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Moreira Hanna (2012).pdf

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ȱ 1
Capítuloȱ 01:ȱ Basesȱ filosóficasȱ eȱ noçãoȱ deȱ ciênciaȱ emȱ
AnáliseȱdoȱComportamentoȱ
ȱ
MárcioȱBorgesȱMoreiraȱ
InstitutoȱdeȱEducaçãoȱSuperiorȱdeȱBrasíliaȱ
UniversidadeȱdeȱBrasíliaȱ
EleniceȱSeixasȱHannaȱ
UniversidadeȱdeȱBrasíliaȱ
ȱ
ȱ Esseȱcapítuloȱ temȱoȱobjetivoȱdeȱapresentar,ȱemȱ linhasȱgerais,ȱumaȱfilosofiaȱchamadaȱ
Behaviorismoȱ Radicalȱ eȱ umaȱ abordagemȱ psicológicaȱ (ouȱ ciênciaȱ doȱ comportamento)ȱ
chamadaȱAnáliseȱdoȱComportamento,ȱbemȱcomoȱestabelecerȱrelaçõesȱentreȱambas.ȱFaremosȱ
umaȱdistinçãoȱ importanteȱ entreȱoȱBehaviorismoȱRadicalȱ (correnteȱatual)ȱ eȱoȱBehaviorismoȱ
Metodológico.ȱÉȱ importanteȱqueȱoȱ leitorȱatenteȱparaȱestaȱdistinção,ȱpoisȱaȱ faltaȱdelaȱé,ȱemȱ
parte,ȱaȱrazãoȱdeȱmuitasȱcríticasȱincorretasȱfeitasȱaoȱmodernoȱBehaviorismoȱRadical.ȱ
ȱ OȱpensamentoȱdeȱB.ȱF.ȱSkinnerȱeȱalgunsȱdosȱprincipaisȱpressupostosȱfilosóficosȱdeȱsuaȱ
obraȱ serãoȱapresentadosȱbrevemente,ȱeȱ terãoȱaȱ funçãoȱdeȱ fornecerȱaoȱ leitorȱumȱ referencialȱ
teóricoȱbásicoȱparaȱaȱmelhorȱapreciaçãoȱdosȱdemaisȱcapítulosȱdesseȱlivro.ȱAlémȱdosȱaspectosȱ
concernentesȱ aoȱ Behaviorismoȱ Radical,ȱ apresentaremosȱ tambémȱ aȱ noçãoȱ deȱ ciênciaȱ emȱ
Análiseȱ doȱ Comportamentoȱ eȱ algumasȱ deȱ suasȱ característicasȱ principais:ȱ seuȱ objetoȱ deȱ
estudo,ȱsuaȱunidadeȱdeȱanáliseȱeȱseuȱmétodo.ȱ
OȱSurgimentoȱdoȱBehaviorismoȱ
ȱ Porȱ voltaȱ doȱ finalȱ doȱ séc.ȱ XIXȱ aȱ Psicologiaȱ começaȱ aȱ constituirȬseȱ comoȱ ciênciaȱ
independenteȱ embalada,ȱ principalmente,ȱ pelasȱ pesquisasȱ deȱ Gustavȱ Fechnerȱ eȱ Wilhelmȱ
Wundtȱ (cf.ȱ Goodwin,ȱ 2005/2005).ȱ Essenciaisȱ aoȱ surgimentoȱ eȱ desenvolvimentoȱ deȱ umaȱ
ciênciaȱsãoȱaȱdefiniçãoȱdoȱseuȱobjetoȱdeȱestudoȱeȱdoȱseuȱmétodo.ȱNestaȱépoca,ȱsobretudoȱapósȱ
WundtȱterȱcriadoȱoȱprimeiroȱlaboratórioȱdeȱPsicologiaȱexperimentalȱemȱLeipzig,ȱAlemanha,ȱ
tornouȬseȱdifundidaȱaȱidéiaȱdeȱqueȱoȱobjetoȱdeȱestudoȱdaȱPsicologiaȱeraȱaȱconsciênciaȱ(eȱseusȱ
elementosȱ constituintes)ȱ eȱ oȱ métodoȱ eleito,ȱ aȱ introspecçãoȱ experimental1ȱ (cf.ȱ Goodwin,ȱ
2005/2005).ȱÉȱnesteȱ contextoȱ que,ȱ emȱ 1913,ȱ oȱpsicólogoȱ JohnȱBroadusȱWatsonȱpublicaȱumȱ
artigoȱ intituladoȱ “Aȱ Psicologiaȱ comoȱ umaȱ behavioristaȱ aȱ vê2”.ȱ Esteȱ artigoȱ ficouȱ conhecidoȱ
posteriormenteȱcomoȱ“OȱManifestoȱBehaviorista3”.ȱ
ȱ Emȱ seuȱartigo,ȱWatsonȱ (1913)ȱargumentouȱqueȱoȱusoȱdaȱ introspecçãoȱ experimentalȱ
comoȱmétodoȱprincipalȱ falhouȱ emȱ estabelecerȱ aȱPsicologiaȱ comoȱumaȱ ciênciaȱnaturalȱ (umaȱ
ciênciaȱqueȱlidaȱcomȱfenômenosȱqueȱocupamȱlugarȱnoȱtempoȱeȱnoȱespaço,ȱcomoȱaȱFísicaȱeȱaȱ
Química).ȱ Aȱ críticaȱ deȱ Watsonȱ baseavaȬseȱ principalmenteȱ naȱ faltaȱ deȱ replicabilidadeȱ dosȱ
resultadosȱproduzidos,ȱistoȱé,ȱquandoȱseȱrealizavaȱnovamenteȱumaȱmesmaȱpesquisaȱcomȱumȱ
outroȱsujeito,ȱumaȱpessoaȱdiferente,ȱosȱresultadosȱencontradosȱeramȱdiferentesȱdaȱpesquisaȱ
ȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
1ȱOsȱparticipantesȱdasȱpesquisasȱeramȱexaustivamenteȱ treinadosȱaȱdescreverȱestímulosȱapresentadosȱ
peloȱexperimentadorȱantesȱdaȱrealizaçãoȱdaȱtarefaȱexperimentalȱpropriamenteȱdita.ȱ
2ȱTítuloȱoriginal:ȱ“PsychologyȱasȱtheȱBehavioristȱViewsȱit”.ȱ
3ȱ Matosȱ (1997/2006)ȱ apontaȱ queȱ oȱ “Manifesto”,ȱ naȱ verdade,ȱ correspondeȱ aȱ umȱ conjuntoȱ deȱ
documentos,ȱeȱnãoȱapenasȱaoȱartigoȱseminalȱdeȱ1913.ȱ
ȱ 2
anterior.ȱParaȱseȱterȱumaȱidéiaȱdoȱqueȱrepresentaȱesseȱproblema,ȱimagine,ȱporȱexemplo,ȱqueȱ
seȱoȱmesmoȱproblemaȱ fosseȱ encontradoȱnaȱ farmacologia,ȱ cadaȱ indivíduoȱqueȱ tomasseȱumȱ
analgésicoȱ teriaȱ umaȱ reaçãoȱ completamenteȱ diferenteȱ e,ȱ provavelmente,ȱ nenhumaȱ dessasȱ
reaçõesȱseriaȱaȱdiminuiçãoȱdeȱumaȱdorȱdeȱcabeça.ȱ
ȱ Watsonȱ (1913)ȱ salientouȱ tambémȱ outroȱ problemaȱ importanteȱ comȱ relaçãoȱ àȱ
introspecçãoȱexperimental:ȱaȱ“culpa”ȱdasȱdiferençasȱentreȱosȱresultadosȱobtidosȱaȱpartirȱdeȱ
talȱmétodoȱeraȱatribuídaȱaosȱsujeitosȱ(queȱeramȱtambémȱosȱobservadores),ȱeȱnãoȱaoȱmétodoȱ
ouȱ àsȱ condiçõesȱ experimentaisȱ nasȱ quaisȱ essesȱ resultadosȱ foramȱ produzidos.ȱ Se,ȱ porȱ
exemplo,ȱasȱimpressõesȱdeȱumȱsujeitoȱsobreȱumȱdeterminadoȱobjeto,ȱumaȱfruta,ȱporȱexemplo,ȱ
diferiamȱ dasȱ impressõesȱ deȱ outroȱ sujeito,ȱ diziaȬseȱ queȱ umȱ delesȱ nãoȱ haviaȱ aprendidoȱ
corretamenteȱ aȱ fazerȱ introspecçãoȱ (aȱ fazerȱ observaçõesȱ corretasȱ deȱ seusȱ estadosȱmentais).ȱ
ParaȱWatson,ȱaȱPsicologiaȱdeveriaȱ seguirȱoȱexemploȱdeȱ ciênciasȱbemȱestabelecidasȱ comoȱaȱ
Físicaȱ eȱ aȱ Química,ȱ queȱ atribuíamȱ asȱ falhasȱ emȱ suasȱ pesquisasȱ aosȱ instrumentosȱ eȱ aosȱ
métodosȱutilizadosȱemȱseusȱestudos,ȱoȱqueȱlevariaȱaȱPsicologiaȱaȱumȱpatamarȱequivalenteȱdeȱ
conhecimentoȱdoȱseuȱobjetoȱdeȱestudo.ȱ
ȱ Watsonȱ (1913)ȱpropôsȱentãoȱ comoȱprincipaisȱobjetivosȱdaȱPsicologiaȱaȱprevisãoȱeȱoȱ
controleȱ doȱ comportamento.ȱ Oȱ comportamentoȱ observávelȱ (porȱ maisȱ deȱ umȱ observador)ȱ
seriaȱ oȱ objetoȱ deȱ investigaçãoȱ aȱ partirȱ doȱ métodoȱ experimental,ȱ noȱ qualȱ seȱ manipulaȱ
sistematicamenteȱcaracterísticasȱdoȱambienteȱeȱverificaȬseȱoȱefeitoȱdeȱtaisȱmanipulaçõesȱsobreȱ
oȱ comportamentoȱ dosȱ sujeitos.ȱ Paraȱ Watson,ȱ emboraȱ oȱ comportamentoȱ humanoȱ fosseȱ oȱ
principalȱ interesseȱ daȱ Psicologia,ȱ oȱ comportamentoȱ animalȱ tambémȱ deveriaȱ serȱ estudadoȱ
comoȱparteȱimportanteȱdaȱagendaȱdeȱpesquisasȱdessaȱciência.ȱAȱobraȱdeȱWatsonȱestendeuȬseȱ
alémȱ doȱ textoȱ deȱ 1913ȱ eȱ incluía,ȱ segundoȱ Matosȱ (1997/2006),ȱ asȱ seguintesȱ
características/proposiçõesȱprincipais:ȱȱ
ȱ
(...)ȱ estudarȱ oȱ comportamentoȱ porȱ siȱmesmo;ȱ oporȬseȱ aoȱMentalismoȱ eȱ ignorarȱ fenômenos,ȱ
comoȱconsciência,ȱsentimentosȱeȱestadosȱmentais;ȱaderirȱaoȱevolucionismoȱbiológicoȱeȱestudarȱ
tantoȱ oȱ comportamentoȱ humanoȱ quantoȱ oȱ animal,ȱ considerandoȱ esteȱ últimoȱ maisȱ
fundamental;ȱadotarȱoȱdeterminismoȱmaterialístico;ȱusarȱprocedimentosȱobjetivosȱnaȱcoletaȱdeȱ
dados,ȱ rejeitandoȱ aȱ introspecção;ȱ realizarȱ experimentaçãoȱ controlada;ȱ realizarȱ testesȱ deȱ
hipótese,ȱdeȱpreferênciaȱcomȱgrupoȱdeȱcontrole;ȱobservarȱconsensualmente;ȱevitarȱaȱtentaçãoȱ
deȱ recorrerȱaoȱ sistemaȱnervosoȱparaȱ explicarȱoȱ comportamento,ȱmasȱ estudarȱatentamenteȱaȱ
açãoȱ dosȱ órgãosȱ periféricos,ȱ dosȱ órgãosȱ sensoriais,ȱ dosȱ músculosȱ eȱ dasȱ glândulasȱ (Matos,ȱ
1997/2006,ȱp.ȱ64).ȱ
ȱ
ȱ Oȱ“ManifestoȱBehaviorista”,ȱ comoȱ ficouȱ conhecidoȱoȱartigoȱdeȱWatsonȱ (1913),ȱ éȱumaȱ
espécieȱdeȱmarcoȱhistóricoȱdoȱsurgimentoȱdoȱBehaviorismo.ȱEmboraȱalgumasȱdasȱconcepçõesȱ
apresentadasȱ porȱWatsonȱ emȱ suaȱ obraȱ aindaȱ seȱ façamȱ presentes,ȱ noȱ queȱ seȱ conheceȱ porȱ
Behaviorismoȱ Radicalȱ (Skinner,ȱ 1974/2003),ȱ aȱ propostaȱ originalȱ sofreuȱ inúmerasȱ
reformulaçõesȱ eȱ aȱ corretaȱ compreensãoȱ doȱ queȱ éȱ oȱ Behaviorismoȱ deveȱ serȱ buscadaȱ
principalmenteȱnãoȱnaȱobraȱdeȱWatson,ȱmasȱnaȱobraȱdeȱBurrhusȱFredericȱSkinner.ȱ
OȱBehaviorismoȱRadicalȱdeȱB.ȱF.ȱSkinnerȱ
OȱBehaviorismoȱnãoȱ éȱ aȱ ciênciaȱdoȱ comportamentoȱhumano,ȱmas,ȱ sim,ȱ aȱ filosofiaȱdessaȱ
ciência.ȱAlgumasȱdasȱquestõesȱqueȱeleȱpropõeȱsão:ȱÉȱpossívelȱ talȱciência?ȱPodeȱelaȱexplicarȱ
cadaȱ aspectoȱdoȱ comportamentoȱhumano?ȱQueȱmétodosȱpodeȱ empregar?ȱ Sãoȱ suasȱ leisȱ tãoȱ
válidasȱ quantoȱ asȱ daȱ Físicaȱ eȱ daȱ Biologia?”ȱ Proporcionaráȱ elaȱ umaȱ tecnologiaȱ e,ȱ emȱ casoȱ
ȱ 3
positivo,ȱqueȱpapelȱdesempenharáȱnosȱassuntosȱhumanos?ȱSãoȱparticularmenteȱ importantesȱ
suasȱrelaçõesȱcomȱasȱformasȱanterioresȱdeȱtratamentoȱdoȱmesmoȱassunto.ȱOȱcomportamentoȱ
humanoȱéȱoȱtraçoȱmaisȱfamiliarȱdoȱmundoȱemȱqueȱasȱpessoasȱvivem,ȱeȱdeveȬseȱterȱditoȱmaisȱ
sobreȱeleȱdoȱqueȱsobreȱqualquerȱoutraȱcoisa.ȱEȱdeȱtudoȱoȱqueȱfoiȱdito,ȱoȱqueȱvaleȱaȱpenaȱserȱ
conservado?ȱ(Skinner,ȱ1974/2003,ȱp.ȱ7,ȱgrifoȱnosso).ȱ
ȱ
ȱ Éȱ destaȱ formaȱ queȱ Skinnerȱ (1974/2003)ȱ começaȱ seuȱ livroȱ chamadoȱ “Sobreȱ oȱ
Behaviorismo”.ȱDestacaȬseȱnestaȱcitaçãoȱumaȱdistinçãoȱgeralmenteȱnegligenciada:ȱaȱdiferençaȱ
entreȱ Behaviorismoȱ eȱAnáliseȱ doȱComportamento.ȱCiênciaȱ eȱ Filosofiaȱ –ȱ ouȱ conhecimentoȱ
científicoȱeȱconhecimentoȱfilosóficoȱ–ȱandam,ȱgeralmente,ȱdeȱbraçosȱdados,ȱmasȱháȱdiferençasȱ
entreȱ umaȱ eȱ outra.ȱ Comoȱ destacadoȱ porȱ Skinnerȱ noȱtrechoȱ acima,ȱ quandoȱ falamosȱ deȱ
Behaviorismo,ȱestamosȱdiscutindoȱquestõesȱfilosóficas,ȱ istoȱé,ȱquestõesȱqueȱorientamȱaȱformaȱ
comoȱentendemosȱoȱmundoȱouȱumaȱparteȱespecíficaȱdele;ȱestamosȱfalandoȱdeȱumaȱvisãoȱdeȱ
mundo.ȱAȱprópriaȱpossibilidadeȱdeȱumaȱ ciênciaȱdoȱ comportamentoȱ é,ȱ emȱ si,ȱumaȱquestãoȱ
filosófica,ȱéȱumaȱquestãoȱdeȱcomoȱ“enxergamos”ȱoȱserȱhumano.ȱ
BehaviorismosȱeȱasȱVicissitudesȱdoȱSistemaȱSkinnerianoȱȱ
ȱ UmaȱconsultaȱrápidaȱsobreȱoȱBehaviorismoȱemȱmuitosȱdosȱmanuaisȱintrodutóriosȱdeȱ
Psicologiaȱouȱ livrosȱdeȱHistóriaȱdaȱPsicologia,ȱatuaisȱeȱantigos,ȱ revelaráȱcríticasȱ tenazesȱaoȱ
Behaviorismo,ȱ críticasȱ estasȱ apresentadas,ȱ muitasȱ vezes,ȱ sobȱ rótulosȱ comoȱ “mecanicista”,ȱ
“simplista”,ȱ“reducionista”,ȱ“psicologiaȱestímuloȬresposta”,ȱ“psicologiaȱdaȱcaixaȬpreta”,ȱetc.ȱ
Emboraȱseȱpossaȱargumentarȱqueȱaȱatribuiçãoȱdeȱalgunsȱdessesȱadjetivosȱaȱumaȱdeterminaȱ
abordagemȱ científicaȱ nãoȱ sejaȱ necessariamenteȱ ruimȱ (háȱ umaȱ máȱ compreensão,ȱ ouȱ usoȱ
inadequado,ȱdessesȱ termosȱporȱ algunsȱ autores),ȱ atribuíȬlosȱ aoȱ sistemaȱ skinnerianoȱ é,ȱpeloȱ
menosȱ emȱ parte,ȱ “chutarȱ umȱ cachorroȱ morto”,ȱ istoȱ é,ȱ taisȱ críticasȱ sãoȱ feitas,ȱ geralmente,ȱ
tendoȱcomoȱreferênciaȱconcepçõesȱbehavioristasȱultrapassadasȱ(Chiesa,ȱ1994/2006).ȱ
ȱ Essasȱ concepçõesȱ têmȱ hoje,ȱ sobretudo,ȱ umȱ interesseȱ apenasȱ histórico,ȱ eȱ devemȱ serȱ
atribuídasȱ tantoȱ aȱ pensadoresȱ eȱ pesquisadoresȱ diferentesȱ deȱ Skinnerȱ quantoȱ aoȱ próprioȱ
Skinnerȱnosȱprimeirosȱmomentosȱdeȱsuaȱcarreiraȱ(Chiesa,ȱ1994/2006;ȱMicheletto,ȱ1997/2006).ȱ
Michelettoȱ (1997/2006)ȱ sugereȱ queȱ aȱ propostaȱ deȱ Skinnerȱ podeȱ serȱ divididaȱ emȱ doisȱ
momentosȱ distintos:ȱ deȱ 1930ȱ aȱ 1938ȱ eȱ deȱ 1980ȱ aȱ 1990.ȱ SegundoȱMicheletto,ȱ oȱ “primeiro”ȱ
Skinnerȱ (1930Ȭ1938)ȱ éȱmarcadoȱ porȱ umaȱ forteȱ influênciaȱ dasȱ ciênciasȱ físicas,ȱ sobretudoȱ aȱ
mecânicaȱnewtoniana,ȱeȱdaȱfilosofiaȱdoȱreflexo:ȱ
ȱ
(...)ȱSkinner,ȱnesteȱmomento,ȱaindaȱtemȱumaȱsuposiçãoȱassociadaȱaoȱmecanicismo,ȱdecorrenteȱ
deȱterȱmantidoȱcaracterísticasȱoriginaisȱdaȱnoçãoȱdeȱreflexo:ȱapesarȱdeȱoperarȱcomȱaȱnoçãoȱdeȱ
relaçãoȱ funcionalȱ eȱ nãoȱ comȱ umaȱ causalidadeȱ mecânica,ȱ buscaȱ umȱ eventoȱ noȱ ambienteȱ
relacionadoȱcomȱoȱqueȱoȱorganismoȱfaz,ȱmasȱconsideraȱqueȱesteȱeventoȱdeveȱserȱumȱestímuloȱ
antecedenteȱqueȱprovocaȱaȱocorrênciaȱdaȱrespostaȱ(Micheletto,ȱ1997/2006,ȱp.ȱ46).ȱ
ȱ
ȱ Jáȱoȱ“segundo”ȱSkinnerȱ(1980Ȭ1990),ȱsegundoȱMichelettoȱ(1997/2006),ȱmostraȬseȱmaisȱ
comprometidoȱ comȱ oȱ modeloȱ causalȱ queȱ embasaȱ asȱ ciênciasȱ biológicas,ȱ influenciadoȱ
principalmenteȱpelaȱteoriaȱdaȱevoluçãoȱdasȱespéciesȱporȱseleçãoȱnatural,ȱdeȱCharlesȱDarwinȱ
(1859),ȱ eȱ menosȱ influenciadoȱ peloȱ modeloȱ newtoniano.ȱ Noȱ entanto,ȱ jáȱ emȱ 1938ȱ Skinnerȱ
apresentavaȱumaȱrupturaȱcomȱoȱmodeloȱcausalȱmecanicista.ȱUmȱexemploȱclaroȱéȱaȱdefiniçãoȱ
deȱ reflexo,ȱ entendidoȱ àȱ épocaȱ comoȱ umaȱ ligaçãoȱ diretaȱ entreȱ estímuloȱ eȱ resposta,ȱ eȱ
reinterpretadoȱporȱSkinnerȱ(1938)ȱcomoȱumaȱcorrelaçãoȱentreȱdoisȱeventosȱobserváveis:ȱ“Emȱ
ȱ 4
geral,ȱaȱnoçãoȱdeȱ reflexoȱdeveȱ seȱ livrarȱdeȱqualquerȱnoçãoȱdeȱ ‘empurrão’ȱdoȱestímulo.ȱOsȱ
termosȱseȱreferemȱaquiȱaȱeventosȱcorrelacionados,ȱeȱaȱnadaȱmais”ȱ(Skinner,ȱ1938,ȱp.ȱ21).ȱDizȬ
se,ȱ então,ȱ queȱ Skinnerȱ substituiȱ aȱ noçãoȱ deȱ causalidadeȱmecânicaȱ pelaȱ noçãoȱ deȱ relaçõesȱ
funcionaisȱ (Chiesa,ȱ 1994/2006;ȱ Skinner,ȱ 1953/1998).ȱ Comoȱ apontaȱ oȱ próprioȱ Skinnerȱ
(1953/1998),ȱ aȱ ciênciaȱ temȱ substituídoȱ oȱ termoȱ causaȱ peloȱ termoȱ relaçãoȱ funcional,ȱ poisȱ oȱ
primeiroȱ remeteȱ aȱ forçasȱ eȱ mecanismosȱ queȱ “ligam”ȱ doisȱ eventos,ȱ jáȱ oȱ segundo,ȱ apenasȱ
estabeleceȱregularidadeȱentreȱdoisȱ(ouȱmais)ȱeventos.ȱ
Essaȱ mudançaȱ noȱ pensamentoȱ skinnerianoȱ éȱ comumenteȱ atribuídaȱ (ouȱ
correlacionada)ȱ àȱ influênciaȱ doȱ físicoȱ eȱ epistemólogoȱ ErnestȱMachȱ (cf.,ȱChiesa,ȱ 1994/2006;ȱ
Micheletto,ȱ 1997/2006;ȱ Todorov,ȱ 1989).ȱ Ernestȱ Machȱ (cf.,ȱ Chiesa,ȱ 1994/2006),ȱ gerouȱ certaȱ
discussãoȱ entreȱ filósofosȱ eȱ físicosȱ aoȱ afirmarȱ queȱ oȱ conceitoȱ deȱ forçaȱ eraȱ absolutamenteȱ
redundanteȱ paraȱ oȱ adequadoȱ entendimentoȱ eȱ aplicaçãoȱ daȱ mecânicaȱ clássica.ȱ Aȱ noçãoȱ
propostaȱporȱMach,ȱdeȱqueȱnãoȱéȱnecessárioȱinferirȱouȱpostularȱumaȱ“forçaȱdeȱatração”ȱparaȱ
explicarȱporqueȱobjetosȱcaem,ȱéȱaȱmesmaȱnoçãoȱpropostaȱporȱSkinnerȱ (1938)ȱdeȱqueȱnãoȱéȱ
necessárioȱinferirȱumaȱforçaȱouȱmecanismoȱqueȱestabelecemȱoȱeloȱentreȱumȱestímuloȱeȱumaȱ
resposta.ȱȱ
ȱ Umȱpontoȱmarcanteȱnoȱdesenvolvimentoȱdoȱ sistemaȱdeȱpensamentoȱ skinneriano,ȱeȱ
consideradoȱ oȱ “nascimento”ȱ doȱ Behaviorismoȱ Radicalȱ (Tourinho,ȱ 1987)ȱ éȱ aȱ publicação,ȱ emȱ
1945,ȱ doȱ artigoȱ intituladoȱ “Análiseȱ Operanteȱ deȱ Termosȱ Psicológicos4”ȱ (Skinner,ȱ 1945/1972).ȱ
SkinnerȱforaȱconvidadoȱparaȱparticiparȱdeȱumȱsimpósioȱsobreȱoȱOperacionismo,ȱumaȱdoutrinaȱ
filosóficaȱpropostaȱporȱBridgmanȱ(1927)ȱeȱcujaȱteseȱprincipalȱeraȱaȱdeȱqueȱosȱconceitosȱdevemȱ
serȱ definidosȱ emȱ termosȱ dasȱ operaçõesȱ queȱ oȱ produzem.ȱOȱ significado,ȱ porȱ exemplo,ȱ deȱ
comprimento,ȱ deveriaȱ serȱ buscadoȱ nasȱ operaçõesȱ pelasȱ quaisȱ oȱ comprimentoȱ éȱ medidoȱ
(Skinner,ȱ1945/1972;ȱTourinho,ȱ1987).ȱ
ȱ EmboraȱSkinnerȱ(1945/1972)ȱreconheçaȱaȱinfluênciaȱdaȱpropostaȱdeȱBridgmanȱemȱseusȱ
trabalhosȱ iniciais,ȱnesteȱmomentoȱdeȱ suaȱobraȱeleȱquestionaȱaȱutilidadeȱdoȱOperacionismoȱ
paraȱ oȱ desenvolvimentoȱ deȱ umaȱ ciênciaȱ doȱ comportamento,ȱ sobretudoȱ comȱ relaçãoȱ àȱ
definiçãoȱ eȱ entendimentoȱ deȱ conceitosȱ psicológicos.ȱ Skinnerȱ (1945/1972)ȱ argumentaȱ
inicialmenteȱ queȱ conceitosȱ devemȱ serȱ analisadosȱ comoȱ aquiloȱ queȱ realmenteȱ são:ȱ
comportamentosȱ verbais.ȱ Paraȱ Skinner,ȱ então,ȱ analisarȱ conceitosȱ significaȱ analisarȱ oȱ
comportamentoȱ verbal5ȱdoȱ cientistaȱ (ouȱdeȱ quemȱ osȱusa)ȱ e,ȱparaȱ tanto,ȱdeveȬseȱ buscarȱ asȱ
condiçõesȱantecedentesȱeȱasȱcondiçõesȱconseqüentesȱdoȱusoȱdeȱdeterminadoȱconceitoȱ(análiseȱ
funcional).ȱ
ȱ Asȱ implicaçõesȱ dessaȱ propostaȱ deȱ Skinnerȱ (1945/1972),ȱ eȱ osȱ caminhosȱ percorridosȱ
paraȱchegarȱaȱela,ȱserãoȱapresentadosȱemȱmaisȱdetalheȱemȱcapítulosȱsubseqüentesȱdesteȱlivro.ȱ
Porȱenquanto,ȱparaȱosȱpropósitosȱdesseȱcapítulo,ȱbastaȬnosȱsaberȱqueȱtalȱpropostaȱestabeleceȱ
umaȱdistinçãoȱdrásticaȱentreȱoȱbehaviorismoȱdeȱSkinner,ȱdenominadoȱporȱeleȱBehaviorismoȱ
Radical,ȱeȱoȱBehaviorismoȱpraticadoȱ(ouȱdefendido)ȱporȱseusȱcontemporâneos,ȱreferidoȱporȱ
SkinnerȱcomoȱBehaviorismoȱMetodológico.ȱNoȱBehaviorismoȱRadicalȱháȱoȱ reconhecimentoȱ
deȱqueȱeventosȱpsicológicosȱprivadosȱ(e.g.,ȱpensamento,ȱconsciência,ȱetc.)ȱdevemȱfazerȱparteȱ
doȱ objetoȱ deȱ estudoȱ deȱ umaȱ ciênciaȱ doȱ comportamento,ȱ eȱ podemȱ serȱ estudadosȱ comȱ oȱ
mesmoȱrigorȱcientíficoȱqueȱeventosȱpúblicos.ȱ
ȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
4ȱTítuloȱoriginal:ȱ“TheȱOperationalȱAnalysisȱofȱPsychologicalȱTerms”.ȱ
5ȱSegundoȱoȱpróprioȱSkinnerȱ(1945/1972),ȱparteȱdaȱargumentaçãoȱusadaȱemȱ1945ȱeraȱderivadaȱdeȱumaȱ
outraȱobraȱsuaȱqueȱseȱencontravaȱemȱpreparaçãoȱeȱseriaȱpublicadaȱemȱ1957:ȱ“OȱcomportamentoȱVerbal”ȱ
(Skinner,ȱ1957/1978).ȱ
ȱ 5
ȱ Outraȱ importanteȱ característicaȱ doȱ BehaviorismoȱRadicalȱ apresentadaȱ noȱ artigoȱ deȱ
1945,ȱeȱdaȱqualȱderiva,ȱpeloȱmenosȱemȱparte,ȱaȱpossibilidadeȱdoȱestudoȱcientíficoȱdosȱeventosȱ
privados,ȱ éȱ aȱ proposiçãoȱ deȱ Skinnerȱ (1945/1972)ȱ deȱ queȱ eventosȱ privadosȱ (ouȱ
comportamentosȱprivados)ȱsãoȱ tãoȱ físicosȱquantoȱosȱeventosȱpúblicosȱ (ouȱcomportamentosȱ
públicos),ȱistoȱé,ȱsãoȱdeȱmesmaȱnatureza:ȱ
ȱ
Deȱacordoȱcomȱessaȱdoutrinaȱ[behaviorismoȱmetodológico]ȱoȱmundoȱestáȱdivididoȱemȱeventosȱ
públicosȱeȱprivados;ȱeȱaȱpsicologia,ȱparaȱatingirȱosȱcritériosȱdeȱumaȱciência,ȱprecisaȱseȱconfinarȱ
aoȱestudoȱdosȱprimeiros.ȱEsseȱnuncaȱfoiȱumȱbomȱbehaviorismo,ȱmasȱeraȱumaȱposiçãoȱfácilȱdeȱ
exporȱ eȱdefenderȱ eȱ freqüentementeȱdefendidaȱpelosȱprópriosȱbehavioristasȱ (...)ȱAȱdistinçãoȱ
públicoȬprivadoȱenfatizaȱaȱáridaȱfilosofiaȱdaȱ‘verdadeȱporȱconcordância’.ȱ(...)ȱOȱcritérioȱúltimoȱ
paraȱaȱadequaçãoȱdeȱumȱconceitoȱnãoȱéȱaȱconcordânciaȱentreȱduasȱpessoas,ȱmasȱseȱoȱcientistaȱqueȱusaȱoȱconceitoȱpodeȱoperarȱcomȱsucessoȱsobreȱseuȱmaterialȱ–ȱsozinhoȱseȱnecessário.ȱ(...)ȱAȱ
distinçãoȱentreȱpúblicoȱeȱprivadoȱnãoȱé,ȱdeȱformaȱalguma,ȱaȱmesmaȱqueȱaȱdistinçãoȱentreȱfísicoȱ
eȱmental.ȱÉȱporȱissoȱqueȱoȱbehaviorismoȱmetodológicoȱ(queȱadotaȱaȱprimeira)ȱéȱbemȱdiferenteȱ
doȱbehaviorismoȱ radicalȱ (...).ȱOȱ resultadoȱéȱqueȱenquantoȱoȱbehaviorismoȱ radicalȱpode,ȱemȱ
algunsȱcasos,ȱconsiderarȱeventosȱprivadosȱ(...),ȱoȱoperacionismoȱmetodológicoȱseȱcolocouȱemȱ
umaȱposiçãoȱemȱqueȱnãoȱpodeȱ(Skinner,ȱ1945/1972,ȱp.ȱ382Ȭ383).ȱ
ȱ
ȱ Curiosamente,ȱ muitasȱ dasȱ críticasȱ queȱ Skinnerȱ (1945/1972)ȱ faziaȱ aosȱ behavioristasȱ
metodológicosȱmaisȱdeȱ seisȱdécadasȱatrásȱ são,ȱaindaȱhoje,ȱ feitasȱaoȱpróprioȱSkinner.ȱEssasȱ
críticasȱsão,ȱobviamente,ȱequivocadasȱ–ȱquandoȱfeitasȱaoȱBehaviorismoȱRadical.ȱFicaȱclaroȱnoȱ
textoȱdeȱ1945/1972ȱbemȱ comoȱ emȱobrasȱ subseqüentesȱdeȱSkinnerȱ (e.g.,ȱSkinner,ȱ1974/2003)ȱ
queȱoȱBehaviorismoȱRadical:ȱ(a)ȱéȱmonistaȱ(entendeȱeventosȱprivadosȱeȱpúblicosȱcomoȱsendoȱ
deȱ mesmaȱ natureza);ȱ (b)ȱ temȱ comoȱ critérioȱ deȱ verdadeȱ aȱ efetividadeȱ –ȱ noȱ usoȱ doȱ
conhecimentoȱ–ȱeȱnãoȱaȱconcordânciaȱentreȱobservadores;ȱeȱ(c)ȱtomaȱcomoȱlegítimosȱobjetosȱ
deȱ estudoȱ osȱ eventosȱ privados,ȱ resgatandoȱ aȱ introspecçãoȱ eȱ oȱ estudoȱdaȱ consciência,ȱ nãoȱ
comoȱmétodo,ȱmasȱcomoȱcomportamentosȱemȱseuȱpróprioȱdireito.ȱ
ȱ Comoȱ apontadoȱ anteriormente,ȱ umaȱ mudançaȱ importanteȱ noȱ pensamentoȱ
skinnerianoȱfoiȱaȱtransiçãoȱdeȱumȱmodeloȱexplicativoȱmenosȱinfluenciadoȱpelaȱfísicaȱeȱmaisȱ
voltadoȱ paraȱ oȱ modeloȱ dasȱ ciênciasȱ biológicas,ȱ notadamenteȱ aȱ teoriaȱ daȱ evoluçãoȱ dasȱ
espéciesȱporȱseleçãoȱnatural,ȱdeȱCharlesȱDarwinȱ(1859).ȱEmȱ1981ȱSkinnerȱpublicouȱnaȱrevistaȱ
Science,ȱumȱdosȱmaisȱ importantesȱ eȱ influentesȱperiódicosȱ científicosȱnoȱmundo,ȱumȱ artigoȱ
intituladoȱ “Seleçãoȱ porȱ Consequências”ȱ (Skinner,ȱ 1981/2007).ȱ Emboraȱ algumasȱ dasȱ idéiasȱ
apresentadasȱnoȱartigoȱjáȱestivessemȱpresentesȱemȱtrabalhosȱbemȱanterioresȱdeȱSkinnerȱ(e.g.,ȱ
Skinner,ȱ1953/1998),ȱoȱartigoȱrepresentaȱumaȱespécieȱdeȱformalizaçãoȱdoȱmodeloȱexplicativoȱ
doȱBehaviorismoȱRadical:ȱoȱmodeloȱdeȱseleçãoȱpelasȱconsequências.ȱ
ȱ Emȱseuȱlivroȱdeȱ1859,ȱDarwinȱexplicaȱaȱorigemȱdasȱdiferentesȱespéciesȱdeȱseresȱvivos,ȱ
bemȱ comoȱ diferenciaçõesȱ deȱ umaȱ mesmaȱ espécie,ȱ aȱ partirȱ deȱ doisȱ processosȱ básicosȱ
principais:ȱvariaçãoȱeȱseleção.ȱ ȱCadaȱindivíduoȱdeȱumaȱdadaȱespécieȱéȱúnico,ȱnoȱsentidoȱdeȱ
serȱ diferente,ȱ emȱ maiorȱ ouȱ menorȱ grau,ȱ deȱ outrosȱ membrosȱ daȱ mesmaȱ espécie.ȱ Essasȱ
diferençasȱ referemȬseȱaȱcaracterísticasȱanatômicas,ȱ fisiológicasȱeȱcomportamentais.ȱFalamosȱ
aqui,ȱ então,ȱ deȱ variaçãoȱ ouȱ variabilidadeȱ entreȱ membrosȱ deȱ umaȱ mesmaȱ espécie.ȱ Estesȱ
membrosȱdestaȱespécieȱvivem,ȱgeralmente,ȱemȱumȱmesmoȱambiente,ȱeȱ suasȱ característicasȱ
anatômicas,ȱ fisiológicasȱ eȱ comportamentaisȱ sãoȱ favoráveisȱ àȱvidaȱnesteȱ ambiente,ȱ istoȱ é,ȱ aȱ
espécieȱ estáȱ adaptadaȱ aoȱ ambiente.ȱ Enquantoȱ esteȱ ambienteȱ seȱ mantiverȱ inalterado,ȱ asȱ
característicasȱdestaȱespécieȱseȱmanterãoȱ inalteradas,ȱmesmoȱqueȱhajaȱdiferençasȱentreȱcadaȱ
membro.ȱ
ȱ 6
ȱ Deȱ acordoȱ comȱDarwinȱ (1859),ȱ entretanto,ȱ seȱhouverȱmudançasȱnoȱ ambienteȱdestaȱ
espécie,ȱ aquelesȱ indivíduosȱ cujasȱ característicasȱ mostraremȬseȱ maisȱ adequadasȱ aoȱ novoȱ
ambienteȱ terãoȱmaisȱchancesȱdeȱsobrevierȱeȱpassarȱseusȱgenesȱadianteȱ(prole).ȱVejamosȱumȱ
exemploȱfornecidoȱporȱDarwin:ȱ
ȱ
Vejamosȱoȱexemploȱdeȱumȱ lobo,ȱqueȱcaçaȱváriosȱ tiposȱdeȱanimais,ȱconseguindoȱalgunsȱpelaȱ
estratégiaȱdeȱcaça,ȱoutrosȱpelaȱforçaȱeȱoutrosȱpelaȱrapidez;ȱsuponhamosȱqueȱumaȱpresaȱmaisȱ
rápida,ȱ umȱ veado,ȱ porȱ exemplo,ȱ porȱ algumȱ motivo,ȱ aumentouȱ seuȱ númeroȱ emȱ umȱ
determinadoȱlocal,ȱouȱqueȱoutrasȱpresasȱdiminuíramȱseuȱnúmero,ȱduranteȱaȱépocaȱdoȱanoȱnaȱ
qualȱoȱloboȱmaisȱprecisaȱdeȱcomida.ȱSobȱessasȱcircunstâncias,ȱnãoȱvejoȱrazãoȱparaȱduvidarȱqueȱ
osȱlobosȱmaisȱrápidosȱeȱmaisȱmagrosȱteriamȱasȱmelhoresȱchancesȱdeȱsobreviverem,ȱe,ȱportanto,ȱ
deȱseremȱpreservadosȱouȱselecionadosȱ(...)ȱ(Darwin,ȱ1859,ȱp.ȱ90).ȱ
ȱ
ȱ Noȱ exemploȱ acimaȱ podemosȱ identificarȱ osȱ doisȱ princípiosȱ básicosȱ apontadosȱ porȱ
Darwinȱ (1859):ȱ lobos,ȱmembrosȱdeȱumaȱmesmaȱespécie,ȱdiferem,ȱporȱexemplo,ȱemȱ forçaȱeȱ
agilidadeȱ ouȱ rapidezȱ (variação);ȱ eȱ quandoȱ oȱ ambienteȱ mudaȱ (maiorȱ disponibilidadeȱ deȱ
presasȱ velozes),ȱ aquelesȱ lobosȱ queȱ sãoȱ maisȱ velozesȱ têmȱ maisȱ chancesȱ deȱ sobreviverȱ eȱ
transmitirȱ seusȱgenesȱparaȱ suaȱproleȱe,ȱconsequentemente,ȱdepoisȱdeȱalgumȱ tempoȱhaveráȱ
umaȱ maiorȱ quantidadeȱ deȱ lobosȱ maisȱ velozes,ȱ istoȱ é,ȱ oȱ ambienteȱ selecionouȱ estaȱ
característica.ȱ
ȱ Dizerȱqueȱoȱambienteȱselecionouȱumaȱcaracterísticaȱéȱoȱmesmoȱqueȱdizerȱqueȱelaȱseȱ
tornouȱmaisȱfreqüente.ȱNoȱexemploȱdeȱDarwinȱ(1859),ȱemȱumȱprimeiroȱmomento,ȱaȱmaioriaȱ
dosȱlobosȱeraȱcapazȱdeȱcorrerȱaȱcertaȱvelocidadeȱmédiaȱX.ȱAlgunsȱpoucosȱlobosȱeramȱcapazesȱ
deȱcorrerȱaȱumaȱvelocidadeȱmédiaȱumȱpoucoȱmenorȱqueȱXȱeȱoutrosȱaȱumaȱvelocidadeȱmédiaȱ
umȱpoucoȱmaiorȱ(variabilidade).ȱQuandoȱasȱpresasȱdisponíveisȱnoȱambienteȱdosȱlobosȱeramȱ
aquelasȱ maisȱ velozes,ȱ aquelesȱ poucosȱ lobosȱ queȱ eramȱ maisȱ rápidosȱ (eȱ issoȱ eraȱ umaȱ
característicaȱgenéticaȱdeles)ȱforamȱmaisȱcapazesȱdeȱseȱalimentarȱeȱtransmitirȱseusȱgenesȱparaȱ
seusȱdescendentes,ȱque,ȱprovavelmente,ȱtambémȱeramȱmaisȱvelozesȱqueȱaȱmédia.ȱDepoisȱdeȱ
algumȱ tempo,ȱ aquelaȱ velocidadeȱ médiaȱ (maisȱ veloz)ȱ passouȱ aȱ serȱ bemȱ maisȱ freqüenteȱ
naqueleȱ grupoȱ deȱ lobos,ȱ istoȱ é,ȱ haviaȱ maisȱ lobosȱ capazesȱ deȱ desenvolveremȱ velocidadesȱ
maiores.ȱ
Emȱseuȱartigoȱdeȱ1981,ȱSkinnerȱ(1981/2007)ȱafirmaȱqueȱoȱprocessoȱdeȱseleçãoȱnaturalȱ
(Darwin,ȱ1859)ȱéȱapenasȱumȱprimeiroȱnívelȱ–ȱouȱtipoȱ–ȱdeȱseleçãoȱpelasȱconsequências,ȱeȱqueȱ
nosȱ explicariaȱ aȱ origemȱ dasȱ diferentesȱ espécies,ȱ assimȱ comoȱ nosȱ explicariaȱ parteȱ doȱ
comportamentoȱdosȱorganismos,ȱcomoȱapontadoȱpeloȱpróprioȱDarwin.ȱAoȱobservarmosȱosȱ
comportamentosȱ deȱ indivíduosȱ deȱ diferentesȱ espécies,ȱ percebemosȱ queȱ háȱ umaȱ sérieȱ deȱ
comportamentosȱqueȱestesȱorganismosȱemitemȱsemȱqueȱseȱfaçaȱnecessárioȱumaȱexperiênciaȱ
anterior,ȱ semȱ queȱ hajaȱ aprendizagemȱ (Moreiraȱ &ȱ Medeiros,ȱ 2007).ȱ Entretanto,ȱ comoȱ
apontadoȱ porȱ Skinner,ȱ há,ȱ deȱ formaȱ geral,ȱ duasȱ característicasȱ dosȱ animaisȱ queȱ foramȱ
selecionadasȱpeloȱambienteȱqueȱsãoȱfundamentaisȱparaȱaȱPsicologia,ȱpoisȱestãoȱdiretamenteȱ
relacionadasȱàȱnossaȱcapacidadeȱdeȱaprender:ȱ
ȱ
Oȱcomportamentoȱfuncionavaȱapropriadamenteȱapenasȱsobȱcondiçõesȱrelativamenteȱsimilaresȱ
àquelasȱ sobȱ asȱ quaisȱ foraȱ selecionado.ȱ Aȱ reproduçãoȱ sobȱ umaȱ amplaȱ gamaȱ deȱ condiçõesȱ
tornouȬseȱ possívelȱ comȱ aȱ evoluçãoȱ deȱ doisȱ processosȱ porȱ meioȱ dosȱ quaisȱ organismosȱ
individuaisȱ adquiriamȱ comportamentosȱ apropriadosȱ aȱ novosȱ ambientes.ȱ Porȱ meioȱ doȱ
condicionamentoȱ respondenteȱ (pavloviano),ȱ respostasȱpreparadasȱpreviamenteȱpelaȱ seleçãoȱ
naturalȱ poderiamȱ ficarȱ sobȱ oȱ controleȱ deȱ novosȱ estímulos.ȱ Porȱ meioȱ doȱ condicionamentoȱ
ȱ 7
operante,ȱ novasȱ respostasȱ poderiamȱ serȱ fortalecidasȱ (“reforçadas”)ȱ porȱ eventosȱ queȱ
imediatamenteȱasȱseguissemȱ(Skinner,ȱ1981/2007,ȱpȱ129Ȭ130).ȱ
ȱ
ȱ ComoȱapontadoȱporȱSkinnerȱ (1981/2007)ȱnoȱ trechoȱacima,ȱquandoȱumȱdeterminadoȱ
comportamentoȱéȱ selecionadoȱemȱumaȱdeterminadaȱespécie,ȱesseȱ comportamentoȱ somenteȱ
seráȱ adaptativoȱ enquantoȱ asȱ condiçõesȱ ambientaisȱ queȱ oȱ selecionaramȱ permaneceremȱ asȱ
mesmas.ȱ Noȱ entanto,ȱ oȱ próprioȱ processoȱ deȱ seleçãoȱ naturalȱ teriaȱ sidoȱ responsávelȱ pelaȱ
seleçãoȱdeȱduasȱcaracterísticasȱimportantesȱqueȱpassaramȱaȱpermitirȱqueȱosȱmembrosȱdeȱumaȱ
espécieȱpudessem,ȱduranteȱoȱperíodoȱdeȱsuaȱvida,ȱseȱadaptarȱaȱambientesȱdiferentesȱ–ȱouȱlidarȱ
maisȱ facilmenteȱ comȱmudançasȱ emȱ seuȱpróprioȱ ambiente.ȱEssasȱ característicasȱpodemȱ serȱ
definidasȱ comoȱ capacidadesȱ paraȱ aprenderȱ aȱ interagirȱ deȱ novasȱ formasȱ comȱ oȱ ambiente.ȱ
Essasȱaprendizagensȱocorremȱdeȱduasȱmaneiras:ȱatravésȱdoȱcondicionamentoȱrespondenteȱeȱdoȱ condicionamentoȱ operanteȱ (essesȱdoisȱprocessosȱdeȱ aprendizagemȱ serãoȱ aprofundadosȱ
emȱcapítulosȱsubseqüentes).ȱ
ȱ Segundoȱ Skinnerȱ (1981/2007),ȱ oȱ condicionamentoȱ operanteȱ éȱ umȱ segundoȱ tipoȱ deȱ
seleçãoȱ pelasȱ consequências.ȱ Emȱ algumȱ momentoȱ daȱ evoluçãoȱ dasȱ espéciesȱ oȱ
comportamentoȱ dosȱ organismosȱ passouȱ aȱ serȱ suscetívelȱ aosȱ acontecimentosȱ queȱ ocorremȱ
apósȱoȱcomportamentoȱserȱemitido,ȱistoȱé,ȱcertasȱconsequênciasȱdoȱcomportamentoȱ(eventosȱqueȱ
osȱ sucedem)ȱ queȱ podemȱ fortalecerȱ esteȱ comportamentoȱ eȱ tornarȱ suaȱ ocorrênciaȱ maisȱ
provável.ȱAȱanalogiaȱentreȱseleçãoȱnaturalȱeȱseleçãoȱoperanteȱéȱdireta.ȱNoȱentanto,ȱaȱseleçãoȱ
naturalȱproduzȱasȱdiferençasȱentreȱespécies,ȱasȱmudançasȱocorridasȱ(selecionadas)ȱaoȱ longoȱ
deȱ milharesȱ deȱ anos;ȱ jáȱ aȱ seleçãoȱ operante,ȱ estabeleceȱ asȱ diferençasȱ comportamentaisȱ
individuais,ȱeȱasȱmudançasȱcomportamentaisȱocorridasȱduranteȱaȱvidaȱdeȱumȱindivíduo.ȱ
ȱ Apenasȱcomoȱumȱexercícioȱparaȱentendermos,ȱdeȱmaneiraȱgeral,ȱoȱmodeloȱdeȱseleçãoȱ
pelasȱconsequênciasȱnoȱnívelȱ individualȱ (seleçãoȱoperante),ȱ tenteȱ imaginarȱumȱserȱhumanoȱ
emȱdiferentesȱmomentosȱdeȱsuaȱvida,ȱdesdeȱoȱseuȱnascimentoȱatéȱsuaȱmorte;ȱeȱtenteȱimaginarȱ
tambémȱ esseȱ serȱ humanoȱ emȱdiferentesȱ situaçõesȱdoȱ seuȱ cotidianoȱ –ȱ eȱ aoȱ imaginarȱ essasȱ
situações,ȱ tenteȱ imaginarȱnãoȱ sóȱoȱqueȱ esseȱ serȱhumanoȱ estáȱ fazendo,ȱmasȱ tambémȱoȱqueȱ
aconteceȱdepoisȱqueȱeleȱfazȱalgumaȱcoisa.ȱImagine,ȱporȱexemplo,ȱumȱpequenoȱbebêȱemȱseuȱ
berço,ȱ sorrindoȱparaȱ suaȱmãeȱ eȱbalbuciando.ȱOȱbebêȱ emiteȱdiferentesȱ sonsȱ aleatoriamenteȱ
(variabilidade)ȱe,ȱemȱalgumȱmomento,ȱeleȱemiteȱumȱsomȱparecidoȱcomȱ“mãn”.ȱȱQuandoȱissoȱ
acontece,ȱaȱmãeȱdoȱbebêȱ“fazȱumaȱfesta”ȱcomȱseuȱfilhoȱqueȱacabaȱdeȱdarȱoȱprimeiroȱpassoȱemȱ
direçãoȱàȱpalavraȱ“mamãe”,ȱaconchegandoȱeȱfalandoȱcomȱoȱbebê.ȱAsȱreaçõesȱdaȱmãeȱpoderãoȱ
terȱ umȱ efeitoȱ fortalecedorȱ sobreȱ oȱ comportamentoȱ doȱ bebê,ȱ ouȱ seja,ȱ poderãoȱ tornarȱmaisȱ
provávelȱ queȱ eleȱ repitaȱ aqueleȱ somȱ (dizemosȱ queȱ aȱ reaçãoȱdaȱmãeȱ funcionouȱ comoȱ umaȱ
conseqüênciaȱreforçadoraȱparaȱoȱcomportamentoȱdoȱbebê).ȱ
ȱ Oȱ bebêȱ entãoȱ passaȱ aȱ falarȱ “mã”ȱ maisȱ vezes.ȱ Nesteȱ sentido,ȱ dizemosȱ queȱ esseȱ
comportamentoȱfoiȱselecionadoȱporȱsuasȱconsequênciasȱnoȱambiente,ȱnesteȱcaso,ȱaȱreaçãoȱdaȱ
orgulhosaȱmamãe.ȱAlgumasȱvezesȱoȱ“mã”ȱéȱseguidoȱporȱsonsȱparecidosȱcomȱ“pá”,ȱoutrasȱporȱ
“dá”,ȱ eȱ etc.ȱ (variabilidade).ȱEmȱ algumȱmomento,ȱ oȱ “mã”ȱ éȱ seguidoȱ porȱ outroȱ “mã”,ȱ eȱ láȱ
estaráȱ aȱ mãeȱ paraȱ fazerȱ outraȱ “festa”ȱ comȱ seuȱ filho,ȱ queȱ estáȱ quaseȱ falandoȱ “mamãe”.ȱ
Dizemosȱentãoȱqueȱoȱcomportamentoȱdeȱdizer,ȱporȱenquanto,ȱ“mãmã”ȱ foiȱselecionadoȱporȱ
suasȱconsequências.ȱ
ȱ Imagineȱagoraȱumaȱcriançaȱporȱvoltaȱdosȱseusȱ3ȱouȱ4ȱanosȱqueȱpedeȱeducadamenteȱ
umȱdoceȱaȱseuȱpai,ȱeȱesteȱdizȱnão.ȱAoȱouvirȱoȱ“não”ȱaȱcriançaȱpedeȱoȱdoceȱdeȱ formaȱmaisȱ
vigorosa,ȱeȱouveȱoutroȱnão,ȱpedidoȱcadaȱvezȱdeȱ formaȱmaisȱvigorosaȱatéȱ iniciarȱumaȱbirraȱ
(variabilidade).ȱNoȱ ápiceȱdaȱ birraȱ seuȱpaiȱ aȱ atende,ȱdáȬlheȱ oȱdoce.ȱ Imagineȱ queȱ situaçõesȱ
ȱ 8
parecidasȱ continuemȱ ocorrendoȱ atéȱ queȱ aȱ criançaȱ passeȱ aȱ “darȱ birras”ȱ frequentemente.ȱ
Dizemosȱ entãoȱ queȱ esteȱ comportamento,ȱ “darȱ birras”,ȱ foiȱ selecionadoȱ porȱ suasȱ
consequências.ȱ
ȱ Imagineȱ asȱ diversasȱ interaçõesȱ entreȱ paisȱ eȱ filhosȱ (oȱ queȱ osȱ paisȱ fazemȱ ouȱ dizemȱ
quandoȱosȱfilhosȱfazemȱouȱdizemȱalgumaȱcoisa;ȱeȱoȱqueȱosȱfilhosȱfazemȱouȱdizemȱquandoȱosȱ
paisȱ fazemȱ ouȱ dizemȱ algumaȱ coisa);ȱ imagineȱ asȱ diversasȱ interaçõesȱ entreȱ professoresȱ eȱ
alunos;ȱ imagineȱ asȱ diversasȱ interaçõesȱ entreȱ alunos;ȱ imagineȱ asȱ diversasȱ interaçõesȱ entreȱ
adolescentesȱpertencentesȱaȱumȱmesmoȱgrupo;ȱimagineȱasȱdiversasȱinteraçõesȱentreȱamigos;ȱ
entreȱchefesȱeȱfuncionários;ȱentreȱfuncionáriosȱeȱfuncionários;ȱtiosȱeȱsobrinhos;ȱavósȱeȱnetos;ȱ
enfim,ȱ asȱ diversasȱ interaçõesȱ queȱ ocorremȱ cotidianamenteȱ naȱ vidaȱ deȱ todosȱ nós.ȱ Seȱ
examinarmosȱcomȱalgumȱcuidadoȱessasȱinterações,ȱperceberemosȱqueȱaȱreaçãoȱdosȱoutrosȱaoȱ
queȱ pensamos,ȱ falamosȱ ouȱ fazemosȱ influenciaȱ bastanteȱ nossasȱ formasȱ deȱ pensar,ȱ oȱ queȱ
falamosȱ eȱ oȱ queȱ fazemos,ȱ ouȱ seja,ȱ essasȱ reaçõesȱ sãoȱ consequênciasȱ dosȱ nossosȱ
comportamentosȱ eȱosȱ selecionam,ȱnoȱ sentidoȱdeȱ tornarȱ algunsȱdeȱnossosȱ comportamentosȱ
maisȱ freqüentesȱ eȱ outrosȱ menosȱ freqüentes.ȱ Obviamente,ȱ nossoȱ comportamentoȱ tambémȱ
funcionaȱcomoȱconseqüênciaȱparaȱoȱcomportamentoȱdasȱpessoasȱcomȱasȱquaisȱinteragimos,ȱeȱ
tambémȱselecionaȱcertosȱcomportamentosȱdessasȱpessoas.ȱOȱusoȱdoȱtermoȱ“interação”ȱnãoȱéȱ
porȱ acasoȱ eȱ implicaȱ emȱ analisarȱ asȱ experiênciasȱ individuaisȱ comoȱ umȱ processoȱ deȱ
retroalimentação.ȱCadaȱ interaçãoȱdoȱ indivíduoȱ comȱ seuȱ ambienteȱ alteraȱ aȱ formaȱ comoȱ asȱ
interaçõesȱ seguintesȱ ocorrerão,ȱ caracterizandoȱ umȱ processoȱ extremamenteȱ dinâmicoȱ eȱ
complexo.ȱ
ȱ AȱPsicologia,ȱdeȱmaneiraȱgeral,ȱocupaȬseȱdosȱfenômenosȱrelacionadosȱaȱesteȱsegundoȱ
nívelȱ deȱ seleçãoȱ pelasȱ consequências.ȱ Entendendoȱ comoȱ osȱ processosȱ deȱ variabilidadeȱ eȱ
seleçãoȱoperamȱnesteȱsegundoȱnível,ȱnosȱtornamosȱcapazesȱdeȱexplicar,ȱentreȱoutrasȱcoisas,ȱ
comoȱ aȱ personalidadeȱ deȱ umȱ indivíduoȱ éȱ formada,ȱ comoȱ surgemȱ boaȱ parteȱ dasȱ
psicopatologias,ȱcomoȱaprendemosȱaȱ falar,ȱescrever,ȱpensar,ȱdescreverȱnossosȱ sentimentos,ȱ
comoȱ surgeȱ nossoȱ temperamento,ȱ comoȱ surgeȱ aȱ subjetividade,ȱ comoȱ passamosȱ aȱ terȱ
consciênciaȱ deȱ nósȱ mesmosȱ eȱ doȱ mundoȱ eȱ umaȱ infinidadeȱ deȱ outrosȱ comportamentosȱ eȱ
processosȱpsicológicos.ȱParteȱsignificativaȱdesseȱlivroȱdedicaȬseȱaȱapresentarȱcadaȱumȱdessesȱ
processosȱàȱluzȱdoȱmodeloȱdeȱseleçãoȱpelasȱconsequências.ȱ
ȱ Aȱseleçãoȱnatural,ȱouȱfilogenia,ȱnosȱajudaȱaȱentenderȱaȱorigemȱdasȱdiferençasȱentreȱasȱ
espécies;ȱ aȱ seleçãoȱ operante,ȱ ouȱ ontogenia,ȱ nosȱ ajudaȱ aȱ entenderȱ aȱ origemȱdasȱdiferençasȱ
comportamentaisȱentreȱosȱ indivíduosȱe,ȱemboraȱesteȱsegundoȱnívelȱdeȱseleçãoȱnosȱpermitaȱ
explicarȱumaȱ infinidadeȱdeȱcomportamentosȱeȱprocessoȱpsicológicos,ȱháȱaindaȱumaȱ lacunaȱ
paraȱaȱadequadaȱcompreensãoȱdoȱ serȱhumano.ȱSegundoȱSkinnerȱ (1981/2007)ȱessaȱ lacunaȱéȱ
preenchidaȱporȱumȱterceiroȱnívelȱdeȱseleçãoȱpelasȱconsequências:ȱoȱnívelȱdeȱseleçãoȱcultural.ȱ
ȱ Deȱ acordoȱ comȱ Skinnerȱ (1981/2007),ȱ emȱ algumȱ momentoȱ daȱ evoluçãoȱ daȱ espécieȱ
humana,ȱ “aȱmusculaturaȱ vocalȱ ficouȱ sobȱ controleȱ operante”ȱ (p.ȱ 131).ȱ Issoȱ querȱ dizerȱ queȱ
vocalizaçõesȱ emitidasȱporȱumȱ indivíduoȱ ficaramȱ sensíveisȱ àsȱ suasȱ consequências,ȱ ouȱ seja,ȱ
passaramȱaȱterȱsuaȱprobabilidadeȱdeȱvoltarȱaȱocorrerȱaumentadaȱouȱdiminuídaȱemȱfunçãoȱdoȱ
queȱaconteciaȱnoȱambienteȱdoȱorganismoȱqueȱasȱemitia.ȱNestaȱcaracterísticaȱresideȱaȱorigemȱ
(ouȱpossibilidade)ȱdaȱlinguagemȱeȱoȱcaráterȱeminentementeȱsocialȱdoȱserȱhumano:ȱ
ȱ
Oȱ desenvolvimentoȱ doȱ controleȱ ambientalȱ sobreȱ aȱ musculaturaȱ vocalȱ aumentouȱ
consideravelmenteȱoȱauxílioȱqueȱumaȱpessoaȱrecebeȱdeȱoutras.ȱComportandoȬseȱverbalmente,ȱ
asȱpessoasȱpodemȱcooperarȱdeȱmaneiraȱmaisȱeficienteȱemȱatividadesȱcomuns.ȱAoȱreceberemȱ
conselhos,ȱ aoȱ atentaremȱ paraȱ avisos,ȱ aoȱ seguiremȱ instruções,ȱ eȱ aoȱ observaremȱ regras,ȱ asȱ
ȱ 9
pessoasȱpodemȱseȱbeneficiarȱdoȱqueȱoutrosȱ jáȱaprenderam.ȱPráticasȱéticasȱsãoȱfortalecidasȱaoȱ
seremȱ codificadasȱ emȱ leis,ȱ eȱ técnicasȱ especiaisȱ deȱ autogovernoȱ éticoȱ eȱ intelectualȱ sãoȱ
desenvolvidasȱeȱensinadas.ȱOȱautoconhecimentoȱouȱconsciênciaȱemergemȱquandoȱumaȱpessoaȱ
perguntaȱaȱoutraȱquestõesȱcomoȱ“Oȱqueȱvocêȱvaiȱ fazer?”ȱouȱ“Porȱquêȱvocêȱ fezȱaquilo?”.ȱAȱ
invençãoȱdoȱalfabetoȱpropagouȱessasȱvantagensȱporȱgrandesȱdistânciasȱeȱperíodosȱdeȱtempo.ȱ
Háȱ muitoȱ tempo,ȱ dizȬseȱ queȱ essasȱ característicasȱ conferemȱ àȱ espécieȱ humanaȱ suaȱ posiçãoȱ
única,ȱemboraȱ sejaȱpossívelȱqueȱ talȱ singularidadeȱ sejaȱ simplesmenteȱaȱextensãoȱdoȱ controleȱ
operanteȱàȱmusculaturaȱvocalȱ(Skinner,ȱ1981/2007,ȱp.ȱ131).ȱ
ȱ
ȱ Deȱ acordoȱ comȱ Skinnerȱ (1981/2007;ȱ 1987),ȱ oȱ surgimentoȱ daȱlinguagemȱ permitiuȱ oȱ
surgimentoȱ deȱ ambientesȱ sociaisȱ cadaȱ vezȱ maisȱ complexos,ȱ ouȱ seja,ȱ permitiuȱ oȱ rápidoȱ
desenvolvimentoȱdaȱculturaȱ (ouȱdeȱpráticasȱculturais).ȱParaȱSkinner,ȱassimȱcomoȱoȱmodeloȱ
deȱ seleçãoȱ pelasȱ consequênciasȱ nosȱ explicaȱ asȱ origensȱ eȱ asȱ diferençasȱ entreȱ asȱ espécies;ȱ
explicaȬnosȱasȱorigensȱeȱasȱdiferençasȱdosȱcomportamentosȱindividuais,ȱesseȱmodeloȱtambémȱ
nosȱexplicaȱasȱorigensȱeȱasȱdiferençasȱentreȱasȱculturas.ȱ
ȱ Vimosȱ queȱ aȱ variabilidadeȱ nasȱ característicasȱ (anatômicas,ȱ fisiológicasȱ eȱ
comportamentais)ȱ entreȱ membrosȱ deȱ umaȱ mesmaȱ espécieȱ permiteȱ aȱ seleçãoȱ deȱ novasȱ
característicasȱ que,ȱ emȱ algumȱ momento,ȱ passamȱ aȱ serȱ maisȱ adequadasȱ aȱ umȱ ambienteȱ
(seleçãoȱ noȱ nívelȱ filogenético).ȱ Vimosȱ tambémȱ queȱ aȱ variabilidadeȱ nosȱ comportamentosȱ
individuaisȱpermiteȱqueȱnovosȱcomportamentosȱsejamȱselecionadosȱpeloȱambienteȱ (seleçãoȱ
noȱnívelȱontogenético).ȱDaȱmesmaȱ forma,ȱvariabilidadeȱnasȱpráticasȱculturaisȱdeȱumȱgrupoȱ
permiteȱoȱsurgimentoȱdeȱnovasȱpráticasȱculturais,ȱistoȱé,ȱpermitaȱmudançaȱnaȱcultura.ȱ
ȱ Asȱpráticasȱculturaisȱdeȱumȱpovo,ȱsegundoȱSkinnerȱ(1953/1998;ȱ1981/2007),ȱproduzemȱ
certasȱ consequênciasȱ paraȱ esseȱ grupo.ȱ Porȱ exemplo,ȱ seȱ aȱ maioriaȱ dosȱ indivíduosȱ deȱ umȱ
determinadoȱgrupo,ȱqueȱmoraȱàȱbeiraȱdeȱumȱrio,ȱemiteȱregularmenteȱcomportamentosȱqueȱ
mantêmȱoȱ rioȱ limpo,ȱeȱobservamosȱesseȱhábitoȱatravésȱdasȱgeraçõesȱnesseȱgrupo,ȱdizemosȱ
entãoȱqueȱessesȱcomportamentosȱconstituemȱumaȱpráticaȱculturalȱdaqueleȱgrupo.ȱSegundoȱ
Skinner,ȱterȱoȱrioȱlimpoȱ(livreȱdeȱdoenças,ȱáguaȱpotável,ȱetc.)ȱéȱumaȱconseqüênciaȱdaȱpráticaȱ
culturalȱ eȱ éȱ estaȱ conseqüência,ȱ esseȱ efeitoȱ sobreȱ oȱ grupoȱ comoȱ umȱ todo,ȱ queȱ mantémȱ aȱ
ocorrênciaȱdessaȱprática.ȱNesteȱ sentido,ȱdizemosȱqueȱ estaȱ conseqüênciaȱ selecionouȱ aquelaȱ
práticaȱcultural.ȱ
CausalidadeȱeȱExplicaçãoȱnoȱBehaviorismoȱRadicalȱ
ȱ Porȱqueȱasȱfloresȱcaemȱnoȱoutonoȱeȱnãoȱnaȱprimavera?ȱPorȱqueȱoȱcéuȱéȱazul?ȱPorȱqueȱ
asȱcoisasȱcaemȱparaȱbaixoȱeȱnãoȱparaȱcima?ȱPorȱqueȱdepoisȱdeȱcozidoȱoȱovoȱnãoȱpodeȱserȱ
“descozido”?ȱPorȱqueȱtemosȱcincoȱdedosȱemȱcadaȱmãoȱeȱnãoȱseis?ȱPorȱqueȱalgumasȱpessoasȱ
induzemȱvômitoȱemȱsiȱmesmasȱdepoisȱdeȱcomer?ȱPorȱqueȱalgumasȱcriançasȱaprendemȱmaisȱ
rapidamenteȱqueȱoutras?ȱPorȱqueȱalgunsȱgruposȱsociaisȱodeiamȱoutrosȱgruposȱsociais?ȱPorȱ
queȱfulanoȱfezȱaquilo?ȱPorȱqueȱsicranoȱtemȱagidoȱdeȱformaȱtãoȱestranha?ȱEssasȱperguntasȱsãoȱ
apenasȱexemplosȱdeȱumȱtraçoȱbastanteȱcaracterísticoȱdoȱcomportamentoȱhumano:ȱqueremosȱ
explicarȱ tudoȱoȱqueȱaconteceȱaoȱnossoȱredor,ȱprincipalmenteȱaquiloȱqueȱasȱpessoasȱ(ouȱnósȱ
mesmos)ȱfazemȱouȱdeixamȱdeȱfazer.ȱ
Emȱumȱsentidoȱamplo,ȱexplicarȱsignificaȱapontarȱasȱcausasȱdeȱalgumaȱcoisa.ȱQuandoȱ
fazemosȱ aȱ perguntaȱ “porȱ queȱ fulanoȱ agiuȱ daquelaȱ forma?”ȱ estamosȱ perguntandoȱ “oȱ queȱ
causouȱaȱaqueleȱcomportamento”.ȱDuranteȱumȱcursoȱdeȱPsicologia,ȱporȱexemplo,ȱboaȱparteȱ
doȱqueȱosȱprofessoresȱensinamȱrefereȬseȱàsȱcausasȱdosȱcomportamentosȱdosȱindivíduos;ȱporȱ
queȱpensamȱoȱqueȱpensam?ȱPorȱqueȱsentemȱoȱqueȱsentem?ȱPorȱqueȱfalamȱoȱqueȱfalam?ȱPorȱ
ȱ 10
queȱ fazemȱoȱqueȱ fazem?ȱOuȱporȱqueȱdeixamȱdeȱ falar,ȱ fazer,ȱpensarȱouȱsentirȱoȱqueȱ falam,ȱ
fazem,ȱ pensamȱ eȱ sentem?ȱ Entretanto,ȱ oȱ alunoȱ deȱ Psicologia,ȱ jáȱ noȱ primeiroȱ semestreȱ doȱ
curso,ȱseȱdeparaȱcomȱumȱ“problema”ȱqueȱoȱacompanharáȱatéȱoȱfinalȱdoȱcursoȱ–ȱeȱatéȱmesmoȱ
depoisȱdeȱ formado:ȱ oȱ estudanteȱ começaȱ aȱ aprenderȱ queȱ existemȱdiversasȱ abordagensȱ emȱ
Psicologiaȱ eȱ queȱ cadaȱ umaȱ delasȱ apontaȱ diferentesȱ causasȱ paraȱ osȱ comportamentosȱ dasȱ
pessoas.Paraȱ complicarȱ maisȱ aindaȱ aȱ vidaȱ doȱ estudante,ȱ muitasȱ vezesȱ háȱ conflitos,ȱ
divergênciasȱentreȱasȱexplicações.ȱNaȱaulaȱdoȱprimeiroȱhorárioȱoȱprofessorȱdizȱqueȱasȱcausasȱ
deȱ umȱ determinadoȱ fenômenoȱ comportamentalȱ (umȱ transtornoȱ deȱ personalidade,ȱ porȱ
exemplo)ȱsãoȱX;ȱ jáȱnaȱaulaȱdoȱsegundoȱhorárioȱoȱprofessorȱdizȱ“Turma,ȱXȱnãoȱexplicaȱnadaȱ
sobreȱesseȱtranstornoȱdeȱpersonalidade.ȱNaȱverdade,ȱasȱverdadeirasȱcausasȱsãoȱYȱeȱZ”.ȱ
Porȱ queȱ issoȱ ocorre?ȱ Porȱ queȱ essaȱ divergência?ȱ Essaȱ “confusão”ȱ ocorreȱ porȱ umȱ
simplesȱmotivo:ȱexistemȱdiversosȱmodelosȱexplicativosȱnaȱPsicologiaȱ–ȱeȱnasȱciênciasȱemȱgeral.ȱ
Umȱmodeloȱexplicativoȱ refereȬse,ȱdeȱmaneiraȱgeral,ȱàȱ formaȱ comoȱ seȱexplica,ȱ seȱapontaȱasȱ
causas,ȱ deȱ umȱ dadoȱ fenômeno.ȱ Porȱ exemplo,ȱ imagineȱ oȱ casoȱ deȱ umȱ rapazȱ queȱ temȱ
dificuldadesȱdeȱ iniciarȱeȱmanterȱumaȱconversaȱcomȱumaȱgarotaȱqueȱeleȱacheȱatraente.ȱUmaȱ
formaȱdeȱexplicarȱessaȱdificuldadeȱéȱdizerȱqueȱoȱrapazȱéȱtímido,ȱintrovertido.ȱOutraȱéȱdizerȱ
queȱeleȱ temȱmedoȱdeȱserȱ rejeitado,ȱouȱqueȱ temȱbaixaȱautoȬestima,ȱou,ȱainda,ȱqueȱhojeȱesseȱ
rapazȱ temȱ essaȱdificuldadeȱporqueȱ emȱoutrasȱvezesȱqueȱabordouȱumaȱgarotaȱqueȱachasseȱ
interessanteȱasȱconsequênciasȱforamȱdesastrosas.ȱ
Porȱqueȱosȱorganismosȱseȱcomportam?ȱ
Oȱ subtítuloȱ acimaȱ levaȱ oȱ mesmoȱ nomeȱ doȱ Capítuloȱ IIIȱ doȱ livroȱ Ciênciaȱ eȱ
ComportamentoȱHumanoȱ(Skinner,ȱ1953/1998).ȱNesseȱcapítuloȱSkinnerȱabordaȱalgumasȱcausasȱ
geraisȱ utilizadasȱ comumenteȱ pareȱ seȱ explicarȱ oȱ comportamento,ȱ apontandoȱ algunsȱ
problemasȱ emȱ seȱ utilizarȱ taisȱ causas.ȱ Umȱ primeiroȱ pontoȱ destacadoȱ porȱ Skinnerȱ éȱ queȱ
nenhumȱtipoȱdeȱcausaȱdeveȱserȱdescartadoȱdeȱimediato:ȱ“Qualquerȱcondiçãoȱouȱeventoȱqueȱ
tenhaȱ algumȱ efeitoȱ demonstrávelȱ sobreȱ oȱ comportamentoȱ deveȱ serȱ consideradoȱ (p.ȱ 24)”.ȱ
Note,ȱentretanto,ȱoȱusoȱdaȱpalavraȱdemonstrável.ȱOȱproblemaȱdeȱseȱatribuirȱcertasȱcausasȱaoȱ
comportamentoȱnãoȱ éȱ aȱ causaȱ emȱ si,ȱmasȱ aȱ faltaȱdeȱ evidênciasȱqueȱ atestemȱqueȱ aȱ aqueleȱ
eventoȱouȱcondição,ȱdeȱfato,ȱexerceȱalgumaȱinfluênciaȱsobreȱoȱcomportamentoȱdeȱalguém.ȱ
Seȱumȱ indivíduoȱ acredita,ȱporȱ exemplo,ȱ queȱ aȱposiçãoȱdosȱ astrosȱ noȱmomentoȱdoȱ
nascimentoȱ deȱ umaȱ pessoaȱ influência,ȱ ouȱ atéȱ mesmo,ȱ determinaȱ osȱ comportamentosȱ deȱ
alguémȱpeloȱrestoȱdeȱsuaȱvida,ȱesteȱindivíduoȱdeveriaȱserȱcapazȱdeȱdemonstrarȱessaȱinfluência.ȱ
Skinnerȱ (1953/1998)ȱ apontaȱ queȱ oȱ problemaȱ comȱ explicaçõesȱ advindas,ȱ porȱ exemplo,ȱ daȱ
astrologiaȱ eȱ daȱ numerologia,ȱ “sãoȱ tãoȱ vagasȱ queȱ aȱ rigorȱ nãoȱ podemȱ serȱ confirmadasȱ ouȱ
desmentidasȱ (p.ȱ25)”.ȱSeȱvocêȱdizȱ aȱumȱamigo:ȱ“amanhãȱvaiȱ chover,ȱmasȱpodeȱ fazerȱ sol”,ȱ
ficaráȱ difícilȱ dizerȱ queȱ vocêȱ estavaȱ erradoȱ naȱ suaȱ previsão.ȱ Daȱ mesmaȱ forma,ȱ dizer,ȱ porȱ
exemplo,ȱ “osȱ arianosȱ costumamȱ serȱ bastanteȱ ingênuos,ȱ porémȱ comȱ espíritoȱ inquietoȱ eȱ
selvagemȱ àsȱ vezes”ȱ constituiȱumaȱproposiçãoȱdifícilȱdeȱdemonstrarȱ queȱ estáȱ incorreta,ȱdeȱ
avaliar.ȱ
Outraȱ explicaçãoȱ (ouȱ causa)ȱ queȱ asȱ pessoasȱ geralmenteȱ usamȱ paraȱ explicarȱ oȱ
comportamentoȱ deȱ alguém,ȱ ouȱ delasȱ próprias,ȱ éȱ aȱ hereditariedade.ȱ Comoȱ vimosȱ
anteriormente,ȱparteȱdoȱcomportamentoȱdosȱorganismosȱéȱfrutoȱdaȱseleçãoȱnatural,ȱouȱseja,ȱ
sãoȱ determinadosȱ geneticamente.ȱ Entretanto,ȱ segundoȱ Skinnerȱ (1953/1998),ȱ explicarȱ asȱ
diferençasȱdeȱcomportamento,ȱdeȱpersonalidadeȱeȱasȱaptidõesȱdeȱindivíduosȱdeȱumaȱmesmaȱ
espécieȱ aȱ partirȱ daȱ hereditariedade,ȱ podeȱ constituirȱ umȱ equívoco.ȱ Éȱ bastanteȱ plausívelȱ
ȱ 11
presumirȱ queȱ aȱ hereditariedadeȱ possaȱ desempenharȱ algumȱ papelȱ naȱ explicaçãoȱ dosȱ
comportamentosȱdeȱ umaȱ pessoa.ȱNoȱ entanto,ȱ éȱ comumȱ exagerarȬseȱ naȱ importânciaȱdesseȱ
papel,ȱalémȱdoȱfatoȱdeȱqueȱinfereȬseȱqueȱumȱcomportamentoȱéȱinatoȱporȱdesconhecermosȱosȱ
efeitosȱ daȱ experiênciaȱ individualȱ paraȱ oȱ seuȱ desenvolvimentoȱ (hereditárioȱ éȱ oȱ queȱ nãoȱ
consigoȱprovarȱqueȱéȱaprendido).ȱ
Alémȱ daȱ faltaȱ deȱ dadosȱ conclusivosȱ sobreȱ aȱ influênciaȱ dessesȱ fatoresȱ noȱ
comportamentoȱhumano,ȱistoȱé,ȱalémȱdaȱfaltaȱdeȱevidênciasȱdeȱqueȱessesȱfatoresȱsãoȱcausasȱ
(ouȱ influências)ȱ legítimasȱdoȱcomportamento,ȱháȱumȱproblemaȱaindaȱmaior:ȱquantoȱmaisȱoȱ
comportamentoȱdeȱumaȱpessoaȱforȱexplicadoȱporȱessesȱfatores,ȱmenosȱoȱpapelȱdoȱpsicólogoȱ
seráȱnecessárioȱ(Skinner,ȱ1953/1998).ȱSeȱaȱ“causa”ȱdaȱtimidezȱdeȱalguémȱforȱhereditária,ȱporȱexemplo,ȱ issoȱ significaȱ dizerȱ queȱ éȱ genética,ȱ logo,ȱ essaȱ pessoaȱ estariaȱ “condenada”ȱ aȱ serȱ
tímidaȱ peloȱ restoȱ deȱ suaȱ vida.ȱ Éȱ curiosoȱ observarȱ queȱ algunsȱ psicólogosȱ eȱ alunosȱ deȱ
psicologiaȱ gostemȱ deȱ darȱ tantaȱ ênfaseȱ aoȱ papelȱ daȱ hereditariedadeȱ naȱ “causação”ȱ doȱ
comportamento.ȱ Devemosȱ reconhecerȱ queȱ aȱ hereditariedadeȱ possaȱ explicarȱ parteȱ doȱ
comportamentoȱdeȱumaȱpessoa,ȱmasȱdevemosȱ“apostarȱnossasȱfichas”ȱmaisȱnaȱaprendizagemȱ
eȱ naȱ interaçãoȱ doȱ queȱ naȱ hereditariedade.ȱ Psicólogosȱ queȱ acreditamȱ queȱ “pauȱ queȱ nasceȱ
torto,ȱmorreȱtorto”,ȱestãoȱnaȱprofissãoȱerrada.ȱ
Skinnerȱ (1953/1998)ȱapontaȱaindaȱumȱoutroȱ conjuntoȱdeȱ causasȱ–ȱequivocadasȱ–ȱdoȱ
comportamentoȱqueȱeleȱchamouȱcausasȱinternas,ȱqueȱsãoȱdeȱtrêsȱtipos:ȱ(a)ȱcausasȱneurais;ȱ(b)ȱ
causasȱ internasȱ psíquicas;ȱ eȱ (c)ȱ causasȱ internasȱ conceituais.ȱ Estamosȱ explicandoȱ oȱ
comportamentoȱ aȱ partirȱ deȱ causasȱ neuraisȱ quandoȱ utilizamosȱ expressõesȱ comoȱ “fulanoȱ
estavaȱ comȱ osȱ nervosȱ àȱ florȱ pele”ȱ eȱ “sicranoȱ temȱmioloȱmoleȱ ouȱ nãoȱ bateȱ bemȱdaȱ bola”.ȱ
Podemosȱusarȱ termosȱmaisȱ técnicosȱ também,ȱ como,ȱporȱ exemplo,ȱ “fulanoȱ estáȱdeprimidoȱ
porqueȱseusȱníveisȱdeȱserotoninaȱestãoȱbaixos”.ȱ
Skinnerȱ (1953/1998)ȱ fazȱ duasȱ consideraçõesȱ importantesȱ acercaȱ daȱ atribuiçãoȱ deȱ
causasȱneuraisȱdoȱcomportamento.ȱAȱprimeiraȱdelasȱdizȱ respeitoȱaoȱ fatoȱdeȱqueȱcondiçõesȱ
específicasȱdoȱnossoȱ sistemaȱnervosoȱnãoȱ sãoȱ asȱ causasȱdeȱumȱdadoȱ comportamento,ȱ sãoȱ
parteȱdoȱcomportamentoȱdoȱindivíduo.ȱPorȱexemplo,ȱquandoȱdizemosȱqueȱumaȱpessoaȱestáȱ
deprimida,ȱ estamosȱ dizendo,ȱ entreȱ outrasȱ coisas,ȱ queȱ elaȱ podeȱ estarȱ tendoȱ pensamentosȱ
recorrentesȱdeȱmorteȱouȱsuicídioȱeȱtambémȱqueȱseusȱníveisȱdeȱserotoninaȱpodemȱestarȱbaixos.ȱ
Aȱ causaȱ relevanteȱ daȱ depressão,ȱ paraȱ oȱ psicólogo,ȱ estaráȱ emȱ acontecimentosȱ daȱ vidaȱ daȱ
pessoaȱ(e.g.,ȱperdaȱdeȱumȱenteȱquerido).ȱȱ
Umȱsegundoȱproblemaȱemȱseȱatribuirȱcausasȱneuraisȱaoȱcomportamentoȱéȱdeȱordemȱ
maisȱprática:ȱoȱpsicólogo,ȱnoȱ exercícioȱdeȱ suaȱprofissão,ȱnãoȱdispõeȱdeȱ instrumentosȱparaȱ
“acessar”ȱ oȱ sistemaȱ nervosoȱ deȱ umaȱ pessoa,ȱ alémȱ deȱ nãoȱ poderȱ “interferir”ȱ diretamenteȱ
nesseȱsistemaȱnervosoȱcom,ȱporȱexemplo,ȱcirurgiasȱeȱmedicamentos.ȱAlémȱdisso,ȱconformeȱ
apontadoȱ porȱ Skinnerȱ (1953/1998),ȱ mesmoȱ conhecendoȱ todosȱ osȱ aspectosȱ neurológicosȱ
relacionadosȱàȱdepressão,ȱporȱexemplo,ȱaindaȱassimȱdeveremosȱbuscarȱnaȱhistóriaȱdaȱpessoaȱ
comȱdepressãoȱeventos,ȱsituaçõesȱqueȱserão,ȱdeȱfato,ȱaȱcausaȱ(ouȱcausas)ȱdaȱsuaȱdepressão,ȱouȱ
seja,ȱqueȱ serãoȱaȱ causaȱúltimaȱdosȱ“sintomasȱ comportamentais”ȱ (e.g.,ȱ idéiasȱ suicidas)ȱbemȱ
comoȱdasȱalteraçõesȱneurológicasȱ(e.g.,ȱbaixoȱnívelȱdeȱserotonina6).ȱ
ȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱȱ
6ȱOȱconhecimentoȱqueȱtemosȱhojeȱsobreȱoȱfuncionamentoȱdoȱcérebroȱéȱconsideravelmenteȱmaiorȱqueȱ
aqueleȱ disponívelȱ emȱ 1953,ȱ eȱ sabemosȱ hojeȱ comoȱ muitosȱ “estadosȱ internos”ȱ interferemȱ noȱ
funcionamentoȱ globalȱ doȱ indivíduo.ȱ Noȱ entanto,ȱ aindaȱ devemosȱ analisarȱ comȱ bastanteȱ cuidadoȱ
explicaçõesȱsobreȱoȱcomportamentoȱbaseadasȱnoȱfuncionamentoȱcerebral.ȱÉȱinteressante,ȱsempreȱqueȱ
possível,ȱconsiderarȱasȱfunçõesȱcerebraisȱcomoȱparteȱdoȱcomportamento,ȱnãoȱsuaȱcausa.ȱ
ȱ 12
Osȱ doisȱ outrosȱ tiposȱ deȱ causasȱ internasȱ (psíquicasȱ eȱ conceituais)ȱ apontadosȱ porȱ
Skinnerȱ (1953/1998)ȱ podemȱ serȱ agrupadosȱ emȱ umȱ únicoȱ tipo,ȱ dadoȱ queȱ apresentamȱ osȱ
mesmosȱproblemas:ȱ sãoȱ circularesȱ eȱ expressamȱ aȱ idéiaȱdeȱ outroȱ serȱ ouȱ agenteȱqueȱhabitaȱ
nossosȱ corposȱ eȱ causaȱ nossosȱ comportamentos.ȱ Essesȱ doisȱ tiposȱ deȱ causaȱ podemȱ serȱ
exemplificadosȱpeloȱusoȱdeȱexpressõesȱcomoȱ“fulanoȱtemȱumȱpersonalidadeȱdesordenada”,ȱ
“suaȱconsciênciaȱéȱseuȱguia”,ȱ“fulanoȱfumaȱdemaisȱporqueȱ temȱoȱvícioȱdoȱfumo”,ȱ“eleȱ jogaȱ
bemȱxadrezȱporqueȱéȱinteligente”,ȱ“elaȱbrigaȱporȱcausaȱdoȱseuȱinstintoȱdeȱluta”ȱouȱ“sicranoȱ
tocaȱbemȱpianoȱporȱ causaȱdeȱ suaȱhabilidadeȱmusical”ȱ (Skinner,ȱ1953/1998,ȱp.ȱ32Ȭ33).ȱEssesȱ
doisȱ tiposȱdeȱexplicaçãoȱsãoȱoȱqueȱSkinnerȱ (1974/2003)ȱchamouȱdeȱexplicaçõesȱmentalistas,ȱ
queȱsãoȱexplicaçõesȱqueȱnosȱdãoȱaȱfalsaȱimpressãoȱdeȱestarmosȱexplicandoȱalgoȱquando,ȱnaȱ
verdade,ȱnãoȱestamos.ȱVeremosȱporȱqueȱaȱseguir.ȱ
Explicaçõesȱcircularesȱdoȱcomportamentoȱ
Tomemosȱcomoȱexemploȱaȱ fraseȱcitadaȱanteriormente:ȱ“fulanoȱ fumaȱdemaisȱporqueȱ
temȱoȱvícioȱdoȱfumo”.ȱQuandoȱdizemosȱumaȱfraseȱassimȱestamosȱquerendoȱexplicarȱporqueȱ
alguémȱ fumaȱdemais,ȱ ouȱ seja,ȱ estamosȱ apontandoȱ aȱ causaȱ doȱ “fumarȱ demais”.ȱEstamosȱ tãoȱ
acostumadosȱcomȱesteȱtipoȱdeȱexplicaçãoȱqueȱmuitasȱvezesȱnãoȱpercebemosȱumȱerroȱ lógicoȱ
inerenteȱaȱele:ȱcausaȱeȱefeitoȱnãoȱpodemȱserȱaȱmesmaȱcoisa,ȱoȱmesmoȱeventoȱ(e.g.,ȱ“cairȱáguaȱ
doȱcéu”ȱnãoȱpodeȱserȱaȱexplicaçãoȱdeȱporqueȱestáȱchovendo).ȱSeȱdedicarmosȱumȱpoucoȱdoȱ
nossoȱ tempoȱ paraȱ analisarȱ proposiçõesȱ comoȱ essa,ȱ logoȱ perceberemosȱ queȱ nadaȱ estamosȱ
explicando.ȱ“Fulanoȱfumaȱdemais”ȱeȱ“fulanoȱtemȱoȱvícioȱdoȱfumo”ȱsãoȱexatamenteȱaȱmesmaȱ
proposição,ȱistoȱé,ȱtêmȱexatamenteȱoȱmesmoȱsignificado.ȱ
Quandoȱdizemosȱ“fulanoȱfumaȱdemais”,ȱoȱdizemosȱaoȱobservarȱoȱcomportamentoȱdeȱ
alguémȱ(oȱnúmeroȱdeȱcigarrosȱqueȱumȱamigoȱouȱconhecidoȱfumaȱporȱdia,ȱporȱexemplo).ȱAoȱ
observarȱ oȱ comportamentoȱ (fumarȱdemais),ȱ queremosȱ explicáȬlo,ȱ indicarȱ suaȱ causa,ȱ entãoȱ
dizemosȱ“fulanoȱfumaȱdemaisȱporqueȱtemȱoȱvícioȱdoȱfumo”.ȱDizerȱqueȱfulanoȱtemȱoȱvícioȱdoȱ
fumo,ȱdeȱalgumaȱforma,ȱnosȱpassaȱumaȱidéiaȱdeȱqueȱháȱalgoȱ(oȱvício)ȱdentroȱdaquelaȱpessoa,ȱ
eȱqueȱesteȱvícioȱaȱ impeleȱaȱ fumar.ȱNoȱentanto,ȱaȱúnicaȱevidênciaȱqueȱ temosȱdaȱexistênciaȱ
desseȱvícioȱéȱoȱpróprioȱcomportamentoȱdeȱfumar.ȱOȱdiálogoȱabaixoȱtalvezȱdeixeȱmaisȱclaraȱaȱ
circularidadeȱdesseȱtipoȱdeȱexplicação:ȱ
ȱ
Pessoaȱ1:ȱPorȱqueȱfulanoȱfumaȱtanto?ȱ
Pessoaȱ2:ȱPorqueȱeleȱéȱviciado.ȱ
Pessoaȱ1:ȱAh!ȱMasȱcomoȱvocêȱsabeȱqueȱeleȱéȱviciado?ȱ
Pessoaȱ2:ȱOra!ȱPorqueȱeleȱfumaȱdemais!ȱ
Pessoaȱ1:ȱMasȱporȱqueȱeleȱfumaȱdemais?ȱ
Pessoaȱ2:ȱPorqueȱtemȱesseȱvício!ȱ
Pessoaȱ1:ȱNãoȱestouȱentendendo!ȱEleȱfumaȱdemaisȱporqueȱéȱviciadoȱemȱcigarroȱouȱéȱviciadoȱ
emȱcigarroȱporqueȱfumaȱdemais?ȱ
Pessoaȱ2:ȱOsȱdois,ȱora!ȱ
ȱ
Dizer,ȱportanto,ȱqueȱalguémȱtemȱoȱvícioȱdoȱfumoȱsignificaȱapenasȱdizerȱqueȱalguémȱ
fumaȱ(demais),ȱmasȱnadaȱnosȱexplicaȱsobreȱaȱorigem,ȱaȱcausa,ȱdoȱfumarȱdemaisȱ(ouȱdoȱvício).ȱÉȱ
relativamenteȱsimplesȱperceberȱaȱcircularidadeȱdessaȱexplicaçãoȱpoisȱvícioȱdoȱfumoȱrefereȬseȱaȱ
unsȱpoucosȱcomportamentosȱdoȱindivíduoȱrelacionadosȱaoȱconsumoȱdeȱcigarros.ȱEntretanto,ȱ
háȱumaȱsérieȱdeȱoutrasȱexplicaçõesȱqueȱ lançamȱmãoȱdeȱconceitosȱpsicológicosȱparaȱexplicarȱ
comportamentosȱ maisȱ complexosȱ eȱ queȱ incorremȱ noȱ mesmoȱ erro.ȱ Oȱ usoȱ doȱ conceitoȱ deȱ
ȱ 13
inteligênciaȱéȱumȱbomȱexemplo.ȱVejamosȱaȱ seguinteȱ frase:ȱ“Joãoȱ jogaȱbemȱxadrezȱporqueȱéȱ
inteligente”.ȱCertamenteȱ jogarȱxadrezȱbemȱnãoȱéȱaȱúnicaȱrealizaçãoȱdeȱumaȱpessoaȱqueȱnosȱ
levaȱaȱdizerȱqueȱelaȱéȱinteligente.ȱHáȱumaȱinfinidadeȱdeȱcoisasȱqueȱasȱpessoasȱfalamȱeȱfazemȱ
queȱ nosȱ levamȱ aȱ dizerȱ queȱ essasȱ pessoasȱ sãoȱ inteligentes.ȱ Entretanto,ȱ usar,ȱ porȱ exemplo,ȱ
inteligênciaȱ comoȱ explicação,ȱ comoȱ causaȱdeȱ comportamentos,ȱ implicaȱ oȱmesmoȱproblemaȱ
apontadoȱ paraȱ oȱ usoȱ deȱ vícioȱ comoȱ explicaçãoȱ paraȱ oȱ comportamentoȱ deȱ fumar:ȱ aȱ únicaȱ
evidênciaȱqueȱtemosȱdeȱqueȱaȱpessoaȱéȱinteligenteȱéȱoȱfatoȱqueȱelaȱjogaȱbemȱxadrezȱ(eleȱjogaȱ
bemȱxadrezȱporqueȱéȱinteligenteȱouȱéȱinteligenteȱporqueȱjogaȱbemȱxadrez?).ȱDizer,ȱnesteȱcaso,ȱ
“fulanoȱéȱinteligente”ȱeȱ“fulanoȱjogaȱbemȱxadrez”ȱsignificamȱaȱmesmaȱcoisa,ȱumaȱproposiçãoȱ
nãoȱéȱaȱexplicação,ȱaȱcausa,ȱdaȱoutra.ȱ
Seȱpararmosȱporȱumȱmomentoȱparaȱanalisarmosȱosȱusosȱqueȱfazemosȱdoȱconceitoȱdeȱ
inteligência,ȱperceberemosȱfacilmenteȱqueȱnãoȱestamosȱexplicandoȱporȱqueȱalgumasȱpessoasȱ
fazemȱouȱ falamȱ certasȱ coisasȱ–ȱouȱ falamȱouȱ fazemȱ certasȱ coisasȱdeȱ certasȱmaneiras.ȱOȱusoȱ
desseȱ conceito,ȱ porȱ exemplo,ȱ temȱ umaȱ funçãoȱ adverbial,ȱ istoȱé,ȱ nãoȱ estamosȱ explicandoȱ oȱ
comportamentoȱ dasȱ pessoas,ȱ masȱ simȱ usandoȱ oȱ conceitoȱ comoȱ umȱ advérbioȱ (jogarȱ bemȱ
xadrezȱ versusȱ jogarȱ malȱ xadrez;ȱ OliveriaȬCastroȱ &ȱ OliveiraȬCastro,ȱ 2003).ȱ Analisarȱ comoȱ
usamosȱcertosȱconceitosȱpsicológicosȱéȱumaȱótimaȱatividadeȱparaȱpercebermosȱqueȱmuitasȱ
dasȱcausas/explicaçõesȱqueȱatribuímosȱaoȱcomportamentoȱdosȱoutros,ȱeȱaoȱnossoȱpróprio,ȱnaȱ
verdade,ȱ nadaȱ explicam.ȱ Apenasȱ comoȱ umȱ exercícioȱ desseȱ tipoȱ deȱ análise,ȱ eȱ paraȱ
complementarȱoȱraciocínioȱsobreȱexplicaçõesȱcirculares,ȱapresentaremosȱaȱseguirȱumaȱbreveȱ
análiseȱ deȱ umȱ conceitoȱ psicológicoȱ ostensivamenteȱ utilizadoȱ comoȱ causa/explicaçãoȱ doȱ
comportamentoȱdosȱorganismos:ȱoȱconceitoȱdeȱmotivação.ȱ
Asȱlógicasȱdoȱusoȱdoȱconceitoȱdeȱmotivaçãoȱ(exemploȱdeȱanáliseȱconceitual)ȱ
Segundoȱ Todorovȱ eȱ Moreiraȱ (2005)ȱ “motivação,ȱ assimȱ comoȱ aprendizagem,ȱ éȱ umȱ
termoȱ largamenteȱusadoȱemȱcompêndiosȱdeȱpsicologiaȱe,ȱcomoȱaprendizagem,ȱéȱusadoȱemȱ
diferentesȱcontextosȱcomȱdiferentesȱsignificados”ȱ(p.ȱ120).ȱOȱusoȱdoȱconceitoȱdeȱmotivação,ȱ
tantoȱnaȱ linguagemȱcotidianaȱquantoȱemȱcontextosȱmaisȱ técnicosȱouȱespecíficos,ȱéȱfeitoȱdasȱ
maisȱ diferentesȱ maneiras,ȱ assumindoȱ muitasȱ vezesȱ lógicasȱ bastanteȱ distintas.ȱ Éȱ comumȱ
usarmosȱoȱconceitoȱdeȱmotivaçãoȱparaȱexplicarȱoȱcomportamentoȱdosȱindivíduos,ȱentretanto,ȱ
aȱ análiseȱdoȱ seuȱusoȱ tantoȱnaȱ linguagemȱdoȱdiaȬaȬdia,ȱ quantoȱ emȱ linguagemȱ técnica,ȱnosȱ
revelaȱqueȱoȱconceitoȱéȱ importante,ȱ temȱsuaȱutilidade,ȱmasȱnãoȱnosȱ informa,ȱmuitasȱvezes,ȱ
sobreȱasȱcausasȱdoȱcomportamentoȱdeȱalguém.ȱ
Usoȱ disposicionalȱ (tendênciaȱ aȱ agirȱ deȱ certaȱmaneira).ȱOȱ filósofoȱ daȱ linguagemȱGilbertȱ
Ryleȱ (1949)ȱ argumentaȱ queȱ muitosȱ dosȱ conceitosȱ psicológicosȱ utilizadosȱ paraȱ explicarȱ oȱ
comportamentoȱ dasȱ pessoasȱ descrevemȱ disposiçõesȱ (conceitosȱ disposicionais)ȱ eȱ nãoȱ
ocorrênciasȱ (algoȱqueȱacontece).ȱSegundoȱRyle,ȱaȱ lógicaȱdoȱusoȱdeȱconceitosȱdisposicionais,ȱ
comoȱ explicaçãoȱ daȱ ação,ȱ éȱ diferenteȱ daȱ lógicaȱ deȱ explicaçõesȱ (causas)ȱ emȱ termosȱ deȱ
ocorrências.ȱPodemosȱresumirȱessaȱdiferençaȱdaȱseguinteȱforma:ȱexplicaçõesȱcausaisȱsãoȱdoȱ
tipoȱseȱAȱentãoȱB;ȱjáȱexplicaçõesȱdisposicionaisȱsãoȱdoȱtipoȱseȱAȱentãoȱtendênciaȱaȱocorrerȱB.ȱ
Umȱexemploȱtípicoȱdeȱconceitoȱdisposicionalȱéȱvaidade.ȱDizerȱqueȱalguémȱéȱvaidosoȱéȱ
equivalenteȱaȱdizerȱqueȱestaȱpessoaȱ temȱaȱ tendênciaȱdeȱagirȱdeȱdeterminadasȱmaneirasȱemȱ
determinadasȱocasiões.ȱDizer,ȱportanto,ȱqueȱalguémȱéȱvaidoso,ȱapenasȱnosȱdáȱ informaçõesȱ
sobreȱaȱprobabilidadeȱdessaȱpessoaȱagirȱdeȱcertasȱmaneiras,ȱmasȱnãoȱasȱcausasȱdessasȱações.ȱAȱ
lógicaȱdoȱusoȱdesseȱconceitoȱéȱaȱmesmaȱdoȱconceito,ȱporȱexemplo,ȱdeȱfumante.ȱHá,ȱnoȱentanto,ȱ
umaȱdiferençaȱcríticaȱentreȱessesȱdoisȱconceitosȱ(fumanteȱeȱvaidoso):ȱnoȱprimeiroȱexemploȱháȱ
ȱ 14
umȱnúmeroȱ restritoȱdeȱ casos,ȱdeȱ comportamentosȱ (fumar;ȱacenderȱumȱ isqueiroȱeȱ comprarȱ
cigarros)ȱ queȱ circunscrevemȱ aȱ listaȱ deȱ ocorrênciasȱ queȱ seȱ constituemȱ comoȱ umȱ casoȱ (umȱ
comportamento)ȱ pertencenteȱ aoȱ conceito;ȱ jáȱ noȱ segundoȱ exemploȱ (vaidade)ȱ oȱ númeroȱ deȱ
coisasȱqueȱoȱ indivíduoȱditoȱvaidosoȱ tendeȱaȱ fazerȱéȱpraticamenteȱ ilimitado.ȱTambémȱnãoȱéȱ
necessário,ȱnaȱ lógicaȱdoȱusoȱdeȱconceitosȱdisposicionais,ȱverificarȱaȱocorrênciaȱdeȱ todosȱosȱ
casosȱqueȱfazemȱparteȱdoȱconceito.ȱPorȱexemplo,ȱficarȱcomȱraivaȱaoȱverȱoutraȱpessoaȱsendoȱmuitoȱ
elogiadaȱnãoȱéȱumaȱocorrênciaȱnecessáriaȱparaȱseȱdizerȱqueȱalguémȱéȱvaidoso.ȱ
Conceitosȱdisposicionais,ȱportanto,ȱnãoȱespecificamȱaȱcausaȱdeȱumaȱação.ȱOȱconceitoȱ
deȱ motivaçãoȱ pareceȱ serȱ usado,ȱ emȱ algunsȱ casos,ȱ deȱ acordoȱ comȱ aȱ lógicaȱ deȱ conceitosȱ
disposicionais,ȱtantoȱnaȱlinguagemȱcotidianaȱquantoȱtécnicaȱdaȱPsicologia.ȱTalȱusoȱdeveȱserȱ
examinadoȱcomȱcuidado,ȱvistoȱqueȱoȱconceitoȱdeȱmotivaçãoȱmuitasȱvezesȱéȱempregadoȱparaȱ
explicarȱporȱqueȱasȱpessoasȱfazemȱoȱqueȱfazem.ȱ
ȱ Dizer,ȱ porȱ exemplo,ȱ queȱ Pedroȱ éȱ bemȱ sucedidoȱ noȱ trabalhoȱ porqueȱ éȱ umȱ rapazȱ
motivadoȱ(ouȱqueȱtemȱmuitaȱmotivaçãoȱparaȱoȱtrabalho)ȱnãoȱéȱapontarȱaȱcausaȱdoȱsucessoȱdeȱ
Pedro,ȱmasȱapontarȱqueȱPedroȱ temȱumaȱ tendênciaȱparaȱagirȱdeȱdeterminadasȱmaneirasȱnoȱ
trabalhoȱ como,ȱ porȱ exemplo,ȱ fazerȱ horaȬextraȱ semȱ reclamarȱ eȱ semȱ receberȱ porȱ isso,ȱ nãoȱ
desistirȱ facilmenteȱ frenteȱ aȱ problemas;ȱ realizarȱ tarefasȱ queȱ estãoȱ alémȱ daȱ suaȱ obrigação,ȱ
realizarȱbemȱtarefasȱnaȱausênciaȱdoȱchefeȱeȱetc.ȱNesteȱcaso,ȱdizerȱqueȱPedroȱéȱmotivado,ȱnãoȱ
explicaȱ porqueȱ eleȱ éȱ bemȱ sucedidoȱ (ouȱ porqueȱ fazȱ asȱ coisasȱ queȱ oȱ levaramȱ aȱ serȱ bemȱ
sucedido),ȱ ouȱ porqueȱ trabalhaȱ tanto,ȱ ouȱ porqueȱ trabalhaȱ daȱ formaȱ comoȱ trabalha.ȱDizer,ȱ
nesteȱ exemplo,ȱ queȱ Pedroȱ éȱmotivadoȱ apenasȱ nosȱ trásȱ informaçõesȱ sobreȱ aȱ tendênciaȱ deȱ
Pedroȱagirȱdeȱcertasȱmaneiras.ȱ
Funçãoȱ adverbialȱ (fazerȱ duasȱ coisasȱ versusȱ fazerȱ deȱ certaȱ maneira).ȱ Certosȱ conceitosȱ
psicológicosȱcomoȱ inteligência,ȱatenção,ȱobediência,ȱentreȱoutros,ȱ têmȱumaȱ funçãoȱadverbial,ȱ
istoȱé,ȱnãoȱ representamȱalgoȱqueȱoȱ indivíduoȱ faz,ȱmasȱqualificamȱoȱqueȱoȱ indivíduoȱ faz,ȱaȱ
formaȱ comoȱ eleȱ ageȱ (Ryle,ȱ 1949;ȱOliveiraȬCastroȱ&ȱOliveiraȬCastro,ȱ 2003).ȱEsseȱpareceȱ serȱ
tambémȱ umȱ dosȱ usosȱ doȱ conceitoȱ deȱ motivação.ȱ Tomemos,ȱ comoȱ exemplo,ȱ umȱ jogoȱ deȱ
futebol.ȱEmȱumaȱdeterminadaȱpartida,ȱtantoȱoȱJogadorȱ1ȱcomoȱoȱJogadorȱ2ȱcorrem,ȱchutamȱaȱ
gol,ȱ fazemȱ passesȱ paraȱ osȱ outrosȱ jogadores,ȱ driblam,ȱ “roubam”ȱ bolasȱ dosȱ adversáriosȱ eȱ
gritamȱ oȱ nomeȱ dosȱ colegasȱ pedindoȱ aȱ bola.ȱOȱ Jogadorȱ 1,ȱ noȱ entanto,ȱ realizaȱ todasȱ essasȱ
atividadesȱdeȱformaȱmaisȱvigorosa,ȱmaisȱintensa,ȱeȱcomȱmaiorȱfreqüência,ȱdestacandoȬseȱnaȱ
partidaȱaosȱolhosȱdeȱquemȱaȱassiste.ȱNãoȱseriaȱnenhumȱespantoȱseȱnoȱdiaȱseguinteȱaoȱ jogo,ȱ
duranteȱ oȱ “cafezinhoȱ noȱ trabalho”,ȱ oȱ comentárioȱ geralȱ entreȱ osȱ colegasȱ queȱ foramȱ
expectadoresȱdaȱpartidaȱnoȱdiaȱanteriorȱfosse:ȱ“OȱJogadorȱ1ȱestavaȱmuitoȱmaisȱmotivadoȱqueȱ
oȱJogadorȱ2ȱnaȱpartidaȱ(porȱissoȱjogouȱmelhorȱqueȱosȱcolegas)”.ȱ
ȱ Nesteȱcaso,ȱdizȬseȱqueȱoȱconceitoȱtemȱfunçãoȱadverbialȱporȱqualificarȱumaȱação.ȱFazerȱ
comȱ motivaçãoȱ nãoȱ éȱ fazerȱ duasȱ coisasȱ (jogarȱ eȱ “estarȱ motivado”),ȱ masȱ simȱ fazerȱ deȱ
determinadaȱmaneira;ȱcomoȱprestarȱatençãoȱouȱ fazerȱpensandoȱnoȱqueȱestáȱ fazendoȱnãoȱéȱ
fazerȱduasȱcoisasȱdiferentes,ȱmasȱfazerȱumaȱmesmaȱcoisaȱdeȱformasȱdiferentesȱ(Ryle,ȱ1949).ȱ
Oȱusoȱcomoȱ substantivoȱ (comoȱnome).ȱNoȱ tocanteȱaoȱusoȱdoȱconceitoȱdeȱmotivaçãoȱnaȱ
linguagemȱ técnica,ȱesseȱ tipoȱdeȱusoȱpareceȱserȱoȱmaisȱ inapropriado.ȱ Issoȱseȱdá,ȱsobretudo,ȱ
pelaȱ sobreposiçãoȱ comȱ conceitosȱ aparentadosȱ comoȱ impulso,ȱ energia,ȱ força,ȱ motivoȱ eȱ
vontade,ȱ entreȱ outros,ȱ queȱ emȱ umaȱ análiseȱ maisȱ cuidadosaȱ geramȱ clarosȱ absurdosȱ ouȱ
ampliamȱ tantoȱ oȱ usoȱdoȱ conceitoȱ queȱ esteȱ perdeȱ suaȱ utilidadeȱ (noȱ sentidoȱdeȱdiferenciarȱ
certosȱ fenômenosȱdeȱoutros).ȱAbaixoȱ sãoȱapresentadosȱalgunsȱexemplosȱdesseȱ tipoȱdeȱusoȱ
encontradosȱ emȱ livrosȱ técnicosȱdeȱPsicologiaȱ eȱAdministração,ȱ eȱ algunsȱ exemplosȱ escritosȱ
porȱalunosȱnoȱseuȱprimeiroȱdiaȱdeȱaulaȱdoȱterceiroȱsemestreȱdoȱcursoȱdeȱPsicologiaȱ(emȱsuaȱ
ȱ 15
primeiraȱaulaȱsobreȱMotivação).ȱAtenteȱparaȱasȱsemelhançasȱentreȱasȱdefiniçõesȱdeȱautoresȱ
clássicosȱeȱasȱdefiniçõesȱfeitasȱpelosȱalunos.ȱ
ȱ
Nosȱlivros:ȱ
1. “Umȱmotivoȱéȱumaȱnecessidadeȱouȱdesejoȱacopladoȱ comȱaȱ intençãoȱdeȱatingirȱumȱobjetivoȱ
apropriado”ȱ(Krenchȱ&ȱCrutchfield,ȱ1959,ȱp.ȱ272).ȱ
2. “Aȱpropriedadeȱbásicaȱdosȱmotivosȱéȱaȱenergizaçãoȱdoȱcomportamento”ȱ(Kimbleȱ&ȱGarmezy,ȱ
1963,ȱp.ȱ405).ȱ
3. “Oȱenergizadorȱdoȱcomportamento”ȱ(Lewis,ȱ1963,ȱp.ȱ560).ȱ
4. “Aȱpsicologiaȱtendeȱaȱlimitarȱaȱpalavraȱmotivaçãoȱ(...)ȱaosȱfatoresȱenvolvidosȱemȱprocessosȱdeȱ
energia,ȱeȱaȱincluirȱoutrosȱfatoresȱnaȱdeterminaçãoȱdoȱcomportamento.”ȱ(Cofer,ȱ1972,ȱp.ȱ2).ȱ
5. “Aȱmotivaçãoȱéȱencaradaȱcomoȱumaȱespécieȱdeȱ forçaȱ internaȱqueȱemerge,ȱ regulaȱeȱsustentaȱ
todasȱasȱnossasȱaçõesȱmaisȱimportantes.”ȱ(Vernon,ȱ1973,ȱp.11).ȱ6. “Oȱestudoȱdaȱmotivaçãoȱéȱaȱinvestigaçãoȱdasȱinfluênciasȱsobreȱaȱativação,ȱforçaȱeȱdireçãoȱdoȱ
comportamento.”ȱ(Arkesȱ&ȱGarske,ȱ1977,ȱp.ȱ3).ȱ
7. “Sempreȱ queȱ sentimosȱ umȱ desejoȱ ouȱ necessidadeȱ deȱ algo,ȱ estamosȱ emȱ umȱ estadoȱ deȱ
motivação.ȱMotivaçãoȱ éȱ umȱ sentimentoȱ internoȱ –ȱ éȱ umȱ impulsoȱ queȱ alguémȱ temȱ deȱ fazerȱ
algumaȱcoisa.”ȱ(Rogers,ȱLudingtonȱ&ȱGraham,ȱ1997,ȱp.ȱ2).ȱ
ȱ
Dosȱalunos:ȱ
1. “Aoȱmeuȱmodoȱdeȱobservarȱeȱentenderȱasȱcoisas,ȱmotivaçãoȱéȱumaȱforçaȱinternaȱqueȱlevaȱumaȱ
pessoaȱfazerȱalgoȱ(...)”.ȱ
2. “Aȱmotivaçãoȱestáȱligadaȱaoȱinteresse,ȱàȱiniciativa,ȱaȱumaȱvontadeȱdeȱquererȱfazerȱ(...)”.ȱ
3. “Aȱmotivaçãoȱéȱalgoȱqueȱnosȱimpulsionaȱaȱfazerȱalgumaȱcoisa,ȱsuprirȱumaȱnecessidade.”ȱ
4. “Motivaçãoȱéȱalgoȱqueȱestimulaȱoȱindivíduoȱaȱagirȱdeȱdeterminadaȱforma,ȱaȱrazão,ȱoȱmotivoȱ
queȱlevaȱumaȱpessoaȱaȱemitirȱdeterminadoȱcomportamento.”ȱ
5. “(...)ȱmotivaçãoȱéȱumaȱforçaȱinternaȱqueȱnosȱlevaȱaȱfazerȱdeterminadasȱcoisasȱemȱdeterminadasȱ
situações.”ȱ
ȱ
Nosȱexemplosȱacimaȱéȱpossívelȱsubstituirȱosȱ termosȱ forçaȱ interna,ȱenergia,ȱ impulso,ȱ
motivoȱ eȱ desejoȱ unsȱ pelosȱ outrosȱ infinitasȱ vezes,ȱ eȱ aindaȱ assimȱ osȱ exemplosȱ continuarãoȱ
inteligíveis,ȱ entretantoȱ carentesȱ deȱ sentido.ȱ Alémȱ disso,ȱ aȱ reificaçãoȱ doȱ conceitoȱ (i.e.,ȱ
considerarȱalgoȱabstratoȱcomoȱcoisaȱmaterial)ȱgeraȱaȱnecessidadeȱdeȱseȱestabelecerȱondeȱeleȱ
ocorre,ȱondeȱeleȱestá.ȱ Istoȱ seȱ refleteȱnaȱextensaȱ literaturaȱ sobreȱmotivaçãoȱ intrínsecaȱversusȱ
motivaçãoȱ extrínseca.ȱ Aȱ necessidadeȱ deȱ talȱ distinçãoȱ simplesmenteȱ dissolveȬseȱ aoȱ seȱ
abandonarȱoȱusoȱdoȱconceitoȱdeȱmotivaçãoȱcomoȱcoisa,ȱcomoȱcausaȱemȱ termosȱocorrênciasȱ
(peloȱmenosȱnosȱ casosȱacimaȱ apresentados).ȱOȱ trechoȱ abaixoȱmostraȱumȱ tipoȱdeȱ confusãoȱ
comumȱgeradaȱpeloȱestabelecimentoȱdeȱtalȱdistinçãoȱ(intrínsecaȱversusȱmotivaçãoȱextrínseca):ȱ
ȱ
“Se,ȱnoȱ inícioȱdoȱséculo,ȱoȱdesafioȱeraȱdescobrirȱaquiloȱqueȱseȱdeveriaȱfazerȱparaȱmotivarȱasȱ
pessoas,ȱmaisȱrecentementeȱ talȱpreocupaçãoȱmudaȱdeȱsentido.ȱPassaȬseȱaȱperceberȱqueȱcadaȱ
umȱ jáȱ trás,ȱ deȱ algumaȱ forma,ȱ dentroȱ deȱ si,ȱ suasȱ própriasȱ motivações.ȱ Aquiloȱ queȱ maisȱ
interessa,ȱ então,ȱ éȱ encontrarȱ eȱ adotarȱ recursosȱ organizacionaisȱ capazesȱ deȱ nãoȱ sufocarȱ asȱ
forçasȱmotivacionaisȱinerentesȱàsȱprópriasȱpessoas...ȱ(p.ȱ23)ȱ...nãoȱexisteȱoȱpequenoȱgênioȱdaȱ
motivaçãoȱqueȱ transformaȱcadaȱumȱdeȱnósȱemȱ trabalhadorȱzelosoȱouȱnosȱcondenaȱaȱserȱoȱ
piorȱdosȱpreguiçosos.ȱEmȱrealidade,ȱaȱdesmotivaçãoȱnãoȱéȱnenhumȱdefeitoȱdeȱumaȱgeração,ȱ
nemȱumaȱqualidadeȱpessoal,ȱpoisȱelaȱestáȱligadaȱaȱsituaçõesȱespecíficasȱ(Bergamini,1997,ȱp.ȱ27,ȱ
grifoȱnosso)”ȱ
ȱ
ȱ 16
ȱ Note,ȱnoȱ trechoȱacima,ȱqueȱumȱmesmoȱautor,ȱemȱumȱmesmoȱ livro,ȱconfundeȬseȱaoȱ
usarȱoȱ conceitoȱdeȱmotivação,ȱ comoȱ algoȱqueȱ causaȱoȱ comportamento,ȱqueȱ estáȱdentroȱdoȱ
indivíduoȱ eȱ oȱ impeleȱ aȱ agir,ȱ eȱ queȱ oraȱ estáȱ “deȱ fora”,ȱ oraȱ estáȱ “dentro”ȱdoȱ indivíduo.ȱAȱ
confusãoȱ surgeȱ porqueȱ nãoȱ háȱ comoȱ explicarȱ osȱ comportamentosȱ dasȱ pessoas,ȱ deȱ formaȱ
coerente,ȱsemȱfazerȱreferênciaȱàsȱsituaçõesȱpelasȱquaisȱasȱpessoasȱpassam.ȱOȱmesmoȱtipoȱdeȱ
raciocínioȱpodeȱserȱaplicadoȱaȱconceitosȱcomoȱimpulso,ȱinstinto,ȱvontade,ȱdesejo,ȱetc.ȱComoȱ
exercício,ȱeȱparaȱampliarȱsuaȱcompreensãoȱsobreȱesteȱassunto,ȱtenteȱaplicarȱaȱestesȱconceitosȱaȱ
mesmaȱanáliseȱqueȱfoiȱfeitaȱcomȱoȱconceitoȱdeȱmotivação.ȱ
ȱ Éȱimportanteȱlembrar,ȱentretanto,ȱqueȱnãoȱestamosȱdizendoȱaquiȱqueȱasȱpessoasȱsãoȱ
organismosȱ“desprovidos”ȱde,ȱporȱexemplo,ȱvontadesȱeȱdesejos.ȱEstamosȱdizendoȱqueȱusarȱ
essesȱ conceitosȱ comoȱ causasȱ deȱ outrosȱ comportamentosȱ nãoȱ pareceȱ serȱ umaȱ explicaçãoȱ
razoável.ȱNaȱ verdade,ȱ oȱ queȱ oȱ bomȱpsicólogoȱdeveriaȱ fazerȱ éȱ serȱ capazȱdeȱ explicarȱ tantoȱ
porqueȱalguémȱfazȱalgumaȱcoisaȱquantoȱporqueȱessaȱpessoaȱtemȱvontadeȱdeȱfazêȬlo.ȱEȱessasȱ
explicações,ȱnoȱfimȱdasȱcontas,ȱestarãoȱsempreȱnaȱhistóriaȱdeȱinteraçõesȱdessaȱpessoaȱcomȱseuȱ
mundo,ȱsobretudoȱnaȱhistóriaȱdeȱinteraçõesȱcomȱoutrasȱpessoas.ȱ
Oȱproblemaȱcomȱagentesȱinternosȱqueȱcausamȱcomportamentoȱ
Outroȱ tipoȱ deȱ “causa”ȱ internaȱ psíquicaȱ queȱ normalmenteȱ seȱ atribuiȱ aoȱ
comportamentoȱdasȱpessoas,ȱeȱqueȱSkinnerȱ (1953/1998)ȱ tambémȱapontaȱcomoȱproblemáticaȱ
ouȱ falaciosa,ȱ éȱ aȱ explicaçãoȱdoȱ comportamentoȱ aȱ partirȱdeȱ agentesȱ internosȱ comoȱ oȱ eu,ȱ aȱ
consciência,ȱaȱmenteȱouȱoȱself.ȱQuando,ȱporȱexemplo,ȱalguémȱdizȱ“fizȱoȱqueȱminhaȱconsciênciaȱ
meȱditou”,ȱestaȱpessoaȱestáȱdizendoȱqueȱsuaȱconsciênciaȱcausouȱseuȱcomportamento,ȱouȱseja,ȱ
elaȱ (ouȱoȱqueȱelaȱditou)ȱéȱaȱexplicaçãoȱdoȱcomportamento.ȱNovamente,ȱ temos,ȱnoȱmínimo,ȱ
umaȱexplicaçãoȱincompleta,ȱpoisȱnosȱrestariaȱaindaȱresponderȱàȱseguinteȱpergunta:ȱ“Eȱquemȱ
ditouȱàȱsuaȱconsciênciaȱoȱqueȱfazer?”.ȱOȱusoȱdeȱconceitosȱcomoȱselfȱouȱmente,ȱporȱexemplo,ȱ
paraȱ explicarȱ oȱ comportamentoȱ trazȱ implícitaȱ aȱ idéiaȱ deȱ queȱ existeȱ umaȱ “outraȱ pessoa”ȱ
dentroȱdaȱpessoa,ȱeȱqueȱ“dita”ȱaȱelaȱoȱqueȱfazer.ȱMasȱquemȱditaȱaȱessaȱ“pessoinha”ȱinternaȱoȱ
queȱfazer?ȱOutraȱ“pessoinha”?ȱEȱaȱestaȱoutraȱ“pessoinha”?ȱUmaȱoutra?ȱPercebaȱqueȱquandoȱ
analisamosȱesseȱ tipoȱdeȱexplicação,ȱcaímosȱemȱumȱerroȱ lógicoȱqueȱosȱ filósofosȱchamamȱdeȱ
regressãoȱaoȱinfinito.ȱNesteȱcasoȱcriaríamosȱ“pessoinhas”ȱinfinitamente,ȱumaȱparaȱexplicarȱoȱ
queȱaȱoutraȱfez.ȱ
Comȱ oȱ gigantescoȱ avançoȱ dasȱ neurociênciasȱ naȱ décadaȱ deȱ 90,ȱ umȱ outroȱ tipoȱ deȱ
explicaçãoȱfalaciosaȱparaȱoȱcomportamentoȱcomeçouȱaȱ“virarȱmoda”.ȱBennettȱeȱHackerȱ(2003)ȱ
chamaramȱesseȱtipoȱdeȱexplicaçãoȱdeȱ faláciaȱmereológica,ȱqueȱconsisteȱemȱatribuirȱaoȱcérebroȱ
capacidadesȱouȱaçõesȱqueȱsóȱfazemȱsentidoȱquandoȱatribuídasȱaȱumȱindivíduoȱíntegro,ȱcomoȱ
umȱtodo,ȱeȱnãoȱaȱpartesȱdesseȱindivíduoȱ(e.g.,ȱoȱcérebroȱdecide;ȱoȱcérebroȱescolhe;ȱoȱcérebroȱ
sente,ȱ interpreta,ȱetc.).ȱRaramenteȱouvimosȱdizerȱ“asȱmãosȱdeȱfulanoȱpegaramȱaȱcaneta”ȱouȱ
“asȱpernasȱdeȱsicranoȱcaminharamȱatéȱaȱporta”.ȱ ȱÉȱmaisȱcomumȱouvirmosȱ“fulanoȱpegouȱaȱ
caneta”ȱeȱ“sicranoȱcaminhouȱatéȱaȱporta”.ȱÉȱmaisȱcomumȱporqueȱoȱusoȱcorretoȱdessesȱverbosȱ
refereȬseȱaȱ indivíduosȱcomoȱumȱtodo,ȱeȱnãoȱaȱpartesȱdeles,ȱassimȱcomoȱdecidir,ȱ interpretar,ȱ
escolher,ȱ ȱetc.ȱDizerȱqueȱoȱcérebroȱ fezȱ issoȱouȱaquiloȱ implicaȱnoȱmesmoȱerroȱapontadoȱporȱ
Skinnerȱ(1953/1998)ȱdeȱdizer,ȱporȱexemplo,ȱ“minhaȱconsciênciaȱdecidiu”.ȱ
Éȱnecessárioȱressaltarȱnovamenteȱqueȱdizerȱqueȱnãoȱéȱaȱconsciênciaȱdeȱumȱindivíduo,ȱ
ouȱoȱseuȱself,ȱouȱsuaȱpersonalidade,ȱouȱoȱseuȱeuȱinterior,ȱouȱoȱseuȱcérebro,ȱporȱexemplo,ȱqueȱ
explicamȱ oȱ comportamentoȱdasȱpessoas,ȱ queȱ sãoȱ asȱ causasȱdeȱ seusȱ comportamentos,ȱnãoȱ
querȱdizerȱdeȱformaȱalgumaȱque,ȱparaȱoȱBehaviorismoȱRadical,ȱasȱpessoasȱsãoȱumaȱ“caixaȬ
ȱ 17
preta”ȱouȱumȱorganismoȱvazio.ȱApenasȱquerȱdizerȱqueȱasȱcausasȱdosȱcomportamentosȱnãoȱ
devemȱserȱatribuídasȱaȱprocessosȱouȱestruturasȱinternasȱinferidasȱaȱpartirȱdaȱobservaçãoȱdoȱ
próprioȱcomportamentoȱdoȱ indivíduo.ȱAsȱexplicaçõesȱparaȱoȱqueȱasȱpessoasȱ fazem,ȱ falam,ȱ
pensamȱ ouȱ sentemȱ devemȱ serȱ buscadaȱ naȱ suaȱ históriaȱ deȱ interaçõesȱ comȱ seuȱ ambiente,ȱ
sobretudoȱ interaçõesȱ comȱ outrasȱ pessoas.ȱNesteȱ sentido,ȱ oȱmodeloȱ causalȱ naȱ perspectivaȱ
behavioristaȱradicalȱéȱoȱmodeloȱdeȱseleçãoȱpelasȱconsequênciasȱ(apresentadoȱanteriormente),ȱ
nosȱ trêsȱníveisȱemȱqueȱocorre:ȱfilogenético,ȱontogenéticoȱeȱculturalȱ(Skinner,ȱ1981/2007).ȱOsȱ
demaisȱ capítulosȱ desteȱ livroȱ fornecerãoȱ umaȱ excelenteȱ amostraȱ deȱ comoȱ seȱ explicaȱ oȱ
comportamentoȱaȱpartirȱdesseȱmodelo.ȱ
AȱConcepçãoȱdeȱHomemȱnoȱBehaviorismoȱRadicalȱ
ȱ “Osȱ homensȱ agemȱ sobreȱ oȱmundo,ȱmodificandoȬoȱ e,ȱ porȱ suaȱ vezȱ sãoȱmodificadosȱ
pelasȱconsequênciasȱdeȱsuaȱação”ȱ(Skinner,ȱ1957/1978,ȱp.ȱ15).ȱEstaȱéȱaȱprimeiraȱfraseȱdeȱumȱ
livroȱ deȱ Skinnerȱ chamadoȱ Oȱ comportamentoȱ verbal.ȱ Essaȱ fraseȱ ilustra,ȱ deȱmaneiraȱ geral,ȱ aȱ
concepçãoȱ deȱ homemȱ doȱ Behaviorismoȱ Radical,ȱ denotandoȱ oȱ caráterȱ relacionalȱ entreȱ oȱ
homemȱ eȱ oȱmundoȱ emȱ queȱ viveȱ (lembrandoȱ queȱ oȱ principalȱ aspectoȱ desseȱmundo,ȱ paraȱ
entendermosȱcorretamenteȱessaȱfrase,ȱsãoȱosȱoutrosȱmembrosȱdaȱmesmaȱespécie,ȱasȱoutrasȱ
pessoas).ȱ
ȱ Éȱcomumȱouvirmosȱouȱlermosȱque,ȱparaȱoȱBehaviorismo,ȱoȱhomemȱéȱumȱserȱpassivo.ȱ
Essaȱafirmaçãoȱé,ȱnoȱmínimo,ȱequivocadaȱeȱdenotaȱapenasȱaȱfaltaȱdeȱcompreensãoȱdeȱmuitosȱ
autoresȱsobreȱaȱobraȱdeȱSkinner.ȱApenasȱaȱanáliseȱdaȱfraseȱinicialȱdeȱOȱcomportamentoȱverbalȱ
(Skinner,ȱ1957/1978)ȱ jáȱpodeȱnosȱmostrarȱque,ȱparaȱoȱBehaviorismoȱRadical,ȱoȱhomemȱéȱumȱ
serȱ ativoȱ emȱ seuȱmundo.ȱAȱ fraseȱ citadaȱ anteriormenteȱ éȱ compostaȱ por,ȱ peloȱmenos,ȱ trêsȱ
proposiçõesȱbásicas:ȱ (1)ȱosȱhomensȱagemȱ sobreȱ seuȱmundo;ȱ (2)ȱosȱhomensȱmodificamȱ seuȱ
mundoȱ (essasȱ modificaçõesȱ sãoȱ descritasȱ comoȱ asȱ consequênciasȱ deȱ suasȱ ações);ȱ (3)ȱ osȱ
homensȱsãoȱmodificadosȱpelasȱconsequênciasȱdeȱsuasȱações.ȱSeȱoȱhomemȱmudaȱemȱfunçãoȱ
dasȱmudançasȱemȱseuȱmundo,ȱproduzidasȱporȱeleȱmesmoȱ(dasȱconsequênciasȱdeȱsuasȱações),ȱ
entãoȱ cadaȱ homemȱ éȱ capazȱ deȱ construirȬseȱ comoȱ homem,ȱ comoȱ pessoa,ȱ aȱ partirȱ deȱ suasȱ
própriasȱações.ȱEstaȱconcepção,ȱaoȱcontrárioȱdoȱqueȱafirmamȱmuitosȱcríticos,ȱtalvezȱsejaȱumaȱ
dasȱconcepçõesȱdeȱhomemȱqueȱmaisȱconferemȱaȱesteȱoȱdomínioȱsobreȱsuaȱprópriaȱvida,ȱjáȱqueȱ
nãoȱ consideraȱ oȱ homemȱ umaȱ “vítima”ȱdeȱmotivaçõesȱ inconscientes,ȱdeȱ estruturasȱdeȱ suaȱ
personalidadeȱeȱdeȱinstintos,ȱentreȱoutrasȱcoisas.ȱ
ȱ Aȱ corretaȱ compreensãoȱ daȱ proposiçãoȱ deȱ queȱ oȱ homemȱ ageȱ sobreȱ oȱ mundo,ȱ
modificandoȬo,ȱ eȱ éȱ modificadoȱ porȱ essasȱ mudançasȱ queȱ eleȱ mesmoȱ produziuȱ (Skinner,ȱ
1957/1978)ȱ requerȱ aȱnoçãoȱ adicionalȱdeȱqueȱ oȱhomemȱ éȱ tambémȱhistórico.ȱPense,ȱporȱumȱ
instante,ȱ emȱ vocêȱ comoȱ vocêȱ éȱ hoje.ȱPenseȱ queȱ vocêȱ ageȱ sobreȱ seuȱmundoȱ (e.g.,ȱ vocêȱ fazȱ
perguntasȱ àsȱpessoas;ȱ fazȱdeclaraçõesȱdeȱ amor,ȱ escreveȱ recados;ȱpedeȱ favores;ȱdáȱ ordens;ȱ
pedeȱconselhos;ȱdáȱconselhos;ȱreclamaȱdaȱvidaȱàsȱvezes;ȱdiz,ȱàsȱvezes,ȱqueȱnãoȱpoderiaȱestarȱ
maisȱ feliz;ȱ emiteȱ opiniõesȱ sobreȱ osȱ maisȱ diversosȱ assuntos;ȱ etc.).ȱ Todasȱ essasȱ açõesȱ
produzem,ȱpeloȱmenosȱocasionalmente,ȱmudançasȱnoȱmundoȱaoȱseuȱredorȱ (e.g.,ȱasȱpessoasȱ
concordamȱouȱdiscordamȱdeȱsuasȱopiniões;ȱsuasȱdeclaraçõesȱdeȱamorȱsãoȱrespondidasȱcomȱ
carinhoȱouȱrechaçadas;ȱsuasȱordensȱeȱpedidosȱdeȱfavorȱàsȱvezesȱsãoȱatendidosȱeȱàsȱvezesȱnão;ȱ
seusȱ conselhosȱ podemȱ serȱ seguidos;ȱ suasȱ “reclamaçõesȱdaȱ vida”ȱ podemȱ serȱ criticadasȱ ouȱ
confirmadasȱporȱoutrasȱpessoasȱeȱassimȱporȱdiante).ȱ
ȱ Deȱ acordoȱ comȱ essaȱ filosofiaȱ chamadaȱ Behaviorismoȱ Radicalȱ éȱ nesseȱ turbilhãoȱ deȱ
interaçõesȱcomȱoȱseuȱmundo,ȱprincipalmenteȱcomȱasȱpessoasȱqueȱoȱcercam,ȱqueȱvocêȱaprendeȱ
ȱ 18
aȱserȱquemȱvocêȱé,ȱaprendeȱasȱhabilidadesȱqueȱ tem,ȱosȱ“defeitos”ȱqueȱ tem,ȱasȱvirtudesȱqueȱ
tem,ȱ suaȱ formaȱdeȱpensarȱ eȱdeȱ sentir,ȱ aprendeȱ aȱ terȱ consciênciaȱdeȱ quemȱ vocêȱ éȱ e,ȱ entreȱ
inúmerasȱoutrasȱcoisas,ȱaȱ terȱconsciênciaȱdoȱmundoȱemȱqueȱvive.ȱMasȱ seȱvocêȱpensarȱnãoȱ
apenasȱnasȱsuasȱinteraçõesȱcomȱoȱseuȱmundo,ȱeȱcomoȱelasȱinfluenciamȱseuȱcomportamento,ȱeȱ
pensarȱ tambémȱnasȱ interaçõesȱdasȱpessoasȱqueȱvocêȱ conhece,ȱ rapidamenteȱvocêȱperceberáȱ
queȱcertasȱconsequênciasȱdosȱseusȱcomportamentosȱinfluenciamȱvocêȱdeȱmaneirasȱdiferentesȱ
doȱ queȱ asȱmesmasȱ consequênciasȱ influenciariamȱ oȱ comportamentoȱ dasȱ pessoasȱ queȱ vocêȱ
conhece.ȱPorȱexemplo,ȱimagineȱqueȱvocêȱeȱumȱcolegaȱfizeramȱumȱprovaȱeȱqueȱosȱdoisȱnãoȱseȱ
saíramȱ muitoȱ bemȱ naȱ referidaȱ prova.ȱ Fazerȱ umaȱ provaȱ (responderȱ asȱ questões)ȱ éȱ
comportamento,ȱ éȱ agirȱ sobreȱ oȱmundo.ȱReceberȱ umaȱ notaȱ boaȱ ouȱ umaȱ notaȱ ruimȱ éȱ umaȱ
conseqüênciaȱ desseȱ comportamento.ȱ Paraȱ facilitarȱ oȱ exemplo,ȱ imagineȱ tambémȱ queȱ asȱ
respostasȱdeȱvocêsȱnaȱprovaȱforamȱbastanteȱparecidas.ȱPortanto,ȱemȱnossoȱexemplo,ȱvocêȱeȱ
seuȱ colegaȱ emitiramȱ umȱmesmoȱ comportamento,ȱ umaȱmesmaȱ açãoȱ sobreȱ oȱmundo,ȱ eȱ asȱ
consequênciasȱ(notaȱruim)ȱforamȱtambémȱbastanteȱsimilares.ȱNoȱentanto,ȱaoȱreceberȱaȱnota,ȱ
vocêȱdizȱ“vouȱmeȱ esforçarȱmaisȱdaȱpróximaȱvez”ȱ (eȱvocêȱ fazȱ exatamenteȱ issoȱnaȱpróximaȱ
prova),ȱeȱseuȱcolegaȱdizȱ“essaȱmatériaȱéȱmuitoȱdifícil,ȱvouȱ‘trancar’ȱaȱdisciplina”ȱ(eȱassimȱeleȱ
faz).ȱ
ȱ Nesteȱexemplo,ȱaȱconseqüênciaȱdasȱsuasȱaçõesȱeȱdasȱaçõesȱdeȱseuȱcolegaȱinfluenciouȱ
seusȱ comportamentosȱ futuros,ȱ eȱosȱdeȱ seuȱ colega,ȱdeȱ formasȱdiferentes.ȱDuasȱ implicaçõesȱ
importantesȱpodemȱserȱextraídasȱdesseȱexemplo:ȱaȱprimeiraȱimplicaçãoȱéȱqueȱmesmoȱqueȱdeȱ
formasȱ diferentes,ȱ aȱ conseqüênciaȱ doȱ comportamento,ȱ seuȱ eȱ deȱ seuȱ colega,ȱ influenciouȱ
comportamentosȱfuturosȱ(desistirȱouȱseȱesforçarȱmais),ȱ istoȱé,ȱvocêsȱagiramȱsobreȱoȱmundo,ȱ
modificandoȬo,ȱ eȱ foramȱ modificadosȱ pelasȱ consequênciasȱ deȱ suasȱ ações;ȱ aȱ segundaȱ
implicaçãoȱ importanteȱdizȱ respeitoȱaoȱ fatoȱdeȱqueȱumaȱmesmaȱconseqüênciaȱ influenciaȱdeȱ
maneirasȱ diferentesȱ comportamentosȱ deȱ diferentesȱ pessoas.ȱ Novamente,ȱ asȱ razõesȱ dessaȱ
diferença,ȱ deȱ porqueȱ diferentesȱ pessoasȱ reagemȱ deȱ formasȱ diferentesȱ aȱ aspectosȱ doȱ seuȱ
ambiente,ȱ devemȱ serȱ buscadasȱ naȱ históriaȱ deȱ interaçõesȱ daȱ própriaȱ pessoa.ȱ Nesteȱ caso,ȱ
poderíamosȱnosȱperguntar,ȱporȱexemplo,ȱcomoȱosȱseusȱpaisȱeȱosȱpaisȱdeȱseuȱcolegaȱreagiramȱ
aȱnotasȱruinsȱnoȱpassado.ȱ
ȱ Éȱnesteȱsentido,ȱportanto,ȱqueȱdizemosȱque,ȱparaȱoȱBehaviorismoȱRadical,ȱoȱhomemȱéȱ
umȱserȱhistórico.ȱOȱhomemȱéȱtambém,ȱparaȱestaȱfilosofia,ȱumȱserȱinerentementeȱsocial,ȱjáȱqueȱ
boaȱ parteȱ dasȱ modificaçõesȱ queȱ produzimosȱ noȱ mundoȱ são,ȱ naȱ verdade,ȱ mudançasȱ nosȱ
comportamentosȱdasȱpessoasȱcomȱasȱquaisȱconvivemos.ȱ
ȱ Comoȱvimosȱanteriormente,ȱoȱhomemȱ éȱpertencenteȱàȱ espécieȱhumanaȱ e,ȱportanto,ȱ
parteȱdoȱseuȱcomportamentoȱeȱdeȱsuasȱcapacidadesȱéȱresultadoȱdeȱumȱprocessoȱdeȱseleçãoȱeȱ
variaçãoȱnoȱnívelȱfilogenético.ȱOȱhomemȱaprendeȱcomȱsuasȱinteraçõesȱcomȱoȱmundo,ȱmudaȱ
seusȱ comportamentosȱ emȱ funçãoȱdasȱmodificaçõesȱqueȱproduzȱnesseȱmundo:ȱprocessoȱdeȱ
variaçãoȱ eȱ seleçãoȱ (deȱ comportamentos)ȱ noȱ nívelȱ ontogenético.ȱEssaȱ aprendizagemȱ seȱdá,ȱ
sobretudo,ȱ pelaȱ mediaçãoȱ deȱ outrasȱ pessoas.ȱ Muitasȱ pessoasȱ emȱ umȱ grupoȱ socialȱ fazemȱ
muitasȱ coisasȱ parecidas,ȱ gostamȱ deȱ muitasȱ coisasȱ parecidas,ȱ têmȱ crençasȱ eȱ valoresȱ
semelhantes,ȱentreȱoutrasȱcoisas.ȱEssaȱsimilaridadeȱentreȱosȱcomportamentosȱdeȱ indivíduosȱ
deȱumȱmesmoȱgrupoȱéȱmuitasȱvezesȱchamadaȱdeȱcultura,ȱeȱéȱ transmitidaȱdeȱgeraçãoȱparaȱ
geração:ȱ falamosȱ entãoȱ doȱ processoȱ deȱ variaçãoȱ eȱ seleçãoȱ (deȱ comportamentos)ȱ noȱ nívelȱ
cultural.ȱ Portanto,ȱ dizerȱ queȱ oȱ homemȱ éȱ umȱ serȱ socialȱ eȱ históricoȱ éȱ dizerȱ queȱ eleȱ é,ȱ seȱ
constituiȱcomoȱhomem,ȱcomoȱpessoa,ȱaȱpartirȱdeȱprocessosȱdeȱvariaçãoȱeȱseleçãoȱnessesȱtrêsȱ
níveis:ȱfilogenético,ȱontogenéticoȱeȱcultural.ȱ
ȱ 19
AȱPropostaȱdeȱumaȱCiênciaȱdoȱComportamentoȱ
ȱ Provavelmenteȱvocêȱ jáȱouviuȱoȱditadoȱpopularȱqueȱdizȱqueȱ“deȱmédicoȱeȱloucoȱtodoȱ
mundoȱtemȱumȱpouco”.ȱTalvez,ȱparaȱqueȱeleȱficasseȱumȱpoucoȱmaisȱcorreto,ȱdeveriaȱserȱditoȱ
daȱseguinteȱforma:ȱ“deȱmédico,ȱ loucoȱeȱpsicólogoȱtodoȱmundoȱtemȱumȱpouco”.ȱComoȱditoȱ
anteriormente,ȱtodosȱtemosȱnossasȱprópriasȱexplicaçõesȱparaȱosȱcomportamentosȱdasȱoutrasȱ
pessoasȱeȱparaȱoȱnossoȱpróprio.ȱEsseȱconhecimentoȱ–ȱqueȱasȱpessoasȱemȱgeralȱtêmȱsobreȱosȱ
maisȱ diversosȱ assuntosȱ e,ȱ nesseȱ caso,ȱ sobreȱ oȱ comportamentoȱ humanoȱ –ȱ éȱ chamadoȱ deȱ
conhecimentoȱ doȱ sensoȱ comum.ȱ Inúmerosȱ filósofos,ȱ muitosȱ delesȱ muitoȱ importantesȱ (porȱ
exemplo,ȱ Sócrates,ȱ Aristótelesȱ eȱ Platão),ȱ produziramȱ umaȱ quantidadeȱ absurdaȱ deȱ
conhecimentoȱsobreȱoȱserȱhumano,ȱsobreȱsuasȱessências,ȱsuaȱnatureza,ȱsuasȱrazões,ȱetc.ȱEsseȱ
tipoȱ deȱ conhecimentoȱ éȱ chamadoȱ conhecimentoȱ filosófico.ȱ Padres,ȱ pastores,ȱ sacerdotesȱ eȱ
clérigosȱemȱgeralȱtambémȱtêmȱsuasȱprópriasȱconcepçõesȱeȱexplicaçõesȱparaȱmuitosȱassuntosȱ
humanos;ȱesseȱconhecimentoȱéȱchamadoȱconhecimentoȱreligioso.ȱ
ȱ Há,ȱ entretanto,ȱ umȱ tipoȱ deȱ conhecimentoȱ diferenteȱ destesȱ trêsȱ apresentados:ȱ oȱ
conhecimentoȱcientífico.ȱMasȱqualȱaȱdiferençasȱentreȱessesȱtiposȱdeȱconhecimento?ȱPoderíamosȱ
dizerȱ queȱ oȱ conhecimentoȱdoȱ sensoȱ comumȱ éȱ produzidoȱ pelasȱ pessoasȱ emȱ geral,ȱ queȱ oȱ
conhecimentoȱ filosóficoȱ éȱ aqueleȱ produzidoȱ peloȱ filósofo,ȱ queȱ oȱ conhecimentoȱ religiosoȱ éȱ
aqueleȱ produzidoȱ porȱ religiososȱ (padres,ȱ bispos,ȱ pastores,ȱ etc.)ȱ eȱ queȱ oȱ conhecimentoȱ
científicoȱ éȱ aqueleȱ produzidoȱ porȱ cientistas.ȱ Masȱ essaȱ distinçãoȱ aindaȱ nosȱ deixaȱ outraȱ
pergunta:ȱ oȱ queȱ nosȱ permiteȱ dizerȱ queȱ alguémȱ éȱ umȱ cientista,ȱ ouȱ umȱ filósofoȱ ouȱ umȱ
religioso?ȱAȱrespostaȱaȱessaȱpergunta,ȱeȱqueȱtambémȱdistingueȱumȱtipoȱdeȱconhecimentoȱdeȱ
outro,ȱestáȱnaȱformaȱcomoȱoȱconhecimentoȱéȱproduzido.ȱ
ȱ DissemosȱanteriormenteȱqueȱoȱBehaviorismoȱRadicalȱéȱumaȱfilosofiaȱqueȱembasaȱumaȱ
ciênciaȱ doȱ comportamentoȱ (Skinner,ȱ 1974/2003).ȱ Essaȱ ciênciaȱ éȱ chamadaȱ Análiseȱ doȱ
Comportamento.ȱBehaviorismoȱRadicalȱeȱAnáliseȱdoȱComportamentoȱtratamȱdoȱserȱhumanoȱ
eȱ deȱ seusȱ comportamentos,ȱ masȱ abordamȱ essesȱ assuntosȱ deȱ maneirasȱ diferentesȱ eȱ oȱ
conhecimentoȱ derivadoȱ queȱ cadaȱ umȱ dessesȱ camposȱ doȱ saberȱ éȱ produzidoȱ deȱ formasȱ
diferentes.ȱSeȱ jáȱexisteȱumaȱfilosofiaȱqueȱtrataȱdessesȱassuntos,ȱparaȱqueȱprecisamosȱdeȱumaȱ
ciênciaȱ queȱ tambémȱ trataȱ dessesȱ assuntos?ȱ Oȱ conhecimentoȱ filosóficoȱ éȱ extremamenteȱ
importanteȱeȱdeleȱderivaȱinclusiveȱaȱprópriaȱconcepçãoȱdeȱciência.ȱPraticamenteȱnãoȱháȱumaȱ
ciênciaȱqueȱnãoȱestejaȱfortementeȱancoradaȱemȱpressupostosȱfilosóficos.ȱEmboraȱcadaȱtipoȱdeȱ
conhecimentoȱ tenhaȱsuaȱutilidade,ȱcadaȱ tipoȱ tambémȱ temȱsuasȱ limitações.ȱOȱconhecimentoȱ
científicoȱ (oȱproduzidoȱdeȱ formaȱcientífica)ȱapresentaȱcertasȱcaracterísticasȱ importantesȱqueȱ
preenchemȱ algumasȱ lacunasȱ deixadasȱ pelosȱ outrosȱ tiposȱ deȱ conhecimento.ȱ Estasȱ
característicasȱ doȱ conhecimentoȱ científicoȱ permitemȱ que,ȱ deȱ certaȱ forma,ȱ eleȱ avanceȱmaisȱ
rapidamenteȱqueȱasȱoutrasȱformasȱdeȱconhecimento.ȱVejamosȱoȱqueȱdizȱSkinnerȱsobreȱisso:ȱ
ȱ
OsȱresultadosȱtangíveisȱeȱimediatosȱdaȱciênciaȱtornamȬnaȱmaisȱfácilȱdeȱavaliarȱqueȱaȱFilosofia,ȱ
aȱArte,ȱaȱPoesiaȱouȱaȱTeologia.ȱ (...)ȱaȱciênciaȱéȱúnicaȱaoȱmostrarȱumȱprogressoȱacumulativo.ȱ
Newtonȱexplicavaȱsuasȱimportantesȱdescobertasȱdizendoȱqueȱestavaȱdeȱpéȱsobreȱosȱombrosȱdeȱ
gigantes.ȱTodosȱosȱcientistasȱ(...)ȱcapacitamȱaquelesȱqueȱosȱseguemȱaȱcomeçarȱumȱpoucoȱmaisȱ
além.ȱ (...)ȱ Escritores,ȱ artistasȱ eȱ filósofosȱ contemporâneosȱ nãoȱ sãoȱ apreciavelmenteȱ maisȱ
eficazesȱ doȱ queȱ osȱ daȱ idadeȱ deȱ outroȱ daȱGrécia,ȱ enquantoȱ oȱ estudanteȱ secundárioȱmédioȱ
entendeȱmuitoȱmaisȱaȱnaturezaȱdoȱqueȱoȱmaiorȱdosȱcientistasȱgregosȱ(p.ȱ11).ȱ(...)ȱOsȱdados,ȱnãoȱ
osȱcientistas,ȱ falamȱmaisȱalto.ȱ (p.ȱ13)ȱ (...)ȱOsȱcientistasȱdescobriramȱ tambémȱoȱvalorȱdeȱ ficarȱ
semȱumaȱrespostaȱatéȱqueȱumaȱsatisfatóriaȱpossaȱserȱencontradaȱ(p.ȱ14).ȱ(...)ȱOȱcomportamentoȱ
ȱ 20
éȱ umaȱmatériaȱ difícil,ȱ nãoȱ porqueȱ sejaȱ inacessível,ȱmasȱ porqueȱ éȱ extremamenteȱ complexo.ȱ
Desdeȱ queȱ éȱ umȱ processo,ȱ eȱ nãoȱ umaȱ coisa,ȱ nãoȱ podeȱ serȱ facilmenteȱ imobilizadoȱ paraȱ
observação.ȱÉȱmutável,ȱfluidoȱeȱesvanescente,ȱe,ȱporȱestaȱrazão,ȱfazȱgrandesȱexigênciasȱtécnicasȱ
daȱengenhosidadeȱeȱenergiaȱdoȱcientistaȱ(p.ȱ16)ȱ(Skinner,ȱ1953/1998,ȱp.ȱ11Ȭ16).ȱ
ȱ
ȱ Resumidamente,ȱoȱqueȱSkinnerȱ(1953/1998)ȱestáȱdizendoȱnoȱtrechoȱacimaȱéȱcadaȱnovaȱ
geraçãoȱdeȱcientistasȱqueȱseȱformaȱtemȱumȱconhecimentoȱmaisȱprecisoȱsobreȱosȱassuntosȱqueȱ
estudaȱqueȱaȱgeraçãoȱanterior,ȱmasȱoȱmesmoȱnãoȱéȱválidoȱpara,ȱporȱexemplo,ȱnovasȱgeraçõesȱ
deȱ filósofosȱouȱartistas.ȱ Issoȱ sóȱéȱpossívelȱporqueȱosȱ cientistasȱdescobriramȱumaȱ formaȱdeȱ
testarȱ oȱ conhecimentoȱ queȱ produzemȱ (oȱ métodoȱ científico).ȱ Aȱ formaȱ comoȱ osȱ cientistasȱ
trabalhamȱ eȱdivulgamȱoȱ conhecimentoȱproduzidoȱpermiteȱqueȱoutrosȱ cientistasȱ repitamȱ aȱ
pesquisaȱ queȱ seusȱ colegasȱ fizeram,ȱ eȱ queȱ avaliemȱ seȱ osȱ resultadosȱ apresentadosȱporȱ seusȱ
colegasȱseȱrepetemȱouȱnão.ȱAȱciência,ȱnesteȱsentido,ȱéȱautocorretiva:ȱequívocosȱsãoȱpassíveisȱ
deȱidentificaçãoȱeȱcorreção.ȱ
Éȱ interessanteȱ destacarȱ tambémȱ aȱ seguinteȱ fraseȱ daȱ citaçãoȱ anteriorȱ deȱ Skinnerȱ
(1953/1998):ȱ“Osȱcientistasȱdescobriramȱ tambémȱoȱvalorȱdeȱ ficarȱsemȱumaȱrespostaȱatéȱqueȱ
umaȱsatisfatóriaȱpossaȱserȱencontrada”.ȱÉȱporȱissoȱqueȱmuitasȱvezesȱvemosȱpropagandasȱdeȱ
produtosȱdizendoȱqueȱseusȱ feitosȱ foramȱ testadosȱ cientificamente.ȱQuandoȱoȱcientistaȱdivulgaȱ
umȱ conhecimentoȱ ele,ȱgeralmente,ȱ temȱmuitosȱdadosȱ (obtidosȱ atravésȱdeȱ experimentação)ȱ
queȱsustentamȱoȱqueȱestáȱdizendo,ȱeȱnãoȱapenasȱhipótesesȱeȱargumentosȱ lógicoȬlinguísticosȱ
bemȱestruturados.ȱ
OȱObjetoȱdeȱEstudoȱdaȱAnáliseȱdoȱComportamentoȱ
ȱ Dissemosȱanteriormenteȱqueȱoȱqueȱdistingueȱoȱ conhecimentoȱ científicoȱdosȱdemaisȱ
tiposȱdeȱconhecimentoȱéȱaȱformaȱcomoȱeleȱéȱproduzido,ȱoȱmétodoȱutilizadoȱparaȱproduziȬlo.ȱ
Masȱ oȱ queȱ distingueȱ umaȱ ciênciaȱ daȱ outra?ȱOȱ queȱ distingueȱ aȱ Físicaȱ daȱQuímica?ȱOuȱ aȱ
BiologiaȱdaȱPsicologia?ȱEssaȱdistinçãoȱ seȱdá,ȱprincipalmente,ȱpeloȱ objetoȱ deȱ estudoȱdeȱ cadaȱ
ciência.ȱSeȱdigoȱqueȱestudoȱoȱmovimentoȱdosȱcorpos,ȱentãoȱestouȱ falandoȱdeȱumaȱáreaȱdaȱ
Física,ȱseȱestudoȱoȱdesenvolvimentoȱembrionárioȱdeȱrépteis,ȱentãoȱestouȱfalandoȱdeȱumaȱáreaȱ
daȱBiologia.ȱMasȱqualȱoȱobjetoȱdeȱestudoȱdaȱPsicologia?ȱ
NãoȱháȱnaȱPsicologia,ȱtalvezȱporȱserȱaindaȱumaȱciênciaȱrelativamenteȱnova,ȱconsensoȱ
sobreȱ qualȱ éȱ oȱ seuȱ objetoȱ deȱ estudo.ȱDiferentesȱ abordagensȱ psicológicasȱ (e.g.,ȱAnáliseȱ doȱ
Comportamento,ȱPsicanálise,ȱPsicologiaȱHumanista)ȱpostulamȱdiferentesȱobjetosȱdeȱestudoȱ
paraȱaȱPsicologia.ȱParaȱaȱAnáliseȱdoȱComportamento,ȱaȱPsicologiaȱdeveȱ terȱcomoȱobjetoȱdeȱ
estudoȱasȱ interaçõesȱdosȱorganismosȱvivosȱcomȱseuȱmundo,ȱcomoȱapontandoȱporȱTodorovȱ
(1989)ȱemȱumȱartigoȱchamadoȱAȱPsicologiaȱcomoȱoȱEstudoȱdeȱInterações:ȱ
ȱ
Aȱpsicologiaȱestudaȱinteraçõesȱdeȱorganismos,ȱvistosȱcomoȱumȱtodo,ȱcomȱseuȱmeioȱambienteȱ
(Harzemȱ eȱ Miles,ȱ 1978).ȱ Obviamenteȱ nãoȱ estáȱ interessadaȱ emȱ todosȱ osȱ tiposȱ possíveisȱ deȱ
interaçõesȱ nemȱ emȱ quaisquerȱ espéciesȱ deȱ organismo.ȱ Aȱ psicologiaȱ seȱ ocupaȱ
fundamentalmenteȱdoȱhomem,ȱaindaȱqueȱparaȱentendêȬloȱmuitasȱvezesȱtenhaȱqueȱrecorrerȱaoȱ
estudoȱdoȱcomportamentoȱdeȱoutrasȱespéciesȱanimaisȱ(KellerȱeȱSchoenfeld,ȱ1950).ȱQuantoȱàsȱ
interações,ȱestãoȱ foraȱdoȱâmbitoȱexclusivoȱdaȱpsicologiaȱaquelasȱqueȱseȱ referemȱaȱpartesȱdoȱ
organismo,ȱeȱsãoȱestudadasȱpelaȱbiologia,ȱeȱasȱqueȱenvolvemȱgruposȱdeȱindivíduosȱtomadosȱ
comoȱumaȱunidade,ȱ comoȱnasȱ ciênciasȱ sociais.ȱClaroȱ estáȱqueȱ aȱ identificaçãoȱdaȱpsicologiaȱ
comoȱdistintaȱdaȱbiologiaȱeȱdasȱciênciasȱsociaisȱnãoȱseȱbaseiaȱemȱfronteirasȱrígidas:ȱasȱáreasȱdeȱ
sobreposiçãoȱ deȱ interessesȱ têmȱ sidoȱ importantesȱ aȱ pontoȱ deȱ originarȱ asȱ denominaçõesȱ deȱ
ȱ 21
psicofisiologiaȱ eȱpsicologiaȱ social,ȱporȱ exemplo.ȱAsȱ interaçõesȱ organismoȬambienteȱ sãoȱ taisȱ
queȱpodemȱserȱvistasȱcomoȱumȱcontinuumȱondeȱaȱpassagemȱdaȱpsicologiaȱparaȱaȱbiologiaȱouȱ
paraȱ asȱ ciênciasȱ sociaisȱ éȱ muitasȱ vezesȱ questãoȱ deȱ convencionarȬseȱ limitesȱ ouȱ deȱ nãoȱ seȱ
preocuparȱmuitoȱ comȱ eles.ȱ (...)ȱNestaȱ caracterizaçãoȱ daȱ psicologia,ȱ oȱ homemȱ éȱ vistoȱ comoȱ
parteȱ daȱ natureza.ȱ Nemȱ pairandoȱ acimaȱ doȱ reinoȱ animal,ȱ comoȱ viramȱ pensadoresȱ préȬ
darwinianos,ȱ nemȱ meroȱ robô,ȱ apenasȱ vítimaȱ dasȱ pressõesȱ doȱ ambiente,ȱ naȱ interpretaçãoȱ
errônea,ȱfeitaȱporȱalgunsȱautoresȱ(...)ȱ(Todorov,ȱ1989,ȱp.ȱ348).ȱ
ȱ
ȱ Algunsȱpontosȱdaȱcitaçãoȱacimaȱmerecemȱumȱdestaqueȱespecial.ȱOȱprimeiroȱrefereȬseȱ
aoȱ fatoȱ deȱ que,ȱ paraȱ aȱ Análiseȱ doȱ Comportamento,ȱ devemosȱ estudarȱ interaçõesȱ
comportamentoȬambiente,ȱeȱnãoȱapenasȱoȱqueȱoȱindivíduoȱfaz,ȱfala,ȱpensaȱouȱsente.ȱOȱqueȱoȱ
indivíduoȱ faz,ȱ fala,ȱpensaȱ ouȱ senteȱdeveȱ sempreȱ serȱ contextualizado.ȱDizer,ȱporȱ exemplo,ȱ
“Mariaȱ chorou”ȱ nãoȱ éȱ deȱ muitaȱ utilidadeȱ paraȱ oȱ psicólogo.ȱ Nãoȱ estamosȱ interessadosȱ
somenteȱ noȱ queȱ asȱ pessoasȱ fazem,ȱ ouȱ pensam,ȱ ouȱ sentem;ȱ estamosȱ interessadosȱ nasȱ
condiçõesȱemȱqueȱesteȱfazer/pensar/sentirȱocorreȱeȱnasȱconsequênciasȱ(mudançasȱambientais)ȱ

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