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Moore, Barrington. As origens sociais da ditadura e da democracia

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COORDENADAS
Apenas um sistema político parece, pois, oferecer esperança real,
o que, repito, não implica qualquer predição de qual seja o adoptado.
Seja como for, continua a ser necessário um forte elemento de coacção,
se se pretende obter uma mudança. A menos que surja qualquer milagre
técnico que permita a cada camponês indiano criar alimento abundante
num copo de água ou num vaso de areia, terá de se aplicar a mão-de-
-obra de maneira muito mais eficiente, introduzir o progresso técnico e
descobrir meios de obter alimentos para os habitantes das cidades.
Continuará a ser necessária a coacção, quer mascarada, em escala maciça,
à maneira capitalista que inclui mesmo o Japão, quer mais directa,
aproximando-se do modelo socialista. O factor trágico é que os pobres
suportarão sempre o maior peso da modernização, tanto sob auspícios
socialistas como sob os capitalistas. A ~nica justificação para lhes impor
esse peso é que ficariam muito pio.r sem ele. Tal como a situação se
encontra, o dilema é realmente cruel. É possível sentir-se a maior simpa-
. tia pelos que são responsáveis e o enfrentam. Negar que ele existe é,
por outro lado, o máximo da irresponsabilidade intelectual e política.
474
111 PARTE
IMPLICAÇÕES TEÓRICAS
E PROJECÇÕES
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A VIa democrática para
a sociedade moderna
Partindo da nossa actual perspectiva, já podemos esboçar, a traços
largos, as características principais de cada uma das três vias para o
mundo moderno. A primeira aliou o capitalismo à democracia parla-
mentar, após uma série de revoluções: a Revolução Puritana, a Revo-
lução Francesa e a Guerra Civil Americana. Com reservas, de que
posteriormente me ocuparei neste capítulo, chamei-lhe a via da revolu-
ção burguesa, uma via em que a Inglaterra, a França e os Estados Unidos
ingressaram, em alturas sucessivas, partindo de sociedades profunda-
mente diferentes. O segundo caminho também era capitalista, mas, na
ausência de um forte surto revolucionário, passou através de formas
políticas reaccionárias até culminar no fascismo. Vale a pena sublinhar
que, através de uma revolução vinda de cima, a indústria efectivam~nte
se desenvolveu e floresceu na Alemanha e no Japão. A terceira via é,
evidentemente, a comunista. Na Rússia e na China, as revoluções que
tiveram as suas principais, embora não exclusivas, origens entre os
camponeses tornaram possível a variante comunista. Finalmente,
em meados da década de 1960, a índia entrara, de modo um tanto
incerto, no processo de se tornar uma sociedade industrial moderna.
Esse pais não sofreu nem uma revolução burguesa, nem uma revolução
conservadora vinda de cima, nem uma revolução comunista. Saber se a
índia conseguirá evitar os assustadores custos destas três formas e des-
cobrir uma nova variante, como tentava fazer sob o governo de Nehru,
477
)
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I
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COORDENADAS AS ORIGENS SOCIArs DA DITADURAE DA DEMOCRACIA
(1) .?ide. em HINTZE, Staat unde Verfassung, I, Weltgeschichtliehe Bedingungen
der Reprasentaftvverfassung (1931), 140-184; Typologie der stiindisehen Verfassungen des
Abendlandes (1930), 120-139; e Wesen und Verbreitung des Feudalismus (1929),84-119 •
Para actualização das mesmas ideias, vide COULBORN,ed. Feudali.rm (1956).
leis. A decapitação dos reis constitui o aspecto mais dramático, e de
modo algum o men~s importante, d~ primeira característica. Os esforços
para estabelecer a leI, o poder da legIslatura, e, posteriormente, o uso do
Estado. como máquina do bem-estar social, são aspectos familiares e
conheetdos dos outros dois pontos.
Embora uma apreciação detalhada das primeiras fases das socie-
dades pré-modernas caia fora do âmbito desta obra, convém levantar,
pel~ meno~ resumidamente, a questão dos diferentes pontos de partida.
EXIstem diferenças estruturais nas sociedades agrárias que podem,
~m certos c~sos, favorecer o subsequente desenvolvimento em direcção
a de~ocracIa parlamentar, enquanto que outros pontos de partida
tornanam essa r~alização difícil ou poderiam anulá-la por completo.
O ponto de parttda não determina inteiramente, sem dúvida, o curso
subsequente da modernização .. A sociedade prussiana do século XIV
apresentava~l1Uitasdas características que constituíram as antepassadas
da democraCIaparlamentar da Europa Ocidental. As mudanças decisivas
que alteraram fundamentalmente o curso da sociedade prussiana e,
eventualmente, da alemã tiveram lugar nos dois séculos seguintes.
Contudo, mesmo que o ponto de partida não seja decisivo, alguns pode-
"a- ("\ <:'Pl" 1""r"I~1C' r~-rTr\"'~"'TP1C' r'l'l"'I~ ••..•••n'f- ••••.••.s ~ ~ ;I 1 . d
.••• ......, ••• ~ ..•..•. ,&..1.0.40..•••..• .I.."",,,......,..l.£4",",,l.o,,) '1\..C.'- V~t..J..V 'paLa um ucsenV01Vjmento emo-
crático.
P~de-se a:gumentar bastante bem, penso eu, sobre a tese de que o
f~u~alis~oocldental continha efectivamente certas instituições que o
dlsttngUlam de outras sociedades e que favoreceram as possibilidades
democráticas. O historiador alemão Otto Hintze, na sua dissertação sobre
as ordens sociais da sociedade feudal (Jtande) fez talvez o máximo no
sentido de tornar essa tese convincente, embora ela continue a ser um
tóp.ico.de vivos de}:,atesintelectuais (1). Para os nossos lins, o aspecto
maiS Import~'lte foi o desenvolvimento da noção de imunidade de
certos grupos e pessoas ao poder do governante, bem como a con-
ou sucumbirá, de algum modo, aos custos também graves da estagnação,
continua a ser um terrível problema que os sucessores de Nehru têm de
enfrentar.
Numa extensão muito limitada, estes três tipos - as revoluções
burguesas que culminaram na forma ocidental de democracia, as revo-
luções conservadoras vindas de cima, que terminaram no fascismo,
e as revoluções camponesas que levaram ao comunismo - podem
constituir vias e opções alternativas. Constituem, muito mais clara-
mente, sucessivas fases históricas. Deste modo, apresentam entre si uma
relação determinada e limitada. Os métodos de modernização escolhidos
por um país alteram as dimensões do problema para os países seguintes
que escolham o mesmo método, como Veblen reconheceu, quando
cunhou a expressão, agora em voga, «as vantagens do atraso». Sem a
anterior modernização democrática da Inglaterra, os métodos reaccioná-
rios adoptados pela Alemanha e pelo Japão dificilmente teriam sido
possíveis. Semas experiênciascapitalista e reaccionária, o método comu-
nista teria sido algo inteiramente diferente, se tivesse mesmo chegado a
existir. É bastante fácil de compreender, até com certa simpatia, que a
.desconfiança indiana é, em boa medida, uma reacção crítica negativa
-atodas as três formas de experiência histórica anteriores. Embora tenha
havido certos problemas comuns na construção de sociedades indus-
triais, a tarefa continua a ser sempre mutável. As condições prévias
históricas de cada espéciepolítica importante diferem fortemente entre si.
Dentro de cada tipo importante há também diferenças notáveis,
talvez mais marcadas na variante democrática, assim como há seme-
lhanças sigrúficativas. Neste capitulo, tentaremos fazer justiça a ambas,
-analisando certas características sociais agrárias que contribuíram para
o desenvolvimento da democracia ocidental. Convém ser explícito, uma
vez mais, sobre o significado desta frase tão sonora, mesmo que as
.definições de democracia tenham uma maneira de se afastar das co~-
d.usões reais para entrar num sofismatrivial. O autor encara o desenvol-
vimento de uma democracia como uma luta longa e certamente incom-
pleta no sentido de fazer três coisas estritamente relacionadas: 1) con-
trolar governantes arbitrários; 2) substituir leisarbitrárias por leis justas
.e racionais, e 3) conseguir que a população participe na elaboração das
478
.•:;.,~.,~.1
.~
-.j~
31
.I
/
479
COORDENADAS
cepção dodireito de resistência à autoridade injusta. Em coniunt~ com a
concepção de contrato como um acordo mútuo, livremente felto por
ssoas livres que resultou da relação feudal de vassalagem, esse com-pe, . . d d d'
plexo de ideias e práticas constitui um leg~do cr~Clal da SOC1~a e m~ le-
vaI europeia aos conceitos modernos oCldentals duma s~cledade ll;-re;
Este complexo apenas se verificou na Europa OCld~ntal. So al
ocorreu este equilíbrio delicado .entre pod,er real. demaslado, grande
e demasiado pequeno que proporclOnou um lmpeto lmportant~ a demo-
cracia parlamentar. Verificaram-se, noutros po~tos, ~rande ~an~dade de
semelhanças parciais, mas parece faltar-lhes o mgredlente pnncl~al ou a
proporção crucial entre elas, que se encontrava na Eur~'pa Oc~dental.
A sociedade russa creou um sistema de Estados, os SOSIOVl1. Mas. -'-van, o
Terrível, quebrou a cerviz da. nobreza independente. A tentativa para
recuperar os privilégios veio depois de. a~a~t~da a mão for:e d~ Pedro, o
Grande, e daí resultou a obtenção de pnvileglOs sem as obnga5oes corr:s-
pondentes ou sem a representação no processo da governaçao. A Chma
burocrática gerou o conceito de Mandato do Céu, que deu certo tom de
leo-itimidade à resistência contra a opressão injusta, mas sem uma for~e
n~ção de imunidade corporativa, algo que os funcionári~s i~~elec~u.als
crtaram numa extensão limitada, na prática, e contra o pnnClplO baslco
da política burocrática. O feud~ismo surgiu de ~acto no Japão, mas c~m
grande ênfase na lealdade para com os supenores e .com um ~ov~~-
nante divino. Faltava-lhe o conceito de um comprotn1sso entre 19UalS
teóricos. No sistema de casta.s indianas, podemos aperceber-nos de forte
tendência no sentido do conceito de imunidade e do privil.égio corpora-
tivo, mas também sem a teoria ou a prática do cont~_cto l1v~e. _
As tentativas no sentido de encontrar uma úruca expl1caçao con-
creta destas diferenças, estimuladas por algumas observações extr~ de
Marx e culminando na concepção polémica de Wittfogel do despotls~O
oriental baseado no controle do fornecimento de água, não têm tldo
êxito. Isto não significa que fossem mal dirigidas. O fornecime~to de
água constitui talvez uma noção demasia~o estreita. Pode~ surglr ~:s-
potismos tradicionais quando uma autond.ade centr~l .está em pOS1?a.o
de desempenhar diversas tarefas ou supervlsar as actlvldades essencl~ls
ao funcionamento de toda uma sociedade. Antigamente, era multo
480
I
I
!
j
....
.{
-r ..
AS ORIGENS SOCIAIS DA. DITADURA E DA DEMOCRACIA
menos possível do que hoje a um governo creat situações que transpor-
tassem consigo a sua própria definição da tarefa essencial à sociedade,
no seu conjunto, e fazer com que.-a população a aceitasse passivamente ..
Por isso, é menos arriscado prosseguir nessa hipótese sobre a 19calização
da execução das tarefas essenciais"às sociedades pré-industriais, d~ que
seria para as sociedades modernas. Por outro lado, parece também haver
~ma gama mais vasta de escolha do que outrora, quanto ao nível polí-
tlCOa que uma sociedade organiza a divisão da mão-de-obra e a manu-
tenção da coesão social. A aldeia camponesa, o feudo ou mesmo uma crua
burocracia territorial podem constitUir o nível decisivo sob tecnologias
agrárias geralmente semelhantes.
Após esta breve avaliação das variações do ponto de p::>.rtida,
podemos voltar-nos para o processo de modernização em si. Há um
ponto que se destaca claramente. A persistência do absolutismo real ou,
de modo mais geral, de um governo burocrático pré-industrial, até aos
tempos modernos, creou condições 'desfavoráveis à democracia do tipo
ocidental. As diferentes histórias da China, da Rússia e da Alemanha
convergem nesse ponto. É um facto curioso, para o qual não tentarei
oferecer explicação, o de os governos centrais poderosos, a que pode-
remos chamar absolutismos reais ou burocracias agrárias, se terem
estabelecido nos séculos XVI e XVII em todos os países mais impor-
tantes que estudámos (excepto, evidentemente, nos Estados Unidos),
isto é, na Inglaterra, na França, na parte prussiana da Alemanha, na
Rússia, na Cl-Jna, no Japão e na índia. Seja qual for o motivo, o facto
constitui um suporte conveniente, embora parcialmente arbitrário, no
qual poderemos. suspender os principios da modernização. Embora a
sua persistência tenha tido conseqüências desfavoráveis, as instituições
monárquicas fortes desempenharam uma função indispensável, nesse
ponto inicial, controlando a turbulência da nobreza. A democracia
não poderia crescer e florescer à sombra da pilhagem iminente por parte -
de barões malfeitores.
Noprindpio dos tempos modernos, igualmente, uma 'pré-condição
decisiva para a democracia moderna foi a aparição de u~ certo equi-
líbrio entre a coroa e a nobreza, segundo o qual o poder real predomi-
nava mas deixava à nobreza um grau substancial de independência.
481
)
COORDENADAS
AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA
"'I
A noção pluralista de que uma nobreza independente c?nstitui um ingre-
diente essencial no desenvolvimento da democraCia encontra uma
base firme no facto histórico. O apoio comparativo para esta tese é
fornecido pela ausência de tal ingrediente na Índia de Akbar e na China
Manchu, ou, talvez mais exactamente, na incapacidade de conseguir
uma situação aceitável e legítima para o grau de independência que
efectivamente existia. Os meios por que essa independência foi forjada
são igualmente importantes. Na Inglaterra, o locu~~lassicuspar~ se obt~-
rem provas positivas, as Guerras das Duas Rosas diZimarama anst?Crada
proprietária, tornando consideravelmente mais fá~il o estabelecrmento
de uma forma de absolutismo real, bastante maiS suave do que em
França. Convém lembrar que a realização desse equilíbrio, tão grato à
tradição liberal c pluralista, foi o fruto de métodos vioientos e ocasio-
niJmente revolucionários, que os liberais contemporâneos geralmente
~~m . .
Neste ponto, pode-se perguntar o que sucede qu~ndo e se ~ a~isto-
cracia proprietária tenta libertar-se dos controles r~~s, na aus~ncia de
uma classe de habitantes das cidades, numerosa e politicamente Vigorosa.
Pondo a QuestãÓde forma menos exacta, que pode suceder se a nobreza
procurar libertar-se, na ausência de uma revolução burguesa? Penso que
é seguro afirmar que o resultado é altamente desfavorável à versão
ocidental de democracia. Na Rússia, durante o século XVIII, a nobreza
conseguiu rescindir as suas obrigações para com a autocracia czarista,
"conservando simultaneamente, e aumentando mesmo, as suas pro-
priedades e o seu poder sobre os servoS. Tudo isto foi altamente desf~-
vorável à democracia. A história alemã é; sob alguns aspectos, ma~s
reveladora. Aí, contra o 'Grande Eleitor, a nobreza lutou na maior
parte separada das cidades. Muitas das exigências aristocráticas da época
assemelham-se"às de Inglaterra: ter voz no governo e, especialmente,
nos meios de o governo obter dinheiro. Mas o resultado não foi a demo-
cracia parlamentar. A fraqueza das cidades tem constituído uma carac":
teristica constante na história da Alemanha, após a sua eflorescência
na Alemanha meridional e ocidental, em fins da Idade Média, altura
-emque começaram a declinar.
482
.,
I
!
i,I
Sem entrarmos em mais provas nem discutirmos os materiais asiá-
ticos que apontam na mesma direcção, podemos simplesmente registar
um forte acordo com a tese marxista de que uma classe vigorosa e inde~
pendente de habitantes da cidade tem sido um elemento indispensável no
desenvolvimento da democracia parlamentar. Sem burgueses não há
democracia. O actor principal não apareceria no palco se limitássemos
a nossa atenção estritamente ao sector agrário. Contudo, os actores da
zona rural desempenharam um papel suficientemente importante e que
merece uma cuidadosa apreciação. E, se quisermos escrever a história
com heróis e vilões, posição que o autor repudia, o vilão totalitárioviveu por vezes no campo e o herói democrático das cidades encon-
trou aí importantes aliados.
Esse foi, por exemplo, o caso da Inglaterra. Enquanto o absolutismo
se tornava cada vez mais forte em França, num grande sector da Ale-
manha e na Rússia, encontrou a sua primeira derrota em solo inglês,
onde, na realidade, a tentativa de o estabelecer foi muito mais fraca.
Em grande medida, assim foi porque a aristocracia proprietária inglesa
começou cedo a adquirir características comerciais. Entre as determi-
nantes mais decisivas que influenciaram o curso da evolução política
subsequente, encontra-se a de a aristocracia proprietária se voltar ou
não para a agricultura comercial e, nesse caso, da forma que essa comer-
cialização tomou.
Tentemos apercebermo-nos dessa transformação nos seus contornos
principais e em perspectiva comparativa. O sistema medieval europeu
foi do género de uma certa parte da terra do senhor feudal e do domínio
ser cultivada para o senhor pelos camponeses, em troca do que este os
protegia e administrava a justiça, muito frequentemente, a falar ver-
dade, com uma pesada mão a favorecer os seus próprios interesses mate-
riais. Os camponeses utilizavam outra parte das terras do senhor para
cultivarem alimentos para seu próprio sustento e para construírem as
suas habitações. Uma terceira parte, constituída geralmente por bosques,
correntes de água e pastagens, era conhecida por terreno comum e
servia de fonte de combustível, caça e pastagens preciosos, tanto para
o senhor como para os camponeses. Em parte para assegurar ao senhor
uma mão-de-obra em quantidade conveniente, os camponeses encontra-
483
COORDENADA':;
vam-se presos ao solo por diversas formas. É certo que o mercado
desempenhava um papel importante na economia agrária medieval,.
mais importante ainda nessa época do que se possa imaginar. Con-
tudo, em contraste com tempos posteriores, o senhor, em conjunto
com os seus camponeses, constituía, em grande escala, uma comuni-
dade auto-suficiente, capaz de abastecer grande parte das suas necessi-
dades, através de recursos locais e com os artesãos locais. Com inúmeras
variações, o sistema prevalecia em grandes zonas da Europa. Não existiu
na China. O Japão feudal apresentava fortes semelhanças com este sis-
tema, e podem ser encontradas analogias em certos pontos da índia.
O desenvolvimento do comércio nas cidades e as exigências em
impostos dos governantes absolutistas tiveram, entre as suas muitas
consequências, o resultado de o senhor necessitar cada vez de mais
dinheiro. Surgiram três reacções principais em diferentes partes da
Europa. A aristocracia proprietária inglesa voltou-se para uma forma
dê agricultura comercial que implicava a libertação dos camponeses
para se governarem da melhor maneira que conseguissem. A é/ite pro-
,prietária francesa deixava geralmente aos camponeses a posse de facto
do solo. Nas áreas em que se voltaram para o comércio, fizeram-no
forffido os camponeses a entregar un:a parte ~a sua produção~ que ~s
nobres então vendiam. Na Europa Onental verificou-se a terceua varI-
ante, à reacção gen..\orial.Os Junkers da Alemanha oriental reduziram os
camponeses ~teriormeÍlte livres à condição de servos, para cultivarem
e exportarem cereais, enquanto que na Rússia se verificava um processo
semelhante, devido muito mais a razões políticas do que a motivos
econQmicos. Só no século XIX, a exportação de cereais se tornou uma
característica importante da paisagem econômica e política da Rússia.
Na própria Inglaterra, a tendência para a agricultura comercial,
por parte da aristocracia proprietária, afastou muito do que restava
da sua dependência da coroa e gerou grande parte da sua hostilidade
para com as desastradas tentativas de absolutismo dos Stuarts. Do
mesmo modo, a forma que a agricultura comercial tomou na Inglaterra,
em contraste com a Alemanha Oriental, gerou uma considerável comu-
nidade de i.tlteresses com as cidades. Ambos os factores foram causas
importantes da Guerra Civil e da vitória final da causa' parlamentar.
484
i
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...•~y;',.
AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA
Os seus efeitos continuaram a ser importantes e a ser reforçados por
novas causas, no~ séculos XVIII e XIX.
As consequências surgem ainda mais claramente se colocarmos:à
experiência inglesa a par de outras va~iantes. Falando de modo gerai,'
há duas possibilidades. O impulso comercial pode ser muito fraco entre
as classes superiores proprietárias. Quando isto sucede, o resultado
será a sobrevivência de uma grande massa de camponeses, que constitui,
no mínimo, um tremendo problema para a democracia, e, no máximo,
o reservatório para uma revolução camponesa que levaria a uma ditadura
comunista. A outra possibilidade é a de a classe superior proprietária
utilizar diversos níveis políticos e sociais para fixar à terra a mão-de-obra
e fazer deste modo a sua transição para uma agricultura comercial.
Aliado a uma quantidade ::;ubstancialde desenvolvimento industrial,
é provável que o resultado fosse aquilo que reconhecemos como fas-
cismo.
No capítulo seguinte ocupar-nos-emos do papel desempenhado
pelas classes superiores proprietárias na creação dos governos fascistas.
Aqui, precisamos apenas de notar: 1) que a forma de agricultura comercial
era tão importante como a própria comercialização; 2) que a incapacidade
de obter formas adequadas de agricultura comercial, em devida altura,
deixou aberta outra rota para as instituições democráticas modernas.
Ambas as características surgem na História da França e da América.
Em certas partes da França, a agricultura comercial deixou a sociedade
camponesa grandemente intacta, mas exigiu mais aos camponeses, pres-
tando assim a sua colaboração às forças revolucionárias. Na maior
parte da França, o impulso verificado entre a nobreza para a agricultura
comercial foi fraco, em comparação com o da Inglaterra. Mas a Revolu-
ção prejudicou a aristocracia e abriu caminho para uma democracia par-
lamentar. Nos Estados Unidos, a escravatura das plantações constituiu
um importante aspecto do desenvolvimento capitalista. Por outro
lado, falando indulgentemente, foi uma instituição desfavorável à
democracia. A Guerra Civil venceu esse obstáculo, embora apenas par-
cialmente. De modo geral, a escravatura das plantações é apenas a forma
mais extrema de adaptações repressivas ao capitalismo. Há três factores
que a tornam desfavorável à democracia. A classe superior necessita,
485
COORDENADAS
naturalmente, de um terreno com um sistema repressivo poderoso, que
imponha todo um clima de opinião política e social desfavorável à
liberdade humana. Além disso, encoraja a preponderância do campo
sobre as cidades, que, provavelmente, se tornam simples depósitos
de transbordo para exportação para mercados distantes. Finalmente,
existem as consequências brutalizantes das relações da élite com a mão-
-de-obra, especialmente severas nas economias de plantação, em que os
trabalhadores pertencem a uma raça diferente.
Dado- que a transição para a agricultu~a comercial é, obviamente,
> um passo .muito importante, como se podem explicar as maneiras por
que surgiu. ou não surgiu? Um sociólogo moderno procuraria possivel-
mente umá explicaçãoem termos culturais. Nos países onde a agricultura
comercial não conseguiu desenvolver-se em larga escala, ele sublinharia
o carácter:inibitivo das relações aristocráticas, tais como as noções de
honra e as atitudes negativas perante o lucro pecuniário e o trabalho.
_:Nas -fasesiniciais dessa pesquisa, a minha própria inclinação seria para
procurar ~ssas explicações. A medida que se acumulassem as provas,
surgiriam f>asespara se tomar uma atitude céptica para com essa linha
de aj-aqlle,~embora oS--PJ:Oblemasgerais que são levantados pelo seu
emprego ~jam discussão posterior.
Para ~er conveniente, uma explicação culturalteria que demons-
trar, por exemplo, que, entre as classes superiores proprietárias inglesas,
. :as tradições militares e as noções de posição e de honra eram muitíssimo
mais fracas do que, digamos, na França. Embora a aristocracia inglesa
constituísse. um grupo menos fechado do que a sua correspondente
francesa e não tivesse leis formais de derrogação, é de duvidar que a
diferença cultural fosse suficiente para justificar a diferença no compor-
tamento económico. E que dizer da Alemanha oriental, que se voltou da
colonização e da conquista para a exportação de cereais? E ainda mais
digno de estudo é o facto de, entre as é/ites proprietárias, em que o impulso
comercial parece fraco em comparação com o da Inglaterra, se encon-
trar frequentemente uma minoria substancial que tentou com êxito o
comércio, quando as condições locaiseramfavoráveis. Assim se desenvol-
veu a agricultura comercial para exportação em certos pohtos da Rússia.
486
AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA
Essas observações levam-nos a dar renovada ênfase à importância
das diferenças de oportunidades para adopção da agricultura comercial,
tais como, acima de tudo, a existência de um mercado nas cidades pró-
ximas e a existência de meios de transporte adequados, principalmente
pela água, para os materiais volumosos, antes dos tempos do caminho de
ferro. Embora as variações do solo e do clima sejam obviamente impor-
tantes, mais uma vez a burguesia espreita nos bastidores, como actor
principal do dram~. As considerações políticas também desempenham
um papel decisivo. Sempre que foi possível aos senhores rurais fazer uso
da máquina de coacção do Estado para se sentarem e cobrarem rendas,
fenómeno largamente verificado na Ásia e, alé certo !Jonto, na França
e na Rússia pré-revolucionárias, não existiu clarameGte qualquer incen-
tivo para se voltarem para adaptações menos repressivas.
Embora a questão da agricultura comerCial entre os camponeses
tenha menos relação com a democracia, convém mencioná-la aqui
também. De longe, a eliminação da questão dos camponeses através da
sua transformação noutro tipo de agrupamento social parece de bom
augúrio para a democracia. Contudo, nas mais pequenas democracias
da Escandinávia e Suíça, os camponeses-tornaram-se parte-4G
democráticos, dedicando-se a formas razoavelmente especializadas de
agricultura comercial, principalmente lacticínios, para os mercados cita-
dinos. Quando os camponeses parecem resistir teimosamente a essas
alterações, como, por exemplo, na Índia, não é difícil elaborar uma
explicação à volta das circunstâncias objectivas. Frequentemente, falta
uma verdadeira oportunidade para o mercado. Para camponeses que
vivem muito próximo dos limites da existência física, a modernização é,
evidentemente, demasiado arriscada, especialmente se, com as condições
prevalecentes, o lucro foi provavelmente para outrem. Daí, um nível
de vida extraordinariamente baixo e uma série de esperanças serem o
único ajustamento que para eles faz sentido, em tais circunstâncias.
Finalmente, quando as circunstâncias são diferentes, podem verificar-se,
por vezes, alterações dramáticas num curto espaço de tempo.
Até aqui, a dissertação concentrou-se em duas variantes mais
;mportantes: as relações das classessuperiores proprietárias com amonar-
quia e a sua reacção às exigências da produção para o mercado. Existe
487
COORDENADAS
uma terceira variante importante que já entrou na dissertação: as rela-
ções das classes superiores proprietárias com os habitantes das cidad?s,
principalmente com a camada superi<;>r,a qU?podemos chamar b.urguesla.
As coligações e contra-coligações que surglram entre esses d01Sgrupos
constituíram, e em algumas partes do mundo ainda constituem, a estru-
tura básica e o ambiente circundante de acção política, formando a
série de oportunidades, tentações e impossibilidades dentro da qual os
chefes políticos têm tido que actuar. Em termos muito vastos, o nosso
problema passa a ser o de tentar identificar essa~situações n~s relações
entre as classes superiores proprietárias e os habItantes das Cldadesque
contribuiram para o desenvolvimento de uma sociedade relativamente
livre, nos tempos modernos,.
Será melhor começarmos por recordar certas linhas de clivagem
natural entre a cidade e a zona rural e dentro desses dois sectores da
população. Em primeiro lugar, encõntra-se o conflito, já familiar, de
interesses entre a necessidade urbana de alimentos baratos e os preços
elevados dos artigos que produz e o desejo rural de altos preços para
os alimentos e baixos preços para os produtos das lojas dos artesãos e da
fábrica. Esse conflito poderá tornar-se cada vez mais importante com o
alargamento de uma economia de mercado. As diferenças de classes,
tais como as existentes entre senhor rural e camponês nos campos,
verificadas entre patrão e assalariado, entre dono de fábrica e operário na
cidade, atravessam as linhas de clivagem rurais-urbanas. Quando os
interesses das camadas superiores da cidade e do campo convergem
contra os camponeses e operários, o resultado será provavelmente des-
favorável à democracia. Contudo, muitá coisa depende das circunstân-
cias históricas em que tal facto se verifica.
Um exemplo muito importante de interesses convergentes entre
os sectores mais importantes da aristocracia proprietária e as camadas
superiores dos habitan~ das cidades ocorreu na Inglaterra Tudor e
Stuart. Aí, a convergência verificou-se numa fase recuada no curso
da modernização e em circunstâncias que levaram ambos os grupos
a opor-se à autoridade real. Estes aspectos são de crucial importância
na explicação das consequências democráticas. Em contraste com a
situação da França no mesmo período, onde os fabricantes se ocupavam
.488
.,
AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E, DA DEMOCRACIA
grandemente em produzir armas e artigos de luxo para o rei e para a
aristocracia da corte, a burguesia inglesa era vigorosa e independente,
com mais vastos interesses num comércio de exportação.
Do lado da nobreza proprietária e da pequena nobreza, havia
também uma série de factores prováveis. O comércio da lã tinhaafectado
a zona rural durante o século XVI, e mesmo antes, levando a enclosures
para obtenção de pastagens de carneiros. A classe superior inglesa crea-
dora de carneiros, em minoria, embora influente, necessitava das cidades
que exportavam a lã, o que constituía uma situação muito diferente da
da Alemanha Oriental, onde o cultivo de cereais, nas mãos dos] unkers,
se fazia à margem das cidades em declínio.
A convergência entre as classes superiores proprietári~.se urbanas
na Inglaterra, antes da Guerra Civil, de modo a favorecer B. causa da
liberdade, tomou, entre os países mais importantes, um carácter único.
Talvez a situação mais vasta de que fazia parte pudesse ocorrer apenas
uma vez na história humana: a burguesia inglesa, desde o século XVII
até grande parte do século XIX, pôs um máximo de material em jogo
para a liberdade humana, porque era a primeira burguesia e ainda não
tinha levado os seus rivais estrangeiros e domésticos ao seu máximo
poder. Contudo, poderá ser útil expressar certas conclusões tiradas da
experiência inglesa sob a forma de hipóteses gerais, formuladas sobre as
condições nas quais a colaboração entre os sectores importantes das
classes superiores das cidàdes e da zona rural poderia ser favorável ao
desenvolvimento da democracia parlamentar. Como já dissemos, é
importante que a fusão se verifique em oposição à burocracia rea1.Uma
segunda condição parece ser a de os chefes comerciais e industriais esta-
rem a caminho de se tornarem o elemento dominante da sociedade.
Nestas condições, as classes superiores proprietárias podem criar hábitos
económicos burgueses. Isso sucede não só por simples cópia, mas tam-
bém como reacção às condições gerais e às circunstâncias da própria
vida. Tudo isto só pode suceder, ao que parece, numafase inicial do
desenvolvimento económico. Parece muito pouco provável que elas se
possam repetir algures no século xx.
O matiz burguês torna mais fácil às classes superiores proprie-
tárias, numa fase posterior, manter os postos de comando político,
489
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491
AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA
da revolução industrial, eliminaram a questão camponesa da poHtica
ingl~sa. Daí, não h~ver .um reservatório maciço de camponeses pa~a
serVIr os fins reacclOnános das classes superiores proprietárias, comQ
sucedeu na Alemanha e no Japão. E também não houve a base maciÇ.,l
para as revoluções camponesas, como sucedeu na Rússia e na Chin~:
Por motivos muito diferentes, os Estados Unidos escaparam também à
praga política da questão camponesa. A França não lhe escapou e a insta-
bilidade da democracia francesa durante os séculos XIX e XX é, em parte,
devida a esse facto.
A confessada brutalidade dos enclosures põe-nos perante as limi-
tações da possibilidade de transições pacíficas para a democracia e recor-
da-nos os conflitos abertos e violentos que precederam o seu estabele-
cimento. É altura de restaurar a maléctica para nos recordarmos do
papel da violência revolucionária. Muita dessa violência, talvez nas
suas características mais importantes, teve as suas origens nos pro-
blemas agrários que se veríficaram ao longo da estrada que levou à demo-
cracia ocidental. A Guerra Gvil inglesa controlou o absolutismo real
e deu aos grandes senhores rurais de espírito comercial uma mão livre
para executarem a sua parte, durante o século dezoito e princípios do
dezanove, na destruiçãu-da-:rodedad . evo uçao rancesa
quebro~ o poder de uma élite proprietária que ainda era muito pré-
-comercIal, embora alguns dos seus sectores tivessem já começado a tomar
as novas formas que exigiam um mecanismo repressivo para ma..1.tera
mão-de-obra. Nesse sentido, como já se fez notar, a Revolução Francesa
constituiu um modo alternativo de crear instituições eventualmente favo-
ráveis à democracia. Finalmente, a Guerra Civil Americana também
quebrou o poder de uma élite proprietária que constituía um obstáculo
no caminho do progresso democrático, mas, neste caso, desenvolvida
como parte do capitalismo.
Quer se acredite ou não que estes três movimentos violentos auxi-
liaram ou impediram o desenvolvimento da democracia liberal e bur-
?uesa, continua a ser necessário reconhecer que constituíram parte
Importante de todo o processo. Só por si, o facto proporciona uma
considerável justificação para os designarmos por revoluções burguesas,
ou, se o preferirmos, liberais. Contudo, há sérias diJiculdades no agru-
'.f
, i
COORDENADAS
490
numa sociedade basicamente burguesa, como foi o caso da Inglaterra do
século XIX. Aqui, podem ser sugeridos três outros factores importantes.
Um deles é a existência de um grau substancial de antagonismo entre
elementos comerciais e industriais e as antigas classes proprietárias.
O segundo é o facto de as classes proprietárias manterem uma base
económica razoavelmente firme. Ambos os factores impedem a formação
de uma sólida frente de oposição das classes superiores às exigências
da reforma, e encorajam certa competição pelo apoio popular. Final-
mente, sugiro que a élite proprietária deverá poder transmitir algo
do seu aspecto aristocrático às classes comerciais e industriais.
Existe algo mais nesta transmissão, além da interligação por meio
da qual uma propriedade antiga pode ser conservada pela aliança com
o dinheiro:novo. Estão implicadas muitas mudanças subtis de atitude
que, preséntemente, apenas são compreendidas imperfeitamente.
Somente conhecemos a consequência: as atitudes burguesas têm de se
tornar mai~ fortes, e não ao contrário, como sucedeu na Alemanha. Os
. mecanismos- por que esta osmose se verifica estão longe de ser claros.
. Sem dúvida, o sistema educacional representa um papel importante,
embora, só por si, não pudesse ser deCISIvo. De uma exploração da lite-
, ratura biográfica, tão abundante para a Inglaterra, poderia resultar uma
rica colheita, nesse campo, apesar do tabu inglês em relação a discussões
francas sobre a estrutura social, tabu esse que, por vezes, é tão forte
'como as discussões francas sobre sexo. Quando as linhas de divagem
social,económica, religiosa e política não coincidem perfeitamente,
é menos provável que os conflitos sejam apaixonados e graves ao ponto
de excluírem uma reconciliação democrática. O preço desse sistema é,
evidentemente, a perpetuação de uma grande dose de abuso «tole-
rável» - que é principalmente tolerável para os que ganham com o
sistema.
Um breve relance oiS~bre o destino da classe camponesa inglesa
sugere mais uma condição de desenvolvimento democrático que bem
pode ser decisiva por seu próprio direito. Embora a «solução final
da questão dos camponeses», em Inglaterra, através dos enclosures, possa
não ter sido tão brutal ou tão radical como alguns autores nos levaram a
pensar, poucas dúvidas podem haver de que os enclousures, .como parte.
:.:'t:.
493
a concepção da revolução burguesa implica um firme aumento do poder
ecor1ómicodas classes comerciais e' dos fabricantes das cidades, ;Ú ao
ponto em que o poder económico entra em conflito com o poder polí-
tico, ainda nas mãos da antiga classegovernante, baseado principalttiente
na terra. Nesse ponto ocorre, supostamente, uma explosão revolucio-
nária, em que as classes comerciais e fabricantes se apoderam das rédeas
do poder político e introduzem as principais características da demo-
cracia parlamentar moderna. Tal concepção não é inteiramente falsa.
Mesmo para a França, há boas indicações de um aumento do poder
económico do sector da burguesia hostil às cadeias impostas pelo allcien
régime. Contudo, esse significado de revolução burguesa constitui de tal
modo uma simplificação que poderia ser uma caricatura do que real-
rr:.::nteocorreu. Para vermos como é uma caricatura, precisamos apenas
de recordar: 1) a importância do capitalismo na zona rural inglesa,
que permitiu à aristocracia proprietária inglesa manter o controle
da máquina política durante o século XIX; 2) a fraqueza de qualquer
impulso puramente burguês na França, as suas estreitas ligações com
a ordem antiga, a sua dependência dos aliados radicais durante a Revo-
lução, a continuação da economia camponesa durante os tempos moder-
nos; 3) o facto de a escravatura das plantações nos Estados Unidos se ter
desenvolvido como parte integrante do capitalismo industrial e ter
representado um obstáculo muito maior para a democracia do que para
o capitalismo.
Como dissemos há momentos, a dificuldade central reside em que
expressões como revolução burguesa e revolução camponesa agrupam
indiscriminadamente aqueles que fazem a revolução e os seus bene-
ficiários. De modo semelhante, esses termos confundem os resultados
legais e políticos das revoluções com os grupos nelas activos. As revo-
luções do século xx tiveram o seu apoio maciço entre os camponeses,
que foram então as principais vitimas da modernização imposta pelos
governos comunistas. Contudo, manter-me-ei ingénua e explicitamente
consistente no emprego dos termos. Ao falarmos das revoluções cam-
ponesas, falaremos da principal força popular por trás delas, sabendo
bem que, no século XX, o resultado foi o comunismo. Ao falar de revo-
luções burguesas, a justificação para o termo apoia-se numa série de
AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA
, ~.
492
pamento de revoluções ou, igualme~te, de quais~uer .fenó.menoshistó-
ricos importantes. Antes de prossegwrmos, convem dISCutireste ponto.
Certas considerações de carácter muito geral tornam necessário
adoptar vastas categorias dessa variante. É,. ou ~evia ser, absoluta~ente
óbvio que determinados sistemas instituclOnals, como o feudaltsmo,
a monarquia absolutae o capitalismo, se erguem, atingem o seu auge
e passam. O facto de qualquer complexo institucional específico se
desenvolver primeiro num país do que noutro, como sucedeu com o
capitalismo na Itália, !la Holanda, na Inglaterra, na Fran~a e nos ~st~d?s
Unidos, não impede uma concepção geralmente evolutlva da Hlstona.
Nenhum país passa por todas as fases sozinho, limitando-se a carregar
o seu próprio desenvolvimento, até certo ponto, dentro da estr~tura da
sua situarão e das sÜas instituições. Assim, uma revolução a tavor da
propried:de privada~J).os meios de produção, tem boas ~ossibili~ades
de ter êxito em algm-i?asfases e de falhar noutras. Pode ser lrremedJavd-
mente prematura e ccfnstituirapenas uma corrente,menor nos séculosXIV
e XVI, e, contudo, ser irremediavelmente anacrónica na segunda metade
do século xx. Para além das condições históricas concretas, num deter-
minado momento e ;r~'deterrriÍhado país, existem as condições mun-~ ~ ., .
diais tais como o e~do das artes técnicas e a orgamzação econOU1lca
e pOllticaatií1.gidand.~ltraspartes do mundo, que influenciam fortemente '\
as possibilidades de vma revolução. ,. '
Estas considerações levam-nos à conclusão de que énecessarlo
agrupar as revoluções pelos vastos resultados institucionais para que
elas contribuíram. Grande parte da confusão e da má-vontade no
emprego de categoriãs mais vastas resulta do facto de aque!es que forne-
cem o apoio maciço.a uma revolução, aqueles que a chefiam e aqueles
que, no final, dela beneficiam serem pessoas distinta~. Enqu~nto esta
distinção se mantiver clara para cada caso, faz sentido Ce e mesmo
indispensável para elaborar distinções, assim como para compreender
semelhanças) considerar a Guerra Civil Inglesa, a Revolução Franc~sa
e a Guerra Civil Americana como fases do desenvolvimento da revo-
lução democrático-burguesa..,)ijr'i;" 'f
Há motivos para relutância no emprego desse termo, e vale' a ";';i}' I
pena apontar a medida em que ele pode ser ilusório. Paraalguns autores, , i~{
:-t' t.
f~~~:!!.'
.:~.:~!t.':',i~,
~~',
COORDENADAS
COORDENADAS
/
AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA
civil. Numa palavra: ou as classes superiores propri('tárias ajudav~m
a fazer a revolução burguesa, ou eram por ela destruídas. .. .
A fechar esta dissertação será útil expor as condi - " ";., çoes pnnClpats
que foram aparentemente mais importantes para o des I'. envo Vlmento
d.~d~m~cr~clae, como teste destas conclusões, aplicá-las a par da expe-
r-:,enclalndiana: Se se verificar que a presença de algumas dessas condi-
çoes tem um~ ligação demonstrável com os aspectos mais bem sucedidos
da democraCIaparlamentar na índia ou com as origens rustóricas desses
~spec_tose, por ou~o lado, que a ausência de outras condições apresenta
ltgaçoes com ~s dIficuldades e obstáculos à democracia na índia, pode-
remos ter illalOr con£iança nessas conclusões.
A p:i~eira condição ~ara o desenvolvimento democrático que a
nossa analise e~controu fOI o de.renvoliJimelitode um equilíbrio para evitar
uma coroa dem~slado forte ,OH Hma aristocracia proprietária demasiado indepcn- .
dente. N: í~dla mongol, 0.0 seu auge, o poder da coroa era esmagador
em re~açaoas classessupenores. Não tendo quaisquer direitos seguros de
propnedade, o nobre era, de acordo com a bem conhecida frase de
Mor~land, um servo ou um inimigo do poder governante. A decadência
do slst~ma.mongol libertou as classes superiores, alterando o equilíbrio
no sentido Inverso, para uma política de pequenos reinos locais em luta.
Cont.ud~,o esforço inglês subse'quente, no século XVIII, para crear em
sololndlanO un:a classede senhores rurais vigorosos eprogressivos, seme-
~ha~te ao seu tipo doméstico, constitui um fracasso total. A sodedade
~nd.ta~atam~ém não con~eguiu satisfazero segundo pré-requisito impor-.
cante. o mOVImento no sentulo de uma forma adeqttadade agricultura comercial
quer por parte da, aristocracia proprietária, quer por parte dos cam~
p~~eses. Em vez dlsso, o braço protector da lei e da ordem inglesas per-
~l~U o au~ento da população e que uma classe de senhores parasi-
tanos extr~lss~m, em conjunto com os usurários, uma grande parte do
que os propnos camponeses não comiam. Por sua vez essas condi-
ções inibiram muito a acumulação de capital e o desenvolvimento econó-
mico. Quando a independência surgiu, foi, em parte, sob o ímpeto do
desejo dos camponeses do regresso a um passado de aldeia idealizado
o que limitou ainda mais e atrasou perigosamente a modernização real
da zona rural. Não vale a pena explicar mais detalhadamente como essas
çonsequências legais e políticas. A terminologia consistente impõe
a invenção de novos termos que, receio bem, só aumentariam a confusão.
O principal problema, afinal, consiste no que sucedeu e porquê, não no
emprego de rótulos certos.
Parece agora tão claro quanto estes assuntos o podem ser, que a
Revolução Puritana, a Revolução Francesa e a Guerra Civil Americana
foram movimentos muito violentos dentro de um longo processo de
alteração política que levou àquilo que reconhecemos como a moderna
democracia ocidental. Esse processo tem causas económicas, embora
elas não fossem certamente as únicas. Ar, liberdades creadas por esse
processo mostram uma clara relação entre si. Obtidas em ligação com o
aparecImento do moderno capitalismo, apresentam traços de uma
época rustórica especifica. Os elementos-chaves na ordem da sociedade
liberal eburguesa são o direito de votar, a representação numa legislatura
que faz as leis e, portanto, é mais do que uma chancelapara o exeéutivo,
um sistema de leis objectivo que, pelo menos em teoria, não confere
privilégios especiais em virtude do nascimento ou de uma situação
herdada, segurança para os direitos de propriedade e eliminação das
> "barreiras herdadas do passado no seu uso, tolerância religiosa, liber-
dade c!epalavra e direito a reuniões pacificas. Mesmo que, na prática,
falhem, são estes os marcos reconhecidos de uma sociedade liberal
moderna.
A domesticação dosector agrário foi uma caracteristica decisiva de
todo o processo histórico que produziu essa sociedade. Era tão impor-
tante como o mais conhecido sistema de disciplinar a classe trabalha-
dora e, evidentemente, estava estreitamente ligado a ele. Na verdade,
a experiência inglesa tenta-nos a dizer que a destruição da agricultura
çomo actividade social importante contitui um pré-requisito para uma
.democraciabem sucedida. A principal hegemonia da classesuperior pro-
prietária tem de ser quebrada ou transformada. O camponês tinha de
passara ser um agricultor que produzisse para o mercado, em vez de,
produzir para o seu próprio consumo e para o senhor rural. Neste pró-.,
çesso, ou as classes superiores proprietárias 'se tornavam parte impo~-"
tante da maré capitalista e democrática, como na Inglaterra, ou, se se l.hr:
opusessem, eram varridas pelas convulsões da revolução ou da guerra"
494
1
32 495
COORDENADAS AS ORIGENS SOCÍAIS DA DITADURA 1! DA DEMOCRACIA
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E~bor~ f~sse tentador prosseguir a dissertação sobre este ponto
as polít1ca~111dianassó a~ui cabem na medida em que servem de test~
a ufa t~orla de de~ocraCla. As.realizações ou os fracassos da democracia
na ndia, os obstaculos e as 111certezasque ainda enfrenta tud 's"
li
' o I so
encontra uma ~:p .cação razoável em termos das cinco condições deri-
vadas da expenenCla de outros países. Isto não constitui prova de forma
alguma. Mas parece-me }us:o afirmar que essas cinco condições não
foc~m apenas aspectos SIgnificativos da história indiana' obtêm forte
apOlOnessa mesma história. 'j
t
I
t
I
os principais obstáculos para o
de uma democracia firmemente
496
circunstâncias se encontravam entre
estabelecimento e o funcionamento
baseada.
Por outro lado, a partida dos ingleses enfraqueceu em grande escalaa predominância política da élite proprietária. Há muitos que afirmam
que as reformas da pós-independência destruíram mesmo esse poder.
Nesta limitada extensão, o desenvolvimento das instituições demo-
cráticas seguiu o padrão ocidental. Ainda mais importante, a ocupação
britânica, apoiando o seu poder na élite proprietária e favorecendo os
interesses comerciais da Inglaterra, levou à oposição um sector substan-
cial das classes urbanas comerciais e negociantes, impedindo a fatal
coligação de uma forte élite proprietária e de um~ burguesia fraca que,
como veremos em maior detalhe no próximo capitulo, tem sido a origem
social dos regimes e movimentos autoritários d~s direitas na Europa
e na Ásia. Assim, duas condições foram satisfeitas: o enfraquecimento da
aristocracia proprietária e o impedimento da coliga{ão aristocrático-burguesa
contra os camponeses e operários. ,
Efectivamente, a índia constitui um exempl~:~portante, em que,
'pelo menos, a estrutura formal da democracia e J,Una parte importante
da sua substância, tal como a existência de opo!ição legal e de canais
para protesto e critica, surgiram sem uma fased~violência revolucioná-
ria (a revolta dos Cipaios foi principalmente un{ caso de saudosismo).
Contudo, a ausência de uma quinta condição, uma rttlura revolucionária
com o/Jassado, e de qualquer forte movimento nesse sentido até ao momento
presente, encontra-se entre os motivos do prolopgado atraso da índia
e das extraordi.Ilárias dificuldades que a democracia liberal ai enfrenta.
('..ertos estudiosos dos problemas indianos expressaram surpresa por a
pequena élite indiana, educada à maneira ocidental, se ter mantido fiel
ao ideal democrático, quando poderia facilmente tê-lo destruido. Mas
porque desejariam destrui-lo? A democracia não proporciona uma
racionalização para recusar reordenar, em escala maciça, uma estrutura -
social que mantém os seus privilégios? Pata sermos justos, devemos
acrescentar que a tarefa é suficientemente formidável para fazer vacilar,
à ideia de tomar responsabilidade por ela, quem não for o mais radical:::"
dos doutrinários.
t
I A revolução vinda de Cimae o fascismo
A segunda rota pr.h"1cipaIpara o mundo da indústria moderna
chamámos a rota capitalista e reaccionária, muito claramente exempli-
ficada pela Alemanha e pelo Japão. Aí, o capitalismo enraizou-se firme-
mente tanto na agricultura como na indústria e transformou esses países
em países industriais. Mas fê-lo sem um movimento revolucionário
popular. As tendências havidas neste sentido foram fracas, muito mais
fracas no Japão. do que na Alemanha, e em ambos os casos foram
desencaminhadas e esmagadas. Embora não fossem a única causa, as
condições agrárias e os tipos espedficos de tra...~sformaçãocapitalista .
que se verificaram na zona rural contribuíram muito fortemente para
essas derrotas e para o enfraquecimento por trás de cada impulso no
sentido das formas democráticas ocidentais.
Existem certas formas de transformaçào capitalista na zona rural
que podem ter êxito económico, no sentido de produzirem bons lucros,
mas que são, por razões bastante óbvias, desfavoráveis ao desenvolvi-
mento de instituições livres do género das do Ocidente no século XIX.
Embora essas formas se confundam, é fácil distinguir dois tipos gerais.
Uma classe superior proprietária pode, como no caso do Japão, manter
intacta a sociedade camponesa pré-existente, introduzindo apenas as
alterações suficientes,na sociedaderural, para garantir que os camponeses
produzam um excedente suficiente, de que se possa apropriar e vender
com lucro. Ou então, a classe superior p.roprietáriapoderá crear sistemas
499
COORDENADAS
soClaIs inteiramente novos, dentro do estilo da escravatura das plan-
tações. A escravatura nos tempos modernos só é, provavelme.nt:, crea-
ção de uma classe de intrusos colonizadores, nas z?na,s tropICaiS.E~
certas partes da Europa Oriental, porém, a nobreza 1ndIgena consegUlu
voltar a introduzir um sistema de servidão que fincou os camponeses
à terra, de tal modo que os resultados obtidos foram semelhantes. É um
sistema intermédio, entre os outros dois.
Tanto o sistema de conservar intacta a sociedade camponesa, mas
extorquindo-lhe cada vez ~ais, como o ~so de .mão-de~obra, serv:il.ou
semi-servil, em grandes urudades de cultivo, eXigem rrietodos polItlCOS
de força para a extracção do referido excede~te, para ~anter a,~ão-de-
-obra no seu lugar e, em geral, para fazer o SIstemafunClonar. EVIdente-
mente, nem todos estes múodos são políticos, num:sentido restrito.
Particularmente onde a sociedade camponesa é con~ervada, surgem
tentativas de todos os tipos para o emprego das refações e atitudes
tradicionais, como a base da posição do senhor ruraL; Dado que esses
métodos políticos têm consequências importantes, será'útil dar-lhes um
nome. Os economistas distinguem entre tipos de agricultura de mão-de-
-obra intensiva e de capital intensivo, conforme o sistema utiliza grandes
quantidades de mão-de-obra ou de capital. Também ~rá útil fal~m.os
.dos sistemas repressivos de mão-de-obra, de que a escraratura constitUl o
ponto extremo. A dtliculdade. dessa noção con~ist~ ~m qu~ se pode
legitimamente perguntar que tipo exactamente nao e repressIvo para a
mão-de-obra. A distinção que tento sugerir é feita entre o uso de meca-
;~_..•.,
nismos políticos (utilizando o termo {<político»de modo lato, como r ;.~
acabamos de dizer), por um lado, e o apoio no mer~ado, por outro, ::J~f:'
Para garantir uma força de mão-de-obra adequada para trabalhar o solo . ".i /\,
e cre~ um excedente agrícola destinado ao consumo por parte das outras ' :,~;~~;~'
. b . f " b s .. ''f~~~~i7~classes. As que se encontram na zor...amais. alXaso rem mUlto, em am a. ~,.•~. ,>'.~
~,r;.:.;:tos casos. ''''';t. -.f'.
Para tornar útil o conceito de um sistema agricola repressivo à ." ::1;,,; .-;,'
base de mão-de-obra, convém estipular que, desse mo~o, se manté~.- ~''l!~rjj
a trabalhar grande número de pessoas. Convém também 1nformar expli- .:,...~l_,'"
citamente que ele não inclui, por exemplo, a propriedade famili~c~:~
americana de meados do século XIX. Pode ter havido exploração da;} ~.
.,.t.
500
AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E .DA DEMOCRACIA
mão-~e-obra dos membr.os da família, nesse caso, mas essa exploração
era felta, aparentemente, sobretudo por,parte do próprio chefe da faÍIú-
~a, c.om um mini~o de assistência exterior. Também se não poderia
1nclUlr nessa descnção o sistema dos trabalhadores agrícolas assala-
riado.s, com liberdade suficiente para recusarem um trabalho e partirem,
condição essa que raramente se vertlica na prática. Finalmente, os sis-
temas agrários pré-comerciais e pré-industriais não são necessariamente
repressivos da mão-de-obra, se houver um equilíbrio, mesmo grosseiro,
entre a contribuição do senhor rural para a justiça e a segurança e uma
contribuição do agricultor, sob a forma de colheitas. Se esse equilíbrio
pode ser atribuído a qualquer sentido objectivo, é um ponto que será
disc~tido mais detalhadamente no capítulo seguinte, quando surgir
em ligação com a questão das causas das revoluções camponesas. Aqui,
apenas necessitamos de observar que o estabelecimento de sistemas
agrários repressivos da mão-de-obra, no curso da modernização, não
produzem necessariamente maiOl"sofrimento entre os camponeses do
que os outros sistemas. Os camponeses do Japão tinham maiores 'faci-
lidades do que os ingleses. O nosso problema consiste num asnecto
diferente: como e porquê os sistemas agrários repressivos da mã~-de-
-obra proporcionam um clima desfavorável ao desenvolvimento da
democracia e uma parte importante do complexo institucional que leva
ao fascismo.
Ao dissertar sobre as origens rurais da democracia parlamentar,
notámos que um grau limitado de independência da monar.quia consti-
tuía uma das condições favoráveis, embora não ocorresse em toda a
parte. Conquanto um sistema de agriculturarepressivo da mão-de-obra
possa iniciar-se em oposição à autoridade central, é possível fundir-se
c?m a monarquia, posteriormente, na procura de apoio político. Essa
sltuação pode também levar à conservação de uma ética militar entre
a nobreza, de maneira desfavorável ao desenvolvimento das instituições
democráticas. A evolução do estado prussiano constitui o mais claro
exemplo. Dado que nos referimos a esses.aspectos em diversos pontos
desta obra, será adequado descrevê-los aqui resumidamente.
Na ~lemanha d;) Nordeste, a reacção senhorial nos séculos quinze
e dezasseIS, sobre a qual teremos algo mais a dizer dentro de outro
501
".',"~~'~~i}
~,~
111
'11
111
111
111
j.
COORDENADAS
contexto, interrompeu o progresso no sentido da libertação dos cam-
poneses das obrigações feudais e o progresso, a ela estreitamente ligado,
da vida citadina, que, na Inglaterra e na França, culminaram na demo-
cracia ocidental. Uma causa fundamental foi o desenvolvimento das
exportações de cereais, embora não fosse a única. A nobreza prussiana
expandiu as suas propriedades à custa dos camponeses que, sob a Ordem
Teutónica, haviam estado próximos da liberdade, e reduziram-nos à
servidão. Como parte do mesmo processo, a nobreza reduziu as cidades
à dependência, curtocircuitando-as com as suas exportações. Mais
tarde, os gOvernantes Hohenzollern conseguiram destruir a indepen-
dência da nobreza e esmagar os Estados, voltando os nobres e os habi-
tantes das ~idades uns contra os outros, e controlando assim os com-
ponentes atistocráticos no seu caminho para o governo parlamentar.
O resultado, nos séculos XVII e XVIII, foi a «Esparta do Norte», uma
fusão núlitarizada de burocracia real e aristocr"cia proprietária (1).
Do lado da aristocracia proprietária surgiram. as concepções de
superioridade inerente, na classe governante, e uma sensibilidade às
questões d9 Estado, tra~os proeminentes mesmo no século xx. Alimen-
tados por 1J.ovasfontes, esses conceitos puderam ser posteriormente
. vulgarizados e tornados interessantes para a população alemã, no seu
conjunto,qomo doutrinas de superioridade radical. A b.urocracia real
introduziu, contra uma considerável resistência aristocrática, o ideal da
obediência total e irreflectida à instituição, acimada classe e do indivíduo
(antes do século XIX seria anacrónico falar de nação). A disciplina e a
obediência prussianas e a admiração perante as qualidades de um soldado
derivavam -principalmente dos esforços dos Hohenzollern para crear
uma monarquia centralizada.
Tudo isto não significa, evidentemente, que um destino inexorável
arrastasse a Alemanha para o fascismo desde o século XVI, e que o
processo nunca poderia ter sido invertido. Outros factores tinham de
intervir, e alguns deles muito importantes, tais como a industrializa--
ção, começaram a desenvolver-se durante o século XIX. Sobre esses, será
(1) V. ROSENBERG, Bureau.-rtlcy; CARSTEN, Origini .1/ Pruuia •.
502
AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA
necessário falarmos dentro de momentos. Há também variantes e subs-
tituições significativas, dentro do padrão geral que levou ao fascismo
a que poderíamos chamar subalternativas, se quiséssemos ser exacto~
e técnicos, dentro da aiternativa mais importante da modernização con-
servadora, através de uma revolução vinda de cima. No Japão, a noção
de compromisso total perante a autoridade proveio, aparentemente,
mais do aspecto feudal da equação do que do do seu aspecto monár-
quico (2). Também na Itália, onde o fascismo foi inventado, não havia
uma monarquia nacional poderosa. Mussolini teve de chegar à antiga
Roma para conseguir encontrar o simbolismo correspondente.
Numa fase posterior do curso da modernização, é provável que
apareç~ um factor novo e crucial, sob a forma de uma coligação
grosselra entre os sectores influentes das classes fundi~ri,s e os
interesses comerciais e industriais emergentes. Tratava-se, de longe,
de uma configuração política do século XIX, embora prosseguisse no
século xx. Marx e Engels, na sua dissertação sobre a revolução abor-
tada de 1848 na Alemanha, eonquanto errados em outros aspectos impor-
tantes, puseram o dedo neste ingrediente decisivo: uma classe comercial
e industrial demasiado fraca e dependente para tomar o poder e governar
de seu direito próprio, e que, por isso, se lança nos braços da aristocracia
proprietária e da burocracia real, trocando o direito de governar pelo
direito de ganhar' dinheiro (3). É necessário acrescentar que, mesmo que
Oelemento comercial e industrial seja fraco, deve ser suficientemente forte
(ou em breve tornar-se suficientemente forte) para constituir um aliado
político digno de valor. Caso contrário, pode surgir uma revolução
camponesa que leve ao comunismo. Isso sucedeu tanto na Rússia como
na China, após esforços sem êxito para estabelecer uma tal coligação.
Parece também haver outro ingrediente que entra na situação um pouco
mais tarde, em relação à formação dessa coligação: mais tarde ou mais
cedo, os sistemas da agricultura repressiva da mão-de-obra são suscep-
tíveis de enfrentar dificuldades produzidas pela concorrência de outras
(2) SANSOM, Hiltory 0/ Japan, I, 368.
(3) Ver MARX, Selected Worki, lI, Germany: Revolution and Counter-Revolution,
escrito principalmente por Engels.
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AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA
505
menos, ~ Itália bastante menos, a Espan;p.a muito pouco. Ora, no curso:'.
da modernização através de uma revolução vinda de cima, esse governo'
tem de executar muitas das tarefas realiiadas noutros países, com a ajudi
d~ uma revolução vinda de baixo. A noção de que uma revolução popular.-
vlOlenta é, de certo modo, necessária para varrer os obstáculos «feudais;;:'
à industrialização é puro erro, como demonstram os cursos das histórias
alemã e japonesa. Por outro lado, as consequências políticas do desman-
telar da ordem, feito de cima, são decididamente diferentes. A medida que
prosseguiam com a modernização conservadora, estes governos semipar-
lamentares tentavam preservar a estrutura social inicial, aplicando grandes
secções dessa estrutura no ediíício novo, sempre que possível. Os resul-
tados tin..~am certa semelhança com as casas Victorianas actua.is com
modernas cozinhas eléctricas mas com c;sas de banho insuficie~tes e
canos rotos decorosamente escondidos por trás de paredes estucadas
de novo. Finalmente, os expedientes falharam.
Uma importante série de medidas foi a racionalizaçlo da ordem
política. Significou a quebra de divisões territoriais tradicionais e esta-
belecidas havia longo tempo, tais como o hal1 feudal no Japão e os Estados
e principados independentes da Alemanha e da Itália. Com excepção
do Japão, a quebra não foi completa. Mas, com o tempo, o governo
central acabou por estabelecer uma forte autoridade e um sistema admi-
nistrativo uniforme, e surgiram um código de leis e um sistema de
tribunais mais ou menos uniforme. Novamente, em vários graus,
o Estado conseguiu crear uma máquina militar suficientemente poderosa
para que os desejos dos governantes se fizessem sentir na ~rena da
política internacional. Economicamente, o e:,tabelecimento de um
governo central forte e a eliminação de barreiras intemas para o comércio
significava um aumento das dimensões da undade econóITIÍca efectiva.
Sem esse aumento, a divisão do trabalho, necessária à sociedade indus-
trial, não poderia existir, amenos que todos os países estivessem dis-
postos a negociar pacificamente entre si. Sendo o primeiro país a indus-
trializar-se, a Inglaterra conseguiu extrair o máximo de material e mer-
cados do mundo acessível, situação essa que, gradualmente, se deterio-
rou durante o século XIX, quando outros surgiram e procuraram utilizar
o Estado para garantir os seus mercados e fontes de abastecimento.
I
II
I
II.
504
(4) A Polónia, a Hungria, a Roménia, a Espanha e mesmo a Grécia passara
aproximadamente por esta sequência. Com base num conhecimento confessa~_
mente inadequado, gostaria de arriscar a sugestão de que a maior parte da Amér
Latina continua na era do governo semiparlamentar e autoritário. ,,~,
COORDENADAS
mais avançadas tecnicamente, de outros países. A concorrência das
exportações de trigo americano creou dificuldades em muitas partes da
Europa, após o fim da nossa Guerra Civil. Dentro do contexto de uma
coligação reaccionária, essa concorrência intensifica as tendências
autoritárias e reaccionárias entre uma classe superior proprietária que
verifica que a sua base económica se afunda e, por isso, se volta para as
alavancas políticas a fim de conservar o seu poder.
Onde a coligação conseguiu estabelecer-se, seguiu-se um período
prolongado de governo conservador e mesmo a~toritário, sem, contudo,
cair no fascismo. As fronteiras históricas desses s1stemas estão, frequente-
mente, um tanto confusa.s. 'Com um cálculo bastante generoso, pode-se
afirmar que, a esta espécie, pertence o período que vai desde as reformas
Stein-Hardenberg, na Alemanha, até ao final da I Guerra Mundial, e,
no Japão, desde a queda do Shogunato Tokugawa até 1918. Estes gover-
nos autoritários adquiriram certas características democráticas: nomea-
damente um parlamento com poderes limitados. A sua história pode ser
marcada por tentativas para alargar a democracia, que, para o fim, conse-
guiu estabelecer democracias instáveis (a República de Weimar, o Japão
da década de vinte a Itália com Giolitti). Eventualmente, a porta para os
tegitnesfascistas f;i aberta pela incapacidade de estas d:mocr~cias e~fren-
tarem os problemas graves da época e a sua relutânCIa ou lncapac1dade
de introduzir alterações estruturais fundamentais (4). Um factor, mas
apenas um, da anatomia social d~s~es govern~s, fo~ a :~tenção ~e ~~a
parte substancial do poder político nas maos da eltte propnetana,
em virtude da ausência de uma rotura revolucionária dos camponeses,
em combinação com as. camadas urbanas.
Alo-uns dos governos semiparlamentares que surgiram a partir dessas
bases e;ecutaram uma revolução mais ou menos pacífica, vinda de cima,
que muito os fez avançar, no sentido de se tornarem países industriais
~odernos. A Alemanha foi mais longe nessa direcção, o Japão pouc,o:,
COORDENADAS
Ainda outro aspecto da racionalização da ordem poHtica está rela-
cionado com o «fabrico» de cidadãos dentro de um novo tipo de socie-
dade. São necessários às massas conhecimentos literários e técnicos rudi-
mentares. A elaboração de um sistema nacional de educação traz, muito
provavelmente, um conflito com as autoridades religiosas. A lealdade
para com uma nova abstracção, o Estado, tem que substituir as lealdades
religiosas se estas transcenderem fronteiras nacionais ou competirem
entre si tão vigorosamente que possam destruir a paz interna. O Japão
teve aí um problema menor do que os da Alemanha, da Itália ou da
Espanha. Contudo, mesmo no Japão, como indica o renascimento
um tanto artificial do Shintõ, houve dificuldades consideráveis. Para
vencer essas dificuldades, pode ser muito útil a existência de um inimigo
estrarigeiro. Assim, os apelos patrióticos e conservadores às tradições
militares da aristocracia proprietária podem vencer as tendências loca-
listas entre esse importante grupo e colocar em segundo plano quaisquer
exigências insistentes das camadas mais baixas por uma parte não prevista
dos benefícios da nova ordem (5). Ao executar a tarefa de racionálizar
e alargar a ordem política, esses governos do século XIX estavam a
fazer o trabalho que o absolutismo real havia já realizado noutros países.
Um facto interessante sobre o curso da modernização conservadora
é a aparição de uma constelação de chefes poHticos notáveis: Cavour, na
Itália; na Alemanha, Stein, Hardenberg e Bismarck, o mais famoso de
todos; no Japão, os homens de Estado da época Meiji. Embora as razões
sejam obscuras, parece pouco provável que a aparição de capacidades
de governo semelhantes em circunstâncias semelhantes seja pura coinci-
dência. Todos eram conservadores dentro do espectro político do seu
tempo e do seu país, dedicados à monarquia, decididos a utilizá-la como
um instrumento de reforma, modernização e unificação nacional, e
capazes de o fazerem. Embora todos fossem aristocratas, eram dissi-
dentes ou, de certo modo, estranhos à ordem antiga. Na medida em
que o seu passado aristocrático contribuiu com hábitos de comando_ e
(5) Possivelmente, um dos motivos por que o conservador CAVOUR teve.
tantas dificuldades com o relativamente radical GARIBALDI foi a fraqueza das tià::.
dições militares entre a aristocracia proprietária italiana. ,l ..
506
~.c.••'f
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I
1
I
f.
AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA
vo~ação ,~ara a p~~tica, pode-se talvez detectar uma contribuição dos
anctens regtmes agranos para a construção de uma nova sociedad M
b
' h . £: • e. . as
tam em aVIa J.ortes Impulsos contrários Na medI'da e. _ m que esses
h.omens eram estranhos dentro da aristocracia, pode ver-se a incapa-
CIdade dessa camada para enfrentar o desafio do mundo mod~rno
apenas com os seus recursos intelectuais e políticos.
Os melhor sucedidos dos regimes conservadores fizeram muito
não só ao destruírem a ordem antiga, mas ao estabelecerem a nov~
ordem. O Estado auxiliou a construção industrial de diversos modos
impo~tantes. Serviu de motor de acumulação do capitalismo primário
compIlando recursos e diriginào-.os para a construção de fábricas. Domi~
nando a mão-~e-o~ra, também desempenhou um papel importante,
?e modo algum Intelramei1te repressivo. Os armamentos constituír:>.m um
Impor~ante estímu~o para a in~úst:ia. O mesmo sucedeu com as políticas
de tanfas aduaneiras protecClOnlstas. Todas estas medidas até certo
?onto, implicavam retirar recursos e pessoas àagricultur:. Por isso
Impunham, de tempos a tempos, uma forte tensão à coligação entre os
sectores das ~a~adas superiores ligadas ao comércio e à agricultura, a
qu~l era a pnn~Ipal característica do sistema poHtico. Sem a ameaça de
p.engos estrangetros, por vezes real, por vezes talvez imaginária, por vezes
a1l1d~, ~omo n~ caso de Bismarck, deliberadamente fabricada para fins
domestlcos, os Interesses dos proprietários poderiam ter sido frustrados
ao ponto de po~em todo o processo em perigo. Contudo, só por si, ~
ameaça estrangetra não pode suportar todo o peso da explicação desse
comportamento (6). As recompensas materiais e outras - o «lucro»
na linguagem dos gallg.rters e teoria do jogo - eram bastante substanciai~
p~~a ambos, desde que conseguissem manter os camponeses e os ope-
ratlos no seu lugar. Quando havia progresso económico substancial
os operários industriais podiam obter ganhos significativos, como n~
Alemanha, onde foi inventada a Sozialpolitik. Foi nos países que se
(6) Para obter uma análise brilhante da situação na Alemanha em fins do
século XIX, vide KEHR, Sehlaehtftottenbau. WEBER, em Bntwickelungstendenzen in der
Lage der Ostelbisehen Landarbei/er, em Gesammel/e Aufsiitze, esp. 471-476 dá-nos
muito claramente a posição dos Junkers. '
507
COORDENADAS AS ORIGENS SOCIAlS DA DITADURA E DA DEMOCRACIA
mantiveram mais atrasados, a Itália até certo ponto, a Espanha provavel-
mente um pouco mais, que houve maior tendência para canibalizar a
população indígena.
Parece terem sido necessárias certas circunstâncias para o êxito da
modernização conservadora. Em primeiro lugar, é necessária uma
chefia muito hábil para arrastar os elementos reaccionários menos per-
ceptivos, concentrados entre as classes superiores proprietárias, embora
não forçosamente"a elas confinados. A princípio, o Japão teve de supri-
mir uma rebelião 'autêntica, a revolta de Satsuma, para controlar esses
elementos. Osreaccionários podem sempre apresentar o argumentoplausível de qui os governantes modernizadores fazem mudanças
e concessões quekpenas despertam os apetites das classes inferiores e
trazem revoluçõei>.(7). De modo semelhante, os governantes de-vcm
poder usar ou (;onstruir uma máquina burocrática suficientemente
poderosa, incluin~o instituições de repressão, os núlitares e a polícia
(vide o ditado alemão Gegen Demokratm heljen nur Soldaten) (*), para se
libertarem da inflúéncia, na sociedade, de p~essões extremas reaccioná-
~ias e populares oãiadicais. O governo tem de separar-se da sociedade,
algo que pode ac~fítecer mais facilmente do que as versões simplificadas
do marxismo no~ permitem crer.
No conjunt~um governo conservador forte tem vantagens nítidas.
Pode encorajar elcontrolar o desenvolvimento económico, simultanea-
mente. Pode ocupar-se de que as classes inferiores, que pagam os custos
de todas as formas de modernização, não causem muitos problemas.
Mas a Alemanha~, ainda mais, o Japão estavam a tentar resolver um
problema que erã inerentemente insolúvel, moderr..izar sem alterar as
estruturas sociais.-A única saída desse dilema era o núlitarismo que uniu
as classes superiores. O militarismo intensificou um clima de conflito
internacional, que, por sua vez, tornou mais imperioso o desenvolvi-
(7) Esses argumentos também se salientaram na Inglaterra, como parte' da
reacção à Revolução Francesa. Muitos foram coligidos em Turberbille, House 'of 'o,
Lords. A reforma Tory pôde actuar na Inglaterra do século XIX, porém, pelo menos"í\:
em parte, por constituir, de qualquer modo, uma batalha ncticia: a burguesia tinha'~:;'
ganho e só os mais obtusos não viam o seu poder.
* Contra democratas só os soldados.
508
mento industrial, mesmo que, na Alemanha, um Bismarck conseguisse,
d.urante_algum tempo, controiar a situação, em parte por o militarismo
atnda nao se ter tornado um fenómeno de massa. Levar a cabo reformas
estrutu~ais com~letas, isto é, fazer a transição para uma agric"ultura
comercIal lucratlva sem a repressão daqueles que trabalhavam o solo,
e fazer o mesmo quanto à indústria, numa palav a, utilizar a tecnologia
mod~~na rac,i~nalmentepara o bem dos seres humanos ficava para além
da VIsaopohtlca de~tes governos (8). Finalmente, esses sistemas esmaga-
ram-se numa tentatIva de expansão estrangeira, mas não antes de ten-
tarem tornar popular a reacção sob a forma de fascismo.
Antes de falarmos desta fase final, convém observar as tendências
revolu.cionárias mal sucedidas noutros países. Como acima disse, este
síndrome re,,-ccionáriopode encontrar-se, em determinado ponto, em.
todos os casos que examinei. Verificar o motivo por que falhou noutros
países poderá aguçar a compreensão das causas dos seus êxitos. Um
breve relance a essas tendências em países tão diferentes como a Ingla-
terra, a Rússia e a índia, poderá servir para salientar importantes seme-
lhanças subjacentes, ocultas sob diversas experiências históricas.
A partir dos últimos anos da Revolução Francesa, até cerca de 1822
a sociedade inglesa atravessou uma fase reaccionária que recorda nã;
só os casos de que falámos, como também os problemas contemporâneos
da democracia americana. Durante a maior parte desses anos, a Ingla-
terra lutou contra um regime revolucionário e seus herdeiros por vezes
ao que parece, pela sua própria sobrevivência nacional. Tal como no~
nossos tempos, os defensores da reforma doméstica eram identificados
com um inimigo estrangeiro, representado como a incarnação de tudo
(8) Sob este aspecto, a Alemanha e o Japão não são únicos, evidentemente.
De~de a II Guerra. Mundial, a democracia ocidental começou a apresentar cada vez
~IS_ o.s.,mesm~s SIntomas, por motivos vastamente semelhantes que, no entanto,
Ja nao t~m mUlto que ver com as questões agrárias. Marx observa algures que a
burgueSIa, na. sua fase de declínio, reproduz todos os males e irracionalizações
contra os quaIs antes lutara. O mesmo sucedeu com o socialismo, 110 seu esforço.
para se es:abelec:r, permitindo assim à democracia do século xx a ostentação da
su~ .ban,d:ua de ltberdade, enlameada e manchada de sangue, com uma certa hipo-
cnSla Cllllca.
509
51133
AS ORIGENSSOCIAISDA DITADURAE DA DEMOCRACIA
Por que motivo não foi este movimento reaccionário mais' do que
uma fase passageira em Inglaterra? Porque não continuou a Inglaterra
a percorrer esta senda até se tornar noutra Alemanha? As liberdades
anglo-saxónicas, a Magna Carta, o Parlamento e outras retóricas não
servem de resposta. O Parlamento votou medidas repressivas por
grandes maiorias.
Uma parte importante da resposta poderá encontrar-se no facto de,
um século antes, certos ingleses extremistas terem cortado a cabeça ao
seu monarca, para destruÚem a magia do absolutismo real na Inglaterra.
A um mais profundo nível de causas, toda a história da Inglaterra, o seu
apoio na marinha em vez do ezército, nos juizes de paz não pagos em vez
dos funcionários reais, tinha colocado nas mãos do govel'no central uma
máquina repressiva mais fraca do que aquela de que dispunham as fortes
monarquias continentais. Assim, faltavam ou estavam fracamente
desen~olvidos os materiais com que se construiria o regime alemão.
Contudo, nesta altura, vimos já bastantes mudanças sociais e políticas
saírem o <le princípios pouco prómetedores, para suspeitarmos que
podiam ser creadas instituições, se as circunstâncias tivessem sido mais
favoráveis. Mas, felizmente para as liberdades humanas, não o foram.
O impulso para o industrialismo tinha começado muito mais cedo na
Inglaterra e tornaria desnecessária à burguesia inglesa uma grande
dependência da coroa e da aristocracia proprietária. Finalmente, as pró-
prias classes s~periores fundiárias não necessitavam de reprimir os
camponeses. Desejavam principalmente tirá-los do seu caminho, para se
poderem dedicar à agricultura comercial; as medidas económicas che-
gavam perfeitamente para lhes proporcionar a mão-de-obra'- de que
necessitavam. Tendo êxito económico, deste modo, tinham pouca
necessidade de recorrer a medidas políticas repressivas para continuarem
a sua hegemonia. Por isso, na Inglaterra, os interesses industriais e
agrários competiam entre si pelo favor popular, durante o resto do
século XIX, alargando gradualmente o sufrágio, opondo-se ciumenta-
mente às medidas mais egoístas de cada um deles e destruindo-as (Lei
da Reforma de 1832, abolição das Leis dos Cereais de 1846, apoio da
pequena nobreza à legislação fabril, etc.).
~
I
j
1
t
.1
COORDENADAS
510
. H' , 1the Eng/ish Peop/e, II, 19. ;'
(9) HALEVY, zs,ory o Makin of Working elass, uma excc-
(10) Pode encontra~-se em THOM:::N~ida araltas classes inferiores em Ingla-
lente descrição pormenonzad~ d.o ~ue ;edidas ';vernamentais e alguns dos seus
terra, nesse período. As prInCIpaIS P tg Brl'tish Pe(lf>/e 132-134, 148-149,
em Cole e ostga e, r , 'defeitos podem encontrar-se adicionais importantes, VI e
- 59 190193 Para obter alguns pormenores ,. .
15/-1, -. _' e II 23-25 A oposição aristocratlca a rep
HALÉVY,History of the Eng/zsh Peopl, '. l' En lalld in 89-92,e TURllEVIL
são pode encontrar-se em TREVELYAN,Hzstory o lt , ,
House of Lordr, 98-100.
""rT b 'm como nos nossos temoos, a violência, as repres-o que era mau. am e, - . ,.. F d taram
. - ao movimento revoluClonarlOem rança esgossões e as tralçoes . f:'cil .
. os artidários ingleses, tornando malS a e malS
e lades,en~ora~~~~hod~s reaccionários desejosos de apagar as faíscas.que
p US1veo nal Escrevendo na década de 1920, o grande histo-
atravessavam o ~ ., ão é de modo algum, pessoa dada a
riador francês ~~e H~l:vy, q~e ; i e;tabelecido um reinado de terror
exageros dramatlcos, anrmou. « o " .
I b e pela classe média - um terror malStoda a Inglaterra pe a no reza _ 'd
em " "I . do que as demonstraçoes rU! osasformidável embora maISSIenclOso, .
d. di") (9) Os acontecimentos das quatro décadas e mals que( os ra Cals» . b
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