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Direito Romano

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[DIREITO ROMANO]
{3 Roma- página 28}
A história de Roma abrange muitos séculos, por isso, as mudanças e particularidades são muitas. O objetivo do texto é tratar das rupturas do direito romano e das diferenças nos modelos de instituição e de vida daquela época, ainda que haja uma abordagem que remete à continuidade do direito romano, como por exemplo, a redescoberta do Corpus Iuris Civilis, na Idade Média, e a doutrina jurídica do século XXI.
A ideia que muito se faz do direito romano hoje foi definida no século XIX. Em lugares onde o Código Civil foi feito tardiamente, os textos organizados fundamentalmente por Justiniano serviam como instrumento de ensino, e, na falta de leis específicas, de suplemento ao direito vigente. Na Alemanha, desde o século XVIII, começou a sistematização do direito romano como conhecemos hoje, com destaque em Gustav Hugo e Friedrich Karl. O último conseguiu impor a continuidade do ensino do direito romano na Universidade de Berlim e dar-lhe a característica de um substituto dos códigos.
A divisão tradicional do Direito Romano é constituída por três períodos:
1) Período Arcaico: desde a fundação da cidade (753a.C.) até o segundo século antes de Cristo.
2) Período Clássico: desde a República tardia até o Principado, antes da anarquia militar.
3) Período Tardio ou Pós-clássico: desde o século III d.C. até o fim do Império.
A divisão também pode ser feita levando em conta o perfil dominante no processo civil:
1) Período Arcaico: processo segundo as ações da lei (legis actiones), o centro do saber jurídico está na figura dos pontífices.
2) Período Clássico: processo formular (per formulas) introduzido pela Lex Aebutia e confirmado pela Lex Iulia. A produção do direito, como cultura e regra, está na mão dos pretores e dos juristas, ou prudentes.
3) Período Tardio: denominando cognitivo extra ordinem. O imperador e seus juristas se destacam como atores desse período.
Roma viveu três regimes constitucionais, com longas e frequentes crises:
1. Monarquia ou realeza: desde sua fundação (753 a.C.) até a expulsão dos Tarquínios (509 a.C.) quando sua autonomia sobre os etruscos foi praticamente consolidada. O cargo de rei era eletivo (era revelado pelos deuses) e não hereditário, ou contrário de muitos outros cargos.
2. República: vai de 509 a.C. até 27 a.C, início do Império com o principado de Augusto.
3. Império: Dividi-se em duas partes- o Principado, de Augusto (27a.C.) até Diocleciano (284 d.C.), e o Dominato, de Diocleciano até o desaparecimento do Império.
Em Roma, manteve-se sempre um sistema aristocrático misto, com assembleias, magistraturas, e restrições de funções para algumas classes. A cidadania foi estendida lentamente, no século I a.C. é dada aos habitantes da Itália, e, em 212 d.C., é dada a todos os habitantes do Império. Antes de 212 d.C. era dada a grupos, e não pessoas.
{3.1 Do período arcaico à idade clássica- página 31}
Este período não é o tempo da jurisdição clássica, logo, convém apenas notar os traços essenciais das instituições e das fontes.
Desaparecida a figura do rei, com a expulsão de Tarquínio, o poder político passou a ser exercido de maneira mista, com elementos representativos (assembleias) e oligárquicos (senado, colégio dos pontífices e magistraturas). As magistraturas eram anuais, já o Senado era vitalício. Ao longo do tempo, há uma mudança de equilíbrio entre esses elementos, uma maior ou menor abertura dos mesmos para estamentos e classes sociais, assim como há a criação de novas magistraturas e funções que mudam a vida pública e a constituição romana.
O Senado não pode ser pensado como hoje, como um órgão legislativo e representativo. Ele era o conselho dos anciãos, responsável pela ligação entre a cidade e a sua história, vida e autoridade. Roma foi a "civilização da tradição", o Senado exercia a autoridade dos pais fundadores, auctoritas patrum, bem como respondia a consultas, senatus consultus, e opinava sobre os negócios. Só no Principado que o senatus consultus poderá ser equiparado à lei.
As assembleias tinham função legislativa. Na República havia três:
-comitia centuriata, que era de origem militar
-comitia tributa, que era por tribos ou distritos
-concilium plebe, que era formada pela plebe
As decisões das duas primeiras assembleias se transformavam em lex, e as da última, até 286a.C.,em princípio, o qual obrigava apenas a plebe e era conhecido como plebis scita.
As magistraturas eram cargos eletivos com prazo de um ano. Exerciam muitas vezes o poder em grupos de dois ou mais (colegialidade). Desempenhavam funções específicas, dividindo-se, dessa forma, em: cônsules, censores, questores, pretores, e, excepcionalmente, ditadores. Os magistrados emitiam editos. Os pretores participavam do poder geral, ficando responsáveis pelo poder de coerção ou disciplina e pelo poder de dizer o Direito. Sendo  assim, os pretores administravam a justiça, objetivando a resolução de conflitos de forma ordenada e pacífica por parte do juiz. Vale ressaltar que os pretores não julgavam, pois tinham um poder similar ao poder policial que temos atualmente. Os pretores poderiam ser urbanos, aqueles que tinham por função impor a ordem do direito civil aos romanos, e peregrinos, aqueles que ordenavam as relações entre estrangeiros ou entre romanos e estrangeiros. São os editos dos pretores que formarão o ius honorarium, objeto de jurisprudência clássica juntamente com o ius civile, direito dos cidadãos. Fora de Roma, depois de sua expansão militar, os poderes dos pretores ficaram a cargo dos governadores e procuradores provinciais.
Neste período do direito arcaico, os pontífices eram autorizados a usar fórmulas legais e a interpretá-las, tendo monopólio dessa interpretação, a exemplo do monopólio interpretativo sobre a Lei das XII Tábuas, atuando, assim, como peritos na lei. O colégio dos pontífices era reservado aos patrícios.
Ainda que os pontífices tivessem o monopólio interpretativo sobre a lei das XII tábuas, estas representaram um ganho aos plebeus, já que reduziram a escrito as disposições e mandamentos antes guardados pelos pontífices/patrícios.
Ainda que a lei tratada tenha se perdido, provavelmente em um incêndio durante a invasão gaulesa, dela resultam menções feitas por juristas e tentativas de reconstrução da mesma. Sabe-se que era uma coletânea, ou seja, várias disposições sem sistematização. Já era laicizada e tornou o direito público acessível a quem soubesse ler, já que era escrita. Bretone defende uma influência grega nessa lei, levando em conta estilo da mesma, através de um mecanismo de mudança grego: "Tudo o que o povo deliberou mais recentemente é válido".
O perfil do direito romano arcaico é marcado pela tradição, calcado na unidade familiar e na figura do pai de família. O direito romano, neste período, só é aplicado aos romanos, os não romanos ficam excluídos do âmbito de validade das regras de propriedade, do casamento e de família do ius civile (direito dos cidadãos).
Este direito aplica-se por meio de um processo especial e formal. Ressalta-se nesse contexto o entendimento de função performática da linguagem destacada por J. L. Austin, que defende que há casos em que falar é fazer. O direito arcaico era assim, cheio de fórmulas que precisavam ser pronunciadas no lugar certo pelas pessoas certas. Os pontífices desempenhavam um papel nestes casos.
Possuindo fórmulas, os negócios poderiam ser realizados e por isso o formalismo do direito contribui para laicizá-lo e para desligá-lo de caráter moral ou religioso. As "ações da lei" formam parte desses direito, que cria autonomia com o tempo. Nestas ações a validade dos atos está vinculada ao uso correto da forma. De início, as formalidades deste direito eram supervisionadas pelos pontífices, e mais tarde, pelos pretores.
{3.2 O processo formular e o período clássico- página 34}
O processo formular é o ambiente próprio do desenvolvimento da jurisprudência clássica. Foi criado pela Lex Aebutia e tinhacomo personagem principal o pretor urbano e o peregrino, que encaminhavam o julgamento a um juiz ou árbitro privado. Este processo caiu em desuso com o aumento do poder do Imperador.
O processo é marcado por duas fases:
- Fase in iure: o pretor organiza a controvérsia e transforma um conflito real em um judicial, administrando a justiça. Nessa fase, perante o pretor, inicia-se a pretensão ao adversário. O interessado deveria fazer com que o adversário comparecesse perante o magistrado para que, depois disso, formulasse sua pretensão. Essa tarefa de levar o adversário era particular e demandava custos que envolviam localizar o adversário e detê-lo, situação que limitava o acesso à justiça. Tal situação leva os historiadores a perceberem que a disputa de um caso judicial era um símbolo de status social. Contudo, com o tempo, criam-se punições, a fim de evitar o não comparecimento em juízo do adversário.
- Fase apud iudicem: a controvérsia se desenvolve perante um juiz ou árbitro. Nessa fase, a pretensão era formulada, ou seja, a queixa era transformada em conflito, bem como o árbitro ou juiz que atuaria no caso era escolhido. Tanto a formulação da pretensão, quanto a escolha do julgador deveriam ser consenso entre as partes. A formulação da pretensão servia para uma simplificação do trabalho do julgador, a quem cabia somente dizer sim ou não em sua decisão.
Os juristas também são figuras importantes nesse período, colaborando de diversas maneiras com os pretores e juízes, mas não faziam parte do aparelho judicial. Eles ganham força mais tarde, incorporando o corpo de auxiliares diretos do Imperador (príncipe).
O serviço de juiz ou árbitro era um encargo dos cidadãos e acompanhava uma imagem de honra digna dos cidadãos superiores. Havia uma lista de nome de cidadãos de classes superiores que poderiam prestar serviço arbitral para a cidade, chamada de album.
Os editos dos pretores começam a detalhar, a corrigir e a suprir o direito civil, levando em conta as mudanças ocorridas nas condições de vida da sociedade, criando um direito novo a partir do poder de magistrados e da honra de agentes dos pretores. A flexibilização tratada do direito civil ocorre dentro dos processos formulares em geral. Neste contexto, vão criar o interditos possessórios: proibição que a posse seja violada.
Existia o dominium ex iure quiritium, o qual era a propriedade romana plena sobre determinados bens e para determinadas pessoas. Em regra o quiritium não poderia ser invocado por estrangeiros, pois se tratava de um direito herdado. Os pretores a partir desse direito passam a usar seu poder de polícia para impedir que pessoas que estejam de boa fé em determinada terra sejam expulsas, assim como obriga à restituição se houver violência.
Gaio apresenta uma classificação para a origem das obrigações, e as definem como verbais, literais, reais e consensuais. Uma obrigação verbal no direito romano criava um vínculo, já nas obrigações literais, a anotação do pai de família que criava o mesmo. Nas obrigações consensuais, o consenso basta, não há troca física das coisas, apenas a promessa, tornando a boa fé um princípio normativo e interpretativo.
{Cognitio extra ordinem}
Ocorre uma mudança no perfil do processo. A diferenciação entre as funções dos juízes e dos pretores vai desaparecer e a formulação entre partes também se altera. Essas mudanças têm por resultado uma valorização dos juristas e centralização do poder de julgamento em um único órgão (Tribunal Central do Império), com novidade na possibilidade de recurso ou apelação, a ser ouvida pelo "Imperador", ou melhor, por algum membro do seu conselho.
A ordem passa a mudar substancialmente levando em conta o papel de intervenção exterior feita pelo príncipe, que agora pode substituir um juiz, pessoalmente ou por meio de um delegado, ou mesmo opinar sobre uma resposta a uma questão proposta. A mudança justifica-se pela restauração da República.
{Os autores do direito romano: pretores e juristas- página 42}
A partir do século IV a.C. a jurisprudência laiciza-se de vez, com a entrada de plebeus no colégio de pontífices, redução das leis a escrito e dominação das fórmulas por mais pessoas. Contudo, isso não significa democratização, já que somente alguns se dedicam ao direito, geralmente, pessoas de classe superior.
Os juristas formavam uma categoria aristocrática, de função pública e não de desempenho de uma profissão. Preservavam a tradição, e sua remuneração, segundo, Weber, não era em dinheiro, mas uma em influência poderosa. Durante o século II e III d.C. sua atividade criativa superou a dos pretores, levando em conta que por volta de 130 d.C. os editos pretorianos já estavam consolidados e não representavam mais novidades, já a criatividade dos juristas, mais tarde, estaria sendo posta a serviço do príncipe legislador, na redação das constituições imperiais. Muitos dos seus conselhos e opiniões eram verbais, reduzidos a escrito mais tarde. Debatiam questões publicamente, formando até mesmo discípulos. O cidadão que tivesse talento, interesse e pertencesse à classe adequada poderia aprender o direito nos termos ditos acima. Na República houve escolas e dedicação exclusiva de alguns juristas ao magistério.
No período clássico, os juristas compreendiam tanto a dimensão da tradição romana quanto a filosofia grega, o que incluiu noções de justiça, classificação das fontes, e distinção entre os diferentes tipos de direito. Os juristas utilizavam instrumentos gregos para refinar a tradição romana.
Durante o principado alguns juristas receberam o ius respondendi, que trazia a possibilidade de determinado jurista falar em nome do imperador. Somavam-se duas autoridades neste período: a do imperador e a do jurista. Porém, de início pelo menos, nenhum produzia lei isoladamente.
Durante o Dominato, a função dos pretores e juízes desapareceu, bem como a figura do jurista independente perdeu seu lugar, em virtude da centralização do sistema. Os jurisprudentes ficavam encarregados de aplicar precedentes e garantir a uniformidade e submissão de todos ao poder central, além do auxílio na feitura das legislações imperiais, como dito anteriormente. Há neste período, a necessidade de consolidação e codificação da jurisprudência clássica. As primeiras consolidações surgem de esforços de professores, como o Codex Gregorianus. Surge também o problema do distanciamento temporal entre os juristas do período clássico e os órgãos judicantes do Império tardio. Tendo em vista tal problema, Valentiniano III expede a "lei das citações", indicando os juristas a serem citados e sua respectiva hierarquia. Em 438 é publicado o Código de Teodosiano, o qual continha constituições imperiais desde o período de Constantino, reproduzindo cada constituição imperial, e seu autor e data respectivos, seguida de uma interpretação em cada caso. O maior nome no trabalho de codificação e consolidação é Justiniano, que fez a grande obra de recompilação dos clássicos. Quando a recompilação de tal autor é redescoberta pelos medievais, o direito romano passa a ser reinventado e reinterpretado pelas universidades e volta a ter influência na Europa ocidental.
{Fontes- página 46}
As fontes normativas do direito romano:
Leis(legis): normas votadas nas assembleias gerais(centuriata e curiata) e propostas pelos magistrados superiores.
Plebiscita: quando votadas pelo conselho dos plebeus.
Com a decadência das formas republicanas de deliberação, a partir do principado, o senado que antes era consultivo passa a ser fonte normativa.
Os atos do imperador são chamados de constituições, as quais são de diversas categorias. São editos, por exemplo, quando contêm disposições de ordem geral para o império. Decreta eram chamados os julgamentos decisões ou sentenças, que constituíam precedentes a serem observados.
Rescripta eram as respostas para as consultas feitas por magistrados em casos difíceis. Mandata eram ordens administrativas fiscais. Por esses meios o Imperador criou odireito novo.
Os magistrados podiam expedir editos, desde que competentes a sua respectiva área de atuação. Já os pretores os expediam para ampliar a proteção a direitos novos.
{3.6 Juristas e filosofia- página 47}
Os juristas romanos foram helenizados. A filosofia grega participa de alguma forma do pensamento jurídico romano. O gosto pela justificação racional , pela classificação em gêneros e pelo debate sobre a melhor forma de governo é bem grego. Linhas de pensamento, como o estoicismo, mostram fortemente essa relação.
{3.7 O direito privado romano- página 48}
A importância do direito privado está ligada ao papel que a organização familiar desempenha na sociedade romana. Tal direito mantém a família unida como unidade produtiva, através das regras de matrimônio, herança e de direito à propriedade. Os romanos não desenvolveram a ideia de pessoa jurídica, pois as funções desempenhadas quando se pensa na última eram exercidas pela família. O pai de família era o centro da instituição, cabendo ao mesmo a direção econômica de todos os membros.
O efeito visado pelo casamento na Roma antiga era o de gerar filhos legítimos, que continuassem a servir tanto à família quanto à cidade. Sendo assim, o casamento não era visto como um instrumento de realização pessoal, mas uma unidade produtiva.

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