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COORDENADAS Apenas um sistema político parece, pois, oferecer esperança real, o que, repito, não implica qualquer predição de qual seja o adoptado. Seja como for, continua a ser necessário um forte elemento de coacção, se se pretende obter uma mudança. A menos que surja qualquer milagre técnico que permita a cada camponês indiano criar alimento abundante num copo de água ou num vaso de areia, terá de se aplicar a mão-de- -obra de maneira muito mais eficiente, introduzir o progresso técnico e descobrir meios de obter alimentos para os habitantes das cidades. Continuará a ser necessária a coacção, quer mascarada, em escala maciça, à maneira capitalista que inclui mesmo o Japão, quer mais directa, aproximando-se do modelo socialista. O factor trágico é que os pobres suportarão sempre o maior peso da modernização, tanto sob auspícios socialistas como sob os capitalistas. A ~nica justificação para lhes impor esse peso é que ficariam muito pio.r sem ele. Tal como a situação se encontra, o dilema é realmente cruel. É possível sentir-se a maior simpa- . tia pelos que são responsáveis e o enfrentam. Negar que ele existe é, por outro lado, o máximo da irresponsabilidade intelectual e política. 474 111 PARTE IMPLICAÇÕES TEÓRICAS E PROJECÇÕES I / 1,; l.i I. I ! I ' Í!i I I ! I ' I- - 1- - .~ ~ " ~ A VIa democrática para a sociedade moderna Partindo da nossa actual perspectiva, já podemos esboçar, a traços largos, as características principais de cada uma das três vias para o mundo moderno. A primeira aliou o capitalismo à democracia parla- mentar, após uma série de revoluções: a Revolução Puritana, a Revo- lução Francesa e a Guerra Civil Americana. Com reservas, de que posteriormente me ocuparei neste capítulo, chamei-lhe a via da revolu- ção burguesa, uma via em que a Inglaterra, a França e os Estados Unidos ingressaram, em alturas sucessivas, partindo de sociedades profunda- mente diferentes. O segundo caminho também era capitalista, mas, na ausência de um forte surto revolucionário, passou através de formas políticas reaccionárias até culminar no fascismo. Vale a pena sublinhar que, através de uma revolução vinda de cima, a indústria efectivam~nte se desenvolveu e floresceu na Alemanha e no Japão. A terceira via é, evidentemente, a comunista. Na Rússia e na China, as revoluções que tiveram as suas principais, embora não exclusivas, origens entre os camponeses tornaram possível a variante comunista. Finalmente, em meados da década de 1960, a índia entrara, de modo um tanto incerto, no processo de se tornar uma sociedade industrial moderna. Esse pais não sofreu nem uma revolução burguesa, nem uma revolução conservadora vinda de cima, nem uma revolução comunista. Saber se a índia conseguirá evitar os assustadores custos destas três formas e des- cobrir uma nova variante, como tentava fazer sob o governo de Nehru, 477 ) ,.fll;;~:l' I I I " I , , '1 I COORDENADAS AS ORIGENS SOCIArs DA DITADURAE DA DEMOCRACIA (1) .?ide. em HINTZE, Staat unde Verfassung, I, Weltgeschichtliehe Bedingungen der Reprasentaftvverfassung (1931), 140-184; Typologie der stiindisehen Verfassungen des Abendlandes (1930), 120-139; e Wesen und Verbreitung des Feudalismus (1929),84-119 • Para actualização das mesmas ideias, vide COULBORN,ed. Feudali.rm (1956). leis. A decapitação dos reis constitui o aspecto mais dramático, e de modo algum o men~s importante, d~ primeira característica. Os esforços para estabelecer a leI, o poder da legIslatura, e, posteriormente, o uso do Estado. como máquina do bem-estar social, são aspectos familiares e conheetdos dos outros dois pontos. Embora uma apreciação detalhada das primeiras fases das socie- dades pré-modernas caia fora do âmbito desta obra, convém levantar, pel~ meno~ resumidamente, a questão dos diferentes pontos de partida. EXIstem diferenças estruturais nas sociedades agrárias que podem, ~m certos c~sos, favorecer o subsequente desenvolvimento em direcção a de~ocracIa parlamentar, enquanto que outros pontos de partida tornanam essa r~alização difícil ou poderiam anulá-la por completo. O ponto de parttda não determina inteiramente, sem dúvida, o curso subsequente da modernização .. A sociedade prussiana do século XIV apresentava~l1Uitasdas características que constituíram as antepassadas da democraCIaparlamentar da Europa Ocidental. As mudanças decisivas que alteraram fundamentalmente o curso da sociedade prussiana e, eventualmente, da alemã tiveram lugar nos dois séculos seguintes. Contudo, mesmo que o ponto de partida não seja decisivo, alguns pode- "a- ("\ <:'Pl" 1""r"I~1C' r~-rTr\"'~"'TP1C' r'l'l"'I~ ••..•••n'f- ••••.••.s ~ ~ ;I 1 . d .••• ......, ••• ~ ..•..•. ,&..1.0.40..•••..• .I.."",,,......,..l.£4",",,l.o,,) '1\..C.'- V~t..J..V 'paLa um ucsenV01Vjmento emo- crático. P~de-se a:gumentar bastante bem, penso eu, sobre a tese de que o f~u~alis~oocldental continha efectivamente certas instituições que o dlsttngUlam de outras sociedades e que favoreceram as possibilidades democráticas. O historiador alemão Otto Hintze, na sua dissertação sobre as ordens sociais da sociedade feudal (Jtande) fez talvez o máximo no sentido de tornar essa tese convincente, embora ela continue a ser um tóp.ico.de vivos de}:,atesintelectuais (1). Para os nossos lins, o aspecto maiS Import~'lte foi o desenvolvimento da noção de imunidade de certos grupos e pessoas ao poder do governante, bem como a con- ou sucumbirá, de algum modo, aos custos também graves da estagnação, continua a ser um terrível problema que os sucessores de Nehru têm de enfrentar. Numa extensão muito limitada, estes três tipos - as revoluções burguesas que culminaram na forma ocidental de democracia, as revo- luções conservadoras vindas de cima, que terminaram no fascismo, e as revoluções camponesas que levaram ao comunismo - podem constituir vias e opções alternativas. Constituem, muito mais clara- mente, sucessivas fases históricas. Deste modo, apresentam entre si uma relação determinada e limitada. Os métodos de modernização escolhidos por um país alteram as dimensões do problema para os países seguintes que escolham o mesmo método, como Veblen reconheceu, quando cunhou a expressão, agora em voga, «as vantagens do atraso». Sem a anterior modernização democrática da Inglaterra, os métodos reaccioná- rios adoptados pela Alemanha e pelo Japão dificilmente teriam sido possíveis. Semas experiênciascapitalista e reaccionária, o método comu- nista teria sido algo inteiramente diferente, se tivesse mesmo chegado a existir. É bastante fácil de compreender, até com certa simpatia, que a .desconfiança indiana é, em boa medida, uma reacção crítica negativa -atodas as três formas de experiência histórica anteriores. Embora tenha havido certos problemas comuns na construção de sociedades indus- triais, a tarefa continua a ser sempre mutável. As condições prévias históricas de cada espéciepolítica importante diferem fortemente entre si. Dentro de cada tipo importante há também diferenças notáveis, talvez mais marcadas na variante democrática, assim como há seme- lhanças sigrúficativas. Neste capitulo, tentaremos fazer justiça a ambas, -analisando certas características sociais agrárias que contribuíram para o desenvolvimento da democracia ocidental. Convém ser explícito, uma vez mais, sobre o significado desta frase tão sonora, mesmo que as .definições de democracia tenham uma maneira de se afastar das co~- d.usões reais para entrar num sofismatrivial. O autor encara o desenvol- vimento de uma democracia como uma luta longa e certamente incom- pleta no sentido de fazer três coisas estritamente relacionadas: 1) con- trolar governantes arbitrários; 2) substituir leisarbitrárias por leis justas .e racionais, e 3) conseguir que a população participe na elaboração das 478 .•:;.,~.,~.1 .~ -.j~ 31 .I / 479 COORDENADAS cepção dodireito de resistência à autoridade injusta. Em coniunt~ com a concepção de contrato como um acordo mútuo, livremente felto por ssoas livres que resultou da relação feudal de vassalagem, esse com-pe, . . d d d' plexo de ideias e práticas constitui um leg~do cr~Clal da SOC1~a e m~ le- vaI europeia aos conceitos modernos oCldentals duma s~cledade ll;-re; Este complexo apenas se verificou na Europa OCld~ntal. So al ocorreu este equilíbrio delicado .entre pod,er real. demaslado, grande e demasiado pequeno que proporclOnou um lmpeto lmportant~ a demo- cracia parlamentar. Verificaram-se, noutros po~tos, ~rande ~an~dade de semelhanças parciais, mas parece faltar-lhes o mgredlente pnncl~al ou a proporção crucial entre elas, que se encontrava na Eur~'pa Oc~dental. A sociedade russa creou um sistema de Estados, os SOSIOVl1. Mas. -'-van, o Terrível, quebrou a cerviz da. nobreza independente. A tentativa para recuperar os privilégios veio depois de. a~a~t~da a mão for:e d~ Pedro, o Grande, e daí resultou a obtenção de pnvileglOs sem as obnga5oes corr:s- pondentes ou sem a representação no processo da governaçao. A Chma burocrática gerou o conceito de Mandato do Céu, que deu certo tom de leo-itimidade à resistência contra a opressão injusta, mas sem uma for~e n~ção de imunidade corporativa, algo que os funcionári~s i~~elec~u.als crtaram numa extensão limitada, na prática, e contra o pnnClplO baslco da política burocrática. O feud~ismo surgiu de ~acto no Japão, mas c~m grande ênfase na lealdade para com os supenores e .com um ~ov~~- nante divino. Faltava-lhe o conceito de um comprotn1sso entre 19UalS teóricos. No sistema de casta.s indianas, podemos aperceber-nos de forte tendência no sentido do conceito de imunidade e do privil.égio corpora- tivo, mas também sem a teoria ou a prática do cont~_cto l1v~e. _ As tentativas no sentido de encontrar uma úruca expl1caçao con- creta destas diferenças, estimuladas por algumas observações extr~ de Marx e culminando na concepção polémica de Wittfogel do despotls~O oriental baseado no controle do fornecimento de água, não têm tldo êxito. Isto não significa que fossem mal dirigidas. O fornecime~to de água constitui talvez uma noção demasia~o estreita. Pode~ surglr ~:s- potismos tradicionais quando uma autond.ade centr~l .está em pOS1?a.o de desempenhar diversas tarefas ou supervlsar as actlvldades essencl~ls ao funcionamento de toda uma sociedade. Antigamente, era multo 480 I I ! j .... .{ -r .. AS ORIGENS SOCIAIS DA. DITADURA E DA DEMOCRACIA menos possível do que hoje a um governo creat situações que transpor- tassem consigo a sua própria definição da tarefa essencial à sociedade, no seu conjunto, e fazer com que.-a população a aceitasse passivamente .. Por isso, é menos arriscado prosseguir nessa hipótese sobre a 19calização da execução das tarefas essenciais"às sociedades pré-industriais, d~ que seria para as sociedades modernas. Por outro lado, parece também haver ~ma gama mais vasta de escolha do que outrora, quanto ao nível polí- tlCOa que uma sociedade organiza a divisão da mão-de-obra e a manu- tenção da coesão social. A aldeia camponesa, o feudo ou mesmo uma crua burocracia territorial podem constitUir o nível decisivo sob tecnologias agrárias geralmente semelhantes. Após esta breve avaliação das variações do ponto de p::>.rtida, podemos voltar-nos para o processo de modernização em si. Há um ponto que se destaca claramente. A persistência do absolutismo real ou, de modo mais geral, de um governo burocrático pré-industrial, até aos tempos modernos, creou condições 'desfavoráveis à democracia do tipo ocidental. As diferentes histórias da China, da Rússia e da Alemanha convergem nesse ponto. É um facto curioso, para o qual não tentarei oferecer explicação, o de os governos centrais poderosos, a que pode- remos chamar absolutismos reais ou burocracias agrárias, se terem estabelecido nos séculos XVI e XVII em todos os países mais impor- tantes que estudámos (excepto, evidentemente, nos Estados Unidos), isto é, na Inglaterra, na França, na parte prussiana da Alemanha, na Rússia, na Cl-Jna, no Japão e na índia. Seja qual for o motivo, o facto constitui um suporte conveniente, embora parcialmente arbitrário, no qual poderemos. suspender os principios da modernização. Embora a sua persistência tenha tido conseqüências desfavoráveis, as instituições monárquicas fortes desempenharam uma função indispensável, nesse ponto inicial, controlando a turbulência da nobreza. A democracia não poderia crescer e florescer à sombra da pilhagem iminente por parte - de barões malfeitores. Noprindpio dos tempos modernos, igualmente, uma 'pré-condição decisiva para a democracia moderna foi a aparição de u~ certo equi- líbrio entre a coroa e a nobreza, segundo o qual o poder real predomi- nava mas deixava à nobreza um grau substancial de independência. 481 ) COORDENADAS AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA "'I A noção pluralista de que uma nobreza independente c?nstitui um ingre- diente essencial no desenvolvimento da democraCia encontra uma base firme no facto histórico. O apoio comparativo para esta tese é fornecido pela ausência de tal ingrediente na Índia de Akbar e na China Manchu, ou, talvez mais exactamente, na incapacidade de conseguir uma situação aceitável e legítima para o grau de independência que efectivamente existia. Os meios por que essa independência foi forjada são igualmente importantes. Na Inglaterra, o locu~~lassicuspar~ se obt~- rem provas positivas, as Guerras das Duas Rosas diZimarama anst?Crada proprietária, tornando consideravelmente mais fá~il o estabelecrmento de uma forma de absolutismo real, bastante maiS suave do que em França. Convém lembrar que a realização desse equilíbrio, tão grato à tradição liberal c pluralista, foi o fruto de métodos vioientos e ocasio- niJmente revolucionários, que os liberais contemporâneos geralmente ~~m . . Neste ponto, pode-se perguntar o que sucede qu~ndo e se ~ a~isto- cracia proprietária tenta libertar-se dos controles r~~s, na aus~ncia de uma classe de habitantes das cidades, numerosa e politicamente Vigorosa. Pondo a QuestãÓde forma menos exacta, que pode suceder se a nobreza procurar libertar-se, na ausência de uma revolução burguesa? Penso que é seguro afirmar que o resultado é altamente desfavorável à versão ocidental de democracia. Na Rússia, durante o século XVIII, a nobreza conseguiu rescindir as suas obrigações para com a autocracia czarista, "conservando simultaneamente, e aumentando mesmo, as suas pro- priedades e o seu poder sobre os servoS. Tudo isto foi altamente desf~- vorável à democracia. A história alemã é; sob alguns aspectos, ma~s reveladora. Aí, contra o 'Grande Eleitor, a nobreza lutou na maior parte separada das cidades. Muitas das exigências aristocráticas da época assemelham-se"às de Inglaterra: ter voz no governo e, especialmente, nos meios de o governo obter dinheiro. Mas o resultado não foi a demo- cracia parlamentar. A fraqueza das cidades tem constituído uma carac": teristica constante na história da Alemanha, após a sua eflorescência na Alemanha meridional e ocidental, em fins da Idade Média, altura -emque começaram a declinar. 482 ., I ! i,I Sem entrarmos em mais provas nem discutirmos os materiais asiá- ticos que apontam na mesma direcção, podemos simplesmente registar um forte acordo com a tese marxista de que uma classe vigorosa e inde~ pendente de habitantes da cidade tem sido um elemento indispensável no desenvolvimento da democracia parlamentar. Sem burgueses não há democracia. O actor principal não apareceria no palco se limitássemos a nossa atenção estritamente ao sector agrário. Contudo, os actores da zona rural desempenharam um papel suficientemente importante e que merece uma cuidadosa apreciação. E, se quisermos escrever a história com heróis e vilões, posição que o autor repudia, o vilão totalitárioviveu por vezes no campo e o herói democrático das cidades encon- trou aí importantes aliados. Esse foi, por exemplo, o caso da Inglaterra. Enquanto o absolutismo se tornava cada vez mais forte em França, num grande sector da Ale- manha e na Rússia, encontrou a sua primeira derrota em solo inglês, onde, na realidade, a tentativa de o estabelecer foi muito mais fraca. Em grande medida, assim foi porque a aristocracia proprietária inglesa começou cedo a adquirir características comerciais. Entre as determi- nantes mais decisivas que influenciaram o curso da evolução política subsequente, encontra-se a de a aristocracia proprietária se voltar ou não para a agricultura comercial e, nesse caso, da forma que essa comer- cialização tomou. Tentemos apercebermo-nos dessa transformação nos seus contornos principais e em perspectiva comparativa. O sistema medieval europeu foi do género de uma certa parte da terra do senhor feudal e do domínio ser cultivada para o senhor pelos camponeses, em troca do que este os protegia e administrava a justiça, muito frequentemente, a falar ver- dade, com uma pesada mão a favorecer os seus próprios interesses mate- riais. Os camponeses utilizavam outra parte das terras do senhor para cultivarem alimentos para seu próprio sustento e para construírem as suas habitações. Uma terceira parte, constituída geralmente por bosques, correntes de água e pastagens, era conhecida por terreno comum e servia de fonte de combustível, caça e pastagens preciosos, tanto para o senhor como para os camponeses. Em parte para assegurar ao senhor uma mão-de-obra em quantidade conveniente, os camponeses encontra- 483 COORDENADA':; vam-se presos ao solo por diversas formas. É certo que o mercado desempenhava um papel importante na economia agrária medieval,. mais importante ainda nessa época do que se possa imaginar. Con- tudo, em contraste com tempos posteriores, o senhor, em conjunto com os seus camponeses, constituía, em grande escala, uma comuni- dade auto-suficiente, capaz de abastecer grande parte das suas necessi- dades, através de recursos locais e com os artesãos locais. Com inúmeras variações, o sistema prevalecia em grandes zonas da Europa. Não existiu na China. O Japão feudal apresentava fortes semelhanças com este sis- tema, e podem ser encontradas analogias em certos pontos da índia. O desenvolvimento do comércio nas cidades e as exigências em impostos dos governantes absolutistas tiveram, entre as suas muitas consequências, o resultado de o senhor necessitar cada vez de mais dinheiro. Surgiram três reacções principais em diferentes partes da Europa. A aristocracia proprietária inglesa voltou-se para uma forma dê agricultura comercial que implicava a libertação dos camponeses para se governarem da melhor maneira que conseguissem. A é/ite pro- ,prietária francesa deixava geralmente aos camponeses a posse de facto do solo. Nas áreas em que se voltaram para o comércio, fizeram-no forffido os camponeses a entregar un:a parte ~a sua produção~ que ~s nobres então vendiam. Na Europa Onental verificou-se a terceua varI- ante, à reacção gen..\orial.Os Junkers da Alemanha oriental reduziram os camponeses ~teriormeÍlte livres à condição de servos, para cultivarem e exportarem cereais, enquanto que na Rússia se verificava um processo semelhante, devido muito mais a razões políticas do que a motivos econQmicos. Só no século XIX, a exportação de cereais se tornou uma característica importante da paisagem econômica e política da Rússia. Na própria Inglaterra, a tendência para a agricultura comercial, por parte da aristocracia proprietária, afastou muito do que restava da sua dependência da coroa e gerou grande parte da sua hostilidade para com as desastradas tentativas de absolutismo dos Stuarts. Do mesmo modo, a forma que a agricultura comercial tomou na Inglaterra, em contraste com a Alemanha Oriental, gerou uma considerável comu- nidade de i.tlteresses com as cidades. Ambos os factores foram causas importantes da Guerra Civil e da vitória final da causa' parlamentar. 484 i I I j j I r t \ I ,~\\'. ',,-, j ...•~y;',. AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA Os seus efeitos continuaram a ser importantes e a ser reforçados por novas causas, no~ séculos XVIII e XIX. As consequências surgem ainda mais claramente se colocarmos:à experiência inglesa a par de outras va~iantes. Falando de modo gerai,' há duas possibilidades. O impulso comercial pode ser muito fraco entre as classes superiores proprietárias. Quando isto sucede, o resultado será a sobrevivência de uma grande massa de camponeses, que constitui, no mínimo, um tremendo problema para a democracia, e, no máximo, o reservatório para uma revolução camponesa que levaria a uma ditadura comunista. A outra possibilidade é a de a classe superior proprietária utilizar diversos níveis políticos e sociais para fixar à terra a mão-de-obra e fazer deste modo a sua transição para uma agricultura comercial. Aliado a uma quantidade ::;ubstancialde desenvolvimento industrial, é provável que o resultado fosse aquilo que reconhecemos como fas- cismo. No capítulo seguinte ocupar-nos-emos do papel desempenhado pelas classes superiores proprietárias na creação dos governos fascistas. Aqui, precisamos apenas de notar: 1) que a forma de agricultura comercial era tão importante como a própria comercialização; 2) que a incapacidade de obter formas adequadas de agricultura comercial, em devida altura, deixou aberta outra rota para as instituições democráticas modernas. Ambas as características surgem na História da França e da América. Em certas partes da França, a agricultura comercial deixou a sociedade camponesa grandemente intacta, mas exigiu mais aos camponeses, pres- tando assim a sua colaboração às forças revolucionárias. Na maior parte da França, o impulso verificado entre a nobreza para a agricultura comercial foi fraco, em comparação com o da Inglaterra. Mas a Revolu- ção prejudicou a aristocracia e abriu caminho para uma democracia par- lamentar. Nos Estados Unidos, a escravatura das plantações constituiu um importante aspecto do desenvolvimento capitalista. Por outro lado, falando indulgentemente, foi uma instituição desfavorável à democracia. A Guerra Civil venceu esse obstáculo, embora apenas par- cialmente. De modo geral, a escravatura das plantações é apenas a forma mais extrema de adaptações repressivas ao capitalismo. Há três factores que a tornam desfavorável à democracia. A classe superior necessita, 485 COORDENADAS naturalmente, de um terreno com um sistema repressivo poderoso, que imponha todo um clima de opinião política e social desfavorável à liberdade humana. Além disso, encoraja a preponderância do campo sobre as cidades, que, provavelmente, se tornam simples depósitos de transbordo para exportação para mercados distantes. Finalmente, existem as consequências brutalizantes das relações da élite com a mão- -de-obra, especialmente severas nas economias de plantação, em que os trabalhadores pertencem a uma raça diferente. Dado- que a transição para a agricultu~a comercial é, obviamente, > um passo .muito importante, como se podem explicar as maneiras por que surgiu. ou não surgiu? Um sociólogo moderno procuraria possivel- mente umá explicaçãoem termos culturais. Nos países onde a agricultura comercial não conseguiu desenvolver-se em larga escala, ele sublinharia o carácter:inibitivo das relações aristocráticas, tais como as noções de honra e as atitudes negativas perante o lucro pecuniário e o trabalho. _:Nas -fasesiniciais dessa pesquisa, a minha própria inclinação seria para procurar ~ssas explicações. A medida que se acumulassem as provas, surgiriam f>asespara se tomar uma atitude céptica para com essa linha de aj-aqlle,~embora oS--PJ:Oblemasgerais que são levantados pelo seu emprego ~jam discussão posterior. Para ~er conveniente, uma explicação culturalteria que demons- trar, por exemplo, que, entre as classes superiores proprietárias inglesas, . :as tradições militares e as noções de posição e de honra eram muitíssimo mais fracas do que, digamos, na França. Embora a aristocracia inglesa constituísse. um grupo menos fechado do que a sua correspondente francesa e não tivesse leis formais de derrogação, é de duvidar que a diferença cultural fosse suficiente para justificar a diferença no compor- tamento económico. E que dizer da Alemanha oriental, que se voltou da colonização e da conquista para a exportação de cereais? E ainda mais digno de estudo é o facto de, entre as é/ites proprietárias, em que o impulso comercial parece fraco em comparação com o da Inglaterra, se encon- trar frequentemente uma minoria substancial que tentou com êxito o comércio, quando as condições locaiseramfavoráveis. Assim se desenvol- veu a agricultura comercial para exportação em certos pohtos da Rússia. 486 AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA Essas observações levam-nos a dar renovada ênfase à importância das diferenças de oportunidades para adopção da agricultura comercial, tais como, acima de tudo, a existência de um mercado nas cidades pró- ximas e a existência de meios de transporte adequados, principalmente pela água, para os materiais volumosos, antes dos tempos do caminho de ferro. Embora as variações do solo e do clima sejam obviamente impor- tantes, mais uma vez a burguesia espreita nos bastidores, como actor principal do dram~. As considerações políticas também desempenham um papel decisivo. Sempre que foi possível aos senhores rurais fazer uso da máquina de coacção do Estado para se sentarem e cobrarem rendas, fenómeno largamente verificado na Ásia e, alé certo !Jonto, na França e na Rússia pré-revolucionárias, não existiu clarameGte qualquer incen- tivo para se voltarem para adaptações menos repressivas. Embora a questão da agricultura comerCial entre os camponeses tenha menos relação com a democracia, convém mencioná-la aqui também. De longe, a eliminação da questão dos camponeses através da sua transformação noutro tipo de agrupamento social parece de bom augúrio para a democracia. Contudo, nas mais pequenas democracias da Escandinávia e Suíça, os camponeses-tornaram-se parte-4G democráticos, dedicando-se a formas razoavelmente especializadas de agricultura comercial, principalmente lacticínios, para os mercados cita- dinos. Quando os camponeses parecem resistir teimosamente a essas alterações, como, por exemplo, na Índia, não é difícil elaborar uma explicação à volta das circunstâncias objectivas. Frequentemente, falta uma verdadeira oportunidade para o mercado. Para camponeses que vivem muito próximo dos limites da existência física, a modernização é, evidentemente, demasiado arriscada, especialmente se, com as condições prevalecentes, o lucro foi provavelmente para outrem. Daí, um nível de vida extraordinariamente baixo e uma série de esperanças serem o único ajustamento que para eles faz sentido, em tais circunstâncias. Finalmente, quando as circunstâncias são diferentes, podem verificar-se, por vezes, alterações dramáticas num curto espaço de tempo. Até aqui, a dissertação concentrou-se em duas variantes mais ;mportantes: as relações das classessuperiores proprietárias com amonar- quia e a sua reacção às exigências da produção para o mercado. Existe 487 COORDENADAS uma terceira variante importante que já entrou na dissertação: as rela- ções das classes superiores proprietárias com os habitantes das cidad?s, principalmente com a camada superi<;>r,a qU?podemos chamar b.urguesla. As coligações e contra-coligações que surglram entre esses d01Sgrupos constituíram, e em algumas partes do mundo ainda constituem, a estru- tura básica e o ambiente circundante de acção política, formando a série de oportunidades, tentações e impossibilidades dentro da qual os chefes políticos têm tido que actuar. Em termos muito vastos, o nosso problema passa a ser o de tentar identificar essa~situações n~s relações entre as classes superiores proprietárias e os habItantes das Cldadesque contribuiram para o desenvolvimento de uma sociedade relativamente livre, nos tempos modernos,. Será melhor começarmos por recordar certas linhas de clivagem natural entre a cidade e a zona rural e dentro desses dois sectores da população. Em primeiro lugar, encõntra-se o conflito, já familiar, de interesses entre a necessidade urbana de alimentos baratos e os preços elevados dos artigos que produz e o desejo rural de altos preços para os alimentos e baixos preços para os produtos das lojas dos artesãos e da fábrica. Esse conflito poderá tornar-se cada vez mais importante com o alargamento de uma economia de mercado. As diferenças de classes, tais como as existentes entre senhor rural e camponês nos campos, verificadas entre patrão e assalariado, entre dono de fábrica e operário na cidade, atravessam as linhas de clivagem rurais-urbanas. Quando os interesses das camadas superiores da cidade e do campo convergem contra os camponeses e operários, o resultado será provavelmente des- favorável à democracia. Contudo, muitá coisa depende das circunstân- cias históricas em que tal facto se verifica. Um exemplo muito importante de interesses convergentes entre os sectores mais importantes da aristocracia proprietária e as camadas superiores dos habitan~ das cidades ocorreu na Inglaterra Tudor e Stuart. Aí, a convergência verificou-se numa fase recuada no curso da modernização e em circunstâncias que levaram ambos os grupos a opor-se à autoridade real. Estes aspectos são de crucial importância na explicação das consequências democráticas. Em contraste com a situação da França no mesmo período, onde os fabricantes se ocupavam .488 ., AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E, DA DEMOCRACIA grandemente em produzir armas e artigos de luxo para o rei e para a aristocracia da corte, a burguesia inglesa era vigorosa e independente, com mais vastos interesses num comércio de exportação. Do lado da nobreza proprietária e da pequena nobreza, havia também uma série de factores prováveis. O comércio da lã tinhaafectado a zona rural durante o século XVI, e mesmo antes, levando a enclosures para obtenção de pastagens de carneiros. A classe superior inglesa crea- dora de carneiros, em minoria, embora influente, necessitava das cidades que exportavam a lã, o que constituía uma situação muito diferente da da Alemanha Oriental, onde o cultivo de cereais, nas mãos dos] unkers, se fazia à margem das cidades em declínio. A convergência entre as classes superiores proprietári~.se urbanas na Inglaterra, antes da Guerra Civil, de modo a favorecer B. causa da liberdade, tomou, entre os países mais importantes, um carácter único. Talvez a situação mais vasta de que fazia parte pudesse ocorrer apenas uma vez na história humana: a burguesia inglesa, desde o século XVII até grande parte do século XIX, pôs um máximo de material em jogo para a liberdade humana, porque era a primeira burguesia e ainda não tinha levado os seus rivais estrangeiros e domésticos ao seu máximo poder. Contudo, poderá ser útil expressar certas conclusões tiradas da experiência inglesa sob a forma de hipóteses gerais, formuladas sobre as condições nas quais a colaboração entre os sectores importantes das classes superiores das cidàdes e da zona rural poderia ser favorável ao desenvolvimento da democracia parlamentar. Como já dissemos, é importante que a fusão se verifique em oposição à burocracia rea1.Uma segunda condição parece ser a de os chefes comerciais e industriais esta- rem a caminho de se tornarem o elemento dominante da sociedade. Nestas condições, as classes superiores proprietárias podem criar hábitos económicos burgueses. Isso sucede não só por simples cópia, mas tam- bém como reacção às condições gerais e às circunstâncias da própria vida. Tudo isto só pode suceder, ao que parece, numafase inicial do desenvolvimento económico. Parece muito pouco provável que elas se possam repetir algures no século xx. O matiz burguês torna mais fácil às classes superiores proprie- tárias, numa fase posterior, manter os postos de comando político, 489 I I I. I I, .. .1 'I 'I I 1I 'i I I I I I, I ,'I I . I, 1 491 AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA da revolução industrial, eliminaram a questão camponesa da poHtica ingl~sa. Daí, não h~ver .um reservatório maciço de camponeses pa~a serVIr os fins reacclOnános das classes superiores proprietárias, comQ sucedeu na Alemanha e no Japão. E também não houve a base maciÇ.,l para as revoluções camponesas, como sucedeu na Rússia e na Chin~: Por motivos muito diferentes, os Estados Unidos escaparam também à praga política da questão camponesa. A França não lhe escapou e a insta- bilidade da democracia francesa durante os séculos XIX e XX é, em parte, devida a esse facto. A confessada brutalidade dos enclosures põe-nos perante as limi- tações da possibilidade de transições pacíficas para a democracia e recor- da-nos os conflitos abertos e violentos que precederam o seu estabele- cimento. É altura de restaurar a maléctica para nos recordarmos do papel da violência revolucionária. Muita dessa violência, talvez nas suas características mais importantes, teve as suas origens nos pro- blemas agrários que se veríficaram ao longo da estrada que levou à demo- cracia ocidental. A Guerra Gvil inglesa controlou o absolutismo real e deu aos grandes senhores rurais de espírito comercial uma mão livre para executarem a sua parte, durante o século dezoito e princípios do dezanove, na destruiçãu-da-:rodedad . evo uçao rancesa quebro~ o poder de uma élite proprietária que ainda era muito pré- -comercIal, embora alguns dos seus sectores tivessem já começado a tomar as novas formas que exigiam um mecanismo repressivo para ma..1.tera mão-de-obra. Nesse sentido, como já se fez notar, a Revolução Francesa constituiu um modo alternativo de crear instituições eventualmente favo- ráveis à democracia. Finalmente, a Guerra Civil Americana também quebrou o poder de uma élite proprietária que constituía um obstáculo no caminho do progresso democrático, mas, neste caso, desenvolvida como parte do capitalismo. Quer se acredite ou não que estes três movimentos violentos auxi- liaram ou impediram o desenvolvimento da democracia liberal e bur- ?uesa, continua a ser necessário reconhecer que constituíram parte Importante de todo o processo. Só por si, o facto proporciona uma considerável justificação para os designarmos por revoluções burguesas, ou, se o preferirmos, liberais. Contudo, há sérias diJiculdades no agru- '.f , i COORDENADAS 490 numa sociedade basicamente burguesa, como foi o caso da Inglaterra do século XIX. Aqui, podem ser sugeridos três outros factores importantes. Um deles é a existência de um grau substancial de antagonismo entre elementos comerciais e industriais e as antigas classes proprietárias. O segundo é o facto de as classes proprietárias manterem uma base económica razoavelmente firme. Ambos os factores impedem a formação de uma sólida frente de oposição das classes superiores às exigências da reforma, e encorajam certa competição pelo apoio popular. Final- mente, sugiro que a élite proprietária deverá poder transmitir algo do seu aspecto aristocrático às classes comerciais e industriais. Existe algo mais nesta transmissão, além da interligação por meio da qual uma propriedade antiga pode ser conservada pela aliança com o dinheiro:novo. Estão implicadas muitas mudanças subtis de atitude que, preséntemente, apenas são compreendidas imperfeitamente. Somente conhecemos a consequência: as atitudes burguesas têm de se tornar mai~ fortes, e não ao contrário, como sucedeu na Alemanha. Os . mecanismos- por que esta osmose se verifica estão longe de ser claros. . Sem dúvida, o sistema educacional representa um papel importante, embora, só por si, não pudesse ser deCISIvo. De uma exploração da lite- , ratura biográfica, tão abundante para a Inglaterra, poderia resultar uma rica colheita, nesse campo, apesar do tabu inglês em relação a discussões francas sobre a estrutura social, tabu esse que, por vezes, é tão forte 'como as discussões francas sobre sexo. Quando as linhas de divagem social,económica, religiosa e política não coincidem perfeitamente, é menos provável que os conflitos sejam apaixonados e graves ao ponto de excluírem uma reconciliação democrática. O preço desse sistema é, evidentemente, a perpetuação de uma grande dose de abuso «tole- rável» - que é principalmente tolerável para os que ganham com o sistema. Um breve relance oiS~bre o destino da classe camponesa inglesa sugere mais uma condição de desenvolvimento democrático que bem pode ser decisiva por seu próprio direito. Embora a «solução final da questão dos camponeses», em Inglaterra, através dos enclosures, possa não ter sido tão brutal ou tão radical como alguns autores nos levaram a pensar, poucas dúvidas podem haver de que os enclousures, .como parte. :.:'t:. 493 a concepção da revolução burguesa implica um firme aumento do poder ecor1ómicodas classes comerciais e' dos fabricantes das cidades, ;Ú ao ponto em que o poder económico entra em conflito com o poder polí- tico, ainda nas mãos da antiga classegovernante, baseado principalttiente na terra. Nesse ponto ocorre, supostamente, uma explosão revolucio- nária, em que as classes comerciais e fabricantes se apoderam das rédeas do poder político e introduzem as principais características da demo- cracia parlamentar moderna. Tal concepção não é inteiramente falsa. Mesmo para a França, há boas indicações de um aumento do poder económico do sector da burguesia hostil às cadeias impostas pelo allcien régime. Contudo, esse significado de revolução burguesa constitui de tal modo uma simplificação que poderia ser uma caricatura do que real- rr:.::nteocorreu. Para vermos como é uma caricatura, precisamos apenas de recordar: 1) a importância do capitalismo na zona rural inglesa, que permitiu à aristocracia proprietária inglesa manter o controle da máquina política durante o século XIX; 2) a fraqueza de qualquer impulso puramente burguês na França, as suas estreitas ligações com a ordem antiga, a sua dependência dos aliados radicais durante a Revo- lução, a continuação da economia camponesa durante os tempos moder- nos; 3) o facto de a escravatura das plantações nos Estados Unidos se ter desenvolvido como parte integrante do capitalismo industrial e ter representado um obstáculo muito maior para a democracia do que para o capitalismo. Como dissemos há momentos, a dificuldade central reside em que expressões como revolução burguesa e revolução camponesa agrupam indiscriminadamente aqueles que fazem a revolução e os seus bene- ficiários. De modo semelhante, esses termos confundem os resultados legais e políticos das revoluções com os grupos nelas activos. As revo- luções do século xx tiveram o seu apoio maciço entre os camponeses, que foram então as principais vitimas da modernização imposta pelos governos comunistas. Contudo, manter-me-ei ingénua e explicitamente consistente no emprego dos termos. Ao falarmos das revoluções cam- ponesas, falaremos da principal força popular por trás delas, sabendo bem que, no século XX, o resultado foi o comunismo. Ao falar de revo- luções burguesas, a justificação para o termo apoia-se numa série de AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA , ~. 492 pamento de revoluções ou, igualme~te, de quais~uer .fenó.menoshistó- ricos importantes. Antes de prossegwrmos, convem dISCutireste ponto. Certas considerações de carácter muito geral tornam necessário adoptar vastas categorias dessa variante. É,. ou ~evia ser, absoluta~ente óbvio que determinados sistemas instituclOnals, como o feudaltsmo, a monarquia absolutae o capitalismo, se erguem, atingem o seu auge e passam. O facto de qualquer complexo institucional específico se desenvolver primeiro num país do que noutro, como sucedeu com o capitalismo na Itália, !la Holanda, na Inglaterra, na Fran~a e nos ~st~d?s Unidos, não impede uma concepção geralmente evolutlva da Hlstona. Nenhum país passa por todas as fases sozinho, limitando-se a carregar o seu próprio desenvolvimento, até certo ponto, dentro da estr~tura da sua situarão e das sÜas instituições. Assim, uma revolução a tavor da propried:de privada~J).os meios de produção, tem boas ~ossibili~ades de ter êxito em algm-i?asfases e de falhar noutras. Pode ser lrremedJavd- mente prematura e ccfnstituirapenas uma corrente,menor nos séculosXIV e XVI, e, contudo, ser irremediavelmente anacrónica na segunda metade do século xx. Para além das condições históricas concretas, num deter- minado momento e ;r~'deterrriÍhado país, existem as condições mun-~ ~ ., . diais tais como o e~do das artes técnicas e a orgamzação econOU1lca e pOllticaatií1.gidand.~ltraspartes do mundo, que influenciam fortemente '\ as possibilidades de vma revolução. ,. ' Estas considerações levam-nos à conclusão de que énecessarlo agrupar as revoluções pelos vastos resultados institucionais para que elas contribuíram. Grande parte da confusão e da má-vontade no emprego de categoriãs mais vastas resulta do facto de aque!es que forne- cem o apoio maciço.a uma revolução, aqueles que a chefiam e aqueles que, no final, dela beneficiam serem pessoas distinta~. Enqu~nto esta distinção se mantiver clara para cada caso, faz sentido Ce e mesmo indispensável para elaborar distinções, assim como para compreender semelhanças) considerar a Guerra Civil Inglesa, a Revolução Franc~sa e a Guerra Civil Americana como fases do desenvolvimento da revo- lução democrático-burguesa..,)ijr'i;" 'f Há motivos para relutância no emprego desse termo, e vale' a ";';i}' I pena apontar a medida em que ele pode ser ilusório. Paraalguns autores, , i~{ :-t' t. f~~~:!!.' .:~.:~!t.':',i~, ~~', COORDENADAS COORDENADAS / AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA civil. Numa palavra: ou as classes superiores propri('tárias ajudav~m a fazer a revolução burguesa, ou eram por ela destruídas. .. . A fechar esta dissertação será útil expor as condi - " ";., çoes pnnClpats que foram aparentemente mais importantes para o des I'. envo Vlmento d.~d~m~cr~clae, como teste destas conclusões, aplicá-las a par da expe- r-:,enclalndiana: Se se verificar que a presença de algumas dessas condi- çoes tem um~ ligação demonstrável com os aspectos mais bem sucedidos da democraCIaparlamentar na índia ou com as origens rustóricas desses ~spec_tose, por ou~o lado, que a ausência de outras condições apresenta ltgaçoes com ~s dIficuldades e obstáculos à democracia na índia, pode- remos ter illalOr con£iança nessas conclusões. A p:i~eira condição ~ara o desenvolvimento democrático que a nossa analise e~controu fOI o de.renvoliJimelitode um equilíbrio para evitar uma coroa dem~slado forte ,OH Hma aristocracia proprietária demasiado indepcn- . dente. N: í~dla mongol, 0.0 seu auge, o poder da coroa era esmagador em re~açaoas classessupenores. Não tendo quaisquer direitos seguros de propnedade, o nobre era, de acordo com a bem conhecida frase de Mor~land, um servo ou um inimigo do poder governante. A decadência do slst~ma.mongol libertou as classes superiores, alterando o equilíbrio no sentido Inverso, para uma política de pequenos reinos locais em luta. Cont.ud~,o esforço inglês subse'quente, no século XVIII, para crear em sololndlanO un:a classede senhores rurais vigorosos eprogressivos, seme- ~ha~te ao seu tipo doméstico, constitui um fracasso total. A sodedade ~nd.ta~atam~ém não con~eguiu satisfazero segundo pré-requisito impor-. cante. o mOVImento no sentulo de uma forma adeqttadade agricultura comercial quer por parte da, aristocracia proprietária, quer por parte dos cam~ p~~eses. Em vez dlsso, o braço protector da lei e da ordem inglesas per- ~l~U o au~ento da população e que uma classe de senhores parasi- tanos extr~lss~m, em conjunto com os usurários, uma grande parte do que os propnos camponeses não comiam. Por sua vez essas condi- ções inibiram muito a acumulação de capital e o desenvolvimento econó- mico. Quando a independência surgiu, foi, em parte, sob o ímpeto do desejo dos camponeses do regresso a um passado de aldeia idealizado o que limitou ainda mais e atrasou perigosamente a modernização real da zona rural. Não vale a pena explicar mais detalhadamente como essas çonsequências legais e políticas. A terminologia consistente impõe a invenção de novos termos que, receio bem, só aumentariam a confusão. O principal problema, afinal, consiste no que sucedeu e porquê, não no emprego de rótulos certos. Parece agora tão claro quanto estes assuntos o podem ser, que a Revolução Puritana, a Revolução Francesa e a Guerra Civil Americana foram movimentos muito violentos dentro de um longo processo de alteração política que levou àquilo que reconhecemos como a moderna democracia ocidental. Esse processo tem causas económicas, embora elas não fossem certamente as únicas. Ar, liberdades creadas por esse processo mostram uma clara relação entre si. Obtidas em ligação com o aparecImento do moderno capitalismo, apresentam traços de uma época rustórica especifica. Os elementos-chaves na ordem da sociedade liberal eburguesa são o direito de votar, a representação numa legislatura que faz as leis e, portanto, é mais do que uma chancelapara o exeéutivo, um sistema de leis objectivo que, pelo menos em teoria, não confere privilégios especiais em virtude do nascimento ou de uma situação herdada, segurança para os direitos de propriedade e eliminação das > "barreiras herdadas do passado no seu uso, tolerância religiosa, liber- dade c!epalavra e direito a reuniões pacificas. Mesmo que, na prática, falhem, são estes os marcos reconhecidos de uma sociedade liberal moderna. A domesticação dosector agrário foi uma caracteristica decisiva de todo o processo histórico que produziu essa sociedade. Era tão impor- tante como o mais conhecido sistema de disciplinar a classe trabalha- dora e, evidentemente, estava estreitamente ligado a ele. Na verdade, a experiência inglesa tenta-nos a dizer que a destruição da agricultura çomo actividade social importante contitui um pré-requisito para uma .democraciabem sucedida. A principal hegemonia da classesuperior pro- prietária tem de ser quebrada ou transformada. O camponês tinha de passara ser um agricultor que produzisse para o mercado, em vez de, produzir para o seu próprio consumo e para o senhor rural. Neste pró-., çesso, ou as classes superiores proprietárias 'se tornavam parte impo~-" tante da maré capitalista e democrática, como na Inglaterra, ou, se se l.hr: opusessem, eram varridas pelas convulsões da revolução ou da guerra" 494 1 32 495 COORDENADAS AS ORIGENS SOCÍAIS DA DITADURA 1! DA DEMOCRACIA ,, II I "I' ,I 11 r I I I I I I I~I li. I I I': 497 E~bor~ f~sse tentador prosseguir a dissertação sobre este ponto as polít1ca~111dianassó a~ui cabem na medida em que servem de test~ a ufa t~orla de de~ocraCla. As.realizações ou os fracassos da democracia na ndia, os obstaculos e as 111certezasque ainda enfrenta tud 's" li ' o I so encontra uma ~:p .cação razoável em termos das cinco condições deri- vadas da expenenCla de outros países. Isto não constitui prova de forma alguma. Mas parece-me }us:o afirmar que essas cinco condições não foc~m apenas aspectos SIgnificativos da história indiana' obtêm forte apOlOnessa mesma história. 'j t I t I os principais obstáculos para o de uma democracia firmemente 496 circunstâncias se encontravam entre estabelecimento e o funcionamento baseada. Por outro lado, a partida dos ingleses enfraqueceu em grande escalaa predominância política da élite proprietária. Há muitos que afirmam que as reformas da pós-independência destruíram mesmo esse poder. Nesta limitada extensão, o desenvolvimento das instituições demo- cráticas seguiu o padrão ocidental. Ainda mais importante, a ocupação britânica, apoiando o seu poder na élite proprietária e favorecendo os interesses comerciais da Inglaterra, levou à oposição um sector substan- cial das classes urbanas comerciais e negociantes, impedindo a fatal coligação de uma forte élite proprietária e de um~ burguesia fraca que, como veremos em maior detalhe no próximo capitulo, tem sido a origem social dos regimes e movimentos autoritários d~s direitas na Europa e na Ásia. Assim, duas condições foram satisfeitas: o enfraquecimento da aristocracia proprietária e o impedimento da coliga{ão aristocrático-burguesa contra os camponeses e operários. , Efectivamente, a índia constitui um exempl~:~portante, em que, 'pelo menos, a estrutura formal da democracia e J,Una parte importante da sua substância, tal como a existência de opo!ição legal e de canais para protesto e critica, surgiram sem uma fased~violência revolucioná- ria (a revolta dos Cipaios foi principalmente un{ caso de saudosismo). Contudo, a ausência de uma quinta condição, uma rttlura revolucionária com o/Jassado, e de qualquer forte movimento nesse sentido até ao momento presente, encontra-se entre os motivos do prolopgado atraso da índia e das extraordi.Ilárias dificuldades que a democracia liberal ai enfrenta. ('..ertos estudiosos dos problemas indianos expressaram surpresa por a pequena élite indiana, educada à maneira ocidental, se ter mantido fiel ao ideal democrático, quando poderia facilmente tê-lo destruido. Mas porque desejariam destrui-lo? A democracia não proporciona uma racionalização para recusar reordenar, em escala maciça, uma estrutura - social que mantém os seus privilégios? Pata sermos justos, devemos acrescentar que a tarefa é suficientemente formidável para fazer vacilar, à ideia de tomar responsabilidade por ela, quem não for o mais radical:::" dos doutrinários. t I A revolução vinda de Cimae o fascismo A segunda rota pr.h"1cipaIpara o mundo da indústria moderna chamámos a rota capitalista e reaccionária, muito claramente exempli- ficada pela Alemanha e pelo Japão. Aí, o capitalismo enraizou-se firme- mente tanto na agricultura como na indústria e transformou esses países em países industriais. Mas fê-lo sem um movimento revolucionário popular. As tendências havidas neste sentido foram fracas, muito mais fracas no Japão. do que na Alemanha, e em ambos os casos foram desencaminhadas e esmagadas. Embora não fossem a única causa, as condições agrárias e os tipos espedficos de tra...~sformaçãocapitalista . que se verificaram na zona rural contribuíram muito fortemente para essas derrotas e para o enfraquecimento por trás de cada impulso no sentido das formas democráticas ocidentais. Existem certas formas de transformaçào capitalista na zona rural que podem ter êxito económico, no sentido de produzirem bons lucros, mas que são, por razões bastante óbvias, desfavoráveis ao desenvolvi- mento de instituições livres do género das do Ocidente no século XIX. Embora essas formas se confundam, é fácil distinguir dois tipos gerais. Uma classe superior proprietária pode, como no caso do Japão, manter intacta a sociedade camponesa pré-existente, introduzindo apenas as alterações suficientes,na sociedaderural, para garantir que os camponeses produzam um excedente suficiente, de que se possa apropriar e vender com lucro. Ou então, a classe superior p.roprietáriapoderá crear sistemas 499 COORDENADAS soClaIs inteiramente novos, dentro do estilo da escravatura das plan- tações. A escravatura nos tempos modernos só é, provavelme.nt:, crea- ção de uma classe de intrusos colonizadores, nas z?na,s tropICaiS.E~ certas partes da Europa Oriental, porém, a nobreza 1ndIgena consegUlu voltar a introduzir um sistema de servidão que fincou os camponeses à terra, de tal modo que os resultados obtidos foram semelhantes. É um sistema intermédio, entre os outros dois. Tanto o sistema de conservar intacta a sociedade camponesa, mas extorquindo-lhe cada vez ~ais, como o ~so de .mão-de~obra, serv:il.ou semi-servil, em grandes urudades de cultivo, eXigem rrietodos polItlCOS de força para a extracção do referido excede~te, para ~anter a,~ão-de- -obra no seu lugar e, em geral, para fazer o SIstemafunClonar. EVIdente- mente, nem todos estes múodos são políticos, num:sentido restrito. Particularmente onde a sociedade camponesa é con~ervada, surgem tentativas de todos os tipos para o emprego das refações e atitudes tradicionais, como a base da posição do senhor ruraL; Dado que esses métodos políticos têm consequências importantes, será'útil dar-lhes um nome. Os economistas distinguem entre tipos de agricultura de mão-de- -obra intensiva e de capital intensivo, conforme o sistema utiliza grandes quantidades de mão-de-obra ou de capital. Também ~rá útil fal~m.os .dos sistemas repressivos de mão-de-obra, de que a escraratura constitUl o ponto extremo. A dtliculdade. dessa noção con~ist~ ~m qu~ se pode legitimamente perguntar que tipo exactamente nao e repressIvo para a mão-de-obra. A distinção que tento sugerir é feita entre o uso de meca- ;~_..•., nismos políticos (utilizando o termo {<político»de modo lato, como r ;.~ acabamos de dizer), por um lado, e o apoio no mer~ado, por outro, ::J~f:' Para garantir uma força de mão-de-obra adequada para trabalhar o solo . ".i /\, e cre~ um excedente agrícola destinado ao consumo por parte das outras ' :,~;~~;~' . b . f " b s .. ''f~~~~i7~classes. As que se encontram na zor...amais. alXaso rem mUlto, em am a. ~,.•~. ,>'.~ ~,r;.:.;:tos casos. ''''';t. -.f'. Para tornar útil o conceito de um sistema agricola repressivo à ." ::1;,,; .-;,' base de mão-de-obra, convém estipular que, desse mo~o, se manté~.- ~''l!~rjj a trabalhar grande número de pessoas. Convém também 1nformar expli- .:,...~l_,'" citamente que ele não inclui, por exemplo, a propriedade famili~c~:~ americana de meados do século XIX. Pode ter havido exploração da;} ~. .,.t. 500 AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E .DA DEMOCRACIA mão-~e-obra dos membr.os da família, nesse caso, mas essa exploração era felta, aparentemente, sobretudo por,parte do próprio chefe da faÍIú- ~a, c.om um mini~o de assistência exterior. Também se não poderia 1nclUlr nessa descnção o sistema dos trabalhadores agrícolas assala- riado.s, com liberdade suficiente para recusarem um trabalho e partirem, condição essa que raramente se vertlica na prática. Finalmente, os sis- temas agrários pré-comerciais e pré-industriais não são necessariamente repressivos da mão-de-obra, se houver um equilíbrio, mesmo grosseiro, entre a contribuição do senhor rural para a justiça e a segurança e uma contribuição do agricultor, sob a forma de colheitas. Se esse equilíbrio pode ser atribuído a qualquer sentido objectivo, é um ponto que será disc~tido mais detalhadamente no capítulo seguinte, quando surgir em ligação com a questão das causas das revoluções camponesas. Aqui, apenas necessitamos de observar que o estabelecimento de sistemas agrários repressivos da mão-de-obra, no curso da modernização, não produzem necessariamente maiOl"sofrimento entre os camponeses do que os outros sistemas. Os camponeses do Japão tinham maiores 'faci- lidades do que os ingleses. O nosso problema consiste num asnecto diferente: como e porquê os sistemas agrários repressivos da mã~-de- -obra proporcionam um clima desfavorável ao desenvolvimento da democracia e uma parte importante do complexo institucional que leva ao fascismo. Ao dissertar sobre as origens rurais da democracia parlamentar, notámos que um grau limitado de independência da monar.quia consti- tuía uma das condições favoráveis, embora não ocorresse em toda a parte. Conquanto um sistema de agriculturarepressivo da mão-de-obra possa iniciar-se em oposição à autoridade central, é possível fundir-se c?m a monarquia, posteriormente, na procura de apoio político. Essa sltuação pode também levar à conservação de uma ética militar entre a nobreza, de maneira desfavorável ao desenvolvimento das instituições democráticas. A evolução do estado prussiano constitui o mais claro exemplo. Dado que nos referimos a esses.aspectos em diversos pontos desta obra, será adequado descrevê-los aqui resumidamente. Na ~lemanha d;) Nordeste, a reacção senhorial nos séculos quinze e dezasseIS, sobre a qual teremos algo mais a dizer dentro de outro 501 ".',"~~'~~i} ~,~ 111 '11 111 111 111 j. COORDENADAS contexto, interrompeu o progresso no sentido da libertação dos cam- poneses das obrigações feudais e o progresso, a ela estreitamente ligado, da vida citadina, que, na Inglaterra e na França, culminaram na demo- cracia ocidental. Uma causa fundamental foi o desenvolvimento das exportações de cereais, embora não fosse a única. A nobreza prussiana expandiu as suas propriedades à custa dos camponeses que, sob a Ordem Teutónica, haviam estado próximos da liberdade, e reduziram-nos à servidão. Como parte do mesmo processo, a nobreza reduziu as cidades à dependência, curtocircuitando-as com as suas exportações. Mais tarde, os gOvernantes Hohenzollern conseguiram destruir a indepen- dência da nobreza e esmagar os Estados, voltando os nobres e os habi- tantes das ~idades uns contra os outros, e controlando assim os com- ponentes atistocráticos no seu caminho para o governo parlamentar. O resultado, nos séculos XVII e XVIII, foi a «Esparta do Norte», uma fusão núlitarizada de burocracia real e aristocr"cia proprietária (1). Do lado da aristocracia proprietária surgiram. as concepções de superioridade inerente, na classe governante, e uma sensibilidade às questões d9 Estado, tra~os proeminentes mesmo no século xx. Alimen- tados por 1J.ovasfontes, esses conceitos puderam ser posteriormente . vulgarizados e tornados interessantes para a população alemã, no seu conjunto,qomo doutrinas de superioridade radical. A b.urocracia real introduziu, contra uma considerável resistência aristocrática, o ideal da obediência total e irreflectida à instituição, acimada classe e do indivíduo (antes do século XIX seria anacrónico falar de nação). A disciplina e a obediência prussianas e a admiração perante as qualidades de um soldado derivavam -principalmente dos esforços dos Hohenzollern para crear uma monarquia centralizada. Tudo isto não significa, evidentemente, que um destino inexorável arrastasse a Alemanha para o fascismo desde o século XVI, e que o processo nunca poderia ter sido invertido. Outros factores tinham de intervir, e alguns deles muito importantes, tais como a industrializa-- ção, começaram a desenvolver-se durante o século XIX. Sobre esses, será (1) V. ROSENBERG, Bureau.-rtlcy; CARSTEN, Origini .1/ Pruuia •. 502 AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA necessário falarmos dentro de momentos. Há também variantes e subs- tituições significativas, dentro do padrão geral que levou ao fascismo a que poderíamos chamar subalternativas, se quiséssemos ser exacto~ e técnicos, dentro da aiternativa mais importante da modernização con- servadora, através de uma revolução vinda de cima. No Japão, a noção de compromisso total perante a autoridade proveio, aparentemente, mais do aspecto feudal da equação do que do do seu aspecto monár- quico (2). Também na Itália, onde o fascismo foi inventado, não havia uma monarquia nacional poderosa. Mussolini teve de chegar à antiga Roma para conseguir encontrar o simbolismo correspondente. Numa fase posterior do curso da modernização, é provável que apareç~ um factor novo e crucial, sob a forma de uma coligação grosselra entre os sectores influentes das classes fundi~ri,s e os interesses comerciais e industriais emergentes. Tratava-se, de longe, de uma configuração política do século XIX, embora prosseguisse no século xx. Marx e Engels, na sua dissertação sobre a revolução abor- tada de 1848 na Alemanha, eonquanto errados em outros aspectos impor- tantes, puseram o dedo neste ingrediente decisivo: uma classe comercial e industrial demasiado fraca e dependente para tomar o poder e governar de seu direito próprio, e que, por isso, se lança nos braços da aristocracia proprietária e da burocracia real, trocando o direito de governar pelo direito de ganhar' dinheiro (3). É necessário acrescentar que, mesmo que Oelemento comercial e industrial seja fraco, deve ser suficientemente forte (ou em breve tornar-se suficientemente forte) para constituir um aliado político digno de valor. Caso contrário, pode surgir uma revolução camponesa que leve ao comunismo. Isso sucedeu tanto na Rússia como na China, após esforços sem êxito para estabelecer uma tal coligação. Parece também haver outro ingrediente que entra na situação um pouco mais tarde, em relação à formação dessa coligação: mais tarde ou mais cedo, os sistemas da agricultura repressiva da mão-de-obra são suscep- tíveis de enfrentar dificuldades produzidas pela concorrência de outras (2) SANSOM, Hiltory 0/ Japan, I, 368. (3) Ver MARX, Selected Worki, lI, Germany: Revolution and Counter-Revolution, escrito principalmente por Engels. 50; 'I "~I':I' " ili Iill i!. li, I li 11 "I I II I I:I ~!.'~l AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA 505 menos, ~ Itália bastante menos, a Espan;p.a muito pouco. Ora, no curso:'. da modernização através de uma revolução vinda de cima, esse governo' tem de executar muitas das tarefas realiiadas noutros países, com a ajudi d~ uma revolução vinda de baixo. A noção de que uma revolução popular.- vlOlenta é, de certo modo, necessária para varrer os obstáculos «feudais;;:' à industrialização é puro erro, como demonstram os cursos das histórias alemã e japonesa. Por outro lado, as consequências políticas do desman- telar da ordem, feito de cima, são decididamente diferentes. A medida que prosseguiam com a modernização conservadora, estes governos semipar- lamentares tentavam preservar a estrutura social inicial, aplicando grandes secções dessa estrutura no ediíício novo, sempre que possível. Os resul- tados tin..~am certa semelhança com as casas Victorianas actua.is com modernas cozinhas eléctricas mas com c;sas de banho insuficie~tes e canos rotos decorosamente escondidos por trás de paredes estucadas de novo. Finalmente, os expedientes falharam. Uma importante série de medidas foi a racionalizaçlo da ordem política. Significou a quebra de divisões territoriais tradicionais e esta- belecidas havia longo tempo, tais como o hal1 feudal no Japão e os Estados e principados independentes da Alemanha e da Itália. Com excepção do Japão, a quebra não foi completa. Mas, com o tempo, o governo central acabou por estabelecer uma forte autoridade e um sistema admi- nistrativo uniforme, e surgiram um código de leis e um sistema de tribunais mais ou menos uniforme. Novamente, em vários graus, o Estado conseguiu crear uma máquina militar suficientemente poderosa para que os desejos dos governantes se fizessem sentir na ~rena da política internacional. Economicamente, o e:,tabelecimento de um governo central forte e a eliminação de barreiras intemas para o comércio significava um aumento das dimensões da undade econóITIÍca efectiva. Sem esse aumento, a divisão do trabalho, necessária à sociedade indus- trial, não poderia existir, amenos que todos os países estivessem dis- postos a negociar pacificamente entre si. Sendo o primeiro país a indus- trializar-se, a Inglaterra conseguiu extrair o máximo de material e mer- cados do mundo acessível, situação essa que, gradualmente, se deterio- rou durante o século XIX, quando outros surgiram e procuraram utilizar o Estado para garantir os seus mercados e fontes de abastecimento. I II I II. 504 (4) A Polónia, a Hungria, a Roménia, a Espanha e mesmo a Grécia passara aproximadamente por esta sequência. Com base num conhecimento confessa~_ mente inadequado, gostaria de arriscar a sugestão de que a maior parte da Amér Latina continua na era do governo semiparlamentar e autoritário. ,,~, COORDENADAS mais avançadas tecnicamente, de outros países. A concorrência das exportações de trigo americano creou dificuldades em muitas partes da Europa, após o fim da nossa Guerra Civil. Dentro do contexto de uma coligação reaccionária, essa concorrência intensifica as tendências autoritárias e reaccionárias entre uma classe superior proprietária que verifica que a sua base económica se afunda e, por isso, se volta para as alavancas políticas a fim de conservar o seu poder. Onde a coligação conseguiu estabelecer-se, seguiu-se um período prolongado de governo conservador e mesmo a~toritário, sem, contudo, cair no fascismo. As fronteiras históricas desses s1stemas estão, frequente- mente, um tanto confusa.s. 'Com um cálculo bastante generoso, pode-se afirmar que, a esta espécie, pertence o período que vai desde as reformas Stein-Hardenberg, na Alemanha, até ao final da I Guerra Mundial, e, no Japão, desde a queda do Shogunato Tokugawa até 1918. Estes gover- nos autoritários adquiriram certas características democráticas: nomea- damente um parlamento com poderes limitados. A sua história pode ser marcada por tentativas para alargar a democracia, que, para o fim, conse- guiu estabelecer democracias instáveis (a República de Weimar, o Japão da década de vinte a Itália com Giolitti). Eventualmente, a porta para os tegitnesfascistas f;i aberta pela incapacidade de estas d:mocr~cias e~fren- tarem os problemas graves da época e a sua relutânCIa ou lncapac1dade de introduzir alterações estruturais fundamentais (4). Um factor, mas apenas um, da anatomia social d~s~es govern~s, fo~ a :~tenção ~e ~~a parte substancial do poder político nas maos da eltte propnetana, em virtude da ausência de uma rotura revolucionária dos camponeses, em combinação com as. camadas urbanas. Alo-uns dos governos semiparlamentares que surgiram a partir dessas bases e;ecutaram uma revolução mais ou menos pacífica, vinda de cima, que muito os fez avançar, no sentido de se tornarem países industriais ~odernos. A Alemanha foi mais longe nessa direcção, o Japão pouc,o:, COORDENADAS Ainda outro aspecto da racionalização da ordem poHtica está rela- cionado com o «fabrico» de cidadãos dentro de um novo tipo de socie- dade. São necessários às massas conhecimentos literários e técnicos rudi- mentares. A elaboração de um sistema nacional de educação traz, muito provavelmente, um conflito com as autoridades religiosas. A lealdade para com uma nova abstracção, o Estado, tem que substituir as lealdades religiosas se estas transcenderem fronteiras nacionais ou competirem entre si tão vigorosamente que possam destruir a paz interna. O Japão teve aí um problema menor do que os da Alemanha, da Itália ou da Espanha. Contudo, mesmo no Japão, como indica o renascimento um tanto artificial do Shintõ, houve dificuldades consideráveis. Para vencer essas dificuldades, pode ser muito útil a existência de um inimigo estrarigeiro. Assim, os apelos patrióticos e conservadores às tradições militares da aristocracia proprietária podem vencer as tendências loca- listas entre esse importante grupo e colocar em segundo plano quaisquer exigências insistentes das camadas mais baixas por uma parte não prevista dos benefícios da nova ordem (5). Ao executar a tarefa de racionálizar e alargar a ordem política, esses governos do século XIX estavam a fazer o trabalho que o absolutismo real havia já realizado noutros países. Um facto interessante sobre o curso da modernização conservadora é a aparição de uma constelação de chefes poHticos notáveis: Cavour, na Itália; na Alemanha, Stein, Hardenberg e Bismarck, o mais famoso de todos; no Japão, os homens de Estado da época Meiji. Embora as razões sejam obscuras, parece pouco provável que a aparição de capacidades de governo semelhantes em circunstâncias semelhantes seja pura coinci- dência. Todos eram conservadores dentro do espectro político do seu tempo e do seu país, dedicados à monarquia, decididos a utilizá-la como um instrumento de reforma, modernização e unificação nacional, e capazes de o fazerem. Embora todos fossem aristocratas, eram dissi- dentes ou, de certo modo, estranhos à ordem antiga. Na medida em que o seu passado aristocrático contribuiu com hábitos de comando_ e (5) Possivelmente, um dos motivos por que o conservador CAVOUR teve. tantas dificuldades com o relativamente radical GARIBALDI foi a fraqueza das tià::. dições militares entre a aristocracia proprietária italiana. ,l .. 506 ~.c.••'f t I 1 I f. AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA vo~ação ,~ara a p~~tica, pode-se talvez detectar uma contribuição dos anctens regtmes agranos para a construção de uma nova sociedad M b ' h . £: • e. . as tam em aVIa J.ortes Impulsos contrários Na medI'da e. _ m que esses h.omens eram estranhos dentro da aristocracia, pode ver-se a incapa- CIdade dessa camada para enfrentar o desafio do mundo mod~rno apenas com os seus recursos intelectuais e políticos. Os melhor sucedidos dos regimes conservadores fizeram muito não só ao destruírem a ordem antiga, mas ao estabelecerem a nov~ ordem. O Estado auxiliou a construção industrial de diversos modos impo~tantes. Serviu de motor de acumulação do capitalismo primário compIlando recursos e diriginào-.os para a construção de fábricas. Domi~ nando a mão-~e-o~ra, também desempenhou um papel importante, ?e modo algum Intelramei1te repressivo. Os armamentos constituír:>.m um Impor~ante estímu~o para a in~úst:ia. O mesmo sucedeu com as políticas de tanfas aduaneiras protecClOnlstas. Todas estas medidas até certo ?onto, implicavam retirar recursos e pessoas àagricultur:. Por isso Impunham, de tempos a tempos, uma forte tensão à coligação entre os sectores das ~a~adas superiores ligadas ao comércio e à agricultura, a qu~l era a pnn~Ipal característica do sistema poHtico. Sem a ameaça de p.engos estrangetros, por vezes real, por vezes talvez imaginária, por vezes a1l1d~, ~omo n~ caso de Bismarck, deliberadamente fabricada para fins domestlcos, os Interesses dos proprietários poderiam ter sido frustrados ao ponto de po~em todo o processo em perigo. Contudo, só por si, ~ ameaça estrangetra não pode suportar todo o peso da explicação desse comportamento (6). As recompensas materiais e outras - o «lucro» na linguagem dos gallg.rters e teoria do jogo - eram bastante substanciai~ p~~a ambos, desde que conseguissem manter os camponeses e os ope- ratlos no seu lugar. Quando havia progresso económico substancial os operários industriais podiam obter ganhos significativos, como n~ Alemanha, onde foi inventada a Sozialpolitik. Foi nos países que se (6) Para obter uma análise brilhante da situação na Alemanha em fins do século XIX, vide KEHR, Sehlaehtftottenbau. WEBER, em Bntwickelungstendenzen in der Lage der Ostelbisehen Landarbei/er, em Gesammel/e Aufsiitze, esp. 471-476 dá-nos muito claramente a posição dos Junkers. ' 507 COORDENADAS AS ORIGENS SOCIAlS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA mantiveram mais atrasados, a Itália até certo ponto, a Espanha provavel- mente um pouco mais, que houve maior tendência para canibalizar a população indígena. Parece terem sido necessárias certas circunstâncias para o êxito da modernização conservadora. Em primeiro lugar, é necessária uma chefia muito hábil para arrastar os elementos reaccionários menos per- ceptivos, concentrados entre as classes superiores proprietárias, embora não forçosamente"a elas confinados. A princípio, o Japão teve de supri- mir uma rebelião 'autêntica, a revolta de Satsuma, para controlar esses elementos. Osreaccionários podem sempre apresentar o argumentoplausível de qui os governantes modernizadores fazem mudanças e concessões quekpenas despertam os apetites das classes inferiores e trazem revoluçõei>.(7). De modo semelhante, os governantes de-vcm poder usar ou (;onstruir uma máquina burocrática suficientemente poderosa, incluin~o instituições de repressão, os núlitares e a polícia (vide o ditado alemão Gegen Demokratm heljen nur Soldaten) (*), para se libertarem da inflúéncia, na sociedade, de p~essões extremas reaccioná- ~ias e populares oãiadicais. O governo tem de separar-se da sociedade, algo que pode ac~fítecer mais facilmente do que as versões simplificadas do marxismo no~ permitem crer. No conjunt~um governo conservador forte tem vantagens nítidas. Pode encorajar elcontrolar o desenvolvimento económico, simultanea- mente. Pode ocupar-se de que as classes inferiores, que pagam os custos de todas as formas de modernização, não causem muitos problemas. Mas a Alemanha~, ainda mais, o Japão estavam a tentar resolver um problema que erã inerentemente insolúvel, moderr..izar sem alterar as estruturas sociais.-A única saída desse dilema era o núlitarismo que uniu as classes superiores. O militarismo intensificou um clima de conflito internacional, que, por sua vez, tornou mais imperioso o desenvolvi- (7) Esses argumentos também se salientaram na Inglaterra, como parte' da reacção à Revolução Francesa. Muitos foram coligidos em Turberbille, House 'of 'o, Lords. A reforma Tory pôde actuar na Inglaterra do século XIX, porém, pelo menos"í\: em parte, por constituir, de qualquer modo, uma batalha ncticia: a burguesia tinha'~:;' ganho e só os mais obtusos não viam o seu poder. * Contra democratas só os soldados. 508 mento industrial, mesmo que, na Alemanha, um Bismarck conseguisse, d.urante_algum tempo, controiar a situação, em parte por o militarismo atnda nao se ter tornado um fenómeno de massa. Levar a cabo reformas estrutu~ais com~letas, isto é, fazer a transição para uma agric"ultura comercIal lucratlva sem a repressão daqueles que trabalhavam o solo, e fazer o mesmo quanto à indústria, numa palav a, utilizar a tecnologia mod~~na rac,i~nalmentepara o bem dos seres humanos ficava para além da VIsaopohtlca de~tes governos (8). Finalmente, esses sistemas esmaga- ram-se numa tentatIva de expansão estrangeira, mas não antes de ten- tarem tornar popular a reacção sob a forma de fascismo. Antes de falarmos desta fase final, convém observar as tendências revolu.cionárias mal sucedidas noutros países. Como acima disse, este síndrome re,,-ccionáriopode encontrar-se, em determinado ponto, em. todos os casos que examinei. Verificar o motivo por que falhou noutros países poderá aguçar a compreensão das causas dos seus êxitos. Um breve relance a essas tendências em países tão diferentes como a Ingla- terra, a Rússia e a índia, poderá servir para salientar importantes seme- lhanças subjacentes, ocultas sob diversas experiências históricas. A partir dos últimos anos da Revolução Francesa, até cerca de 1822 a sociedade inglesa atravessou uma fase reaccionária que recorda nã; só os casos de que falámos, como também os problemas contemporâneos da democracia americana. Durante a maior parte desses anos, a Ingla- terra lutou contra um regime revolucionário e seus herdeiros por vezes ao que parece, pela sua própria sobrevivência nacional. Tal como no~ nossos tempos, os defensores da reforma doméstica eram identificados com um inimigo estrangeiro, representado como a incarnação de tudo (8) Sob este aspecto, a Alemanha e o Japão não são únicos, evidentemente. De~de a II Guerra. Mundial, a democracia ocidental começou a apresentar cada vez ~IS_ o.s.,mesm~s SIntomas, por motivos vastamente semelhantes que, no entanto, Ja nao t~m mUlto que ver com as questões agrárias. Marx observa algures que a burgueSIa, na. sua fase de declínio, reproduz todos os males e irracionalizações contra os quaIs antes lutara. O mesmo sucedeu com o socialismo, 110 seu esforço. para se es:abelec:r, permitindo assim à democracia do século xx a ostentação da su~ .ban,d:ua de ltberdade, enlameada e manchada de sangue, com uma certa hipo- cnSla Cllllca. 509 51133 AS ORIGENSSOCIAISDA DITADURAE DA DEMOCRACIA Por que motivo não foi este movimento reaccionário mais' do que uma fase passageira em Inglaterra? Porque não continuou a Inglaterra a percorrer esta senda até se tornar noutra Alemanha? As liberdades anglo-saxónicas, a Magna Carta, o Parlamento e outras retóricas não servem de resposta. O Parlamento votou medidas repressivas por grandes maiorias. Uma parte importante da resposta poderá encontrar-se no facto de, um século antes, certos ingleses extremistas terem cortado a cabeça ao seu monarca, para destruÚem a magia do absolutismo real na Inglaterra. A um mais profundo nível de causas, toda a história da Inglaterra, o seu apoio na marinha em vez do ezército, nos juizes de paz não pagos em vez dos funcionários reais, tinha colocado nas mãos do govel'no central uma máquina repressiva mais fraca do que aquela de que dispunham as fortes monarquias continentais. Assim, faltavam ou estavam fracamente desen~olvidos os materiais com que se construiria o regime alemão. Contudo, nesta altura, vimos já bastantes mudanças sociais e políticas saírem o <le princípios pouco prómetedores, para suspeitarmos que podiam ser creadas instituições, se as circunstâncias tivessem sido mais favoráveis. Mas, felizmente para as liberdades humanas, não o foram. O impulso para o industrialismo tinha começado muito mais cedo na Inglaterra e tornaria desnecessária à burguesia inglesa uma grande dependência da coroa e da aristocracia proprietária. Finalmente, as pró- prias classes s~periores fundiárias não necessitavam de reprimir os camponeses. Desejavam principalmente tirá-los do seu caminho, para se poderem dedicar à agricultura comercial; as medidas económicas che- gavam perfeitamente para lhes proporcionar a mão-de-obra'- de que necessitavam. Tendo êxito económico, deste modo, tinham pouca necessidade de recorrer a medidas políticas repressivas para continuarem a sua hegemonia. Por isso, na Inglaterra, os interesses industriais e agrários competiam entre si pelo favor popular, durante o resto do século XIX, alargando gradualmente o sufrágio, opondo-se ciumenta- mente às medidas mais egoístas de cada um deles e destruindo-as (Lei da Reforma de 1832, abolição das Leis dos Cereais de 1846, apoio da pequena nobreza à legislação fabril, etc.). ~ I j 1 t .1 COORDENADAS 510 . H' , 1the Eng/ish Peop/e, II, 19. ;' (9) HALEVY, zs,ory o Makin of Working elass, uma excc- (10) Pode encontra~-se em THOM:::N~ida araltas classes inferiores em Ingla- lente descrição pormenonzad~ d.o ~ue ;edidas ';vernamentais e alguns dos seus terra, nesse período. As prInCIpaIS P tg Brl'tish Pe(lf>/e 132-134, 148-149, em Cole e ostga e, r , 'defeitos podem encontrar-se adicionais importantes, VI e - 59 190193 Para obter alguns pormenores ,. . 15/-1, -. _' e II 23-25 A oposição aristocratlca a rep HALÉVY,History of the Eng/zsh Peopl, '. l' En lalld in 89-92,e TURllEVIL são pode encontrar-se em TREVELYAN,Hzstory o lt , , House of Lordr, 98-100. ""rT b 'm como nos nossos temoos, a violência, as repres-o que era mau. am e, - . ,.. F d taram . - ao movimento revoluClonarlOem rança esgossões e as tralçoes . f:'cil . . os artidários ingleses, tornando malS a e malS e lades,en~ora~~~~hod~s reaccionários desejosos de apagar as faíscas.que p US1veo nal Escrevendo na década de 1920, o grande histo- atravessavam o ~ ., ão é de modo algum, pessoa dada a riador francês ~~e H~l:vy, q~e ; i e;tabelecido um reinado de terror exageros dramatlcos, anrmou. « o " . I b e pela classe média - um terror malStoda a Inglaterra pe a no reza _ 'd em " "I . do que as demonstraçoes rU! osasformidável embora maISSIenclOso, . d. di") (9) Os acontecimentos das quatro décadas e mals que( os ra Cals» . b o
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