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1 2 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO do CURSO UNIDADE I Breve Histórico da Ética O que é ética? Ética e conhecimento A ética moralista O princípio fundamental da ética Condições necessárias para uma escala de valores. UNIDADE II Fundamentos da Ética e Ética profissional UNIDADE III Código de Ética na Administração Pública • Das regras deontológicas • Dos principais deveres do servidor público • Das vedações ao servidor público • Das comissões de ética • UNIDADE IV. Moral além da Ética Ética na educação e educação da ética Ética do educador Educação para a ética A ética no campo da saúde Economia a serviço da ética Benefícios e prejuízos da ciência e da tecnologia A transdisciplinaridade A nova ética nas empresas e organizações 3 Política, transpartidarismo e valores éticos. A transreligiosidade e seus valores Conflitos de valores no exercício do direito e da justiça A ética do quarto poder O meio ambiente como força propulsora dos valores éticos UNIDADE V As Relação Humanas A Comunicação O que é Relação Humana? Comunicação e Fala Unidade VI Individualista, Eu? - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 4 APRESENTAÇÃO ala-se muito em ética: na política, na economia, na educação, na administração, na medicina, na justiça etc. Mas quais são os seus fundamentos? Os fundamentos da ética estão nos aspectos essenciais da natureza do ser humano, conhecidos e vivenciados pela consciência, a fim de se construir a dignidade de cada pessoa na comunidade e pela comunidade. O aumento da consciência em relação à relevância da conduta ética, não significa que ela seja praticada, pois conflitos e dilemas éticos não faltam em nosso dia-a-dia. Este Curso tem por objetivo colocar o leitor em contato com os fundamentos da ética, trazendo para o seu conhecimento as várias faces deste tema que envolve reflexão e debate. UNIDADE I BREVE HISTÓRIA DA ÉTICA F 5 As questões levantadas pelos filósofos gregos sobre o bem agir foram respondidas de formas diferentes no decorrer da história. Sócrates e seu discípulo Platão, considerados os primeiros a problematizarem a moral e assim, os iniciadores da Ética enquanto uma disciplina filosófica, faziam a seguinte pergunta: Como devemos viver para ter a vida boa, a felicidade? Uma resposta possível é a seguinte: O acesso à vida boa exige um viver virtuoso, ou seja, exige ações que realizem as virtudes. Para Sócrates É sujeito ético moral somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais....apenas o ignorante é vicioso ou incapaz de virtude, pois quem sabe o que é bem não poderá deixar de agir virtuosamente.” (Chauí, M. 2001. Convite à filosofia). Sócrates então traz para a discussão ética a noção de consciência moral o que implica na nossa capacidade de deliberar e escolher entre ações possíveis. Essa noção de consciência moral é importante porque manifesta a liberdade do agente humano: só é ética a ação consciente e livremente deliberada. Agir virtuosamente coagido por pressões externas não faz do agente um ser ético: a liberdade é condição necessária para a ação ética e, em decorrência, o agente deve responder por suas ações, ou seja, ser responsável por suas escolhas. A consciência moral, isto é, a faculdade de analisar a nossa própria conduta e emitir juízo de valor tem como suporte a nossa capacidade de diferenciar bem e mal: é assim que quando ‘agimos 6 mal’ sentimos remorso e arrependimento e quando ‘agimos bem’ sentimos satisfação íntima. À consciência moral como dimensão do campo ético, Aristóteles acrescenta a vontade racional, ou seja, a consciência moral ao deliberar sobre a melhor ação para um agir virtuoso que deve ser orientado pela razão que conhece os meios necessários para realizar a virtude. De acordo com Aristóteles é no equilíbrio dos sentimentos e da conduta que se realiza a virtude. No quadro abaixo estão expostas as virtudes, suas deficiências e excessos, conforme ele propõe: Há elos que ligam os conceitos de Ética defendidos por Sócrates – a noção que basta saber o que é o Bem para praticá-lo e por Aristóteles – para quem o Bem equivale à moderação das paixões. Os dois estabelecem como fonte da Ética a noção de que a Felicidade – 7 entendida no sentido mais amplo da eudaimonia – era o fim a ser alcançado pelos virtuosos. De acordo com Chauí (2001) a ética grega tem três aspectos principais: • O racionalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a razão, que conhece o bem, o deseja e guia nossa vontade para ele; • O naturalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a natureza (o cosmos) e com nossa natureza (nosso ethos), que é parte do todo natural; A inseparabilidade entre ética e política: isto é, entre a conduta do indivíduo e os valores da sociedade, pois somente na existência compartilhada com outros, encontramos liberdade, justiça e felicidade. O que é Ética? A palavra “ética” deriva do grego etos, que significa costume. Ética, em sentido etimológico, tem significado idêntico ao radical latino “mos”, do qual deriva a palavra moral. Ambos os vocábulos significam costume ou hábito. Tanto a moral como a ética, se referem à “teoria dos costumes”, às regras de conduta. A moral estabelece normas de conduta, normas éticas, destinadas a regular os atos humanos tendentes à consecução dos fins que ao homem são próprios. Ética é a ciência do que o homem deve ser em função daquilo que ele é. A ética estabelece um dever, uma obrigação, um compromisso, onde o seu fundamento é o próprio homem, pois é da sua natureza que surge a fonte de seu comportamento. Isto acontece com todas as 8 coisas: o agir depende do ser; cada coisa se comporta de acordo com os elementos que a compõem, formando sua unidade. O que esperamos de um giz? Que ele escreva, pois é de sua natureza escrever. O que esperamos do sol? Que ele brilhe, pois isto é da sua natureza. Assim podemos dizer de tudo o que existe: em cada ser há um conjunto de energias para produzir determinadas ações. Acarretando como consequência certos deveres: o dever do giz é ser e agir como giz; o dever do sol é ser e agir como sol; ao contrário, o único mal do giz é não ser e não agir como giz e o único mal do sol é não ser e não agir como sol. Igualmente vale para o ser humano: a única obrigação do homem é ser e agir como homem; como, ao contrário, o único mal do homem é não ser e não agir como homem. Voltando então à definição de ética, podemos dizer que esta, brota de dentro do ser humano, daqueles elementos que o caracterizam na sua essência como humano, diferenciando-o dos outros seres; ela exige antes a determinação de sua realidade ontológica para, a partir daí, estabelecer a forma de comportamento. Qualquer situação específica da pessoa deve embasar-se na realização do fundamental; assim, o administrador, antes de ser administrador, ele é uma pessoa humana e só vai realizar-se como administradorna medida em que realizar-se como pessoa e o mesmo poderíamos afirmar de outras possibilidades: ser pai, professor, advogado, médico, atendente, exige antes de tudo, ser pessoa, ser gente, ser “homem”. Deste modo, a construção da ética parte das exigências ou necessidades fundamentais da natureza humana; estas não são 9 aleatórias, mas existem no ser humano, limitando-o e identificando-o para que ele possa descobrir-se a satisfazer o que lhe é solicitado para sua realização. Portanto é uma questão ética o desenvolvimento das potencialidades humanas. Antes de o homem perguntar: O que devo fazer? Como devo me comportar? Deve perguntar: O que sou? Quais são minhas energias humanas que não podem ficar represadas, mas devem ser impulsionadas? Como descobrir isto? Da mesma maneira como descobre qualquer outra coisa: usando de sua racionalidade, através da qual descobre a essência dos metais, da eletricidade etc. e, a partir disto, estabelece para que servem. Assim, usando sua racionalidade, deve descobrir sua essência, seus valores e princípios universais, suas faculdades ou capacidades, determinando também como vivê-las. Essas constatações mostram que o objetivo da ética é apontar rumos, descortinar horizontes para a realização do próprio ser humano; ela é a construção constante de um “sim” a favor do enriquecimento do ser pessoal; por isso a ética deve ser pensada como eminentemente positiva e não proibitiva. Desta maneira, a ética não se torna uma imposição ou obrigação aleatória e até extrínseca ao ser humano: seus fundamentos e objetivos têm que ser assimilados ou conscientizados pelo indivíduo humano concreto. Por isso, a ética antecede códigos, normas ou leis e analisa a mesma validade destas para o ser humano. Podemos afirmar que a ética é a ciência que tem por objetivo a finalidade da vida humana e os meios para que isto seja alcançado. Em outras 10 palavras, Ética é o caminho para a busca do aperfeiçoamento humano. O que está em jogo na ética é o ser humano, é a pessoa em todas as suas dimensões; perfazendo, porém, uma unidade no seu ser e no seu dever. Ética e Conhecimento Cada um de nós orienta seu comportamento por normas que considera apropriadas ou dignas de serem cumpridas. Normas aceitas e reconhecidas com as quais os indivíduos compreendem como devem agir. Assim, sua ação é o resultado de uma decisão refletida. Todos os nossos atos e julgamentos, toda nossa prática pressupõe normas que apontam o que se deve fazer. Isso muda de um tempo para o outro, de uma sociedade para outra... Quando refletimos sobre essa variação, sobre o comportamento prático com seus juízos, entramos na esfera ética: se estamos preocupados com o que vamos fazer em dada situação, estamos diante de um problema moral. Se nos propusermos a investigar essa moral, então o que temos é uma questão ética. Definir uma intervenção, um campo de ação, o bem que se busca com um gesto, os conteúdos desse bem, é um problema de investigação ética. Definir os traços essenciais do comportamento moral de um determinado grupo (sua natureza, seus fundamentos, sua obrigatoriedade, sua extensão, sua legitimidade, a revelação dos interesses e das necessidades sociais...) não é um fazer especulativo, 11 absoluto, universal; mas uma ação esclarecedora, explicativa, de uma realidade histórica. Portanto, um código de ética não se restringe ao normativo, não prescreve, nem recomenda um modo de agir: um fazer não é um conjunto de regras nem uma sequência de acasos, ele tem uma carga simbólica, um raciocínio moral, uma visão do mundo, alternativas, causas, efeitos, uma regularidade... Não dá para reduzir um código de ética a um conjunto de normas, nem a expectativas ou ao problema da responsabilidade dos atos: cada um deve escolher entre duas ou mais alternativas e agir segundo a decisão tomada porque há liberdade de escolha. O que interessa à ética é a investigação entre liberdade e responsabilidade. Os conceitos com que a ética trabalha (liberdade, responsabilidade, valor, consciência, sociabilidade, as motivações internas, as obrigações, os direitos, as relações de trabalho, as coerções do modo de produção...) pressupõem uma busca de esclarecimento em lógica, linguística, antropologia social, economia política, psicologia, epistemologia, direito... Embora um código de ética não tenha o mesmo sentido para todos, ele se torna necessário para articular interesses coletivos e pessoais. Ao nos darmos conta da existência dos diversos modos de ser, do sentido político de nossas ações, o código de ética representa um esforço de elevação da consciência e de inserção do indivíduo numa rede de relações mais ampla. O cotidiano se caracteriza pela sua novidade, sua singularidade, uma certa imprevisibilidade. O código é um amparo de que dispomos 12 nestes momentos. Confronta-se a reflexão dos atos morais às exigências práticas da situação singular. Surge o conflito que não terá decisão segura, mas orientada pelo código. O código de ética não deve criar dependência de juízos, nem garantia de acerto ou “salvação”. Ele aponta o interesse comum, regulamenta a relação de pessoas, se apoia na autoridade de uma comunidade, formaliza a convivência sem exigir convicção e adesão íntima dos sujeitos, deve ser acatado voluntariamente, questionado, revisto e ampliado. A Ética moralista A primeira forma de Ética se confunde com a Moral; é moralista e moralizante. Ela foi e está sendo rejeitada por grande parte da população mundial, sobretudo depois da descoberta por Freud do seu caráter neurotizante quando usada de modo repressivo, criando o recalque das pulsões pela entidade moralista por excelência: o superego. Esta polícia interior, o superego rígido e repressivo, leva a condutas aberrantes e contraditórias, em geral inconscientes: • Em nome da paz, preparam a guerra. • Em nome da paz, cultivam a raiva e agridem os que estão com raiva. • Em nome da tolerância, ficam intolerantes em relação aos intolerantes, criticam as más-línguas e acabam sendo iguais a elas. 13 • Em nome da igualdade, combatem os orgulhosos, julgando-se com isso superiores a eles, o que é em si sinal de orgulho. • Em nome do amor, criticam os que se mostram frios e insensíveis, e com isso mostram falta de sensibilidade e de compreensão, isto é, falta de amor. Por trás desses comportamentos está uma insuficiência de formação ética. A ética se manifesta sob forma moralista por vários fatores: ü A projeção, que consiste em descarregar nos outros as nossas próprias negatividades, a nossa sombra, como diria Jung. ü Esta projeção vem da imitação e introjeção da rigidez de pais e educadores que se mostraram maniqueístas, classificando as condutas humanas em duas categorias: o bem e o mal. E o mal é projetado sobre os outros, pois ninguém quer ficar com sentimento de imperfeição e culpa. ü As inúmeras punições de educadores e a sua permanente atitude de culpabilidade deixaram nas pessoas um sentimento de culpa do qual se livram procurando um bode expiatório. Amar os outros como a si mesmo implica conhecer, tolerar e transformar as suas próprias emoções destrutivas em vez de criticar os outros. Só assim podem nascer a verdadeira tolerância e compaixão. Mas para isto é preciso, em primeiro lugar, reexaminar e neutralizar as pressões excessivas da educação repressiva que se manifesta no superego reprimido e em seguida uma descoberta14 importante: a de que este tipo de moral que compõe um superego reprimido era adquirido e não natural como se pensava. Isto colocou em relevo o seu caráter artificialmente forjado pelo homem em função sobretudo das exigências sociais de ordem, disciplina e organização ou da obediência a uma Lei. Esta Ética moralizante é o fruto da imitação e introjeção dos valores de pais e educadores e de instruções religiosas de caráter intelectual. Ela ocupa a esfera das opiniões, às vezes das atitudes mais profundas, mas se revela muito frágil no nível do comportamento efetivo. A ética moralista se baseia, na obrigação moral, na obediência à Lei, o que a coloca em relação estreita com o Direito. O Direito existe, em função da fragilidade dessa ética moralista. Quando a moral é fraca, entram o conceito de delito e a consequente sanção legal. A ética moralista se fundamenta também na razão, no intelecto e na lógica do bem-estar social. O moralismo tem uma tendência absolutista e intolerante, pois se baseia em dogmas. Ele é maniqueísta: classifica todos os comportamentos como certos ou errados. Sua rigidez pode levar à negação de seus próprios valores através da violência ou mesmo do crime; o conceito de “guerra justa” se enquadra perfeitamente como uma das causas de conflitos sangrentos entre povos. O moralismo é também estático e rígido. Ele não evolui e não se adapta às situações peculiares. É um sistema fechado que deixa pouca margem a novas considerações. Sua aplicação é mecânica e automática, automatismo este que vem do condicionamento que leva ao cumprimento cego do dever e da obrigação. 15 O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA ÉTICA “É necessário fazer o bem e evitar o mal”. Pode ocorrer uma discrepância na compreensão concreta do que é bem, mas toda pessoa sabe que deve procurar o bem. Mas o que é o bem? O bem é tudo aquilo que está de acordo com a natureza em geral e especialmente com a humana, perfazendo uma integridade ou harmonia no todo. Assim, pensar em progredir na profissão pode ser um bem enquanto favorece o encadeamento das próprias energias para melhorar de vida; namorar pode ser um bem enquanto favorece o equilíbrio afetivo da pessoa. “Na medida em que uma coisa está de acordo com a natureza é necessariamente boa” (Spinoza, 1996). Além disto, o bem é baseado numa relação especial e constituída por esta entre duas ou mais realidades. Portanto, trabalhar pode ser um bem enquanto a pessoa se vê relacionada à produção de um valor e ao mesmo tempo melhora as relações com seus familiares, garantindo seu sustento; dar uma esmola pode ser um bem na medida em que mostra a relação de amor ao próximo. E o mal, o que é? É uma negação, é falta de um bem, uma desarmonia causada num todo pela ausência de algo. Assim, matar outra pessoa é um mal porque priva alguém da vida, que é um bem; ser desonesto é um mal, porque tira algo de outrem; sonegar imposto é um mal, porque desvia um bem da posse de quem é de direito. Todas as questões éticas, no fundo, se relacionam com esta pergunta: o que favorece ou não a natureza do ser humano? Assim, o bem e o mal, o certo e o errado, embora possam e devam ser 16 determinados em si, concretamente exigem uma reflexão constante diante de novas situações. Condições necessárias para uma escala de valores éticos: • Ser suficientemente simples para que todo mundo possa compreendê-lo. • Ser prático e de aplicação à vida cotidiana, familiar e profissional. • Ser universal, isto é, ter aplicações claras e evidentes nas diversas áreas da cultura e atividade humana, mais particularmente a educação, a saúde, a cultura, a vida política, a filosofia, as artes, o direito, a vida religiosa, a economia, as organizações, a agronomia e o meio ambiente. • Permitir a qualquer pessoa se situar quanto aos seus próprios valores, dando uma visão clara do que lhe falta para ir adiante. • Levar em consideração a evolução do ser humano, partindo de sua vida instintiva ou pulsional até a transcendência. • Levar em conta a energia e a transformação no homem; isto é, considerar o homem um transformador de formas densas de energia para formas mais refinadas. • Permitir a distinção de etapas, fases claras da evolução. • Em dada fase, distinguir os valores construtivos e destrutivos. • Considerar o conflito e a contradição interna ou externa como um fator de despertar da consciência. 17 • E, em fim, o que é essencial, expressar a realidade de uma ética natural, espontânea, sensível a uma educação para o despertar, em cada um, do verdadeiro sentido da nossa existência. UNIDADE II FUNDAMENTOS DE ÉTICA E ÉTICA PROFISSIONAL 18 Ética, em um sentido restrito, é a parte da Filosofia que tem como objeto de estudos a moral, ou seja, os valores e princípios que orientam, disciplinam, constrangem, motivam o comportamento humano. Aquilo que vale para cada um de nós, ou seja, que tem valor e fundamenta as nossas ações pode ser, por exemplo, a vida, a justiça, a dignidade do ser humano, a família, a honestidade, a responsabilidade. Esses valores norteiam as nossas ações tornando- as morais, ou seja, conformes com um conjunto de valores aceitos como pertencentes à categoria do Bem, do Correto, do Certo. No entanto é fácil observar que Bem/Mal, Certo/Errado; Permitido/Proibido variam no tempo e no espaço, evidenciando que a moral não é universal e sim historicamente construída. Como seres morais que agem fundamentados em valores, levantamos questões sobre o que é o Bem e o Mal, quais valores poderiam ser considerados universais e como funciona a historicidade dos valores. Esta reflexão sobre os valores é que compõe a parte da filosofia chamada Ética. Assim, a Ética é também chamada de Ciência da Moral e Filosofia Moral, pois está centrada no estudo dos valores e das normas que regulam a conduta e a interação dos humanos. Pode então ser definida como a parte da filosofia que trata da moral e das obrigações do homem, ou ainda como a reflexão sobre os atos humanos que se relacionam com o Bem. No nosso cotidiano estamos constantemente valorando as nossas ações e as dos outros. É então que as categorias certo/errado e bem/mal são utilizadas sem que, na maioria das vezes, questionemos os nossos critérios de valoração. Alguns filósofos, no 19 entanto, estudam exatamente esta questão. Eles realizam uma reflexão teórica sobre o que caracteriza o bem agir, o que faz uma ação ser certa ou errada. Eles teorizam então os valores que fundamentam ou devem fundamentar as nossas ações para alcançarmos o bem viver. Algumas questões levantadas por estudiosos no assunto podem ajudar a compreender os objetivos desta reflexão filosófica: • Como uma norma moral pode adquirir validade universal? • Quais são os valores que devem nortear as ações humanas? • Por que os valores e os princípios morais variam nas diferentes sociedades? • Como posso adequar a liberdade da minha vontade às obrigações determinadas pela lei? • Como encontrar um equilíbrio entre a responsabilidade moral e os impulsos, desejos e inclinações que constituem a nossa condição? As palavras de Singer (Ética prática, p. 18-24) sobre o quê a Ética não é também podem ajudar a compreender a complexidade da reflexão sobre ética: “Não é “um conjunto de proibições particularmente respeitantes ao sexo” — “o sexo não levanta nenhuma questão ética específica”, emborapossa “envolver considerações sobre a honestidade, o respeito pelos outros, a prudência, etc; Não é um sistema ideal, nobre na teoria, mas inútil na prática — a finalidade do juízo ético é orientar a prática; 20 Não é algo que apenas se torne inteligível no contexto da religião — podemos encontrar a origem da ética nas atitudes de benevolência e solidariedade para com os outros que a maioria das pessoas possui; Não é relativa ou subjetiva. Ao se referir, no segundo item acima, à relação entre as teorias éticas e a prática, Singer chama atenção para uma característica da ética que muitas vezes passa despercebida: ela ilumina a nossa prática e muitos exemplos atuais podem ser dados nas discussões envolvendo: • A legalização do aborto, • A negativa de participação na guerra, • A clonagem, • A pesquisa sobre célula tronco, • A diferenciação entre público e privado. As teorias éticas têm oferecido um conjunto de conhecimento que possibilita delimitar e compreender melhor os problemas envolvidos nessas questões. Ampliando o conceito, por extensão do sentido, a palavra ética é utilizada para qualificar ações que estão dentro da categoria do Bem, do Certo, do Permitido. É assim que, quando uma ação está fundamentada em um valor, como por exemplo ‘honestidade’, nós a consideramos ética. Mas, melhor seria se considerássemos éticas as ações de um agente consciente, (com capacidade para distinguir o certo e o errado, o bem e o mal), livre (capaz de escolher valores próprios, dando a si mesmo as suas regras de conduta) e responsável, (com capacidade 21 para reconhecer-se como autor, distinguindo as consequências da sua ação e respondendo por elas) e que, além disso, realizasse virtudes (qualidades ou ações dignas do homem). É neste campo da virtude, da excelência, de se ser plenamente o que se é, que se inscreve a ética. MORAL, COSTUMES E ÉTICA Alguns autores não diferenciam Moral e Ética. No entanto, esta diferenciação é importante para a compreensão do conceito de ética. Podemos entender por Moral o conjunto de regras, princípios e valores aceitos pelo indivíduo ou por uma comunidade e que determinam o certo e o errado, o permitido e o proibido, o bem e o mal. A palavra é derivada do latim morus – costume, ou seja, a moral é aquilo que é costumeiro em um tempo e lugar, aceito e considerado válido por aqueles que a ela aderem. Devemos considerar que a moral é construída e dada a cada um de nós pelo processo de socialização. Mas como diz Chauí (2001) “... a simples existência da moral não significa a presença explícita de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais.” De acordo com Chauí (2001) a ética grega tem três aspectos principais: • O racionalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a razão, que conhece o bem, o deseja e guia nossa vontade; 22 • O naturalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a natureza (o cosmos) e com nossa natureza (nosso ethos), que é parte do todo natural; • A inseparabilidade entre ética e política: isto é, entre a conduta do indivíduo e os valores da sociedade, pois somente na existência compartilhada com outros, encontramos liberdade, justiça e felicidade. ÉTICA MODERNA A Ética teológica, característica da Idade Média, colocou uma questão que orientou a reflexão ética que se seguiu: Como conciliar o livre-arbítrio com a exigência de obediência às leis divinas? Ou seja, se o bem agir exige a autonomia do agente, o dever de seguir as leis da fé não instauraria uma heteronomia (normatização externa das condutas)? Os filósofos da Idade Moderna tentaram responder esta questão de diversas maneiras e a reflexão que eles empreenderam, influencia as discussões éticas até hoje. Vejamos dois desses autores: Rousseau: a concepção do homem como naturalmente bom, mas corrompido pela sociedade, principalmente pela ideia de propriedade privada, orientou a concepção ética desse autor. As leis religiosas não seriam uma heteronomia, mas uma recordação daquilo que já está na natureza humana, apesar de esquecido. Ser ético então seria realizar esta natureza intrinsecamente boa e a religião seria o caminho para este estado esquecido. 23 Kant: A genialidade Kantiana está na sua busca pelo estabelecimento de valores universais e consequente laicização do pensamento ético. A lei de ouro defendida por Kant: - Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal. Para ele, a conduta ética deveria ser guiada pelo dever, sendo este um Imperativo categórico, ou seja, uma exigência de conduta moral à qual seria impossível não cumprir ao agirmos racionalmente. O agir ético seria então a conduta guiada pelo dever e o ‘certo’ não admite exceções, pois é sempre imperativo e não depende das circunstâncias, sejam quais forem as consequências. Agir por dever não é o mesmo que agir de acordo com o dever (como é o caso de não mentir para que acreditem sempre em mim): o dever é a necessidade de realizar uma ação unicamente por respeito a lei moral. Para Kant, a intencionalidade é um determinante importante para definir o valor ético de uma ação. Por exemplo, salvar uma criança de um perigo eminente só seria ético se o fizéssemos pelo dever. Se o fazemos por dó ou para receber a aprovação dos outros, a ação deixa de ser ética. Assim, no pensamento kantiano, a ética é um sistema de regras absolutas, que não admitem exceções e o valor ético das ações provém das intenções com que são praticadas. A conduta ética deve pois ser guiada por leis (dever) estabelecidas pela razão e devem ser respeitadas independente das consequências. 24 DEBATES SOBRE ÉTICA A teoria ética de Kant recebe várias críticas principalmente daqueles autores, chamados consequêncialistas, que defendem a ideia de que o valor ético de uma ação está nas suas consequências. Não há, portanto, leis éticas absolutas e a intencionalidade do agente não é importante: é ética a ação que traz as melhores consequências. Temos assim dois modos de responder à questão. O que faz uma ação ser boa?; aquele proposto por Kant ou aquele dos consequencialistas? parece que nenhum dos dois é suficiente para encerrar as indagações éticas. Kohlberg dá uma resposta parcial a esta questão ao defender a tese de que os indivíduos e sociedades vivenciam estágios sucessivos de desenvolvimento ético. Sua teoria tem fundamento nos estágios de desenvolvimento psicomotor de Piaget e explica a diversidade de valores dos indivíduos e grupos pela consideração de um progressivo desenvolvimento ético-moral. O quadro abaixo resume a proposta de Kohlberg: 25 26 Os níveis de desenvolvimento moral propostos por Kohlberg têm orientado muitas pesquisas sobre o agir ético nos diversos segmentos da sociedade e servem também para uma avaliação da nossa conduta. Mais uma vez, o valor da autonomia, da liberdade e consequente responsabilidade e a procura por excelência na realização da nossa humanidade aparecem como balizas para a conduta ética. Talvez seja possível dizer que a nossa humanidade, a nobreza da nossa posição na natureza impõe a obrigação de resistir e nos esforçarmos para, como diz Tourraine, recusar em nós a parte que não pensa ou que só pensa em si, nos construindo como homens e mulheres dignos dessa humanidade. ÉTICA PROFISSIONALUm código é um conjunto de afirmações, descritivas ou normativas sobre um tema ou questão. Quando falamos de código de ética profissional estamos, portanto nos referindo a um conjunto de afirmações sobre o bem agir no campo profissional. Um código de ética profissional pode ser normativo ou descritivo. Ele será normativo quando é composto de normas explícitas sobre a conduta daqueles que exercem a profissão. O código de ética profissional é assim um instrumento para a tomada de decisão frente a dilemas éticos e orienta a conduta dos profissionais no exercício da profissão. 27 Os códigos de ética profissional visam: • Estruturar e sistematizar as exigências éticas, orientando-as e disciplinando; • Estabelecer parâmetros dentro dos quais a conduta pode ou deve ser considerada regular sob o ângulo ético; • Amparar os interesses de outras pessoas no seu relacionamento com o profissional. (Camargo, 2004) 28 UNIDADE III CÓDIGO DE ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O Decreto n° 1.171, de 22 de Junho de 1994, aprovou o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. DAS REGRAS DEONTOLÓGICAS Inicialmente, o Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal enumera uma série de regras pertinentes ao conjunto de princípios éticos, particularmente voltados à observância dos princípios da moralidade e probidade administrativa. As regras em questão não deixam de tratar, também, da necessidade de observância dos princípios da publicidade e da eficiência (itens I a XIII). I- A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício do cargo ou função ou fora dele, já que refletirá o exercício da vocação do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a preservação da honra e da tradição dos serviços públicos. II- O Servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o inconveniente, o oportuno 29 e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, caput § 4º, da Comissão Federal. III- A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da ideia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo. IV- A remuneração do servidor público é custeada pelos tributos pagos direta ou indiretamente por todos, até por ele próprio, e por isso se exige, como contrapartida, que moralidade administrativa se integre no Direito, como elemento indissociável de sua aplicação e de sua finalidade, erigindo-se, como consequência, em fator de legalidade. V- O trabalho desenvolvido pelo servidor público perante a comunidade deve ser entendido como acréscimo ao seu próprio bem-estar, já que, como cidadão, integrante da sociedade, o êxito desse trabalho pode ser considerado como seu maior patrimônio. VI- A função pública deve ser tida como exercício profissional e, portanto, se integra na vida particular de cada servidor público. Assim, os fatos e atos verificados na conduta do dia a dia em 30 sua vida privada poderão acrescer ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional. VII- Salvo os casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior do Estado e da Administração Pública, a serem preservados em processo previamente declarado sigiloso, nos termos da lei, a publicidade de qualquer ato administrativo constitui requisito de eficácia e moralidade, ensejando sua omissão comprometimento ético contra o bem comum, imputável a quem a negar. VIII- Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação. IX- A cortesia, a boa vontade, o cuidado e o tempo dedicado ao serviço público caracterizam o esforço pela disciplina. Tratar mal uma pessoa que paga seus tributos direta ou indiretamente significa causar-lhe dano moral. Da mesma forma, causar dano a qualquer bem pertencente ao patrimônio público, deteriorando-o, por descuido ou má vontade, não constitui apenas uma ofensa ao equipamento e às instalações ou ao 31 Estado, mas a todos os homens de boa vontade que dedicaram sua inteligência, seu tempo, suas esperanças e seus esforços para construí-los. X- Deixar o servidor público, qualquer pessoa à espera de solução que compete ao setor em que exerça suas funções, permitindo a formação de longas filas ou qualquer outra espécie de atraso na prestação do serviço, não caracteriza apenas atitude contra a ética ou ato de desumanidade, mas principalmente grave dano moral aos usuários dos serviços públicos. XI- O Servidor deve prestar toda a sua atenção às ordens legais de seus superiores, velando atentamente por seu cumprimento e, assim, evitando a conduta negligente. Os repetidos erros, o descaso e o acúmulo de desvios tornam-se, às vezes, difíceis de corrigir e caracterizam até mesmo imprudência no desempenho da função pública. XII- Toda ausência injustificada do servidor de seu local de trabalho é fator de desmoralização do serviço público, o que quase sempre conduz à desordem nas relações humanas. XIII- O servidor que trabalha em harmonia com a estrutura organizacional, respeitando seus colegas e cada concidadão, colabora e de todos pode receber colaboração, pois sua 32 atividade pública é a grande oportunidade para o crescimento e o engrandecimento da Nação. DOS PRINCIPAIS DEVERES DO SERVIDOR PÚBLICO O Código de Ética enumera os deveres fundamentais do servidor público, tais como os de assiduidade, razoabilidade, zelo, dedicação, presteza, cortesia e o de urbanidade (item XIV). Há de se observar a abordagem ao dever de cumprir ordens, associado à necessidade de se resistir a pressões, mesmo que de superiores, para a prática de atos ilegais, imorais ou aéticos, inclusive com o exercício da representação quando da constatação da prática de atos que venham comprometer a Administração Pública. XIV- São deveres fundamentais do servidor público: a) Desempenhar, a tempo, as atribuições do cargo, função ou emprego público de que seja titular; b) Exercer suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, pondo fim ou procurando prioritariamente resolver situações procrastinatórias, principalmente diante de filas ou de qualquer outra espécie de atraso na prestação dos serviços pelo setor em que exerça suas atribuições, com o fim de evitar dano moral ao usuário; 33 c) Ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do seu caráter, escolhendo sempre,quando estiver diante de duas opções, a melhor e a mais vantajosa para o bem comum; d) Jamais retardar qualquer prestação de contas, condiçãoessencial da gestão dos bens, direitos e serviços da coletividade a seu cargo; e) Tratar cuidadosamente os usuários dos serviços aperfeiçoando o processo de comunicação e contato com o público; f) Ter consciência de que seu trabalho é regido por princípios éticos que se materializam na adequada prestação dos serviços públicos; g) Ser cortês,ter urbanidade, disponibilidade e atenção, respeitando a capacidade e as limitações individuais de todos os usuários do serviço público, sem qualquer espécie de preconceito ou distinção de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, cunho político e posição social, abstendo-se, dessa forma, de causar- lhes dano moral; h) Ter respeito à hierarquia, porém sem nenhum temor de representar contra qualquer comprometimento indevido da estrutura em que se funda o Poder Estatal; 34 i) Resistir a todas as pressões de superiores hierárquicos, de contratantes, interessados e outros que visem obter quaisquer favores, benesses ou vantagens indevidas em decorrência de ações imorais, ilegais ou aéticas e denunciá-las; j) Zelar, no exercício do direito de greve, pelas exigências específicas da defesa da vida e da segurança coletiva; k) Ser assíduo e frequente ao serviço, na certeza de que sua ausência provoca danos ao trabalho ordenado, refletindo negativamente em todo o sistema; l) Comunicar imediatamente aos seus superiores todo e qualquer ato ou fato contrário ao interesse público, exigindo as providências cabíveis; m) Manter limpo e em perfeita ordem o local de trabalho, seguindo os métodos mais adequados à sua organização e distribuição; n) Participar dos movimentos e estudos que se relacionem com a melhoria do exercício de suas funções, tendo por escopo a realização do bem comum; o) Apresentar-se ao trabalho com vestimentas adequadas ao exercício da função; 35 p) Manter-se atualizado com as instruções, as normas de serviços e a legislação pertinentes ao órgão onde exerce suas funções; q) Cumprir, de acordo com as normas do serviço e as instruções superiores, as tarefas de seu cargo ou função, tanto quanto possível, com critério, segurança e rapidez, mantendo tudo sempre em boa ordem; r) Facilitar a fiscalização de todos os atos ou serviços por quem de direito; s) Exercer com estrita moderação as prerrogativas funcionais que lhe sejam atribuídas, abstendo-se de fazê-lo contrariamente aos legítimos interesses dos usuários do serviço público e dos jurisdicionados administrativos; t) Abster-se, de forma absoluta, de exercer sua função, poder ou autoridade com finalidade estranha ao interesse público, mesmo que observando as formalidades legais e não cometendo qualquer violação expressa à lei; u) Divulgar e informar a todos os integrantes da sua classe sobre a existência deste Código de Ética, estimulando o seu integral cumprimento. 36 4- DAS VEDAÇÕES AO SERVIDOR PÚBLICO É vedado ao servidor público: a) O uso do cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências, para obter qualquer favorecimento, para si ou para outrem; b) Prejudicar deliberadamente a reputação de outros servidores ou de cidadãos que deles dependam; c) Ser, em função de seu espírito de solidariedade, conivente com erro ou infração a este Código de Ética ou ao Código de Ética de sua profissão; d) Usar de artifícios para procrastinar o exercício regular de direito por qualquer pessoa, causando-lhe dano moral ou material; e) Deixar de utilizar os avanços técnicos e científicos ao seu alcance ou do seu conhecimento para atendimento do seu mister; f) Permitir que perseguições, simpatias, caprichos, paixões ou interesses de ordem pessoal interfiram no trato com o público, com os jurisdicionados administrativos ou com colegas hierarquicamente superiores ou inferiores; g) Pleitear, solicitar, provocar, sugerir ou receber qualquer tipo de ajuda financeira, gratificação, prêmio, comissão, doação ou vantagem 37 de qualquer espécie, para si, familiares ou qualquer pessoa, para o cumprimento da sua missão ou para influenciar outro servidor para o mesmo fim; h) Alterar ou deturpar o teor de documentos que deva encaminhar para providências; i) Iludir ou tentar iludir qualquer pessoa que necessite do atendimento em serviços públicos; j) Desviar servidor público para atendimento a interesse particular; l) Retirar da repartição pública, sem estar legalmente autorizado, qualquer documento, livro ou bem pertencente ao patrimônio público; m) Fazer uso de informações privilegiadas obtidas no âmbito interno de seu serviço, em benefício próprio, de parentes, de amigos ou de terceiros; n) Apresentar-se embriagado no serviço ou fora dele habitualmente; o) Dar o seu concurso a qualquer instituição que atente contra a moral, a honestidade ou a dignidade da pessoa humana; p) Exercer atividade profissional aética ou ligar o seu nome a empreendimentos de cunho duvidoso. 38 DAS COMISSÕES DE ÉTICA Em todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal da administração direta, autárquica e fundacional, ou em qualquer órgão ou entidade que exerça atribuições delegadas pelo Poder Público, deverá ser criada uma Comissão de Ética (item XVI). De acordo com o Decreto nº 6.029/2007, as Comissões de Ética de que trata o Decreto nº 1.171/2004 integram o Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal. O Decreto nº 6.029/2007, que prevê, ainda, em seu art. 5º, que cada Comissão de Ética de que trata o Decreto nº 1171, de 1994, será integrada por três membros titulares e três suplentes, escolhidos entre servidores e empregados do seu quadro permanente, e designado pelo dirigente máximo da respectiva entidade ou órgão, para mandatos não coincidentes de três anos. A comissão de ética tem, também a incumbência de fornecer aos órgãos competentes os registros sobre a conduta ética do servidor, para o efeito de instruir e fundamentar promoções e para todos os demais procedimentos próprios da carreira do servidor público (item XVIII). A pena aplicável ao servidor público pela Comissão de É tica é a de censura, que será devidamente fundamentada e constará a ciência do servidor faltoso (item XXII). Entende-se por servidor público, para fins de apuração do comprometimento ético, todo aquele que, por força de lei, contrato ou de qualquer ato jurídico, preste serviço de natureza permanente, temporária ou excepcional, ainda que sem retribuição financeira, 39 desde que ligado direta ou indiretamente a qualquer órgão do poder estatal, como as autarquias, as fundações públicas, as entidades paraestatais, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, ou em qualquer setor onde prevaleça o interesse do Estado (item XXIV). Prevê, também o Decreto nº 6.029/2007, em seu art.7º, que compete às Comissões de Ética aplicar o Código de Ética profissional do servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 1994, devendo: a) Submeter à Comissão de Ética Pública propostas para seu aperfeiçoamento; b) Dirimir dúvidas a respeito da interpretação de suas normas e deliberar sobre casos omissos; c) Apurar, mediante denúncia ou de ofício, conduta em desacordo com as normas éticas pertinentes; e d) Recomendar, acompanhare avaliar, no âmbito do órgão ou entidade a que estiver vinculada, o desenvolvimento de ações objetivando a disseminação, capacitação e treinamento sobre as normas de ética e disciplina. Em seu art. 12, o Decreto nº 6.029/2007 disciplina que o processo de apuração de prática de ato em desrespeito ao preceituado no Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal será instaurado, de ofício ou em razão de denúncia fundamentada, respeitando-se, sempre, as garantias do contraditório e da ampla defesa, pelas Comissões de Ética, que notificará o investigado para manifestar-se, por escrito, no prazo de dez dias. 40 Se a conclusão for pela existência da falta de ética, além das providências previstas no Código de Ética Profissional do Servidor do Poder Executivo Federal, as Comissões de Ética tomarão as seguintes providências, no que couber: I- Encaminhamento, de sugestão de exoneração de cargos ou função de confiança à autoridade hierarquicamente superior ou devolução ao órgão de origem, conforme o caso; Encaminhamento, conforme o caso, para a Controladoria- Geral da II- União ou unidade específica do Sistema de Correção do Poder Executivo Federal de que trata o Decreto nº5.480, de 30 de junho de 2005, para exame de eventuais transgressões disciplinares; e III- Recomendação de abertura de procedimento administrativo, se a gravidade da conduta assim o exigir. XVI – Em todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, indireta, autárquica e fundacional, ou em qualquer órgão ou entidade que exerça atribuições delegadas pelo poder público, deverá ser criada uma comissão de Ética, encarregada de orientar e aconselhar sobre a ética profissional do servidor, no tratamento com as pessoas e com o patrimônio público, competindo- lhe conhecer corretamente de imputação ou de procedimento susceptível de censura. 41 XVIII – À Comissão de Ética incumbe fornecer, aos organismos encarregados da execução do quadro de carreira dos servidores, os registros sobre sua conduta ética para o efeito de instruir e fundamentar promoções e para todos os demais procedimentos próprios da carreira do servidor público. XXII – A pena aplicável ao servidor público pela Comissão é a de censura e sua fundamentação constará do respectivo parecer, assinado por todos os seus integrantes, com ciência do faltoso; XXIV – Para fins de apuração do comprometimento ético, entende-se por servidor público todo aquele que, por força de lei, contrato ou de qualquer ato jurídico, preste serviços de natureza permanente, temporária ou excepcional, ainda que sem retribuição financeira, desde que ligado direta ou indiretamente a qualquer órgão do poder estatal, como as autarquias, as fundações públicas, as entidades paraestatais, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, ou qualquer setor onde prevaleça o interesse do Estado. 42 UNIDADE IV MORAL ALÉM DO ALCANCE É inegável que a população mundial está passando por um momento de crise existencial. Uma rápida folheada nos jornais é o suficiente para constatar o óbvio: a cada dia há um sem número de reportagens denunciando a falta de ética e a perda de valores morais na sociedade. Da corrupção no Congresso “à falta de respeito às leis de trânsito; da superficialidade nos relacionamentos à manipulação de informações para justificar a invasão a um território inimigo, os exemplos são vastos e, infelizmente, contundentes. O motivo para este cenário desalentador, segundo alguns estudiosos, estaria na falta de um conceito universal para o que é a ética, o que coloca em dúvida as suas possibilidades, virtudes e limites, estimulando, assim, sua fragmentação para diferentes segmentos. Haveria, portanto, uma ética diferente para a esfera política, outra para o ambiente empresarial, médico, universitário, e assim sucessivamente. Esta pluralidade teria reduzido todo o conceito da ética a uma competência específica de especialistas que possuiriam o sentido das regras, normas e valores e, em função disso, seriam os únicos com capacidade de julgar as ações dos demais. Para a filósofa Marilena Chauí, enquanto na ética é a ideia do bem, do justo e do feliz que determina a autoconstrução do sujeito 43 ético, a dispersão da moral, transformando-a em ideologia, levou o bem a ser apenas a ausência do mal – o que salientaria e sublinharia o sofrimento individual e coletivo, a corrupção política e policial que atinge a sociedade. Em outras palavras, a idelogia da ética reduz o presente a um instante imediato e mostra que as ideias modernas de racionalidade, sentido da história, abertura temporal do possível pela ação humana, objetividade e subjetividade teriam sido responsáveis por todo o mal do nosso presente, anulando a marca essencial do sujeito ético e da ação ética, que é a liberdade, observou a professora. Esta discussão, embora recheada de exemplos atuais, não é recente, mas, ganhou uma atenção especial quando o filósofo Prussiano Immanuel Kant (1724-1804) colocou de cabeça para baixo os antigos pensamentos sobre ética e a existência humana, em voga desde os tempos de Platão. Até então, o objeto fundamental da ética estava baseado na reflexão sobre a felicidade e o bom viver. Para Kant, ao contrário, o fundamento da ética é o dever. Em sua opinião, a felicidade só poderia ser pensada como algo legítimo na medida em que ela estivesse subordinada à virtude. Por isso, a felicidade é algo que devemos almejar, sim, desde que sejamos virtuosos e merecedores, a partir de atitudes que não são determinadas por nenhuma outra coisa a não ser pelo respeito à lei do dever, explica o professor de Filosofia da UNICAMP, Oswaldo Giacoia Júnior. Antes de Kant havia, também, uma fundamentação teológica da ética e da moral pela qual os acontecimentos estavam relacionados a 44 uma ordem divina. Outros pensadores atribuíam os valores morais a uma espécie de legalidade da natureza, na qual a ordem moral seria uma espécie de duplicação da ordem do Cosmos, ou que as ações seriam determinadas de acordo com características de dano ou utilidade. O fundamento da ética kantiana está baseado na capacidade humana de colocar objetivos e realizá-los permitindo assim que cada meta seja valorizada em termos do bem e mal. Ou seja, um homem, quando deseja viajar, realiza este querer a partir de uma determinada ação. Os animais, ao contrário, agem apenas por impulso. Além disso, Kant levou em conta a nossa capacidade de determinar regras, normas ou princípios para o nosso agir, por meio da deliberação do nosso querer, informa o professor da Unicamp. Assim, Kant entende que a razão pura determina, por ela mesma, as regras que nos levarão a agir para realizar nosso desejo. Por isso, a vontade humana é igual à razão prática quando as leis do meu agir são atribuídas pela minha racionalidade como leis do ‘dever ser’, completa. Por isso, na visão Kantiana, a vontade humana é livre e cabe à razão racionalizar o que pode (ou deve) ser ou não feito. Quando nós (enquanto seres racionais) determinamos a regra geral que pauta as nossas ações, fazemos uma livre determinação do nosso arbítrio. Se essa motivação for extraída da nossa sensibilidade, nossa ação é apenas uma inclinação da nossa natureza e não possui qualquer valor moral. Ao contrário, quando nossa ação é tomada a partir da representaçãodo nosso dever, ela poderá receber um valor moral. 45 De acordo com Giacóia, Kant consegue, assim, demarcar com clareza quais são os limites que a nossa razão tem para respeitar quando ela pretende dar respostas com sentido a determinados problemas formulados. Desta maneira, o filósofo coloca em evidência questões que seriam confrontadas pela sociedade séculos depois, como a perda de um conteúdo substantivo que antes era garantido pela visão teológica tradicional ou pela visão filosófica metafísica dos antigos pensadores. Ele foi o primeiro a reconhecer a abrangência e as possibilidades do pensamento racional, tanto do ponto de vista da extensão quanto dos seus limites. Kant nega, então, o valor demonstrativo da metafísica tradicional e aponta a necessidade da distinção absoluta entre o conhecimento objetivo do que é e a crença ou certeza subjetiva no dever ser. Isso significa que, pelo pensamento kantiano, o dever pode expressar um simples cumprimento da lei. Mas, neste caso, o homem que se limita a cumprir a legislação para evitar a reprovação social ou uma possível punição, ainda não atingiu um patamar de moralidade autônoma. O conceito de autonomia, para Kant, está relacionado à faculdade de se autodeterminar. Na sua visão, autonomia e liberdade são sinônimos, podendo ser entendidas como a capacidade que o homem tem de dar, a si mesmo, a lei do seu agir e do seu querer, que vale para todos os seres racionais, estejam eles neste ou em outro planeta”, diz Giacóia. Na visão de Nietzche, filósofo prussiano de destaque, o Estado procura moldar os que se acham sob sua tutela, incutindo-lhes o orgulho da pátria, o respeito à bandeira, à educação cívica. 46 O partido político tenta formar os que a ele se filiam, infundindo-lhes a disciplina partidária e os deveres de militante. A igreja busca preparar os que a ela se agregam, impondo-lhes a aceitação dos dogmas, os mistérios da fé, a educação religiosa. Os bons cidadãos, os partidários incondicionais e os fiéis convictos se limitam a cumprir ordens, executar tarefas, submeter-se a ditames. A educação, seja ela familiar, cívica, política ou religiosa, aparece para Nietzche como um processo para tornar o educando semelhante ao educador. Esse é o princípio de toda a vida gregária: impedir as singularidades, abolir as diferenças, escreveu Scarlett. A moralidade, por Nietzche, estava relacionada, portanto, também à obediência aos costumes, quaisquer que fossem eles. Afinal, os indivíduos habituam-se a certas maneiras de agir e pensar que são transmitidas de geração a geração. Esses costumes consolidam-se e tornam-se uma tradição que deve ser respeitada de forma absoluta, apresentado - se como uma autoridade que exige total submissão. Diante dela não se deve pensar nem levantar a voz, revela Marton. Para se desfazer destes hábitos, é preciso disciplina, além de coragem para abandonar comodidades e renunciar à segurança. As posições de Kant e Nieztche permitem compreender alguns dos dilemas mais importantes com os quais nos confrontamos hoje, como o problema da fundamentação dos juízos morais. Grande parte da discussão de ambos se trava a respeito da possibilidade da fundamentação racional dos juízos morais e quais são as razões e justificativas para afirmar que algo é bom ou mau. 47 Essa dúvida permanece nos dias atuais. A sociedade sofre as consequências da falta de ética nas relações. Vive-se um momento de terror mundial acentuado por crimes cometidos sem motivos aparentes. Aliado a isso, a corrupção política, a ausência de decoro político e a impunidade no mau exercício da profissão acentuam a crise existencial por que passa a humanidade. A solução para este quadro, segundo os dois filósofos, passaria por um único caminho: o da educação – um dos poucos pontos em comum no pensamento de ambos. Para Kant, esta seria a garantia de transmissão da cultura e do progresso atingido por um grupo de indivíduos para a sociedade seguinte. Para Nietzche, a educação levaria ao desenvolvimento integral e harmonioso de todas as capacidades humanas, desde que não ficasse restrita à profissionalização do indivíduo- uma medicação simples, se for levada em consideração a gravidade da crise em que se encontra a sociedade. Para Kant, enquanto os Estados se ocuparem apenas com a guerra, esquecendo e abandonando seus cidadãos, afastando-os da educação e do desenvolvimento da racionalidade, haverá indivíduos civilizados, mas jamais moralizados. 48 Ética na Educação e educação da Ética As relações da Ética com a Educação apresentam dois aspectos diferentes e complementares: há de um lado a questão dos valores éticos na educação e, do outro, o da educação para a Ética. Se o educador for um exemplo de valores e atitudes éticas ditando o seu comportamento efetivo com os seus alunos, ele já estará contribuindo para um despertar ético. Educação para a Ética - Além de ser um exemplo de comportamento ético, o educador precisa conhecer profundamente a si mesmo, o seu próprio processo evolutivo, as leis de transformação das energias através dos seus centros energéticos, pois assim saberá despertar a ética essencial em seus alunos. Saberá mostrar-lhes o verdadeiro significado de suas necessidades de segurança, de prazer e de poder, ensinando - lhes a moderação a fim de que a energia possa fluir em direção à alegria de dar amor, de receber inspiração criativa, de conhecer e aprender a todo instante através da leitura do livro da vida e favorecer as condições do despertar da superconsciência através da experiência estética. A Ética no campo da Saúde A saúde é antes de tudo um estado de harmonia e de equilíbrio, e não apenas ausência de doenças. Por isso mesmo, o profissional de saúde, seja ele médico, enfermeiro, assistente social, técnico em 49 saúde, ou sanitarista, tal como o educador, precisa ser um exemplo de harmonia. Ora, a verdadeira harmonia resulta justamente da coligação dos valores éticos, estéticos e espirituais. Estes por sua vez resultam de uma boa circulação da energia vital através dos centros energéticos, permitindo a expressão benéfica das vibrações de amor, alegria e beleza e a inspiração constante da sabedoria. Por isso, o profissional de saúde é antes de tudo um educador. Neste nível de compreensão, é difícil separar saúde de educação. Mas assim mesmo, os profissionais da saúde têm questões peculiares de Ética, sobretudo quando lidam com doenças. O conflito entre motivações e valores está constantemente presente e desafia o profissional da saúde, mais particularmente o médico e o enfermeiro. Atender a um chamado no meio da noite ou a uma emergência no meio de uma refeição ou da convivência com entes queridos coloca em confronto amor altruísta com necessidades pessoais. Tratar e curar exigem dedicação, abnegação, compaixão e amor. Muito mais que isso, a presença da energia amorosa é altamente benéfica e curativa. Como cientista, o médico precisa cultivar a verdade, sabendo expressá-la com amor e discernimento, pois a verdade, através do poder de sugestão, pode reforçar a cura se for positiva ou pode matar se for uma notícia ruim, passada com falta de sensibilidade. O efeito placebo da sugestão mostra o quanto esse fator é importante. Convém citar também a modéstia como indispensável não só para reconhecer os próprios limites e aceitar a colaboração de colegas, como para estimular a cooperaçãoativa do paciente. 50 Economia a serviço da Ética Dalai Lama, diz que a desigualdade econômica, especialmente a que existe entre as nações desenvolvidas e as em desenvolvimento, é a maior fonte de sofrimento neste planeta. Embora percam dinheiro a curto prazo, as grandes corporações multinacionais devem cessar a exploração das nações pobres. Extrair os poucos e preciosos recursos que as nações possuem simplesmente para alimentar o consumismo no mundo desenvolvido é desastroso; se isso continuar sem controle, todos nós sofreremos as consequências. O fortalecimento de economias fracas e não-diversificadas é uma política sábia, tanto para a estabilidade política quanto econômica. Por mais idealista que pareça, o altruísmo, e não apenas a competição e o desejo de riqueza, deveria ser uma força propulsora dos negócios. Altruísmo, amor e compaixão pareciam até agora incompatíveis com Economia. O manejo do dinheiro e dos recursos materiais era visto como algo puramente material sem qualquer relação com espiritualidade. Mas se olharmos mais de perto, o dinheiro pode ser colocado a serviço de todos os valores, tanto os construtivos quanto os destrutivos. Pelo dinheiro pode-se aumentar a segurança, obter mais prazer e mais poder; com dinheiro podemos ajudar muitas pessoas a aliviar seus próprios sofrimentos e a evoluir; podemos estimular a criatividade e dar melhores condições para a inspiração; podemos dar bolsas de 51 estudo e melhorar as condições da educação para conhecimento e sabedoria. Mas com o mesmo poder econômico podemos matar, causar dor e sofrimento, abusar do poder para nos impormos aos outros, estimular o ódio, impedir a criatividade e estimular a ignorância, impedindo ou atrasando o despertar de cada ser para a sabedoria e o amor universal. A opção não depende da Economia, mas do senso de responsabilidade de cada economista quando participa da liderança dos negócios da humanidade. Benefícios e prejuízos da ciência e da tecnologia. A transdisciplinaridade Quando a ciência se destacou da filosofia e das tradições espirituais, ela se separou também da ética. Ao desenvolver uma estrita “objetividade”, sem o perceber, assumiu uma posição de aceitação do que chamamos “fantasia da separatividade sujeito- objeto”; ao procurar ser “objetiva”, a ciência eliminou o sujeito da observação e experimentação, o que aumentou mais ainda o caráter fantasioso de tal operação. Afastada da Ética e eliminando todo sentimento do sujeito, a Ciência se tornou aos poucos fria, puramente racional e desligada de toda ordem de preocupação humanitária. As aplicações da ciência através da tecnologia fizeram com que esta seguisse os passos da primeira. Sem nenhuma preocupação 52 ética ou simplesmente humanitária, a tecnologia se colocou a serviço de qualquer atividade, seja ela construtiva, neutra ou destrutiva. Ao mesmo tempo em que permite aliviar o sofrimento e a dor de muitos doentes, aumentar a rapidez e eficiência das comunicações entre pessoas e povos e incrementar o prazer do conforto, essa mesma tecnologia está levando a humanidade ao suicídio através da destruição da vida no planeta Terra. A ciência e a tecnologia não podem ser separadas nem do ser humano que observa e experimenta, nem dos princípios éticos. Se quisermos salvar a vida neste planeta e temos pouco tempo para isso, precisamos mais do que nunca colocar a ciência e a tecnologia a serviço da Ética e dos valores universais. Segundo a “Declaração de Veneza” a ciência não pode mais assistir impassivelmente às aplicações irresponsáveis de suas descobertas e chegou o momento do desenvolvimento de uma transdisciplinaridade, em que preconiza o encontro complementar e não o oposto, entre ciência e as grandes tradições culturais da humanidade. A ciência atual está a serviço de certos valores éticos, como a verdade e a honestidade na observação dita objetiva dos “fatos” científicos; mas, ao realizar isso, o cientista precisa fazê-lo com amor aos seus semelhantes, colocando seus conhecimentos a serviço da preservação e do desenvolvimento da qualidade de vida. A nova ética nas empresas e organizações As empresas e organizações são o veículo do uso das tecnologias tanto construtivas como destrutivas. Sob a influência de 53 diversas pressões externas e internas, tais como associações de consumidores, pressões ecológicas governamentais e privadas, aparecimento dos bancos de desenvolvimento ético e do conceito de investimento ético, tenderão a crescer e evoluir as empresas que adequarem suas finalidades, serviços e produtos a serviço dos valores universais. A nova cultura organizacional holística precisa atender aos interesses do homem, da sociedade e da natureza. Ela precisará se centrar no que chamamos de quatro ps: • A pessoa, isto é, o público interno; • O pessoal dirigente ou subalterno que trabalha na organização; • A produção de bens ou de serviços; • A plenitude ou a realização plena dos objetivos mencionados. Unindo Pessoa e Produção, isto é, havendo cooperação máxima entre o pessoal e a empresa, se obterá o máximo de produção através do máximo de participação. A questão ética é a seguinte: produção e participação a serviço de quem e de quê? Pode-se obter o máximo de cooperação para fabricar cigarros, armas ou agrotóxicos, contribuindo assim para matar maior número de pessoas com um programa de qualidade visando a excelência: excelência para matar? Eis a questão ética. A resposta a esta questão está no quarto p: a plenitude. Para o público interno, plenitude significa não só poder atender plenamente através do trabalho, a maioria dos centros energéticos de cada trabalhador, tais como segurança, poder, amor, inspiração, 54 conhecimento e transcendência, mas ainda saber que o seu trabalho está a serviço de algo útil e, se possível, de valores universais. Com isso nascerá uma nova motivação profissional. É bastante conhecida a história dos dois pedreiros que começaram um muro ao mesmo tempo. Passados alguns dias, o muro de um estava baixinho, enquanto o outro já estava numa escada para poder continuar. Intrigado, um psicólogo perguntou ao primeiro o que ele estava fazendo. Ele respondeu: “Estou ganhando o meu dinheiro colocando um tijolo em cima do outro.” O outro respondeu, com olhos brilhantes de felicidade: “Estou construindo uma catedral!” A nova motivação profissional consistirá em desenvolver empresas em que a direção e o pessoal não terão mais tempo nem esforço a medir, porque terão consciência da importância de sua tarefa para os outros e para si mesmos. Terão a certeza de que a sua organização é um organismo vivo, com finalidades e tecnologias construtivas, isto é, a serviço da manutenção e desenvolvimento da vida, da Verdade, da Beleza e do Bem. Esta é uma questão de sobrevivência para as empresas e para a humanidade. Política, transpartidarismo e valores éticos Há um clamor público reinvindicando Ética na política e nos políticos. No mundo inteiro acontecem escândalos provocados por faltas éticas de políticos. A imprensa exibe termos como: corrupção, vergonha, malversação do dinheiro público, formação de quadrilha, falsidade 55 ideológica, desonestidade, compra de votos, abuso de poder, demagogia, promessas não cumpridas. O que o público exige é que seus representantes eleitos sejam antes de tudo altruístas, dedicados à causa pública e honestos.O público exige fidelidade aos compromissos assumidos durante as campanhas ou depois e aos partidos e programas que lhes são próprios. Podemos procurar em nome de quais valores os partidos se unem e costumam votar a unanimidade. Todos os partidos procuram, no discurso, atender as exigências do povo, colocando mais ênfase nos fatores ligados à segurança, outros nos fatores ligados ao exercício do poder político e nas relações de poder do partido com o poder do governo. Não há dúvida de que o que mais une e desune os políticos é o amor ao poder. Ora, se há uma profissão que necessita, por definição, de mais altruísmo é sem dúvida a de político. O grande desafio para um político é passar do amor ao poder ao poder do amor. Ao fazer isso, ele será um exemplo de amor e fraternidade e restabelecerá a unidade da trilogia: liberdade, igualdade e fraternidade, condição para a existência de uma verdadeira democracia. A Transreligiosidade e seus Valores Da mesma forma que existe a possibilidade de um transpartidarismo político, tudo indica que está se caminhando para definir uma transreligiosidade, isto é, a descoberta dos princípios e valores comuns a todas as religiões e tradições espirituais. 56 Os encontros inter-religiosos estão se multiplicando, o que deu margem para a criação de muitas associações inter-religiosas nacionais e internacionais. Nestes encontros e organismos, correntes religiosas e espirituais que se achavam separadas e às vezes se criticavam reciprocamente, passam a se conhecerem e descobrem que seus pontos comuns são muito maiores do que suas divergências. Aos poucos, estão se definindo denominadores comuns. Para o Dalai Lama, “o objetivo da religião não é construir belas igrejas e templos, e sim cultivar as qualidades humanas positivas, como tolerância, generosidade e amor”. Todas as religiões do mundo, não importa qual a sua visão filosófica, fundamentam-se primeiro e principalmente no preceito de que devemos reduzir nosso egoísmo e servir aos outros. Os praticantes das diversas religiões devem compreender que cada tradição tem imenso valor intrínseco e meios de proporcionar saúde mental e espiritual”. Uma única religião, como um único tipo de alimento, não pode satisfazer a todos. De acordo com suas variadas disposições mentais, algumas pessoas se beneficiam de um tipo de ensinamento e outras, de outro tipo. Cada fé tem a capacidade de produzir pessoas excelentes e generosas, e as diversas religiões podem ter êxito nisso, apesar de seguirem frequentemente filosofias diferentes. Assim, não há motivo para nos engajarmos em fanatismos religiosos e intolerâncias que causam divisões, há, sim, todos os motivos para acalentar e respeitar todas as formas de prática espiritual. 57 A existência de uma verdade suprema ligada a uma sabedoria dentro de cada um de nós, inseparável do amor, é um denominador comum que irá cada vez mais favorecer o entendimento entre as religiões e tradições espirituais. Conflitos de valores no exercício do direito e da justiça O Direito e as leis criadas pelos homens existem porque o homem ainda não despertou dentro de si a Ética espontânea de um lado, e porque a Ética moralista se revelou insuficiente para conter a avalanche de tendências destrutivas. Assim, o Direito é antes de tudo uma instituição Ética, e as leis jurídicas estão a serviço de valores tais como a verdade, o que implica julgamento de valor e dualidade “certo-errado” e “bem-mal”. Assim, a justiça está a serviço da verdade e do bem, além da defesa da ordem e dos costumes sociais. A justiça tem também como valor ético a igualdade dos homens perante a lei jurídica. Não podendo fazer preferências, ela assegura as democracias, graças ao princípio de equidade ou equanimidade. A justiça defende também o princípio ético de liberdade, protege o direito individual de segurança, de desfrutar em liberdade dos prazeres da vida e de exercer determinados poderes dentro da sociedade. 58 A Ética do quarto poder Um dos poderes mais importantes e por isso mesmo mais perigoso na vida moderna é o poder da mídia. Jornais, revistas, rádio, TV, órgãos publicitários não se limitam à informação, mas de fato contribuem para formar a opinião pública, modificar a adesão a valores e por isso tem força para mudar o comportamento efetivo de cidadãos isolados ou mesmo de uma população inteira. O poder de comunicar é na realidade o de educar. Comunicar é educar e educar é comunicar. Por todas essas razões, o valor ético que vem em primeiro lugar no trabalho da mídia é o culto à verdade. Mesmo quando se trata de propaganda comercial, a verdade é preferível à mentira. Como disse Bernard Shaw: “Pode-se enganar a um o tempo todo; pode-se enganar alguns algum tempo; mas não se pode enganar a todos o tempo todo.” Uma publicação recente da UNESCO sobre educação na mídia mostra uma preocupação essencial ao reconhecer o poder educativo da mídia, de colocá-la a serviço do princípio de igualdade. E, mesmo que todo mundo tenha acesso a todos os meios de comunicação, resta ainda a questão do conteúdo da comunicação, de que “verdade” está sendo comunicada. Estamos aqui tocando na questão ética mais séria: que valores estão sendo passados para as populações através da mídia? Qual o efeito da propaganda comercial num lar pobre? Ou de uma telenovela sobre os conflitos da classe A num lar classe C e vice-versa? Como repercutem os programas publicitários e os valores transmitidos pela 59 propaganda comercial na família e na escola onde os valores culturais talvez sejam outros? Ao mesmo tempo em que se quer fixar o homem no seu meio ambiente, incutindo-lhe valores através da escola, a publicidade centrada na cidade é um convite para o homem do campo emigrar, o que em geral contribui para o aumento das favelas urbanas. Mas pode-se também dizer que isto é um meio, a médio ou longo prazo, de levar o conforto da cidade para o campo. De qualquer forma, já que a função ética da mídia é educar, tudo que falamos a respeito da Ética na educação vale para a mídia. O meio ambiente como força propulsora dos valores éticos O meio ambiente “exige” de nossa parte uma Ética que consiste em respeitar as leis da biodiversidade, a integralidade da matéria e a programação da natureza. Toda interferência nossa tem seu preço, suas consequências, entre as quais o fim eventual de nossa existência. Assim, a natureza exige do homem e da sociedade toda gama de valores éticos, o que nos dá segurança, prazer, poder, desde que tenhamos a abertura suficiente para nos deixar embalar por sua luz e constatar que nunca fomos separados dela, isto é, que somos a luz do universo. Descobriremos então que somos os órgãos de sentido, de sentimento do pensamento do ser. A ética essencial é cuidar, tratar, curar, acarinhar o nosso planeta, dar-lhe amor; é função de todos nós e também de empresas e 60 organismos, substituir valores voltados para a exploração e para o hiperconsumo. Lazer e tempo livre: um freio aos valores destrutivos? Entre as atividades humanas, o tempo livre e o lazer são uma garantia de liberdade em relação à atividade produtiva imposta pelas exigências sociais. O lazer garante a heterogeneidade, a diversidade, a vida. O tempo livre garante sobretudo a plenitude da expansão de todos os valores universais ligados à verdade, à beleza ao amor. É claro que não convém opor trabalho a lazer.
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