Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE NACIONAL DE DIREITO Fabiano Ramos de Moras Sacramento, Felipe Pereira dos Santos, Maria Helena Silva Lins, Rafael Simonek Fernandes, Tiago Cruz Santos de Oliveira RELATÓRIO DE ASSESSORIA JURÍDICA DE COLETIVOS: ESTUDO DE CASO SOBRE A ASSESSORIA JURÍDICA NO SINDICATO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO 2017 1. INTRODUÇÃO Formando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Ítalo Pires Aguiar teve o primeiro contato com assessoria jurídica popular através do Professor José Ricardo. Iniciando na área, tendo o Direito por base, Ítalo costumava pensar que assessoria jurídica popular se tratava de atuação contenciosa em demandas populares. Como ele pontua, veio a descobrir que era mais do que isso: a assessoria jurídica popular não se limita à atuação contenciosa e engloba diversas pautas, como a moradia e a educação. No contexto, enquanto aluno, ele compôs os movimentos estudantis e notou que, objetivamente, as demandas populares que vêm de fora da universidade são secundarizadas. Percebendo isso, ele passou a promover atividades e o contato extramuros, tendo em mente a possibilidade de um diálogo verdadeiro entre universidade e demandas populares. Para ele, pautar estas questões na universidade faz com que elas sejam trazidas à agenda pública. Assim como as questões referentes à moradia tiveram destaque importante para algumas gerações de estudantes de Direito, Ítalo ressalta que a Criminologia Crítica era a grande obsessão dos graduandos à época em que ele era estudante. Eugenio Raúl Zaffaroni foi marcante para Ítalo, nesse sentido: a assertiva de que o Direito é técnica, não ciência, contribuiu para que Ítalo pensasse sua própria trajetória. Percebendo que o estudante de Direito, o advogado, é um cientista social orientado por certa técnica, seguiu o caminho acadêmico pela trilha das Ciências Sociais, com interesse destacado por Criminologia Crítica e Sociologia Jurídica. Formou-se Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (UCAM-IUPERJ) e está Doutorando em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Depois de graduado, Ítalo se manteve vinculado de maneira não- acadêmica aos postulados da assessoria jurídica popular e assentou sua expressão professional nessa área. Assim, atuou no movimento de ocupação Mariana Crioula, no Centro do Rio, e no movimento Funk é Cultura. É advogado com atuação pelo Sindicato dos Profissionais da Educação (SEPE-RJ) e milita na defesa dos Direitos Humanos pelo Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH). 2. FATOS DO CASO/DESCRIÇÃO DAS VISITAS No dia 26 de maio de 2017, foi promovido pela disciplina de extensão Assessoria Jurídica Popular, da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma aula pública com a temática da Crise na Educação do Estado do Rio de Janeiro. A aula foi estruturada de forma que os convidados fizessem suas considerações a respeito do tema, e ao final, respondessem perguntas dos estudantes. O evento contou com a presença do advogado Ítalo Pires, sob o convite de falar sobre a sua atuação junto ao SEPE. O convidado inicia falando de seu primeiro contato com a assessoria jurídica popular, contando suas experiências na graduação e sua inserção no movimento estudantil; e como isso foi importante para sua vida acadêmica, o levando à escolha do doutorado em Ciências Sociais. Ítalo relata que desde a sua formação até os dias atuais, não fez outra coisa além de advogar para os trabalhadores, para os movimentos sociais e para os movimentos populares. O advogado pontuou suas maiores experiências, dentre estas, a atuação frente à greve de 2013, que foi um movimento de massa da maior rede de educação básica da América Latina, onde teve a adesão de 90% dos profissionais e deu uma sobrevida às Jornadas de Junho do Rio de Janeiro; sua atuação junto ao dissídio dos garis no ano seguinte, e também sua atuação junto à prisão dos 11 manifestantes na época da visita do presidente Barack Obama ao Brasil. Para além da aula pública, o grupo fez uma entrevista particular com Ítalo Pires, ao final do evento, procurando saber ainda mais a respeito de sua atuação junto ao SEPE e de que maneira se dava a assessoria jurídica popular neste sindicato. Frente às indagações dos integrantes, Ítalo pontua que há um foco de tensão entre o que é ser militante e ao mesmo tempo assessor técnico da direção. Destaca como é de fundamental importância ter uma sensibilidade de militância para compreender os problemas em que a direção e a própria categoria estão inseridos, porém, isso não pode de maneira alguma substituir as decisões tomadas por ela. Relata que as categorias sempre o procuram com a dúvida de como fazer para deflagrar uma greve, e destaca como é difícil fazer com que isso ocorra, pois a lei é extremamente burocratizante. Então ele sempre as responde de duas formas, a primeira como assistente jurídico, que é mostrando todo o aparato burocratizado de deflagração, e a segunda como militante, pontuando que deflagrar uma greve conforme a lei, não significa que a greve será vitoriosa, apenas que você está se precavendo a um caso de judicialização. Exemplifica isso através da greve dos garis em 2014, que foi deflagrada sem nenhuma observação da lei e pela base contra o sindicato, então em tese era uma greve ilegal, se levada a ferro e fogo sua interpretação judiciosa. A greve foi judicializada, e apesar de não ter observado a lei, o sistema de justiça reconheceu que se tratava de uma greve de massa, com repercussão na cidade e no país, pois aconteceu em época de carnaval, e tudo isso fez com que a greve fosse um sucesso em todos os sentidos, legitimidade, adesão e ganho real dos trabalhadores. Ítalo pontua também a respeito de sua assessoria em diversas outras greves de categorias, que seguiram todo o ritual de deflagração, observando a lei, e que não obteve sucesso, nem de legitimidade, nem de adesão e nem de ganho real dos trabalhadores. Com essa bagagem então, o advogado procura passar essas experiências para as categorias que o procuram. Sobre o SEPE e sua atuação, o advogado conta um pouco sobre o sindicato e seu funcionamento. O SEPE é um sindicato de base, maior que federações e confederações a até mesmo centrais sindicais em termos de filiados e capacidade de representação, pois o SEPE representa a rede da capital, maior rede de educação básica da América Latina; a rede estadual, que é a segunda maior rede de ensino fundamental do país; e todas as outras redes municipais de cada um dos municípios que compõem o estado. Devido seu porte, o SEPE conta com um departamento jurídico composto por 15 advogados, isso somente na sede do estado do Rio de Janeiro. O SEPE trabalha com o contencioso de massa, com o contencioso estratégico e com a consultoria. O contencioso de massa vai de um pedido administrativo de um trabalhador para tirar uma licença vencida, até uma ação judicial de alguma demanda que se entenda estar irregular da sua relação de trabalho com a entidade pública que ele está vinculado. O contencioso estratégico é onde se propõe ações de controle de constitucionalidade; onde se habilita como amicus curiae em ações de grande repercussão social; ações de recomposição salarial; denúncias nos órgãos internacionais, como representação na OIT, entreoutros. Como exemplo dessa atuação de contencioso estratégico, em 2013 o SEPE conseguiu um precedente no STF, onde o STF abriu suas portas para uma audiência de conciliação de uma greve local. Já o consultivo é onde se escreve desde projetos de lei que são levados aos gabinetes de parlamentares para que algum parlamentar banque aquele projeto, até o atendimento onde se tira dúvidas de um modo geral. O SEPE atua desde as situações mais complexas até as mais simples. Com o atual momento político de contrarreformas, Ítalo fala sobre como este momento é de grande desafio para a atuação dos assessores jurídicos populares. Pontua que há um terreno fértil e ao mesmo tempo ingrato, onde existe a dificuldade de demandar o sistema de justiça para auxiliar nos ganhos reais da classe trabalhadora. Deixa como mensagem que devemos pensar nesse sistema de justiça e pensar também nossa intervenção nesse sistema de justiça como colaborador dessas lutas dos trabalhadores que estão sendo travadas, para lutar contra a agenda de retrocessos que está se colocando na atualidade. 3. RELAÇÃO COM O DIREITO Segundo Ítalo existe um grande tensionamento na sua atuação de assessoria jurídica. Ao mesmo tempo que precisa oferecer o conhecimento técnico, não pode tomar o lugar da direção do sindicato e dos outros militantes nas tomadas de decisão do movimento e suas pautas. Esse tensionamento se coloca, segundo o entrevistado, a partir do momento em que o Direito não é instrumento neutro que pode ser encarado livremente por quem o opera. A visão jurídica estrita não pode limitar o horizonte de atuação do movimento. Primeiro o movimento decide coletivamente e depois ele oferece, dentro do que o movimento decidiu, o seu saber técnico. O papel do assessor jurídico, segundo o advogado, é conjugar o conhecimento jurídico com o entendimento sobre o palco no qual as lutas se desdobram, não tomar o lugar da militância. Determinadas formas de ação direta, apesar de guardarem sua legitimidade, passam ao largo do Direito. Ítalo afirma que determinados tipos de intervenção consideradas mais incisivas são uma dentre as várias formas possíveis de pressão em determinadas conjunturas. O papel do Direito não é limitar essa possibilidade, mas agir posteriormente como suporte. Além disso, Ítalo afirma que o Direito pode ser utilizado para dar visibilidade a uma prática arbitrária contra os trabalhadores e o sindicato, para forçar uma política pública e pautar uma agenda de debates. Esses objetivos vão muito além de simplesmente ajuizar uma ação e esperar a vitória naquela lide. São consequências tangenciais que os instrumentos jurídicos podem oferecer. O assessor jurídico destacou a atuação do jurídico do SEPE na litigância estratégica. Durante a greve de 2013, o setor jurídico entrou com reclamação constitucional em face de decisão do Tribunal de Justiça, o que fez o Supremo Tribunal Federal abrir suas portas para a conciliação entre a categoria e o governo do Estado, algo inédito. No caso Nova Escola, reforma educacional implementada na gestão Garotinho que prometia premiar professores por avaliação individual de desempenho, o setor está executando ação no valor de R$ 210 milhões para pagamento dos professores que não receberam o benefício. O SEPE também esteve em audiência da Organização Internacional do Trabalho na qual foram discutidas práticas anti sindicais de empregadores públicos e privados no que se refere à organização dos trabalhadores. 4. POSIÇÃO DO GRUPO/PARECER Observando a terminologia utilizada pelo entrevistado para descrever sua prática e destacando as reflexões de Junqueira (2001) sobre os tipos de assessoria jurídica, é possível enquadrar o serviço prestado na categoria dos tipos-ideais modernos. É perceptível que Ítalo encara sua tarefa pelo prisma da grande narrativa marxista. Ele ilustra contradições entre “povo” e “trabalhadores” contra o “Estado”, as “classes dominantes” e por vezes o “Direito”, deixando clara a percepção marxista da luta de classe. É interessante pontuar, também, que no que se refere ao Direito, não há uma resposta dicotômica no sentido de alocá-lo na categoria de prejudicial ou benéfico para o que se pretende com a luta sindical. A reflexão é mais elaborada e aponta para avanços pontuais que são possíveis através de métodos jurídicos, entretanto as flagrantes limitações são travas graves e que resultam na posição cética que Ítalo tem em seu trabalho. Além disso, o enquadramento da atuação do setor jurídico do SEPE na categoria de assessoria jurídica popular poderia ser proposto na medida em que vai além do contencioso para demonstrar também um viés consultivo. Também, representa um mecanismo de apoio a um movimento social com vistas a auxiliá-lo no que tange ao manejo do Direito, um instrumento que, apesar de perpetuador do poder burguês numa perspectiva marxista, pode apresentar-se como alternativa e palco para as atuações populares. O elemento do vínculo empregatício entre os advogados e o SEPE, contudo, não seria relevante de tal forma a desabilitar a categorização que fizemos do objeto de estudo como assessoria jurídica popular na visão do grupo, apesar de digno de nota. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS JUNQUEIRA, Eliane. Laranjas e maçãs: dois modelos de serviços legais alternativos. Em: ___________. Através do espelho: ensaios de sociologia do direito. Rio de Janeiro: IDES; Letra Capital, 2001, p. 131- 164.
Compartilhar