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Mulher Negra, Lelia Gonzalez


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Resumo do texto Mulher Negra de Lélia Gonzalez – Sociologia Geral 
 Situação da população negra
Podemos afirmar que existe uma divisão racial do espaço em nosso país, uma espécie de segregação, com acentuada polarização extremamente desvantajosa para a população negra: 64% da população branca concentram-se na região mais desenvolvida do país enquanto quase a mesma proporção da população negra concentra-se no resto do país, sobretudo em regiões mais pobres. Podemos caracterizar a formação social brasileira como sendo estruturada a partir de conflito de interesses entre classes antagônicas e sistema político rigoroso, sendo uma de suas contradições básicas a cristalização de desigualdades extremas entre regiões brasileiras onde se possa distinguir regiões dominadas e região dominante. Acontece que nas últimas décadas ocorreu a consolidação da sociedade capitalista e com isso, a urbanização acelerada, crescimento da economia, etc. Esse desenvolvimento econômico brasileiro resultou em um modelo de modernização conservadora e excludente. Nesse sentido, o racismo como articulação ideológica e conjunto de práticas, denota sua eficácia estrutural na medida em que remete a uma divisão racial do trabalho extremamente útil e compartilhado pelas formações socioeconômicas capitalistas: manteve a força de trabalho negra na condição de massa marginal sendo o motivo da força de trabalho negra permanecer confinada nos empregos de menor qualificação e pior remuneração. 
 Situação da mulher negra 
As transformações ocorridas na sociedade brasileira entre 1968 e 1980 tiveram impacto considerável na forma de trabalho feminina, sobretudo na década de 70: o número de mulheres nas universidades havia quintuplicado em cinco anos, elas estavam abandonando setores de atividades que absorvem força de trabalho menos qualificadas e mal remuneradas para ingressar em setores modernos, entre outros. A autora critica que essas conquistas não se referem, de modo algum, à mulher e às mulheres negras. Sobre a situação da mulher negra à sua inserção na força de trabalho: como os trabalhadores negros, as trabalhadoras negras concentram-se, sobretudo nas ocupações manuais caracterizadas por baixos níveis de rendimento e escolaridade, enquanto a proporção de mulheres brancas nessas ocupações é bem menor. Assim, nas ocupações não manuais a presença da trabalhadora negra ocorre em proporções menores comparadas às trabalhadoras brancas. A análise dessas ocupações divididas em níveis médio e superior revelam as dificuldades de mobilidade social ascendente para a mulher negra: naquelas de nível médio a proporção de negras é muito menor que de brancas, isso porque nessas atividades é exigido o contato direto com o público, o que dificulta o acesso de mulheres negras devido à exigência da “boa aparência”. Por fim, quando se trata de profissionais do setor superior as mulheres negras são quase invisíveis. Essa diferença é percebida também quanto aos salários: apenas 0,3% de mulheres negras para 2,4% de mulheres brancas ganham acima de 10 salários mínimos. Comparativamente à famílias brancas pobres, a situação das famílias negras não é de igualdade: o número de membros das famílias negras insertos na força de trabalho é muito maior que aquele das famílias brancas para obtenção de um mesmo rendimento familiar e implica a necessidade de trabalho de menores de idade. Por aí se entende por que crianças negras mal conseguem cursar o primeiro grau. Não se trata, como muitos dizem, de uma “incapacidade congênita de raça” para atividades intelectuais, mas do fato de negros, desde muito cedo, terem de “ir a luta” para a sobrevivência da família. 
Se as transformações da sociedade brasileira nos últimos vinte anos favoreceram a mulher, não podemos deixar de destacar que essa forma de universalização abstrata encobre a realidade vivida pela grande excluída da modernização conservadora imposta pelos donos do poder no Brasil pós 64: a mulher negra. E é aí que se entende uma das contradições do movimento de mulheres no Brasil: as intelectuais e ativistas tendem a reproduzir a postura do feminismo europeu e norte-americano ao deixar de reconhecer a especificidade da natureza da experiência do patriarcalismo por parte de mulheres negras, indígenas e de países antes colonizados.
 A participação da mulher negra
Os primeiros grupos organizados de mulheres negras surgiram no interior do movimento negro, onde elas encontram espaço necessário para as discussões e desenvolvimento de uma consciência política a respeito do racismo, já que o movimento feminista “esquecia” de pautar questões raciais. O desempenho de mulheres negras na formação do movimento negro no rio de janeiro foi da maior importância, justamente, pela atuação de mulheres negras, que mesmo antes da existência de organizações reuniam-se para discutir seu cotidiano marcado tanto pela descriminalização racial quanto pelo machismo. Que mulher negra não passou pela experiência de ver o irmão, filho, etc. passar pela humilhação da suspeição policial? Assim, o feminismo negro tem uma diferença específica em relação ao feminismo ocidental: a solidariedade, fundada numa experiência histórica comum. Os anos seguintes testemunharam o surgimento de outros grupos de mulheres negras: Aqualtune, Luiza Mahin, Grupo de Mulheres Negras do Rio de Janeiro. Sem se desvincular do movimento negro, surgiram grupos mistos: André Rebouças, MNU, Sinba, etc. Apesar dos aspectos positivos entre o movimento feminista e o de mulheres negras, as contradições e ambiguidades permaneceram uma vez que o movimento de mulheres brasileiro não deixava de reproduzir o imperialismo cultural: uma feminista branca indignada com a nomeação de uma negra e favelada para representante de um movimento disse que “mulher de bica d’água não deve representar as mulheres”. O grande encontro do movimento negro com o movimento de favelas ocorreu por causa da campanha eleitoral de 1982, uma vez, que ambos vinham atuando de maneira paralela. Daí em diante, os movimentos passam a ter uma atuação mais unitária. É nesse contexto que se insere a criação do Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras e pela primeira vez na história do feminismo negro brasileiro, uma favelada representava no exterior uma organização específica de mulheres negras. 
 Conclusão 
Numa sociedade onde a divisão racial e sexual faz dos negros e das mulheres trabalhadores de segunda categoria no conjunto dos trabalhadores já por demais explorados; numa sociedade onde o racismo e o sexismo, como fortes sustentáculos da ideologia de dominação, fazem dos negros e das mulheres cidadãos de segunda classe, não é difícil visualizar a terrível carga de discriminação a que está sujeita a mulher negra. A dimensão racial impõe as mulheres negras uma inferiorizarão ainda maior, já que sofrem também (como as outras mulheres), os efeitos da desigualdade sexual. Ocupam o polo oposto ao da dominação que é representado pelo homem branco burguês e por isso, constituem o setor mais oprimido e explorado da sociedade brasileira. Ser mulher negra e pobre é viver acuada, à espreita do próximo golpe a ser recebido, vigiando-se e “saindo de cena” para não ser mais ferida do que já é, quando se trata de diferentes agentes da exploração, da opressão e também da repressão. Significa jogar-se inteira no desenvolvimento das chamadas “estratégias de sobrevivência”, dia após dia, hora após hora sem deixar, no entanto, de apostar na vida.