenvolvimento e a aprendizagem em Piaget, seguidos das etapas do desenvolvimento cogni- tivo e, por último, as contribuições à dinâmica escolar. As- sim, estude com atenção e tente aplicar suas experiências pessoais e profissionais aos conceitos vistos. 32 ...................................................................................................................................................................................................................... Teoria Psicogenética de Jean Piaget A APRENDIZAGEM E O DESENVOLVIMENTO EM PIAGET Piaget nasceu em 1896 em Nechãtel, na Suíça, e morreu em Genebra, em 1980, deixando mais de uma centena de livros e artigos publicados em periódicos e revistas. Certamente, Piaget foi um dos grandes vultos do século XX, tendo suas pesquisas transformado a psicologia e a pedagogia. Jean Mairie Dolle afirma que “Piaget representa para a inteli- gência o que Freud representa para a afetividade” (DOLLE, 13, 1974). Mas Piaget tem sido pouco compreendido, talvez pela complexidade de sua obra, e mais conhecido apenas pela teoria dos “estágios”. Sua contribuição, no entanto, não se resume a isso. Piaget elaborou uma teoria do desenvolvi- mento complexa apoiada em um modelo biológico, que vai explicar como a inteligência se desenvolve, partindo não só das estruturas inatas, mas também da interação do sujeito com o objeto do conhecimento. A teoria piagetiana pode ser entendida como uma metáfo- ra dos processos biológicos, mas Piaget não negligenciou o papel do meio social (interações e transmissões sociais) nem o das experiências pessoais no desenvolvimento, ar- rolando-os como fundamentais no processo, junto com a maturação do sistema nervoso, as experiências físicas e lógico-matemáticas e, principalmente, do fator de equili- bração, que integra todos os precedentes (MENDES, 2003). Equilibração O conceito de equilibração é uma das bases da teoria de Piaget, para quem o desenvolvimento cognitivo ocorre por meio de constantes adaptações. Mas como isso acontece? Na equilibração estão envolvidos o funcionamento constante e as estruturas variáveis, como veremos adiante. 33A aprendizagem e o desenvolvimento em Piaget ......................................................................................................................................................................................................................Podemos resumir o funcionamento constante da equilibra- ção como uma ação que visa a adaptar: o sujeito está em equilíbrio, e para que seja desequilibrado, é essencial que haja uma vontade que desperte o seu interesse, e, a par- tir daí, o mesmo mobilize alguma ação. Ao agir, ele acaba atuando com o meio, modificando-o, dando nova forma a si próprio, adaptando-se a esse meio e alcançando nova- mente o estado de equilíbrio. Desenvolvimento e aprendizagem Para Piaget (1985), o desenvolvimento é uma evolução e a inteligência [...] constitui o estado de equilíbrio no sentido a que tendem todas as adaptações sucessivas […] (1983:21). Em uma palavra, para Piaget, inteligência é adaptação. Para entender melhor a frase citada, recorreremos a um quadro conceitual mais amplo da teoria de Piaget. O sujeito nasce equipado com um sistema de reflexo, de origem biológica. Logo, o reflexo é inato. No entanto, para continuar existindo, o reflexo precisa de uma utilidade e funcionamento. Os que não funcionam, extinguem-se com o tempo, mas os que permanecem, não funcionam mecanicamente (E-R), implicando uma assimilação e uma acomodação ao meio e, assim, originando os esquemas (MENDES, 2003). Os esquemas são estruturas mentais construídas pelo su- jeito. Alguns se modificam ao longo da vida e dão origem a novos esquemas, outros tornam-se operatórios, se con- servam, funcionam “automaticamente”, sem, no entanto, tornarem-se estáticos e inflexíveis. É pelo funcionamento 34 ...................................................................................................................................................................................................................... Teoria Psicogenética de Jean Piaget do esquema cuja característica é possuir uma função re- produtiva, generalizadora e reprodutora que o mesmo se torna operatório, possibilitando liberar o pensamento para esquemas mais complexos. Os esquemas figurativos (como os ligados à memória, os perceptivos, os tátil-cinestésicos) estão mais relacionados à memória, com predominância da função de acomodação, embora todo o esquematismo da inteligência também este- ja presente. Os segundos, os esquemas operativos (puxar, pegar, balançar), estariam mais ligados ao funcionamento da inteligência em si, ao processo de assimilação e esta- riam mais relacionados a todo o esquematismo da inteli- gência, embora não deixem de se relacionar aos aspectos figurativos, já que se conservam na memória. O movimento de assimilação/acomodação faz parte de um processo mais amplo, denominado equilibração (me- canismo responsável pelo funcionamento da inteligência), no qual dois aspectos estariam em jogo: o funcionamento constante e as estruturas variáveis. Para Piaget, o funcionamento constante, constituído pelas funções de organização (relação do pensamento consigo mesmo) e adaptação (relação do pensamento com o mun- do externo), é responsável pela incorporação dos dados do meio, modificando-os (assimilação) e, complementarmen- te, modificando-se (acomodação). Quando há equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, há adaptação, o que garante o desenvolvimento progressi- vo para formas mais equilibradas. 35A aprendizagem e o desenvolvimento em Piaget ...................................................................................................................................................................................................................... Assim, o sujeito se desenvolve incorporando os dados do meio e, complementarmente, modificando-se. Ao se de- senvolver, a inteligência assume formas mais equilibra- das. A essas formas mais equilibradas que a inteligência assume ao longo do desenvolvimento, Piaget denomina de “estruturas variáveis”. Assim, dependendo do estágio de desenvolvimento em que o sujeito esteja, ele será capaz de aprender ou não determinado conceito. Para Piaget, a aprendizagem é sempre dependente do desenvolvimento. 36 ...................................................................................................................................................................................................................... Teoria Psicogenética de Jean Piaget ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO EM PIAGET Baseado nas formas equilibradas que a inteligência assu- me ao longo do desenvolvimento, Piaget dividiu o desen- volvimento cognitivo em estágios caracterizados por uma estrutura de conjunto. As idades variam em função do meio social, das experiências pessoais, do processo de ma- turação do sistema nervoso e, principalmente, do fator de equilibração, mas a ordem de sucessão é constante. Esses estágios seriam, respectivamente: Os estágios do desenvolvimento de Piaget Sensório-Motor (0–2 anos) Na etapa inicial do desenvolvimento, que vai do nascimen- to aos dois anos de idade, aproximadamente, Piaget já identifica uma estrutura de conjunto no pensamento das 37Etapas do desenvolvimento cognitivo em Piaget ...................................................................................................................................................................................................................... crianças, como se houvesse uma lógica da ação que coor- denasse as atividades executadas. No entanto, falta à crian- ça a representação das ações, sendo o contato com o meio direto e imediato, configurando uma inteligência prática. Piaget dividiu este estágio em seis subestágios: Subestágio I – O exercício dos reflexos até um mês É a partir dos sentidos e da ação que a criança relaciona-se com o meio. A assimilação dá-se dessa forma: 1. Reprodutiva: assimilando o objeto à função. Quando, por exemplo, a criança suga o mamilo sem- pre que está próximo. 2. Generalizadora: assimilando extensivamente a objetos novos e variados. Um exemplo é quando a criança suga os objetos próximos à boca. 3. Reconhecedora: quando os componentes do es- quema motor reflexo diversificam-se em função das características do estímulo; por isso, dizemos que o indivíduo reconhece o objeto. Quando, por exem- plo, a criança diferencia o objeto que chupa e ali- menta daquele que chupa e não alimenta. Subestágio II – As primeiras adaptações adquiridas e a rea- ção circular primária (de um mês a quatro meses e meio) A reação circular primária é quando, por exemplo, o bebê faz algo não intencional, de maneira fortuita, que o agra- da, e tenta repetir a ação, surgindo assim, os primeiros hábitos. 38 ...................................................................................................................................................................................................................... Teoria Psicogenética de Jean Piaget Subestágio III – As adaptações sensório-motoras inten- cionais (quatro meses e meio a oito, nove meses) É muito ativa a assimilação generalizadora com os objetos. A criança explora com curiosidade utilizando esquemas conhecidos aos efeitos que antecipa, como por exemplo, ao chutar o chocalho, consegue que ele produza um som. Subestágio IV – A coordenação dos esquemas secundá- rios e sua aplicação às situações novas (dos oito, nove meses aos onze, doze meses) A criança já possui o esquema que faz a mediação entre o sucesso de uma meta associando-o a outro esquema. Por exemplo, quando o bebê vê sua bola correr para trás da cortina, retira a cortina (o obstáculo) para pegar o brin- quedo. Subestágio V – A reação circular terciária e a descoberta dos meios novos por experimentação ativa (dos onze, doze meses aos dezoito meses) Acriança descobre novas relações com os instrumentos e usa novos meios para atingir suas metas, realizando atos de inteligência e de solução de problemas. A assimilação já não é apenas repetição, e implica em uma nova relação en- tre meios e fins. Podemos dar um exemplo de uma criança que puxa o tapete para trazer a bola para si. Subestágio VI – A invenção dos meios novos por combi- nação mental (um ano e meio aos dois anos) A criança já não resolve os problemas tateando, mas refle- tindo. Podemos dar como exemplo uma criança que tenta subir em um banco e o mesmo se desloca; a criança, então, desce, coloca o banco em uma posição mais segura e volta a subir para concluir a ação iniciada. 39Etapas do desenvolvimento cognitivo em Piaget ...................................................................................................................................................................................................................... Pré-Operatório (2–7 anos) O que marca a entrada nesse período é o aparecimento da função semiótica, ou seja, a possibilidade de representar o mundo mentalmente. Essa nova função permite à criança reconhecer sua imagem no espelho, evocar os objetos em sua ausência e também fazer antecipações e regressões no tempo, libertando-a do presente imediato. Em relação ao pensamento lógico-matemático, a fase é marcada pelo pensamento pré-operatório, isto é, as ope- rações ainda estão centradas nas ações e o pensamento é egocêntrico. Assim, quando apresentamos um punhado de grãos juntos e outro punhado contendo menos grãos, mas espalhados e perguntamos à criança onde tem mais, ela se deixa levar pela percepção e aponta para o segundo monte. Operatório-Concreto (7–11 anos) Nesse período, a criança adquire a reversibilidade lógica, o que permite a descentralização mais rápida do pensamen- to. Dito de outra forma, a atividade cognitiva torna-se ope- ratória. Várias conservações serão elaboradas nessa fase, tanto físicas (conservação de substância, peso e volume) quanto espaciais (comprimento, superfície, volume espa- cial) e numéricas. É nesse período também que as classifi- cações, seriações e ordenações tornam-se operatórias. Operatório-Formal (11–15 anos) No período operatório formal, as deduções lógicas já podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos e o pensamento se torna hipotético-dedutivo. Diferente do período anterior, o jovem não necessita mais manipular os objetos concreta- mente, agora já realiza as operações de modo abstrato. 40 ...................................................................................................................................................................................................................... Teoria Psicogenética de Jean Piaget CONTRIBUIÇÕES À DINÂMICA ESCOLAR Na perspectiva piagetiana, a prática escolar deve possibi- litar o desenvolvimento da inteligência do sujeito selecio- nando atividades que demandem interação do mesmo com o objeto do conhecimento; os conteúdos e os procedimen- tos didáticos devem provocar situações que desequili- brem o aluno, desequilíbrios esses adequados ao nível de desenvolvimento em que se encontram. Por isso, o professor deve conhecer as características dos estágios, não só para poder verificar em que período o aluno se en- contra, mas também para poder desenvolver atividades que o desequilibrem e que, portanto, provoquem o desen- volvimento. Trabalhar com atividades adequadas ao nível não quer dizer que o professor não deva desafiar o aluno. Este deve ser sempre desequilibrado de acordo com o seu nível de desenvolvimento. Lembrando que, nessa abordagem, o desenvolvimento é o que propicia a aprendizagem, sendo papel da escola pro- mover o desenvolvimento por meio de situações-problema que desequilibrem o sujeito. Ao buscar adaptar-se à nova situação, o sujeito se desenvolve. Dessa forma, a perspectiva construtivista traz novas e significativas implicações para a educação, pois a prática educativa deve ser centrada na criança e adequar-se ao estágio de seu desenvolvimento, na medida em que esses estágios têm um ritmo próprio e sua evolução é respeitada. 41Contribuições à dinâmica escolar ...................................................................................................................................................................................................................... É importante ressaltar que o professor deve estar atento às “patologias” da equilibração: a hiperassimilação e a hi- peracomodação, pois trata-se de dois processos em que a adaptação fica comprometida. Se no primeiro a dificuldade do indivíduo é a de se modificar, já que tende a querer só modificar o meio, no segundo, a dificuldade é a de modifi- car o meio, tendendo a só se modificar. Assim, na hiperassimilação, temos aquelas crianças, jo- vens e mesmo adultos que são avessos às regras, que não gostam de perder nos jogos, que têm dificuldade de con- viver em grupo, uma vez que só querem que prevaleça a sua própria vontade. Nesse caso, há um peso maior nos processos de assimilação, comprometendo a adaptação. É possível que o professor consiga ajudar esse aluno a também acomodar, no entanto, algumas vezes, é necessá- ria a ajuda de um terapeuta. Os jogos costumam funcionar como bons instrumentos e a firmeza do professor é ele- mento fundamental. Já na hiperacomodação, ocorre o processo inverso: a crian- ça apresenta dificuldades para modificar o meio, apenas 42 ...................................................................................................................................................................................................................... Teoria Psicogenética de Jean Piaget modificando a si mesma. São aquelas crianças que tendem a memorizar o que aprenderam, sem conseguir estabele- cer relações e desenvolver uma postura crítica sobre os conteúdos. A atividade da aprendizagem está comprome- tida pela repetição mecânica. São geralmente tímidos e não conseguem se colocar frente à turma. Pode-se inferir que a responsabilidade pelo sucesso ou fra- casso dos discentes recai sobre o professor, pois é ele o responsável pelo processo e por criar situações interessan- tes e desafiadoras/desequilibradoras de aprendizagem. Segundo Portes (2005), nessa abordagem, o papel do pro- fessor/gestor é o de um mediador, desequilibrando o edu- cando e levando-o a questionar e a buscar as soluções das problemáticas apresentadas no ambiente corporativo, bem como no espaço escolar. Para Piaget: “Tudo o que se ensina à criança, a impede de inventar ou de descobrir.” Neste capítulo, tivemos a oportunidade de estudar um pouco da obra de Piaget. Iniciamos com uma apresentação de sua epistemologia, aprofundando os estudos sobre o mecanismo de equilibração, que envolve as estruturas va- riáveis e as invariantes funcionais. Vimos as relações en- tre a equilibração e o desenvolvimento e a aprendizagem e as características de cada estágio do desenvolvimento. Por último, estudamos as contribuições do autor para a prática pedagógica. 43 ...................................................................................................................................................................................................................... REFERÊNCIAS MENDES, Leila. A representação do professor sobre a in- teligência do aluno: possíveis implicações na prática peda- gógica. Dissertação (Mestrado em Educação)-Faculdade de Educação, PPGE. Rio de Janeiro, 2003. PIAGET, J. Psicologia da Inteligência. Rio de Janeiro:Zahar Editores, 1983. ...................................................................................................................................................................................................................... 44 45Introdução à teoria sociocultural. Conceitos básicos. Desenvolvimento e aprendizado ...................................................................................................................................................................................................................... CAPÍTULO 3 A PERSPECTIVA SOCIOCULTURAL DE LEV VYGOTSKY Neste capítulo, descreveremos a concepção sociointeracio- nista do desenvolvimento humano, que tem como principal representante Lev Semenovich Vygotsky. Esta concepção defende uma forma peculiar de se compreender a origem e a evolução do psiquismo humano e, como consequência, um modo diferenciado de se entender a educação. Inspirado nos princípios do materialismo dialético de Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895), Vygotsky considera o desenvolvimento da estrutura humana como um processo da apropriação da experiência histórica e cul- tural. Para o autor, desde o nascimento, o aprendizado está relacionado ao desenvolvimento, e é um aspecto especifica- mente humano, necessário e universal. O desenvolvimento, em parte, é definido pelo processo de maturação do orga- nismo, que é inerente à espécie humana. No entanto, é o aprendizado que desperta os processos internos de desen- volvimento cognitivo, o que para Vygotsky não ocorreria se não fosse o contato do indivíduo com o ambiente cultural. Portanto, para o autor, o aprendizado segue um percurso que vai do externo para o interno, do social para o indivi- dual, como você poderá verificar neste capítulo. 46 ...................................................................................................................................................................................................................... A perspectiva sociocultural de Lev Vygotsky INTRODUÇÃO À TEORIA SOCIOCULTURAL. CONCEITOS BÁSICOS. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZADO. Introdução à teoria sociocultural A teoria sociocultural do desenvolvimento humano tem como principal representante Lev Semenovich Vygotsky (1896–1934). Esta concepção pode ser considerada dife- rente, pois defende outra forma de se compreender a ori- gem e a evolução do psiquismo humano e, como conse- quência, um modo diferenciado de se entender o processo de desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem. Inspirado nos princípios do materialismo dialético de Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895), Vygot- sky considera o desenvolvimento da estrutura cognitiva humana, que é muito complexa, como um processo da apropriação da experiência histórica e cultural. Para o au- tor, desde o nascimento, o aprendizado está relacionado ao desenvolvimento, e é um aspecto necessário e univer- sal do processo de desenvolvimento. O desenvolvimento do indivíduo é definido, em parte, pelo processo de maturação do organismo, que é inerente à es- pécie humana. No entanto, é o aprendizado que desperta os processos internos de desenvolvimento, que, para Vy- gotsky, se não fosse o contato do indivíduo com o ambien- te cultural não ocorreriam. Portanto, o aprendizado segue um percurso do externo para o interno, do social para o 47Introdução à teoria sociocultural. Conceitos básicos. Desenvolvimento e aprendizado ...................................................................................................................................................................................................................... individual. Já que o ser humano cresce num ambiente so- cial, a interação com outras pessoas é fundamental para o seu desenvolvimento. Ao colocar a interação do indivíduo com o meio como ca- racterística definidora da constituição humana, Vygotsky rejeita, em alguns aspectos, as abordagens comportamen- talistas, inatistas e a concepção construtivista piagetiana, por colocarem ênfase exagerada nas pressões do meio e supervalorizarem o aspecto hereditário e maturacional. Nesse sentido, as proposições vygotskyanas — na medida em que indicam novas bases para a compreensão da ati- vidade humana — parecem apontar para a superação das oposições (inato/adquirido) consagradas no campo teórico da Psicologia. Segundo os pressupostos do autor, é importante ressaltar que o que ocorre nessa abordagem não é o somatório en- tre fatores inatos e adquiridos, mas, sim, uma interação dialética entre o ser humano e o meio social e cultural em que este se insere ao longo de sua trajetória de vida. O su- jeito internaliza as formas culturais e, ao mesmo tempo, as transforma e intervém em seu meio. Para Vygotsky, é na relação dialética com o mundo que o sujeito se constitui, aprende e se liberta. Fica subentendido que a noção de constituição do homem como ser histórico não é concebida gratuitamente e de for- ma imutável, mas, ao contrário, supõe um indivíduo ativo ...................................................................................................................................................................................................................... 48 ...................................................................................................................................................................................................................... A perspectiva sociocultural de Lev Vygotsky no processo de construção de si mesmo, da natureza e da história. Portanto, para o autor, é da atividade real desse ser que se deve partir, entendendo o “real” como o meio socio- cultural em que os sujeitos estão inseridos, para a partir daí se estudar o processo de seu desenvolvimento intelectual. Princípios do desenvolvimento e da apren- dizagem • O desenvolvimento da estrutura cognitiva hu- mana é um processo que se dá na apropriação da experiência histórica e cultural. • Desde o nascimento da criança, o aprendizado está relacionado ao desenvolvimento e é um as- pecto universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organiza- das e especificamente humanas. • O desenvolvimento do indivíduo, em parte, é definido pelo processo de maturação do organis- mo. • O aprendizado desperta os processos internos de desenvolvimento. • O aprendizado segue um percurso do externo para o interno, do social para o individual. • É na relação dialética com o mundo que o su- jeito aprende. • O sujeito tem papel ativo no processo de aprendizagem. 49Pensamento e linguagem ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ PENSAMENTO E LINGUAGEM Para Vygotsky, é por meio do estudo da origem e do desen- volvimento da espécie humana que se pode compreender as características do homem. Para isso, ele considerou o surgi- mento do trabalho e a formação da sociedade humana como sendo os fatores fundamentais de diferenciação das outras espécies. É no trabalho que desenvolvem-se atividades co- letivas e também a criação e a utilização de instrumentos. O instrumento é o elemento que está entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho e que pode ampliar as possibilida- des de transformação danatureza. O machado, o serrote, a escada, o garfo são instrumentos criados pelo homem. As- sim, o instrumento é feito para um determinado objetivo e carrega a função para o qual foi criado. A linguagem simbólica desenvolvida pela espécie huma- na tem papel similar ao dos instrumentos, pois tanto os instrumentos quanto os signos são construções da mente humana e estabelecem uma relação de mediação entre o homem e a realidade. Por essa similaridade, Vygotsky denominou os signos de instrumentos simbólicos, com especial atenção à lingua- gem, que para ele configurava-se em um sistema simbólico fundamental em todos os grupos humanos e elaborado no curso da evolução da espécie e história social. 50 ...................................................................................................................................................................................................................... A perspectiva sociocultural de Lev Vygotsky A linguagem é uma espécie de instrumento muito espe- cial, capaz de transformar os rumos de nossa atividade. Quando aprendemos a linguagem específica do nosso meio sociocultural, transformamos radicalmente os rumos de nosso próprio desenvolvimento, passando a linguagem de uma fase pré-intelectual do desenvolvimento da lingua- gem para uma linguagem racional e o desenvolvimento de uma fase pré-verbal do desenvolvimento do pensamento para um pensamento verbal. Para Vygotsky, pensamento e linguagem têm origens dife- rentes e desenvolvem-se de forma independente antes que ocorra estreita ligação entre os dois fenômenos. Quando o pensamento torna-se verbal e a linguagem racional, o pen- samento da criança passa a ter um modo de funcionamen- to mais sofisticado, mediado pela linguagem. No entanto, a linguagem, sem pensamento, continua a existir e também o pensamento sem linguagem, embora o pensamento ver- bal predomine. A linguagem, para Vygotsky, possui duas funções básicas. A primeira, de intercâmbio social. Os sistemas de linguagem são criados pelo homem para se comunicar com os seus se- melhantes. Já a segunda, a de pensamento generalizante, é responsável pelo ordenamento do real. Por exemplo, ao ser proferida a palavra gato em uma conversa, a mesma levará os interlocutores não só ao animal concreto, mas também a uma classe de animais. É a função do pensamento gene- ralizante que torna a fala um fenômeno do pensamento. “A linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o obje- to do conhecimento” (KOLL, 2000, p. 43). 51Pensamento e linguagem ...................................................................................................................................................................................................................... As pesquisas de Vygotsky sobre a aprendizagem tiveram na sua maior parte enfoque na Pedagogia. Os processos de desenvolvimento chamaram a atenção de Vygotsky, que sempre investigou novas formas de organização psicológi- ca, em vez de reduzir a estrutura de aprendizagem a ele- mentos constitutivos. A influência de Vygotsky na área educacional também vem crescendo cada vez mais, dando origem a experiências mais diversas. Não existe um método Vygotsky de ensino. Como Piaget, o psicólogo bielo-russo nos revela mais uma maneira de compreendermos como se constrói o processo de desenvolvimento humano e cognitivo do que um guia para os pedagogos. 52 ...................................................................................................................................................................................................................... A perspectiva sociocultural de Lev Vygotsky ZDP E CONTRIBUIÇÕES À DINÂMICA ESCOLAR Vygotsky parte do princípio de que a constituição do ho- mem como ser histórico não é concebida gratuitamente e de forma imutável, mas, ao contrário, supõe um indivíduo ativo no processo de construção de si mesmo, da natureza e da história. Portanto, para o autor, é da atividade real do sujeito que se deve partir para estudar o processo de seu desenvolvimento intelectual. É na atividade prática, na inte- ração entre o homem e a natureza, que as funções psíquicas, especificamente humanas, nascem e se desenvolvem. É a partir desse ponto que Vygotsky passa, então, a deter- -se na investigação dessas interações, postulando para tal o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que, para o autor: É a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução in- dependente de problemas, e o nível de desenvolvi- mento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (1988, p. 97) Depreende-se desse conceito que, para Vygotysky, o nível de desenvolvimento real da criança refere-se às etapas já conquistadas, ou seja, ao que ela é capaz de realizar de forma independente. Todavia, nos chama a refletir sobre o fato de que se desejarmos ter uma compreensão adequada acerca do desenvolvimento do indivíduo, será necessário 53ZDP e contribuições à dinâmica escolar ...................................................................................................................................................................................................................... considerar não apenas o nível de desenvolvimento real da criança, mas também o nível de desenvolvimento poten- cial, ou seja, sua capacidade de desenvolver tarefas com a ajuda de adultos ou colegas em estágios mais avançados, pois, para o autor, a “diferença entre o nível das tarefas realizáveis com o auxílio dos adultos e o nível das tare- fas que podem desenvolver-se com uma atividade inde- pendente define a área de desenvolvimento potencial da criança” (VYGOTSKY, 2001, p. 112, grifo nosso). Zona de Desenvolvimento Proximal Real Saberes já conti- tuídos do sujeito, que o ajudarão a questionar e a solucionar os pro- blemas de maneira independente. Mediação É o espaço onde o professor media, questiona, instiga e integra o sujei- to ao objeto de aprendizagem. Potencial Construção e apropriação do conhecimento a partir da interação com o meio social que potencializa a aprendizagem. Ao desenvolver o conceito de zona de desenvolvimento proximal, Vygotsky concede elementos fundamentais para a análise, reflexão e compreensão de como se dá o proces- so de integração entre ensino, aprendizagem e desenvolvi- mento. Neste sentido, sua obra ganha destaque e impor- tância para a educação. Apresentamos algumas implicações de suas ideias no cam- po educacional:41 4 Resumo baseado segundo a leitura dos livros de VYGOTSKY, Lingua- gem, desenvolvimento e aprendizagem, 2001, e de WADSWORTH, In- teligência e afetividade da criança na teoria de Piaget, 1997, p. 22-32. 54 ...................................................................................................................................................................................................................... A perspectiva sociocultural de Lev Vygotsky • A escola: a escola tem papel essencial para o desenvolvimento psicológico (VYGOTSKY, 1995, p. 116) dos indivíduos, pois o aprendizado impulsio- na o desenvolvimento. No entanto, este só ocorrerá adequadamente quando o ensino dirigir-se aos es- tágios de desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos. • O outro na construção do conhecimento: a cons- tituição do indivíduo não se deve apenas aos proces- sos de maturação orgânica, mas,
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