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O suicídio e a fragilidade das relações humanas para um diagnóstico da sociedade do capital em Karl Marx

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1 
 
O SUICÍDIO E A FRAGILIDADE DAS RELAÇÕES HUMANAS: para 
um diagnóstico da sociedade do capital em Karl Marx 
Autores: Ítalo Andrade Lima1 
Eduardo Jorge Oliveira Triandópolis2 
José Expedito Passos Lima3 
 
GT 03: Trabalho e produção no capitalismo contemporâneo 
 
RESUMO 
Consideramos nessa investigação a questão do suicídio, com base no pensamento de Karl Marx, valendo-se do 
pressuposto que o objeto aqui tratado não tem uma significação em-si, mas apresenta-se, antes do mais, como 
reflexo de uma crítica radical à sociedade moderna e a sua forma de constituição e desenvolvimento das relações 
interpessoais. Certamente que as causas do suicídio são diversas, todavia nossa investigação centrar-se-á no seu 
vinculo com o modo de vida e o fazer social, determinado histórico e socialmente pela forma capitalista de 
produção. Trata-se, portanto, de uma exposição relativa aos sintomas de um sistema social pautado na anarquia 
da produção, no estranhamento, como resultado de um processo produtivo que dissocia o produtor do produto de 
seu trabalho, na propriedade privada, na privatização dos meios de produção, no sistema de assalariamento e, 
consequentemente, na competição desmedida, no isolamento social, no desemprego, na miséria, e em tantas 
outras manifestações das múltiplas determinações próprias da natureza dessa forma histórica de produção. 
Destacamos que esse artigo deriva de uma pesquisa em andamento, tendo como objetivo principal uma reflexão 
acerca dos sintomas sociais, aqueles concernentes à crise do projeto moderno de desenvolvimento. Daí uma 
investigação acerca do diagnóstico de Karl Marx como um contraponto à degeneração dos liames sociais. 
Utilizaremos fundamentalmente o seu escrito intitulado Sobre o suicídio (1846), ressaltando a tese de uma 
unidade no desenvolvimento categorial dos escritos de Marx, compreendendo a totalidade de sua obra e, 
consequentemente, refutando àquela leitura que pretende uma total cisão entre o “jovem Marx” e os escritos 
relativos à sua “maturidade”. 
 
Palavras-chave: Suicídio. Capitalismo. Liames sociais. 
 
 
 
 
 
 
1 Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (CMAF/UECE). 
italoandrad27@hotmail.com 
2 Professor Adjunto do curso de Filosofia na Universidade Estadual do Ceará (UECE). 
3 Professor Adjunto do curso de Filosofia na Universidade Estadual do Ceará (UECE). 
2 
 
 
1. Apresentação da obra 
Entre os escritos de Karl Marx, existem, ainda, alguns poucos conhecidos do grande 
público, dentre eles podemos aqui ressaltar o texto intitulado Sobre o suicídio. Conforme 
Lowy, esse texto foi baseado em “passagens traduzidas para o alemão de Du suicide et des ses 
causes, um capítulo das memórias de Jacques Peuchet”4. 
 Peuchet (1758-1830) era advogado em Paris e membro do partido monarquista. 
Ocupou a direção do jornal monarquista Mercure, de Mallet Du Pan e no ano de 1800 
publicou o Géographie Commerçante. Após essa publicação foi indicado para ocupar um 
cargo no Conseil de Commerce et des Arts. Ocupou ainda cargo no ministério deFrançois 
Neufchâteau. Colaborou ainda para a elaboração dos seguintes textos: Statistique élémentaire 
de la France (1805), Description topographique et statistique de la France (1810-1811) e, les 
Mémoires tirés des archives de la Police de Paris (1837-1838). Assumindo o cargo de diretor 
do arquivo da policia no período da Restauração5. 
Seu escrito, Mémoires tirés des archives de la Police de Paris, diz respeito a um 
conjunto de relatos e testemunhos, baseados em documentos do arquivo da polícia, coletados 
e dispostos em forma de um livro e publicado posterior sua morte. Neste escrito estão 
dispostos casos policiais de sua época. Com base nesses escritos, Marx ano de 1846 resolve 
por reeditar tal escrito, por vezes modificando-os e acrescendo notas e comentários. Por isso, 
“não se trata de uma peça escrita pelo próprio Marx”6, mas trata-se de uma seleção de trechos 
extraídos da obra original, com modificações e acrescido de uma introdução realizada pelo 
próprio Marx7. 
Seguimos aqui a orientação de Lowy ao afirmar que: “o interesse de Marx pelo 
capítulo de Peuchet recaiu menos sobre a questão do suicídio como tal e mais sobre sua crítica 
radical da sociedade burguesa como forma de vida ‘antinatural’”8. Dessa maneira, 
compreendemos o escrito Sobre o suicídio não apenas como uma soma de relatos de causos 
policiais, mas entendemos conter ali uma crítica radical ao modo de vida burguês e os 
 
4 MARX, K. Sobre o Suicídio. [1846] Trad. Rubens Enderle e Francisco Fontanella. São Paulo: Boitempo, 2006, 
p. 13. 
5 Ver MARX, K. Sobre o Suicídio, p. 9 e http://www.1789-1815.com/peuchet.htm. 
6 MARX, K. Sobre o Suicídio, p. 13. 
7 Ver MARX, K. Sobre o Suicídio, p. 14. 
8 MARX, K. Sobre o Suicídio, p. 15. 
3 
 
impactos que essa forma de produção acarreta quer a constituição de individualidades plenas 
quer na constituição de um ideal comunitário pautado no momento efetivo necessário da 
emancipação e da recuperação do humano9. 
 
2. Notas sobre as relações sociais de produção na forma capitalista de produção e o 
cotidiano 
Em sua investigação sobre as formas de produção, Marx identifica que, antes de 
qualquer coisa, estas formas são constituidas por relações sociais de produção e, portanto, 
“sempre que falamos de produção, é à produção num estágio determinado do 
desenvolvimento social que nos referimos – à produção de indivíduos vivendo em 
sociedade”10. Dessa maneira, a investigação de Marx, centrar-se-á numa exposição crítica, 
com base no método materialista histórico-dialético, sobre as relações sociais de produção 
oriundas dessa forma específica de produção, desse modo, caracterizando que “suas 
contradições, as do capital, são mesmo tempo oposições reais e contradições lógico-dialéticas. 
Elas são contradições reais porque são oposições que concernem a idealidades objetivas”11. 
Notemos que Marx, ao tratar da contradição como oposições que concernem 
idealidades objetivas, este termo refere-se a duas noções de contradição: a primeira trata-se de 
uma situação logicamente contraditória, por isso seu momento de idealidade e, a segunda é 
aquela ligada as situações de conflitos e antagonismos sociais e econômicos. Tais situações 
devem ser entendidas como situações que se inter-relacionam de forma recíproca, num 
processo de múltipla determinação. Dessa maneira, Marx compreende que o “concreto é 
concreto porque é a sintese de multiplas determinações, portanto, unidade da diversidade. Por 
essa razão, o concreto aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não 
como ponto de partida, não obstante seja o ponto de partida efetivo”12. 
Em seu estudo sobre o capital, Marx ressalta que a “produção capitalista, encarada em 
seu conjunto, ou como processo de reprodução, produz não só mercadorias, não só mais-valia; 
 
9 MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. [1844] Trad. Jesus Raniere. São Paulo: Boitempo. 2004, p. 
114. 
10 MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. [1859] Trad. Maria Helena Barreiro Alves; revisão 
de tradução Carlos Roberto F. Nogueira, 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 227. 
11 FAUSTO, R. Marx: Lógica e Política I. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 295-296. 
12 MARX, K. Grundrisse. [1857-1858]. Trad. Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo; Rio de 
Janeiro: Ed. UFRJ, 2011, p. 54. 
4 
 
produz e reproduz a relação capitalista: de um lado, o capitalista e de outro, o assalariado”13. 
A forma capitalista de produção, portanto,tem como fundamento a relação de compra e venda 
de força de trabalho14, ou, conforme Marx, em uma 
relação de troca entre capitalista e trabalhador não passa de uma simples aparencia 
que faz parte do processo de circulação, mera forma, alheia ao verdadeiro conteúdo 
e que apenas o mistifica. A forma é a contínua compra e venda da força de trabalho. 
O conteúdo é o capitalista trocar sempre por quantidade maior de trabalho vivo uma 
parte do trabalho alheio já materializado, do qual se apropria ininterruptamente, sem 
dar a contrapartida de um equivalente15 
Essa relação entre conteúdo e forma, ou relação de oposição entre capital e trabalho, resulta 
na dependência da acumulação de capital em relação à expropriação do trabalho, portanto, 
uma relação que se exprime em uma oposição de um relação ao outro. Tomando como base a 
contradição imanente à forma de produção capitalista, Marx afirma que o 
desenvolvimento exato do conceito de capital é necessário, porque é o conceito 
fundamental da economia moderna, da mesma maneira que o próprio capital, cuja 
contraimagem abstrata é seu conceito, é o fundamento da sociedade burguesa. Da 
concepção rigorosa do pressuposto fundamental da relação tem de resultar todas as 
contradições da produção burguesa, assim como o limite em que a relação 
impulsiona para além de si mesma16 
Consideramos que as relações sociais de produção, na forma capitalista de produção é 
“uma relação que se esconde sob a aparência das coisas”17, ou mesmo “relações sociais entre 
seus trabalhos privados aparecem de acordo com o que realmente são, como relações 
materiais entre pessoas e relações sociais entre coisas, e não como relações sociais diretas 
entre indivíduos em seus trabalhos”18. Conforme Marx, “não deve esquecer-se de que a luta 
contra os efeitos, mas não contra as causas desses efeitos; que logra conter o movimento 
descendente, mas não fazê-lo mudar de direção; que aplica paliativos, mas não cura a 
enfermidade.”19 
 
13 MARX, K. O capital: crítica da economia política, Volume II. [1867] Trad. Reginaldo Sant’Anna, 5ª Ed. Rio 
de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1980, p. 660. 
14 Sobre o surgimento do capital e sua estrita correspondência com a relação de compra e venda de força de 
trabalho, Marx afirma que: “Só aparece capital quando o possuidor de meios de produção e de subsistencia 
encontra o trabalhador livre no mercado vendendo sua força de trabalho, e esta única condição histórica 
determina um período da história da humanidade. O capital anuncia, desde o início, uma nova época do processo 
de produção social.” MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Volume I. [1867] Trad. Reginaldo 
Sant’Anna, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1971, p. 190. 
15 MARX, K. O capital: crítica da economia política, p. 679. 
16 MARX, K. Grundrisse, p. 261. 
17 MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política, p. 19. 
18 MARX, K. O capital: crítica da economia política, p. 82. 
19 MARX, K. Para a Crítica da Economia Política; salário, preço e lucro; O rendimento e suas fontes: a 
economia vulgar. São Paulo: Nova Cultural, 1986, p. 126. 
5 
 
 A divisão da sociedade em classes (capitalistas e assalariados), expropriação da força 
de trabalho, a apropriação dos produtos do trabalho e a sujeição dos indivíduos ao produto de 
seu trabalho, em um processo em que a mercadoria aparece animada, constituem os 
fundamentos do trabalho estranhado e, portanto, da vida estranhada. Lukács afirma que 
É verdade que a divisão capitalista do trabalho destrói essa unidade imediata do 
homem, que a tendência básica do trabalho no capitalismo aliena o homem de si 
mesmo e de sua atividade. A economia política capitalista encobre intelectualmente 
este fato, como observado por Marx, precisamente a propósito do problema que 
agora nos ocupa, o capitalismo desconsidera a relação imediata entre os 
trabalhadores (o trabalho) e a produção -.20 
A vida econômica, produção capitalista, reflete sob o conjunto das relações 
socialmente estabelecidas, “as relações sociais entre seus trabalhos privados aparecem de 
acordo com o que realmente são, como relações materiais entre pessoas e relações sociais 
entre coisas, e não como relações sociais diretas entre indivíduos em seus trabalhos”21. O 
caráter social encontra-se intimamente ligado ao metabolismo de produção e reprodução do 
capital, “assim o homem se transforma cada vez mais em autômato, sofrendo passivamente a 
ação de leis sociais que lhe são totalmente exteriores”22. Lukács sustenta que: “já na vida 
cotidiana os fenômenos freqüentemente ocultam a essência de seu próprio ser, ao invés de 
iluminá-la”23. Segundo Goldmann 
É assim que nesse terreno fundamental da vida humana que é a vida econômica, a 
economia mercantil mascara o caráter histórico e humano da vida social 
transformando o homem em elemento passivo, em espectador de um drama que se 
renova continuamente e no qual os únicos elementos realmente ativos são coisas 
inertes24 
A vida cotidiana é o espaço onde se estabelece o começo e o fim de toda ação 
humana. Onde as relações entre os indivíduos se constituem, espaço fundamentado 
ontologicamente em que o ser social estabelece suas mútuas relações. Na forma capitalista de 
produção o processo de constituição do cotidiano apresenta-se como decorrência do 
estrnhamento, não havendo uma separação entre a vida econômica e a vida social. 
Se quisermos entender adequadamente esses modos de comportamento e descrevê-
los corretamente em sua conexão com a cotidianidade e em sua diferença e 
 
20 HELLER, A. O Cotidiano e a História. Trad. Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. São Paulo: Paz e 
Terra, 1970, p. 67. 
21 MARX, K. O capital: crítica da economia política, p. 82. 
22 GOLDMANN, L. Dialética e Cultura. Trad. Luiz Fernando Cardoso, Carlos Nelson Coutinho e Giseh Vianna 
Konder, 3ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 128 
23 LUKÁCS, G. Ontologia do Ser Social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx. Trad. Carlos Nelson 
Coutinho. São Paulo: Livraria Editora Ciencias Humana, 1979, p. 25. 
24 GOLDMANN, L. Dialética e Cultura, p. 122. 
6 
 
contraposição com o comportamento cotidiano, deve-se ter em conta que os dois 
casos se tratam da relação de todo homem – pois é alienada e deformada pelo que é 
– com a realidade objetiva, ou com as objetivações humano-sociais que refletem 
essa realidade e a mediam25 
A vida cotidiana, como imediaticidade, espaço onde os indivíduos se realizam como 
tal, todavia, relegados ao materialismo espontâneo, é de certo o lugar onde a essência das 
relações sociais e a aparência, as forma fenomênicas fruto das relações sociais de produção se 
interligam. Ainda sobre o cotidiano, Lukács afirma que 
também na vida cotidiana o verdadeiro ser muitas vezes se revela de maneira 
altamente distorcida. Em parte, os modos de manifestação imediata encobrem o 
essencial do ser efetivo, em parte nós mesmos projetamos no ser, com silogismos 
analógicos precipitados, determinações que são totalmente estranhas a ele, apenas 
imaginadas por nós; além disso, confundimos com o próprio ser os meios com que 
tomamos consciência de momentos determinados do ser etc. Portanto, é preciso 
partir da imediaticidade da vida cotidiana, e ao mesmo tempo ir além dela, para 
poder apreender o ser como autentico em-si26 
 
3. Suicídio e fragilidade das relações humanas 
A unidade relacional entre vida econômica e vida social demonstra que o 
estranhamento, decorrente da forma de produção econômica capitalista, influi decisivamente 
na forma de organização da vida cotidiana. As manifestações do estranhamento podem 
aparecer com formas diferentesnas mais diversas esferas da vida. Contudo, seu conteúdo é 
um só, ou seja, a expressão social do domínio do capital. O capital apresenta-se como 
instrumento de domínio, de poder sob o trabalho, e em conseqüência sob o trabalhador, 
estendendo-se a todas as relações sociais, ao modo de vida, na política, na cultura e em todas 
as expressões socialmente constituídas. Nesse sentido, Marx afirma que o capital é, portanto, 
“o poder do governo sobre o trabalho e os seus produtos. O capitalista possui esse poder, não 
por causa de suas qualidades pessoais ou humanas, mas na medida em que ele é proprietário 
do capital. O poder de comprar do seu capital, a que nada pode se opor, é o seu poder.”27 
O cotidiano encontra-se intimamente vinculado ao complexo das relações sociais de 
produção. Esse complexo, por sua vez, encontra-se vinculado, a uma forma de produção 
historicamente constituída, nesse caso a forma capitalista. Como apresentado anteriormente, o 
 
25 LUKÁCS, G. Estética I: La particularidad de lo estético. Trad. Manuel Sacristán. Barcelona: Ediciones 
Grijalbo, 1963, p. 74 (tradução livre). 
26 LUKÁCS, G. Prolegomenos para uma Ontologia do Ser Social: questões de princípios para uma ontologia 
possível, p.33. 
27 MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos, p. 40. 
7 
 
concreto é a síntese de múltiplas determinações. A questão do suicídio não poderia ser 
diferente. A questão que aqui se põe é aquela da relação do indivíduo com a sociedade, ou 
melhor, do indivíduo com as relações sociais de produção e a reprodução da vida na forma 
capitalista de produção. Como descrito por Marx: “o homem parece um mistério para o 
Homem; sabe-se apenas censurá-lo, mas não se o conhece.”28 
De certo as desigualdades, aprofundadas na forma capitalista de produção, exercem 
grandes influencias no fazer cotidiano. Desgostos, desencantos, isolamento social, 
concorrência, fome, miséria, são fenômenos natos a essa forma histórica de produção e 
reprodução da vida. O suicídio, evidentemente, tem múltiplas causas, todavia aquela que nos 
centramos diz respeito aos impactos que o modo de vida burguês exerce sobre as ações 
individuais e coletivas de uma época. 
Trata-se, dessa maneira, de uma caracterização sintomática de uma sociedade, 
aparentemente, sem perspectiva, sem passado e sem futuro. Trata-se da relação de sujeitos 
sem histórias, onde o presente apresenta-se como eterno presente, onde a “própria existência 
do suicídio é um notório protesto contra esses desígnios ininteligíveis”29. Conforme 
Marx/Peuchet: 
O número anual dos suicídios, aquele que entre nós é tido como uma média normal e 
periódica deve ser considerado um sintoma da organização deficiente30 de nossa 
sociedade; pois, na época da paralisação e das crises da indústria, em temporadas de 
encarecimento dos meios de vida e de inverno rigorosos, esse sintoma é sempre mais 
evidente e assume um caráter epidêmico. A prostituição e o latrocínio aumentem, 
então, na mesma proporção. Embora a miséria seja a maior causa do suicídio, 
encontramo-lo em todas as classes, tanto entre ricos ociosos como entre artistas e os 
políticos. A diversidade das suas causas parece escapar à censura uniforme e 
insensível dos moralistas31 
O suicídio aparece como fenômeno vinculado a essa falta de perspectiva. O capital 
invade fazer, o agir, os sentidos, os modos de entendimento e todas as demais relações 
imediatas da vida cotidiana. Nada foge à perspectiva do fazer burguês. Como descrito, “entre 
as causas do suicídio, contei muito freqüentemente a exoneração de funcionários, a recusa de 
trabalho, a súbita queda dos salários, em conseqüência de que as famílias não obtinham os 
meios necessários para viver, tanto mais que a maioria delas ganha apenas para comer”32 
 
28 MARX, K. Sobre o Suicídio, p. 26. 
29 Ibidem, p. 26. 
30 Conforme Peuchet: “um vício constitutivo”. 
31 MARX, K. Sobre o Suicídio, p. 24. 
32 Ibidem, p. 48. 
8 
 
A vida não é outra senão aquela do labor, do consumo e do retorno ao processo 
laborativo. Esse “eterno” ciclo produtivo que reduz o os agentes produtivos à mera repetição 
seriada é por vezes acrescidos de riscos inerentes ao próprio sistema. O risco de crises que por 
vezes abalam todo o sistema é, sem dúvidas, ainda mais devastador quando afeta o próprio 
trabalhador, o risco do desemprego que sempre vem acompanhado de outros riscos, como a 
fome e a miséria é, igualmente, uma constante. Nesse sentido, compreendemos uma situação 
de vulnerabilidade concreta que acompanha toda uma classe. Conforme nosso autor: 
quando se vê a quantidade incrível de classes que, por todos os lados, são 
abandonadas na miséria, e os párias sociais, que são golpeados com um desprezo 
brutal e preventivo, talvez para dispensar-se do incômodo de ter que arrancá-los de 
sua sujeira; quando se vê tudo isso, então não se entende com que direito se poderia 
exigir do indivíduo que ele preserve em si mesmo uma existência que é espezinhada 
por nossos hábitos mais corriqueiros, nossos preconceitos, nossas leis e nossos 
costumes em geral33 
Não obstante a estrutura de exploração direta existente entre capital-trabalho, a 
complexificação das relações sociais de produção termina por produzir outros meios de 
coação, desde aquele de gênero a aquele de etnias, que reproduzidos sobre o manto da cultura 
e da religião, encontram seus fundamentos no interior da forma de produção aqui tratada. O 
sentimento de fracasso dos chefes familiares em não garantir o sustento de suas famílias, a 
moral sexual impostas quer tanto pela igreja quanto pela cultura burguesa e tantas outras 
manifestações desse processo de ramificação da coação que tende a perpassar todo o conjunto 
das relações sociais, atesta a falta de perspectivas que aflige o conjunto da sociedade. 
Daí, na obra aqui tratada, encontrarmos com freqüência relatos como: “suicidou-se 
para evitar os enormes gastos e a conseqüência humilhante de dificuldades financeiras (...) 
Suicidou-se porque não conseguiu nenhum trabalho, pelo qual havia suplicado durante muito 
tempo”34, ou mesmo, “não podendo mais ser útil a sua família, e sendo forçado a viver à custa 
de sua mulher e de seus filhos, achava que era sua obrigação privar-se da vida para aliviá-los 
dessa sobrecarga”35. As determinações econômicas, políticas, sociais, culturais em suas mais 
diversas faces, atestam por um lado o caráter opressor que incide no ato direto na produção e 
que ecoa nas relações sociais. O suicídio, no caso aqui tratado, tem como pressuposto essa 
forma particular de produção e reprodução da vida material, não tendo outro fundamento 
senão aquele da reprodução de todo um complexo opressor. 
 
33 MARX, K. Sobre o Suicídio, p. 27. 
34 Ibidem, p. 44-45. 
35 Ibidem, p. 49. 
9 
 
Como descrito acima, o cotidiano, dada a sua imediaticidade vê-se, condicionado à 
aparência, as formas e manifestações estranhadas. Com isto, as relações socialmente 
constituídas entre os indivíduos aparecem sob o véu do estranhamento. “Em lugar de todos os 
sentidos físicos e espirituais apareceu aqui o simples estranhamento de todos estes 
sentimentos, ou sentido de ter. O ser humano tinha que ser reduzido a esta absoluta 
pobreza”36. Exemplo disso é o testemunho descrito na obra de Marx/Peuchet, ao tratar do caso 
do suicídio de uma jovem: 
Ela esgueirou-se para seu quarto e fez sua toalete, amas, mal seus pais adivinharam 
sua presença, irromperam furiosamente e cobriram-na com os mais vergonhosos 
nomes e impropérios. (...) O sentimento de vergonha provocado por essa cena abjeta 
levou a menina à decisão de dar um fimà própria vida, desceu com passos rápidos 
em meio à multidão dos padrinhos que vociferavam e a insultavam e, com olhar 
desvairado, correu para o Sena e jogou-se na água; os barqueiros resgataram-na 
morta do rio, enfeitada com suas joias núpciais. Como é evidente, aqueles que no 
começo gritavam contra a filha viraram-se em seguida contra os pais; essa catástrofe 
chocou até mesmo as almas mais mesquinhas. Dias depois vieram os pais à polícia 
para reclamar uma corrente de outro que a moça portava no pescoço e tinha sido um 
presente do seu futuro sogro, um relógio de prata e várias outras joias, todos objetos 
que ficaram depositados na repartição.37 
Por fim, Marx revela que “a caridade dos ricos não bastaria para tanto, mesmo que 
nossa nação inteira fosse religiosa, o que está longe de ser verdade”38. Em tal afirmação, além 
da contestação ao pretenso ideal de caridade, tão verbalizado pela religião e por toda a 
ideologia que a recobre, as relações sociais de produção, por um lado, impedem tal 
concretização, por outro esse mesmo discurso passa a ser incorporado pelo metabolismo do 
capital e decomposto na forma de uma falsa ideia de comunidade e solidariedade, que por 
muito já se encontram em vias de destituição. Ao pensar sobre os pressupostos desse 
fenômeno, Marx/Peuchet descrevem que: 
entre as causas do desespero que levam as pessoas muito nervosas-irritáveis a buscar 
a morte, seres passionais e melancólicos, descobri os maus-tratos como o fator 
dominante, as injustiças, os castigos secretos, que pais e superiores impiedosos 
infligem às pessoas que se encontram sob sua dependência. A Revolução não 
derrubou todas as tiranias; os males que se reprovavam nos poderes despóticos 
subsistem nas famílias; nelas eles provocam crises análogas àquelas das revoluções39 
Assim, descobrem que “sem uma reforma total da ordem social de nosso tempo, todas 
as tentativas de mudança seriam inúteis”40. Dessa maneira, trata-se não apenas de se expor os 
fenômenos próprios dessa forma de produção, trata-se, antes de tudo, de revelar os 
 
36 HELLER, A. Sociologia de la Vida Cotidiana, p. 53 (tradução livre). 
37 MARX, K. Sobre o Suicídio, p. 31-32. 
38 Ibidem, p. 50. 
39 Ibidem, p. 29. 
40 Peuchet escreve, em vez disso: “Sem me basear em teorias, tentarei apresentar fatos”. 
10 
 
fundamentos destes fenômenos, demonstrando posteriormente suas implicações na vida 
cotidiana. Revela-se aqui já a impossibilidade de qualquer adequação passiva dos indivíduos 
produtores à ordem burguesa, ainda mais, aponta para a transformação da ordem burguesa. 
4. Considerações sobre a dissolução dos liames e o diagnóstico marxiano 
Entendemos, dessa maneira, que o “suicídio não é mais do que um entre mil e um 
sintomas da luta social geral”41. A velha sociedade capitalista, com sua natureza contraditória 
impõe a uma grande parcela da sociedade a cultura do sucesso, do desejo e do consumo, da 
vida como espaço de manifestação do fazer repetitivo. A característica do funcionamento dos 
códigos da vida é atribuída à ação do homos economicus, que garante a conservação da vida 
como mero instrumento do organismo sistêmico. 
Em seu diagnóstico sobre essa sociedade doente42, Marx vincula as questões 
políticas, econômicas e sociais com uma problemática bem específica, aquela do suicídio. 
Como demonstrado, esse pode ser entendido como um dos sintomas de uma sociedade sem 
perspectivas, pautada nas desigualdades e contradições, no isolamento social e na dissolução 
dos liames dos sociais. Conforme descrito: 
As “saídas” filosóficas não têm, a seus olhos, nenhum valor e são débil lenitivo 
contra o sofrimento. Antes de tudo, é um absurdo considerar antinatural um 
comportamento que se consuma com tanta freqüência; o suicídio não é, de modo 
algum, antinatural, pois diariamente somos suas testemunhas. O que é contra a 
natureza não acontece. Ao contrário, está na natureza de nossa sociedade gerar 
muitos suicídios, ao passo que os tártaros não se suicidam. As sociedade não geram 
todas, portanto, os mesmos produtos; é o que precisamos ter em mente para 
trabalharmos na reforma de nossa sociedade e permitir-lhe que se eleve a um 
patamar mais alto.43 
Essa vinculação aponta para outras questões que são da própria natureza do capital, 
podemos aqui citar: a opressão, a desigualdade, a miséria dentre outras. Notemos ainda que 
todas essas questões remetem-se aos aspectos objetos e subjetivos do poder do capital quer 
sobre o indivíduo quer sobre o conjunto da sociedade, a “opinião é muito fragmentada em 
razão do isolamento dos homens; é estúpida demais, depravada demais, porque cada um é 
estranho de si e todos são estranhos entre si.”44 Assim, o capital invade a vida e determina, em 
geral, todas as ações dos indivíduos. O isolamento social aparece como sintoma de uma 
sociedade onde a solidão é uma das consequências das relações. Daí a reflexão de Marx: “que 
 
41 MARX, K. Sobre o Suicídio. 29. 
42 Ver MARX, K. Sobre o Suicídio. 
43 MARX, K. Sobre o Suicídio, p. 25. 
44 Ibidem, p. 42. 
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tipo de sociedade é esta, em que se encontra a mais profunda solidão no seio de tantos 
milhões; em que se pode ser tomado por um desejo implacável de matar a si mesmo, sem que 
ninguém possa prevê-lo? Tal sociedade não é uma sociedade; ela é, como diz Rousseau, uma 
selva, habitada por feras selvagens”45 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
45 MARX, K. Sobre o Suicídio, p. 28. 
12 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
Obras de Karl Marx: 
MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. [1844] Trad. Jesus Raniere. São Paulo: 
Boitempo. 2004. 
 . Sobre o Suicídio. [1846] Trad. Rubens Enderle e Francisco Fontanella. São 
Paulo: Boitempo, 2006. 
 . Grundrisse. [1857-1858]. Trad. Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: 
Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011. 
 . Contribuição à Crítica da Economia Política. [1859] Trad. Maria Helena 
Barreiro Alves; revisão de tradução Carlos Roberto F. Nogueira, 3ª Ed. São Paulo: Martins 
Fontes, 2003. 
 . O Capital: crítica da economia política, Volume I. [1867] Trad. Reginaldo 
Sant’Anna, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1971. 
 . O capital: crítica da economia política, Volume II. [1867] Trad. Reginaldo 
Sant’Anna, 5ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1980. 
 . Para a Crítica da Economia Política; salário, preço e lucro; O rendimento e 
suas fontes: a economia vulgar. São Paulo: Nova Cultural, 1986. 
 
Outros autores: 
FAUSTO, R. Marx: Lógica e Política I, São Paulo: Brasiliense, 1987. 
GOLDMANN, L. Dialética e Cultura. Trad. Luiz Fernando Cardoso, Carlos Nelson Coutinho 
e Giseh Vianna Konder, 3ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 
HELLER, A. O Cotidiano e a História. Trad. Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. São 
Paulo: Paz e Terra, 1970. 
 . Sociologia de la Vida Cotidiana. Trad. J. F. Yvars y Enric Pérez Nadal, 4ª Ed. 
Barcelona: Ediciones Península, 1994. 
13 
 
LUKACS, G. Estética I: La particularidad de lo estético. Trad. Manuel Sacristán. Barcelona: 
Ediciones Grijalbo, 1963. 
 . Ontologia do Ser Social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx. 
Trad. Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Livraria Editora Ciencias Humana, 1979. 
 . Prolegomenos para uma Ontologia do Ser Social: questões de princípios para 
uma ontologia possível. Trad. Lya Luft e Rodnei Nascimento; supervisão editorial de Ester 
Vaisman. São Paulo: Boitempo, 2010.

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