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103 SINALIZA˙ˆO CELULAR Cap. 7 Nos organismos multicelulares, as cØlulas co- municam-se por meio de uma elaborada rede de comunicaçªo que coordena os mœltiplos proces- sos nos diversos tecidos e órgªos, assegurando assim o pleno funcionamento do organismo como um todo. Essa sinalizaçªo celular ocorre por meio de uma grande variedade de molØcu- las que incluem derivados de aminoÆcidos, pro- teínas, nucleotídeos, esteróides, derivados de Æcidos graxos. A cØlula responde a uma determinada molØ- cula sinalizadora (ligante) se possuir receptores específicos para o ligante. Ao ligar-se a um re- ceptor, presente na superfície da cØlula-alvo ou localizado internamente, a molØcula sinalizado- ra desencadeia uma cascata de eventos intrace- lulares que altera o comportamento da cØlula. Grande parte das molØculas de sinalizaçªo Ø secretada, podendo agir sobre cØlulas adjacen- tes ou localizadas a distância, enquanto outras, firmemente ligadas à superfície da cØlula sinali- zadora, exercem o seu efeito por contato direto cØlula-cØlula. Os neurotransmissores, que estªo envolvidos na conduçªo de impulsos elØtricos de uma cØlula nervosa para outra, sªo um exemplo de substâncias que afetam cØlulas que sªo adja- centes às cØlulas sinalizadoras. JÆ os hormônios, secretados por cØlulas endócrinas, sªo levados Sinalizaçªo Celular pela circulaçªo atØ as cØlulas-alvo específicas dis- tribuídas pelo corpo. As cØlulas podem tambØm secretar molØculas sinalizadoras que se ligam a seus próprios receptores. Diferentes tipos de cØlulas podem responder diferentemente a um mesmo ligante. Por exem- plo, o neurotransmissor acetilcolina estimula a contraçªo da cØlula muscular esquelØtica, enquan- to diminui o ritmo e a força de contraçªo do mœsculo cardíaco, e tem o efeito de induzir em cØlula acinar pancreÆtica a exocitose de grânulos secretores contendo enzimas digestivas. Vamos discutir aqui as molØculas de sinaliza- çªo, os receptores de superfície celular, as vias de transduçªo de sinal e a funçªo de mediadores in- tracelulares, assim como os mecanismos pelos quais a interaçªo ligante-receptor leva à ativaçªo de fatores de transcriçªo e mudança na expres- sªo gŒnica. Em vista do grande nœmero de molØ- culas sinalizadoras, receptores e mediadores intracelulares, serÆ dada Œnfase às molØculas cuja funçªo em cØlulas animais Ø bem conhecida. MOLÉCULAS SINALIZADORAS Entre as principais classes de molØculas si- nalizadoras incluem-se: a) pequenas molØculas lipofílicas que se difundem pela membrana plas- Nobuko Yoshida 104 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 7 mÆtica e interagem com receptores intracelula- res, tais como hormônios esteróides, hormônios tiroidianos, retinóides e vitamina D; b) molØcu- las hidrofílicas que se ligam a receptores da su- perfície celular, como as catecolaminas, que sªo derivados de aminoÆcidos, e os hormônios pep- tídicos como insulina, fatores de crescimento e glucagon. Essas molØculas, algumas das quais relacionadas na Fig. 7.1, ligam-se a seus recep- tores com alta afinidade, com KD da ordem de 10-12 a 10-6 M. Os hormônios hidrofóbicos, que circulam no sangue ligados a proteínas carreadoras, persis- tem na corrente sangüínea ou nos fluidos tissu- lares durante horas ou dias e medeiam respostas de longa duraçªo. Eles regulam o metabolismo, crescimento e diferenciaçªo de tecidos específi- cos, atividade reprodutora, etc. Embora estru- turalmente distintos, os esteróides (que sªo derivados do colesterol), os hormônios tiroidia- nos, os retinóides e a vitamina D atuam por me- canismos similares. A interaçªo dessas molØcu- las com os seus receptores, que podem estar lo- calizados no citosol ou no nœcleo, leva à ligaçªo do receptor a seqüŒncias de DNA que contro- lam a transcriçªo (Fig. 7.2), afetando desta ma- neira a expressªo de genes específicos. Esses receptores protØicos sªo estruturalmente seme- lhantes, indicando que sªo codificados por mem- bros de uma superfamília de genes que evoluíram de um precursor ancestral comum. Cada uma dessas proteínas contØm um domínio hidrofóbi- co próximo à porçªo C-terminal que presumi- velmente se liga ao hormônio esteróide, assim como um domínio central que se liga ao DNA. As molØculas sinalizadoras solœveis em Ægua ligam-se a receptores da superfície celular. Mui- tas delas sªo sintetizadas e armazenadas em ve- sículas secretórias, sendo liberadas das cØlulas sinalizadoras por exocitose após estimulaçªo por hormônio ou neurotransmissor. A ligaçªo des- sas molØculas a receptores da superfície celular Fig. 7.1 Alguns exemplos de molØculas sinalizadoras. MolØculas que se ligam a receptores nucleares Progesterona Testosterona MolØculas que se ligam a receptores de superfície celular Epinefrina Insulina Polipeptídeo composto de cadeias A e B com 21 a 30 aminoácidos respectivamente 105 SINALIZA˙ˆO CELULAR Cap. 7 leva, em muitos casos, a um rÆpido aumento na concentraçªo de mediadores intracelulares, tam- bØm denominados mensageiros secundÆrios. En- tre as funçıes controladas por esses mensageiros podem ser citadas a captaçªo e utilizaçªo de gli- cose, armazenamento e mobilizaçªo de gordu- ras, secreçªo de produtos celulares, crescimento e diferenciaçªo de cØlulas, contraçªo e relaxa- mento de mœsculo liso, processos de lipólise e glicogenólise. RECEPTORES Embora os receptores que medeiam os pro- cessos de sinalizaçªo pela membrana geralmen- te constituam menos que 0,01% da massa total de proteína na cØlula, sendo, portanto, extrema- mente difíceis de serem purificadas, a sua ca- racterizaçªo tem sido enormemente acelerada pela utilizaçªo da tecnologia do DNA recombi- nante. Grande parte dos receptores da superfície celular aqui referidos teve a sua seqüŒncia de pro- teína deduzida da seqüŒncia de cDNA que a co- difica e a expressªo de cDNA em linhagens celulares tem permitido a produçªo de proteína em grande quantidade, assim como o estudo de sua funçªo. Os receptores localizados na superfí- cie celular podem ser agrupados basicamente em trŒs superfamílias: a) receptores com sete segmen- Fig. 7.3 Principais classes de receptores da superfície celular. Os receptores com sete segmentos transmembrana geralmente associam-se com a proteína G atravØs de sua porçªo citoplasmÆtica. Entre os receptores com um œnico segmento transmembrana incluem-se as proteínas com ati- vidade tirosina quinase ou guanilil ciclase no seu domínio intracelular. Os canais iônicos, que consistem em vÆrias su- bunidades, permitem a entrada de íon após interaçªo com o ligante. Fig. 7.2 Efeito de molØculas sinalizadoras lipofílicas. Ligantes, como os hormônios esteróides difundem-se atra- vØs da membrana plasmÆtica e ligam-se a receptores intra- celulares. Estes receptores ativados migram para o nœcleo, onde interagem com o DNA ou com fatores de transcriçªo, e regulam assim a transcriçªo gŒnica. tos transmembrana; b) receptores com um só seg- mento transmembrana com atividade enzimÆtica intrínseca ou sem atividade catalítica, mas direta- mente associados com proteína tirosina quinases citosólicas; c) canais iônicos (Fig. 7.3). CANAIS IÔNICOS As proteínas de membrana que constituem os canais iônicos sªo formadas por associaçıes de subunidades (Fig. 7.3). Essas estruturas oli- gomØricas respondem a sinais apropriados e con- trolam a passagem de íons, e existem canais distintos para K+, Na+ e Ca2+. A interaçªo com um ligante específico tipicamente abre o canal iônico. Na sinalizaçªo sinÆptica entre cØlulas eletricamente excitÆveis, por exemplo, a liga- çªo do neurotransmissor induz a abertura ou o fechamento do canal iônico transientemente, alterando brevemente a permeabilidade a íon da membrana plasmÆtica e conseqüentemente a ex- citabilidade da cØlula pós-sinÆptica. Ligante Meio extracelular LiganteLigante Domínio catalítico Íon Receptor com 7 segmentos transmembrana Receptor tirosina quinase (guanilil ciclase) Canal iônico Citosol 106 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 7 RECEPTORES DE SUPERF˝CIE CELULAR ASSOCIADOS A PROTE˝NA G Os membros da superfamília de recepto- res ligados à proteína G sªo proteínas inte- grais de membrana que consistem na œnica cadeia polipeptídica com sete segmentos hi- drofóbicos (20-25 aminoÆcidos), em a -hØli- ce, inseridos na membrana (Fig. 7.3). Esses receptores respondem a uma grande variedade de molØculas sinalizadoras, incluindo hormô- nios, neurotransmissores e mediadores locais. Apesar de se ligarem a molØculas estrutural e funcionalmente muito variadas, os receptores com sete segmentos transmembrana tŒm es- trutura similar. Cada receptor tem uma se- qüŒncia N-terminal extracelular, cuja extensªo pode variar de menos de dez aminoÆcidos atØ vÆrias centenas, seguida de sete domínios hi- drofóbicos conectados por alças hidrofílicas e uma seqüŒncia C-terminal intracelular. O sí- tio de ligaçªo das diversas molØculas sinaliza- doras que ativam essas proteínas estÆ contido pelo menos em parte na regiªo inserida na membrana. Rodopsina, a proteína ativada pela luz, os receptores olfatórios e os receptores a - e b -adrenØrgicos sªo alguns exemplos de re- ceptores associados à proteína G. PROTE˝NAS G HETEROTRIMÉRICAS As proteínas G heterotrimØricas, localizadas na porçªo citoplasmÆtica da membrana plasmÆtica, interagem com os receptores ligados ao agonista e regulam uma gama de sistemas efetores e de men- sageiros secundÆrios. Elas sªo compostas de su- bunidades a , b e g codificadas por genes distintos. Sªo pelo menos 17 genes para Ga , quatro para Gb e seis para Gg . No estado nªo ativado, a prote- ína G existe como heterotrímero com GDP ligado à cadeia a . Quando o receptor Ø ativado pela inte- raçªo com um ligante, ocorre a troca de GDP por GTP em Ga , o que leva à dissociaçªo de Ga e Gbg e à separaçªo do receptor (Fig. 7.4). A ativaçªo de Ga promove a associaçªo com uma proteína efe- tora tal como a adenilil ciclase. Com a hidrólise de GTP a ADP, pela atividade GTPase intrínseca da Ga , esta dissocia-se da adenilil ciclase e reassocia- se com o dímero Gbg , regenerando assim o com- plexo Gabg inativo. Os processos regulados pela proteína G podem ser estimulados ou inibidos. Assim, por exemplo, a adenilil ciclase Ø ativada em seguida à interaçªo com a subunidade a da prote- ína G estimulatória (Ga s), enquanto a interaçªo com Ga i inibe a enzima. A maioria dos receptores associados à pro- teína G ativa uma cadeia de eventos que altera a Fig. 7.4 Ativaçªo de receptores associados à proteína G. A mudança conformacional do receptor, resultante da intera- çªo com o seu ligante, leva à troca de GDP por GTP em G a acarretando a dissociaçªo de G a e G bg . O complexo G a (GTP) promove a associaçªo com a proteína efetora, por exemplo adenilil ciclase. Com a hidrólise de GTP a ADP, pela atividade GTPase intrínseca da Ga , esta dissocia-se da enzima e reassocia-se com o dímero G bg , regenerando assim o complexo Gabg inativo. Ligante Receptor Proteína G Adenilil ciclase Receptor Adenilil ciclase Proteína G 107 SINALIZA˙ˆO CELULAR Cap. 7 concentraçªo de um ou mais mediadores intra- celulares. O AMP cíclico (cAMP), sintetizado por adenilil ciclase a partir de ATP, Ø um dos media- dores mais utilizados e regula funçıes tªo varia- das quanto transcriçªo gŒnica, mitogŒnese, contraçªo muscular e atividade de canal iônico. Para funcionar como mediador intracelular, sua concentraçªo intracelular (normalmente £ 10-7 M) deve ser capaz de mudar rapidamente em res- posta a sinais externos e, a rÆpida síntese de cAMP, induzida pelo ligante, deve seguir-se a sua rÆpida destruiçªo por uma ou mais cAMP fosfo- diesterases, que hidrolisam cAMP a adenosina 5-monofosfato. Com a dissociaçªo do ligante de seu receptor, a ativaçªo da adenilil ciclase Ø revertida como resultado da atividade GTPase de Ga s. O que se observa em pacientes com có- lera ilustra bem a importância dessa atividade GTPase da proteína G. A toxina bacteriana cata- lisa a ADP-ribosilaçªo de G a s, tornando-a inca- paz de hidrolisar GTP e fazendo com que a adenilil ciclase ligada à Ga s alterada permaneça em estado ativo. A prolongada elevaçªo de cAMP dentro das cØlulas epiteliais do intestino causa um grande efluxo de Na+ e Ægua que Ø respon- sÆvel por severa diarrØia. PAPEL DO cAMP NA REGULA˙ˆO METABÓLICA EM DIFERENTES TIPOS CELULARES O cAMP atua como mensageiro secundÆrio em muitos processos ativados por hormônio. Em virtualmente todas as cØlulas eucarióticas estu- dadas, os diversos efeitos do cAMP parecem ser mediados por proteína quinases cAMP-depen- dentes (PKAs). Essas enzimas sªo molØculas tetramØricas compostas de duas subunidades re- guladoras e duas subunidades catalíticas. A li- gaçªo de cAMP às unidades reguladoras de PKA causa a dissociaçªo e ativaçªo de subunidades catalíticas, que transferem o grupo fosfato ter- minal do ATP para grupo hidroxila em resíduos de serina, treonina e tirosina de substratos pro- tØicos, modificando dessa maneira a atividade de muitas enzimas em vÆrios tipos celulares. A fosforilaçªo de muitas enzimas aumenta a sua atividade catalítica, enquanto a de outras resulta na diminuiçªo de atividade. A resposta de um tipo particular de cØlula depende da especifici- dade do substrato dessas proteínas quinases. Nas cØlulas hepÆticas e musculares, por exem- plo, a elevaçªo no nível de cAMP induzida por epinefrina aumenta a conversªo de glicogŒnio em glucose 1-fosfato, atravØs da inibiçªo de síntese do glicogŒnio e da estimulaçªo da glicogenólise. A PKA ativada por cAMP fosforila a glicogŒnio sintase, que Ø convertida em uma enzima menos ativa, e assim a síntese de glicogŒnio Ø inibida. Por outro lado, a PKA fosforila e ativa a glicogŒ- nio fosforilase quinase. Esta, por sua vez, fosfori- la a glicogŒnio fosforilase, convertendo-a na forma ativa que degrada glicogŒnio a glucose 1-fosfato. Todo esse processo Ø revertido quando a epinefri- na Ø removida e o nível de cAMP cai, sendo a reversªo mediada por fosfatase que remove os resíduos de fosfato das trŒs enzimas. Em cØlulas adiposas, a ativaçªo de receptores a -adrenØrgicos desencadeia um aumento do cAMP citosólico e a ativaçªo de PKA. A enzima ativada hidrolisa triacilgliceróis a Æcidos graxos, que sªo liberados para o sangue e ligam-se à albumina, Dessa forma, os Æcidos graxos sªo transferidos para outros tecidos, como coraçªo, mœsculos e rins, onde sªo utilizados como fonte de ATP. RECEPTORES COM ATIVIDADE GUANILIL CICLASE Relativamente poucos receptores com ativida- de guanilil ciclase sªo conhecidos. Esses recepto- res, que estªo presentes nas cØlulas renais e nas cØlulas musculares lisas dos vaso sangüíneos, pos- suem um domínio extracelular que interage com o ligante, um œnico segmento transmembrana em a - hØlice e um domínio catalítico intracelular (Fig. 7.3). Uma variedade de peptídeos estimula os receptores com atividade guanilil ciclase, entre eles os peptíde- os natriurØticos atriais (ANPs), que sªo secretados pelas cØlulas musculares no Ætrio do coraçªo e re- gulam a homeostase e a funçªo cardiovascular. A ligaçªo de ANP ao seu receptor ativa a guanilil ci- clase e conseqüentemente a produçªo de cGMP. Por sua vez, o cGMP ativa a proteína quinase cGMP-dependente, que fosforila proteínas especí- ficas nos resíduos serina ou treonina. RECEPTORES COM ATIVIDADE TIROSINA QUINASE (RTKS) Hormônios peptídicos como insulina e fa- tores de crescimento (da epiderme, fibroblasto, 108 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 7 Fig. 7.5 Ativaçªo de proteína tirosina quinases (RTKs). A interaçªocom o seu ligante induz a dimerizaçªo e ativaçªo da maioria de RTKs, o que resulta na autofosforilaçªo de resíduos de tirosina do domínio citoplasmÆtico. As tirosinas fosforila- das de RTKs sªo reconhecidas, de maneira específica, por diferentes classes de proteínas intracelulares que possuem domínios conhecidos como SH2. Essas proteínas sªo, por sua, vez fosforiladas e ativadas. Como diferentes RTKs ligam diferentes combinaçıes de molØculas sinalizadoras, desencadeiam respostas diferenciadas. hepatócito, cØlula nervosa) ligam-se a recepto- res com atividade tirosina quinase (RTKs). To- dos os RTKs sªo constituídos de um domínio extracelular contendo o sítio de ligaçªo à molØ- cula sinalizadora, um domínio hidrofóbio consis- tindo na œnica a hØlice inserida na membrana, e um domínio intracelular com atividade cata- lítica (Fig. 7.3). A atividade tirosina quinase dos RTKs Ø induzida pela interaçªo com o ligante, que leva à dimerizaçªo da maioria dos RTKs e à fosforilaçªo de mœltiplos resíduos de tirosina no seu domínio citoplasmÆtico (Fig. 7.5). As tirosinas fosforiladas de RTKs funcio- nam como sítios de ligaçªo para diferentes classes de proteínas intracelulares, entre elas as proteínas adaptadoras que acoplam os receptores ativados a outras molØculas sinaliza- doras e às enzimas envolvidas nas vias de si- nalizaçªo. Cada uma dessas proteínas liga-se a um sítio fosforilado diferente do receptor, por meio de domínios conservados denomi- nados SH2, presentes nas proteínas sinaliza- doras intracelulares distintas estrutural e funcionalmente. Cada domínio SH2, com a sua seqüŒncia œnica de aminoÆcidos, determi- na os resíduos de tirosina específicos aos quais se liga. Uma vez ligadas, muitas dessas prote- ínas tornam-se elas próprias tirosina fosfori- ladas, como Ø o caso da fosfolipase C- g , sen- do conseqüentemente ativadas. Diferentes RTKs ligam diferentes combinaçıes de molØ- culas sinalizadoras e assim desencadeiam res- postas diferentes. PAPEL DAS PROTE˝NAS RAS NAS CASCATAS DE SINALIZA˙ˆO INTRACELULAR ATIVADAS POR RTKS As proteínas Ras, pertencentes à superfamí- lia de GTPases monomØricas, desempenham papel importante na transmissªo de sinais de muitos RTKs atØ o nœcleo, que resulta na esti- mulaçªo do crescimento e diferenciaçªo celular. Assim como outras GTPases, a proteína Ras al- terna dois estados conformacionais. Ela Ø ativa quando GTP estÆ ligado a ela e inativa quando GDP estÆ ligado. A transiçªo entre estado ativo e inativo da proteína Ras, que se ancora na mem- brana plasmÆtica no seu lado citoplasmÆtico, Ø regulada por proteínas ativadoras de GTPase que aumentam a hidrólise de GTP ligado a Ras, ina- tivando-a, e por proteínas que promovem a per- da de GDP e a captaçªo de GTP. As proteínas Ras mutantes, que ligam, mas nªo sªo capazes 109 SINALIZA˙ˆO CELULAR Cap. 7 de hidrolisar GTP, estªo associadas com muitos tipos de câncer humano. Grande parte do que se conhece hoje sobre as cascatas de sinalizaçªo desencadeadas por RTKs e intermediadas por Ras Ø resultante de estudos bioquímicos e genØticos em mosca Dro- sophila, verme Caenorhabditis elegans e mamí- feros. A ativaçªo de RTK pela ligaçªo de um fator de crescimento, por exemplo, promove a asso- ciaçªo do receptor com a proteína intracelular GRB2 que, por meio de seu domínio SH2, re- conhece os resíduos de tirosina fosforilados. Essa associaçªo induz a relocalizaçªo da proteína ci- toplasmÆtica Sos, aproximando-a de Ras ligada à membrana plasmÆtica (Fig. 7.6). Ras Ø entªo ativada e liga-se à serina/treonina quinase Raf, que fosforila MEK, uma quinase que fosforila resíduos serina e tirosina. MEK ativa MAP qui- nase, uma outra serina/treonina quinase. Quan- do ativada, a MAP quinase migra para o nœcleo e fosforila diferentes proteínas, entre elas fato- res de transcriçªo que regulam a expressªo de proteínas envolvidas no ciclo celular e na dife- renciaçªo (Fig. 7.6). OUTROS MENSAGEIROS SECUND`RIOS IMPORTANTES AlØm de cAMP, cujas síntese e degradaçªo sªo reguladas por diversos receptores ligados à proteína G, mas nªo por RTKs, trŒs outras mo- lØculas Ca2, inositol 1,4,5-trifosfato e 1,2- diacilglicerol funcionam como mensageiros secundÆrios nas vias de sinalizaçªo iniciadas tan- to por receptores com sete segmentos transmem- brana como por RTKs. C`LCIO COMO SEGUNDO MENSAGEIRO Grande parte dos íons Ca2+ da cØlula Ø se- qüestrada na mitocôndria, retículo endoplas- mÆtico e outras vesículas citoplasmÆticas. A concentraçªo de Ca2+ livre no citosol da cØlula Ø muito baixa (<10-7 M) e para manter esse baixo nível de Ca2+ a cØlula dispıe de uma Ca2+-ATPase que bombeia íons Ca2+ para fora da cØlula pela membrana plasmÆtica, ou para o lœmen dos com- partimentos intracelulares que armazenam Ca2+. Quando a cØlula Ø ativada por um sinal extracelu- lar, os níveis de Ca2+ citoplasmÆtico podem au- Fig. 7.6 Ativaçªo de Ras e a cascata de proteína quina- ses. RTK ativado associa-se à proteína GRB2, que por meio de seu domínio SH2 reconhece os resíduos de tirosina fos- forilados. Em seguida, a GRB2 liga-se à proteína Sos, que interage com RAs.GDP gerando a forma ativa Ras.GTP. Uma sØrie de proteína quinases Ø fosforilada em cascata após ligaçªo da proteína Raf a Ras.GTP, culminando na geraçªo de MAP quinase ativa. Esta fosforila diversos fatores de transcriçªo que regulam a expressªo gŒnica. mentar transientemente e desencadear uma sØrie de respostas celulares, como, por exemplo, exo- citose de vesículas sectetórias e liberaçªo de in- sulina em cØlulas b do pâncreas, contraçªo muscular, proliferaçªo celular e transformaçªo, degradaçªo de glicogŒnio em cØlulas muscula- res e hepÆticas, fertilizaçªo, sinal neuronal, etc. O Ca2+ pode ligar-se a diversas proteínas in- tracelulares. Uma delas, conhecida como calmo- dulina, altamente conservada e encontrada em todas as cØlulas eucarióticas, medeia muitos efei- tos do Ca2+. Cada molØcula de calmodulina liga quatro íons Ca2+ formando o complexo Ca2+/ calmodulina, que nªo possui atividade enzimÆ- tica, mas se liga a outras proteínas na cØlula, al- terando as suas atividades. Entre as enzimas ativadas pelo complexo podem ser citadas a cAMP fosfodiesterase, que degrada cAMP, e vÆ- rias proteínas quinase que, por sua vez, fosfori- lam outras proteínas-alvo. Em muitas cØlulas, o complexo Ca2+/calmodulina ativa a Ca2+-ATPa- 110 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 7 se da membrana plasmÆtica que bombeia Ca2+ para fora da cØlula. INOSITOL 1,4,5-TRIFOSFATO (IP3) INDUZ A LIBERA˙ˆO DE CA2+ DO RET˝CULO ENDOPLASM`TICO A estimulaçªo de receptores de superfície em cØlulas hepÆticas, musculares, adiposas e outras, induz a liberaçªo de Ca2+ do retículo endoplasmÆtico de maneira dependente de IP3. Esta molØcula, gerada pela hidrólise de fosfati- dil inositol-4,5-bifosfato (PIP2) mediada pela fosfolipase C, Ø solœvel em Ægua e se difunde rapidamente pelo citosol. Na superfície do re- tículo endoplasmÆtico, o IP3 liga-se a um re- ceptor IP3-específico que Ø um canal de Ca2+. A ligaçªo de IP3 induz a abertura do canal per- mitindo a saída do Ca2+ para o citosol (Fig. 7.7). O aumento de Ca2+ citosólico, juntamente com IP3, faz com que mais canais de Ca2+ se abram e mais Ca2+ seja liberado, num processo de feedback positivo possivelmente responsÆvel pe- los complexos padrıes de ondas e oscilaçıes de Ca2+. O significado biológico dessas oscila- çıes de Ca2+, que podem persistir enquanto os receptores da superfície celular estiverem ati- vados, nªo estÆ claro. Dentro de um segundo de sua formaçªo, grande parte do IP3 Ø hidrolisado a inositol 1,4- bifosfato, incapaz de liberar íons Ca2+ do retí- culo endoplasmÆtico. Este processo, juntamente com o bombeamento de Ca2+ de volta para o retículo endoplasmÆtico, dÆ fim à resposta de Ca2+. Uma parte do IP3 pode ser fosforiladapara formar inositol 1,3,4,5-tetrafosfato (IP4), que pode mediar respostas mais lentas e pro- longadas ou promover a reposiçªo de reserva- tórios intracelulares de Ca2+ a partir do fluido extracelular. AlØm de canais de Ca2+ IP3-dependentes, as cØlulas musculares e os neurônios possu- em canais de Ca2+ denominados receptores de rianodina por causa de sua sensibilidade à rianodina, um alcalóide de planta. Esses dois receptores sªo estrutural e funcionalmente si- milares, existindo como tetrâmeros, com as re- giıes C-terminal cooperando para formar o canal de Ca2+, e o domínio N-terminal livre no citoplasma. DIACILGLICEROL ATIVA PROTE˝NA QUINASE C AlØm de IP3, a hidrólise de PIP2 por fosfoli- pase C gera um outro segundo mensageiro, o 1,2-diacilglicerol (DAG), que permanece asso- ciado à membrana (Fig. 7.7). A principal fun- çªo de DAG Ø ativar a proteína quinase C (PKC), uma enzima que estÆ presente no citosol na for- ma inativa e Ø translocada para a face citoplas- mÆtica da membrana plasmÆtica, onde Ø ativada por íons Ca2+ e DAG. Em diferentes tipos de cØlula, a PKC ativada fosforila especificamente resíduos serina ou treonina das proteínas-alvo. A PKC fosforila os canais de Ca2+ de cØlulas nervosas no cØrebro, a glicogŒnio sintase nas cØlulas do fígado tornando-a inativa, tambØm fos- forila vÆrios fatores de transcriçªo e induz ou reprime a transcriçªo de genes específicos. DAG e IP3 sªo exemplos de mensageiros se- cundÆrios que agem de maneira coordenada para produzir uma resposta celular plena. No caso do metabolismo do glicogŒnio, DAG medeia a inibiçªo da síntese de glicogŒnio por meio da ativaçªo de PKC, enquanto IP3 induz um au- mento de Ca2+ citosólico que resulta na ativaçªo de glicogŒnio fosforilase quinase, uma enzima- chave na glicogenólise. ATIVA˙ˆO DE FATORES DE TRANSCRI˙ˆO PELAS VIAS DE SINALIZA˙ˆO ACOPLADAS A RECEPTORES DA SUPERF˝CIE CELULAR Muitos hormônios e fatores de crescimento solœveis em Ægua, que se ligam a receptores da superfície celular, tambØm podem induzir mu- danças de longa duraçªo no comportamento celular pela estimulaçªo da expressªo gŒnica. Nesse processo de ativaçªo, fatores de transcri- çªo específicos sªo fosforilados em seus resíduos de serina, treonina ou tirosina por proteína qui- nases. Essas enzimas podem ser estimuladas pela interaçªo do ligante tanto com receptores asso- ciados à proteína G quanto com RTKs. A ligaçªo de molØculas sinalizadoras a re- ceptores associados à proteína G, como jÆ discu- tido, ativa a adenilil ciclase e leva ao aumento dos níveis de cAMP. A ligaçªo de cAMP às subunida- des reguladoras de PKA libera as subunidades catalíticas que se translocam para o nœcleo. Um dos substratos nucleares majoritÆrios para PKA Ø o fator de transcriçªo CREB, uma proteína que, 111 SINALIZA˙ˆO CELULAR Cap. 7 na sua forma fosforilada, se liga a uma seqüŒn- cia de DNA conhecida como elemento de res- posta ao cAMP (CRE) e que estÆ contida na regiªo reguladora de muitos genes. A CREB, fosforilada em um œnico resíduo de serina, au- menta a transcriçªo desses genes induzidos por cAMP. Entre os genes de cØlulas de mamífero ativados por CREB incluem-se o gene da soma- tostatina em certas cØlulas endócrinas, e genes do fígado codificando vÆrias enzimas envolvidas na gliconeogŒnese. Outras vias de transduçªo de sinal, alØm daquela envolvendo cAMP, podem estar tambØm associadas com CREB. Em deter- minadas cØlulas, a ativaçªo de quinase estimulada por Ca2+/calmodulina, decorrente do aumento nos níveis de Ca2+ citosólico, fosforila CREB e induz a transcriçªo gŒnica. Quando ativados, os receptores de citocinas, pertencentes à superfamília que inclui os recep- tores para interferon e que nªo tŒm atividade proteína quinase intrínseca, associam-se por meio de seu domínio citoplasmÆtico com proteína qui- nases presentes no citosol. Essas enzimas fosfo- rilam os resíduos tirosina de fatores de transcriçªo STATs, que entªo dimerizam e vªo para o nœcleo. Sªo diferentes STATs, cada qual fosforilado por um conjunto particular de proteína quinases. Por sua vez, sªo vÆrios os membros de proteína qui- nases e cada um associa-se com um conjunto es- pecífico de receptores de citocina, determinando assim a especificidade da resposta. Por exemplo, a ligaçªo de interferon gama (IFNg ) a seu recep- tor faz com que este se associe a duas proteína quinases conhecidas como JAK1 e JAK2, e estas fosforilam STAT1 que forma um homodímero que se liga a uma seqüŒncia específica de DNA e in- duz a transcriçªo gŒnica. Os estudos sobre transduçªo de sinal em diversos organismos, da bactØria ao homem, prosseguem em ritmo acelerado e o avanço no conhecimento sobre os mecanismos de sinaliza- çªo, que regulam praticamente todos os processos biológicos, tem sido enorme. Recentemente, os achados resultantes da pesquisa sobre criptocro- mos e os receptores órfªos tŒm sido destacados. Os criptocromos, os fotorreceptores inicialmente caracterizados em plantas e que sªo requeridos para o crescimento em resposta à luz azul, pare- cem desempenhar um papel importante nos rit- mos circadianos nªo somente em plantas, mas tambØm em moscas e mamíferos. Por outro lado, alØm de ampliar a compreensªo sobre vias de sinalizaçªo, a descoberta de que alguns recepto- res órfªos regulam vias metabólicas essenciais e Fig. 7.7 Controle da liberaçªo de Ca2+ por canais de Ca2+ IP3-dependentes. A interaçªo de um ligante com o seu receptor desencadeia a sua associaçªo com a proteína G heterotrimØrica que, por sua vez, ativa a fosfolipase C, gerando IP3 e DAG a partir de PIP2. IP3 difunde pelo citosol e interage com canais de Ca2+ sensíveis a IP3, levando à liberaçªo de Ca2+. DAG, que permanece na membrana, ativa proteína quinase C. Meio extracelularligante Receptor proteína G canal de Ca2+ fosfolipase C proteína quinase C Retículo endoplasmático Ca2+ 112 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 7 a identificaçªo de ligantes naturais e sintØticos para esses receptores, pela estratØgia da endo- crinologia reversa, podem abrir perspectivas para o desenvolvimento de novas drogas para o tratamento de uma sØrie de doenças. BIBLIOGRAFIA 1. Alberts B, Bray D, Lewis J, Raff M, Roberts K, Watson JD. Molecular Biology of the Cell. Garland Publishing, New York & London, 1994. 2. Berridge MJ. Inositol triphosphate and calcium signaling. 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