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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE ENGENHARIA FLORESTAL DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA FLORESTAL MELHORAMENTO FLORESTAL NOTAS DE AULA Profº Dr. Arno Brune Cuiabá-MT Maio de 2007. 2 Índice Introdução................................................................................................................. 1 Revisão de alguns conceitos de genética.................................................................. 13 Variação em espécies florestais................................................................................ 26 Fundamentos de genética quantitativa aplicada ao Melhoramento Florestal........... 37 Seleção e ensaios de progênie.................................................................................. 45 Programas de melhoramentos de árvores, regeneração natural, áreas produtoras de sementes e pomares de sementes......................................................................... 60 Polinização controlada em árvores florestais........................................................... 69 Propagação vegetativa de espécies florestais........................................................... 75 Hibridação, endogamia e conservação de recursos genéticos.................................. 83 Glossário................................................................................................................... 89 Melhoramento Florestal Arno Brune 1 Capítulo I Introdução Todos os seres vivos são o resultado da interação do seu genótipo com o meio ambiente. Assim também as árvores são o resultado destes dois fatores. Isto é representado pela equação: Fenótipo = Genótipo + Ambiente, também abreviado pela fórmula: F = G+A. O fenótipo é algo que vemos, que podemos descrever, que possivelmente podemos até medir. Se nos referirmos a uma árvore dizendo que tem a altura de 21m, um diâmetro de 22 cm com casca a 1,30 m de altura a certa idade, estamos realmente nos referindo a parte do seu fenótipo. A coloração escura das folhas, outras características que descrevemos; todas se referem ao fenótipo. Em animais ou no homem é da mesma forma. Uma pessoa alta ou baixa, de olhos de tal cor, etc, toda esta descrição se refere ao fenótipo. Por outro lado, não podemos ver a olho nu o seu genótipo, ou seja, suas constituições genéticas, dadas por características genéticas que são herdadas, sendo codificadas no DNA que fica no núcleo das células (mitocôndrias e cloroplastos também têm seu próprio DNA, dito extranuclear). Naturalmente há possibilidades de analisar-se a constituição genética quimicamente; estão sendo determinadas seqüências de bases em genótipos de muitos seres vivos, inclusive já foram descritas para algumas espécies de eucalipto, populus, seguramente virão mais espécies nesta seqüência. Mas um engenheiro florestal de imediato vê uma árvore, não pode dizer quase nada sobre sua constituição genética. O ambiente é mais fácil de se descrever do que o genótipo. Um ser longevo passa anos crescendo, depois passa anos vivendo; durante este tempo o ambiente muda constantemente. Para árvores costumamos resumir parte do ambiente com descrição do tratamento dado em viveiro no plantio, do clima, dos solos, dos tratamentos silviculturais. Estes todos se referem ao ambiente, que naturalmente é muito mais do que só isto. A árvore, e também todos os seres vivos, são pois o resultado da interação do genótipo com o ambiente em que crescem ou se desenvolvem. Da mesma forma uma criança desde o útero materno se desenvolve em certo ambiente, que varia de pessoa para pessoa. Também o genótipo é diferente para cada uma delas, com exceção de gêmeos univitelinos. A criança recebe determinada alimentação, é exposta aos mais variados estímulos externos que moldam as suas reações, que lhe dão conhecimentos e interesses dos mais variados, e estes não são uniformes para cada uma delas, resultando então na variedade de pessoas que conhecemos, não só fisicamente diferentes entre si, mas com formação diferente, com talentos diferentes, os quais podem ou não ser mais ou menos desenvolvidos, de acôrdo com as oportunidades que lhe foram dadas e que aproveitaram ou não. Há, então, características que se herdam dos progenitores, e há outras que são fornecidas pelo ambiente, tanto em árvores como em pessoas ou outros seres vivos. Em suma, todos os seres vivos somos resultado da interação do genótipo que recebemos dos pais, e do ambiente que nos moldou, tanto fisicamente, emocionalmente, quanto racionalmente, etc. Melhoramento Florestal Arno Brune 2 O ambiente pode limitar o crescimento de uma árvore ou favorecê-lo. Adubação correta para aquela espécie, clima adequado para ela, falta ou não de chuvas na época necessária, todos moldam a árvore para crescer de acôrdo com o que permite o seu genótipo e o ambiente. O genótipo também pode limitar o crescimento, ou seja, uma árvore pode crescer só até determinada altura, por mais que se a adube e irrigue, poderá não passar de certa altura, limitada que possa estar pelo seu genótipo. Ao cultivar árvores, geralmente estamos interessados em produzir certa madeira, óleo essencial, frutos, látex, resina ou outros produtos, quase sempre num período que gostaríamos que fosse o mais curto possível, tivesse a qualidade que supomos ser a melhor para satisfazer o mercado e ainda numa quantidade que faça valer a pena o plantio e o investimento em terras, esfôrço, insumos, tempo, etc. Portanto tentamos produzir a muda no viveiro, obedecendo as condições que cremos serem as mais favoráveis para a mesma. Neste sentido o homem impõe os seus critérios, que em geral não são os mesmos daqueles que a natureza impõe, quando deixada para atuar por si só, ou seja, a árvore crescendo em seu ambiente natural sem interferência humana, possívelmente numa floresta ou num campo cerrado ou outro ambiente. Modificamos assim o ambiente de acôrdo com os nossos interesses, favorecendo as espécies que possam ser interessantes para nós no momento do plantio, com vistas ao futuro mercado, naturalmente. Através de técnicas silviculturais e manejo fazemos com que a árvore possa produzir em quantidade e qualidade o produto que dela esperamos em determinado espaço de tempo. Com estas técnicas estamos sómente nos atendo a manejar o ambiente da árvore, mas não o seu genótipo. Almejamos a produção, que faz parte do fenótipo. Se quisermos obter uma árvore que produza mais e melhor, temos que trabalhar nos dois aspectos, não só favorecendo o ambiente para determinadas árvores, mas também moldando o genótipo para nossas finalidades produtivas. Trabalhando os dois fatores o resultado será muito maior do que pensando apenas nas condições imediatas que necessita aquela espécie no ambiente em que a plantamos ou no qual a manejamos. O que faz as pessoas pensarem muito mais no ambiente do que no genótipo, é que o ambiente dentro de certos limites é mais maleável, enquanto o genótipo não só é invisível como em geral demora muito a poder ser trabalhado. Esta forma de pensar é simplista, pois o genótipo do que plantamos já pode ser escolhido pela espécie adequada, pela procedência de sementes mais adequada, por seleção e outras técnicas que não levam gerações a serem feitas, desde que o material que se queira escolher esteja disponível em várias qualidades, como sementes desta ou daquela procedência, ou sementes selecionadas para determinada finalidade ou adaptação a determinado ambiente. Muitas vezes o processo leva, sim, uma geração ou mais para levarao produto que desejamos, ou seja, uma árvore com determinada qualidade genética. Hoje as técnicas de melhoramento florestal já levaram a resultados assombrosos econômicamente, e há muito a ser obtido ainda, de maneira que já não está em discussão se vale ou não a pena fazer melhoramento genético de árvores; sabemos que vale a pena, sabemos que podemos conseguir resultados muito bons em até relativamente curto espaço de tempo. O simples processo de seleção das sementes adequadas, ou ainda a utilização de engenharia genética utilizando organismos genéticamente modificados são uma forma de obter de imediato os benefícios de melhoramento. É claro que todos estes processos passaram por trabalho anterior, que por sua vez pode ter sido mais ou menos longo, dependendo de cada caso. Portanto, temos que trabalhar o genótipo e ambiente para obter o melhor fenótipo possível, ou seja, a melhor produção. Um engenheiro florestal que não conhece ou não usa das técnicas de melhoramento, não está usando grande quantidade do potencial que Melhoramento Florestal Arno Brune 3 poderia usar, pois só trabalha com o ambiente. Trabalhar apenas com o genótipo seria outro erro, há que trabalhar os dois fatores para se obter o melhor resultado possível. Os processos de melhoramento genético em árovres e seu cultivo freqüentemente são chamados de domesticação, à semelhança do que foi feito com animais (lobos, galinhas bois) e plantas como trigo, milho, batata, arroz, etc. Êste curso trata de melhoramento genético florestal, portanto tenta fazer entender o que podemos fazer para obter resultados ao trabalhar com o genótipo. Mas qualquer ser vivo tem intrínsecamente dentro de si o seu genótipo ou constituição genética, também está sujeito constantemente ao ambiente externo, mesmo o melhorista não escapa dos efeitos do ambiente, que estão sempre presentes. Como o curso tenta ater- se a técnicas de melhoramento, aqui ainda discorremos um pouco sobre o ambiente mais geral, antes de entrar nas técnicas de melhoramento florestal em si. Melhorar genéticamente uma espécie chama-se de domesticação. Assim temos animais domésticos que produzem para o homem o que seus antepassados selvagens faziam apenas ocasionalmente e não na quantidade e qualidade de hoje. Mas espécies domesticadas também dependem do homem. As florestas sempre foram consideradas parte da natureza sem interferência humana (o que e uma ilusão, já que o homem influi em qualquer ambiente da terra, por mais afastado que possa estar). Mas a dependência gera um perigo, pois se quisermos de novo deixar a espécie por sua conta na natureza, talvez depois da domesticação já esta não possa sobreviver sózinha. Portanto é necessário também manter reservas genéticas em estado selvagem, não só para a sobrevivência da espécie sem interferência humana, como também para podermos voltar às plantas selvagens para obter genes que antes não conhecíamos ou que em outra ocasião não nos interessavam. Portanto, domesticar atende a interesses imediatistas, mas conservar é uma responsabilidade muito maior. Neste ponto podemos aprender muito dos agrônomos (e de êrros ou lapsos que porventura tenham cometido), que hoje tentam desesperadamente às vezes, conservar in situ os genótipos originais das espécies cultivadas como milho, tomate, batata, trigo, arroz, etc. Antes de chegar ao ponto de pôr em perigo as variedades ou espécies ou procedências, temos de mantê-las no seu estado selvagem e conservá-las assim. Isto está no interêsse maior de todos os engenheiros florestais, mas também de biólogos, agrônomos e ecólogos, pelas mais variadas razões. O ambiente O ambiente que o homem maneja está sujeito a mudanças cada vez mais drásticas. O homem ocupa físicamente mais e mais espaço na terra, pois se multiplica de forma que põe em perigo cada vez mais o ambiente natural original. O homem cultiva a terra, constrói cidades, asfalta superfícies do globo cada vez maiores, impondo mais e mais restrições físicas e outras pela sua mera presença, cada vez mais numerosa, agora (2006) estimada em 6,6 bilhões e meio de pessoas. Cada ano adicionam-se a este número mais 80 milhões de pessoas, em outros seis anos devemos atingir a marca dos 7 bilhões. Este crescimento não é uniforme; 98% do crescimento se dá nos países em desenvolvimento. Assim o maior crescimento se verifica na África ao sul do Saara, lá até 2050, dos atuais 757 milhões devem atingir 1,75 bilhões. Ao mesmo tempo na Europa a população encolhe por uma média de 900.000 habitantes ao ano. Na Alemanha uma mulher tem em média 1,3 filhos e em 2050 a população alemã passará dos atuais 82,4 milhões a 74,8. Estes dados terão significado geopolítico muito grande. Um problema especial para o desenvolvimento é dado pela incidência da AIDS, especialmente no sul da África. Naqueles países, Melhoramento Florestal Arno Brune 4 quase 20% da população adulta está contaminada pelo vírus HIV, especialmente as pessoas na fase produtiva da vida, deixando para trás velhos e crianças desamparadas. (Fonte: Deutsche Stiftung Weltbevölkerung DSW internet de 9. 8. 2006) Ao mesmo tempo pela nossa civilização queremos todos atingir certa qualidade de vida, propalada especialmente através dos meios de comunicação. Assim os cultivos são cada vez mais intensos, o homem invade áreas antes consideradas improdutivas ou consideradas impróprias para a sobrevivência dele mesmo. Também se comunica cada vez mais, viaja mais com todos os veículos disponíveis, poluindo muito neste processo. A agricultura intensiva implica em mais uso de herbicidas, de fertilizantes, de uso da água, do espaço, do corte de florestas. Todos estes fatores têm efeitos no resto do ambiente; assim por exemplo fertilizantes são lixiviados para camadas mais profundas, para dentro de lagos e cursos d água como também ao mar. Da mesma forma os produtos que são utilizados como defensivos na agricultura ou outras culturas, em outra parte podem não mais defender , mas agredir formas de vida longínquas, por exemplo na água e na atmosfera. Outros resíduos industriais estão poluindo o planeta em forma cada vez mais assustadora, levando a efeitos indesejáveis e talvez não calculados anteriormente. Há efeitos não previstos, como animais silvestres que não mais encontram seu habitat, invadindo o ambiente tomado pelo homem e, inadvertidamente espalhando vírus perigosos nas populações humanas e de animais domésticos, haja visto em exemplos recentes de disseminação como Ébola, Hanta-virus, Marburg, AIDS e outros, todos vindos de contatos não previstos com animais selvagens. Outro efeito de invasão de doenças diretamente advindo da invasão do homem em habitats selvagens e promiscuidade com estes animais é a SARS e a gripe aviária. O número por si só preocupante da população humana exige uma produção de alimentos, celulose, produtos de uso doméstico, indumentária, educação, industriais, de transporte, moradia, etc, que não há outra saída senão produzir intensivamente e domesticando cada vez mais espécies animais e vegetais para atender a nossas exigências imediatas de sobrevivência em massa. Entramos em ambientes antes deixados à natureza só, que mantinham uma integridade mais original. No Brasil cita- se o cerrado como uma região cultivada desde há poucas décadas, a região do Vale do São Francisco, e especialmente a Amazônia e região do Pantanal. A presença humana e seus efeitos fazem-se sentir cada vez mais nestas regiões, nem sempre exploradas racionalmente. O mesmo efeito se faz sentir na África toda, na Ásia toda, na antiga União Soviética e outros: o homem avança sobre a natureza para apoderar-se dos bens disponíveis e depois tentacultivar ou utilizar os recursos existentes, renováveis e não renováveis igualmente. Os efeitos deste avanço podem ser mais ou menos destrutivos, muitas vezes pondo em perigo a sobrevivência dos outros seres que habitam essas regiões e a própria capacidade de regeneração do ambiente. O aquecimento global, provocado pela emissão exagerada e constante, consequência da industrialização da sociedade traz consequências imprevisíveis ao ambiente. Os gases se acumulam nas camadas mais altas da atmosfera, evitando que a reflexão dos raios solares que incidem sôbre a superfície terrestre se difunda ao espaço. Com isto, acumula-se calor dentro da atmosfera, como é o caso em estufas, daí o efeito ser chamado efeito estufa . Por efeito desse aquecimento global o climá esta mudando muito drásticamente em algumas regiões, provocando provávelmente por seus efeitos mais calamidades como tufões, chuvas torrencias repentinas em certas áreas, desertificação crescente em outras e o derretimento cada vez maior das calotas polares, em que especialmente a da Antártida armazena a maior parte de água doce do Melhoramento Florestal Arno Brune 5 planeta. Isto traz um aumento do nível dos oceanos, condenando muitas regiões baixas ao desaparecimento. Há estimativas dos aumentos de nível do mar, conforme o aumento de temperatura (Friends of the Earth Press Release Oct. 13, 2006, internet). Desde a época pré- industrial a temperatura já subiu 0,6 graus. Se continuar a esta taxa, até 2100 terá subido a 4 graus centígrados. Se a temperatura subir dois graus haverá diminuição drástica da produção agrícola, que será um desastre especialmente para países pobres dependentes de agricultura de subsistência. Falta de água e sêca afetará especialmente países que não têm acesso à água limpa. Haverá uma pêrda quase total de recifes de coral, doenças tropicais como malária avançarão ao norte e ao sul; extinção provável de seres árticos como urso polar. Com três graus de subida: diminuição de produção de alimentos geral. Doenças avançarão, como diarréia que deve avançar 6% na África. Extinção em grande quantidade, colapso total do ecossistema amazônico, perda completa dos ecossistemas boreais e alpinos. Aumento de 4 graus: Derretimento da capa de gêlo antártico fará os níveis dos mares subirem por 5 a 6 metros, levando a pêrda enorme de terra agriculturável e produzindo milhões de refugiados. Apenas em Bangladesh 30 a 40 milhões de pessoas serão deslocadas de suas areas residenciais. Enormes regiões não terão mais produção agrícola devido às mudanças climáticas. Acima de 4 graus: Há uma chance de 50% de que o sistema de circulação dos oceanos parará, parando correntes que aquecem e estabilizam o norte da Europa. Outro efeito, através da acidificação da atmosfera, é a própria acidificação gradual das águas dos oceanos. A água marinha, em constante contato com a atmosfera, intercambiando gases com a mesma, também pelos efeitos de efluentes, aos poucos se acidifica. Há muitos crustáceos e outros seres marinhos que dependem do carbonato de cálcio para sobreviver. Assim as conchas, ostras, mas sobretudo corais e muitos seres microscópicos dependem do carbonato de cálcio na sua estrutura, freqüentemente entra no metabolismo interno, exudando o carbonato de cálcio que é a base de sua carapaça externa. Com a acidificação do ambiente marinho, tal carapaça não se forma bem ou é dissolvida, condenando à morte uma enorme gama de seres do mar. As consequências já se fazem sentir em recifes de corais ao largo da Austrália e outros países fortemente ligados à vida marinha para sua subsistência. Não há como prever as consequências deste processo, de toda maneira altamente destrutivo. Com todas as mudancas em curso, é dificil prever as consequências geo-demográficas e geo-políticas, porém são consequências drásticas para toda humanidade e para grande parte dos seres vivos do mundo. Uma possível maneira de mitigar modestamente o problema, além da solução obvia de diminuir ou evitar a emissão de gases de efeito estufa, seria fixar carbono de uma forma mais ou menos permanente. Uma das melhores formas é com plantios de espécies florestais de rápido crescimento. De qualquer maneira há mudanças cada vez maiores que o homem impõe ao planeta. Neste ambiente temos de produzir também produtos florestais sólidos, celulose para papel e solúvel, produtos químicos, carvão vegetal e sub-produtos deles todos. Esta produção tem de ser cada vez mais intensiva, na maioria dos casos a coleta na natureza apenas não satisfaz a demanda, por exemplo do látex ou das castanhas do Pará, passando-se a cultivos intensivos. O ambiente florestal então muda com o tempo. As terras mais produtivas normalmente ficam para a produção de alimentos, já seja através de vegetais ou animais. Terras mais marginais ficam para a produção florestal, se é que já não foram anteriormente ocupadas para cultivos florestais. Mas Melhoramento Florestal Arno Brune 6 esta produção tem de ser bastante intensiva para atender à demanda industrial e de consumo humano. O ambiente geral muda constantemente com os poluentes presentes em todo lugar: ar, água, solo. Esta mudança também afeta as árvores, naturalmente, só que muitas vezes não vemos imediatamente como é que o faz. Bastante óbvias são no entanto as mudanças climáticas que estão trazendo conseqüências surpreendentes e inesperadas ao globo todo nos seus lugares, até os mais distantes e inesperados. Por o ambiente ficar cada vez mais restrito e mudado para a produção florestal, precisamos de técnicas cada vez mais adequadas para produzir racionalmente. As técnicas já não podem apenas restringir-se a técnicas silviculturais ou de manejo; é preciso lançar mão de métodos avançados de melhoramento florestal. Nestas considerações é importante não esquecer que de maneira geral estamos deteriorando nossos ambientes de vida, que estamos aumentando assombrosamente em número, e que precisamos produzir mais racionalmente e melhor, mas também precisamos conservar cada vez mais a natureza, não só por razões românticas ou nostálgicas, mas também pelo fato de que a natureza mantém indivíduos de muito valor na sua biodiversidade que hoje desconhecemos, mas podem ser úteis no futuro e para o futuro da humanidade; tal como sejam as reservas genéticas de árvores florestais e outros organismos que vivem nos ambientes (e outros) que o homem vai ocupando, muitas vezes desordenadamente. Se quisermos demonstrar nossa responsabilidade em relação a gerações futuras, não é o suficiente usar técnicas mais apuradas de produção, precisamos também conservar o que ainda resta na natureza. Os argumentos para tal já deixaram há muito de ser vistos como meramente de capricho de uns poucos românticos, mas são importantes para a própria sobrevivências das gerações futuras. História de melhoramento florestal no mundo e no Brasil a) Estudos de Procedência. Foi vendo que há diferenças nas procedências de sementes florestais que as pessoas se deram conta que havia diferenças genéticas entre árvores florestais de uma ou outra espécie. Coletando sementes de várias regiões, semeando-as num só lugar depois, desta forma restringiu-se o ambiente de plantio e crescimento, de maneira que se houvesse ainda diferenças entre as árvores oriundas de diferentes procedências, as diferenças deveriam ser genéticas. Assim, na equação F=G+A; mantendo A relativamente constante (plantio num só lugar), mas F variando (se houver diferenças entre as procedências), deveria ter sido principalmente por influência de G; ou seja, do genótipo. Entre 1821 e 1850 o francês Philippe A. de Vilmorin coletou sementes de Pinus sylvestrisem mais de 30 regiões distintas na Rússia, Lituânia, Escócia, Alemanha e França. Semeou as mesmas no arboreto de Barres, na École Nationale des Eaux et Forêts de Nancy, muito famosa até hoje. Não plantou as mudas nos mesmos anos e nem fez as repetições necessárias para ensaios estatísticos exigentes, porém as diferenças eram marcantes para algumas origens, o que deixou claro que as árvores oriundas de diferentes regiões eram diferentes geneticamente entre si, certamente em conseqüência da pressão seletiva diferente em cada região, pois cada região tinha características distintas de clima, solo e outros. Caracteres como forma do fuste, cor de acícula e dos brotos mostraram ter influência genética. A partir de 1887 o austríaco Cieslar estudou várias espécies centro-européias na Áustria, por procedências. Outros se seguiram na Alemanha, Suíça, Suécia no início Melhoramento Florestal Arno Brune 7 do século XX. A partir de então os trabalhos de melhoramento florestal quase que sempre se iniciam por ensaios de procedência, pelo menos quando se trata de estudar uma espécie ainda selvagem. Ou seja, ensaios de procedência são geralmente os primeiros a serem feitos, pois dão uma idéia da variação genética existente dentro da espécie. Em 1907 a IUFRO (International Union of Forest Research Organizations União Internacional das Organizações de Pesquisa Florestal), recém-fundada e muito ativa até hoje, obteve sementes de Pinus sylvestris de doze locais diferentes abrangendo toda a área de ocorrência da espécie. As sementes foram distribuídas para estações experimentais associadas à IUFRO na Alemanha, Rússia, Suécia, Holanda, Bélgica, Áustria e Hungria. Houve alguns danos aos plantios na I Guerra Mundial (1914- 1918), mas houve bons resultados também. Entre outros a procedência de Perm, Rússia, sempre apresentava o crescimento mais lento, enquanto que a origem belga sempre crescia mais rápido que as outras. Anteriormente a esses ensaios havia uma idéia generalizada de que a melhor origem seria sempre a local, ficando claro deste momento em diante que isto não era baseado em fatos comprovados. A origem local claramente é a origem que pelos processos naturais foi selecionada para adaptação às condições locais, mas pelos critérios de preferência humanos de maior crescimento, produção, adaptação, pode não ser a melhor. Claramente devemos também conservar origens locais, pois podem conter material genético importante, inicialmente não reconhecido pelos critérios de seleção artificial como são feitos em determinada época. Na América, a partir de 1911 Raphael Zon trabalhou com várias origens do oeste americano, como Pinus ponderosa e Pseudotsuga menziesii. Especialmente nesta última espécie obteve uma origem que se manifestava como sendo a melhor em qualquer local que se a plantasse. O conceito de ecótipo foi idealizado por Turesson em 1922. Ele demonstrou, em várias espécies herbáceas, que havia diferenciações genéticas entre elas conforme o local em que cresciam naturalmente, estas diferenciações, quando reconhecidas como diferenças genéticas, foram chamadas de ecótipos. Os ecótipos, que também podemos chamar de procedências, são geneticamente diferenciados de outros ecótipos que evoluíram em outro local. Portanto a procedência local, normalmente, mas nem sempre, tem a vantagem de ser adaptada às condições locais, pelo processo de seleção natural. Langlet, na Suécia, a partir de 1936, estudou 582 procedências suecas de Pinus sylvestris e obteve dados para medir gradientes longitudinais e altitudinais para algumas características como pêso sêco. Não houve, porém, repetições nos delineamentos dele, e os resultados foram, em grande parte, esquecidos. A IUFRO, a partir de 1937, começou outro grande ensaio de procedências em três espécies européias de grande importância econômica: Pinus sylvestris, Larix decidua e Picea abies. Foram coletadas sementes em muitos locais, e as sementes distribuídas em 40 locais diferentes na Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Escócia, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Noruega, Polônia, Suécia, Suíça e Turquia. Deveriam ter sido feitas repetições com parcelas de 200 árvores cada uma. Houve alguns danos devido à II Guerra Mundial (1939-1945) e alguns plantios não foram feitos de acôrdo com o plano original, mas os ensaios deram bons resultados, demonstrando mais uma vez que realmente havia diferenças genéticas de acôrdo com a origem das sementes. Em 1938 foi feito um bom estudo de variação altitudinal em Pinus ponderosa estabelecido no Instituto de Genética Florestal em Placerville na Califórnia. Melhoramento Florestal Arno Brune 8 Semearam-se sementes oriundas de 89 árvores que cresciam em altitudes de 30 a 2.300m na Sierra Nevada e plantaram-se em três locais de altitude diferente. Interessante foi notar que quase sempre a origem de altitude média era a melhor, o que nem sempre acontece em outros ensaios. b) Estudos de hibridação A hibridação refere-se ao cruzamento entre dois indivíduos genéticamente diferentes entre si. Neste sentido, é hibridação qualquer cruzamento entre indivíduos distintos, ou seja, que não fazem parte de um clone. A hibridação feita em grande parte com milho, que começou no início do século passado nos Estados Unidos depois da redescoberta dos trabalhos de Gregor Mendel em 1900, é hibridação. Os experimentos inéditos do monge agostinho Mendel com cruzamento em ervilhas (Pisum sativum) em Brünn, República Checa, na segunda metade do século XIX também são exemplos de hibridação. Podemos cruzar espécies distintas, como Eucalyptus grandis e Eucalyptus urophylla. Neste caso nos referimos a hibridação interespecífica, ou seja, entre duas espécies distintas. Temos também a hibridação intraespecífica, ou seja, dentro da mesma espécie, como os exemplos citados acima para milho e ervilha. Nos exemplos históricos em árvores, quando falamos em Estudos de hibridação , estamos falando de hibridação interespecífica. Na Alemanha começaram as tentativas de hibridação em árvores. Em 1877 ja se faziam híbridos dentro do gênero Juglans e na Suécia, no início de 1800 produziram- se híbridos entre espécies de Salix. Nos Estados Unidos eram famosas as castanhas produzidas por Castanea dentata. Com a introdução involuntária de um fungo virulento da Europa, as árvores nativas de Castanea dentata começaram a ser dizimadas. A espécie Castanea mollissima da China era resistente ao fungo, porém apresentava má qualidade de madeira. W. van Fleet, em 1909 começou a produzir híbridos interespecíficos entre ambos, encontrando também alguma resistência ao fungo. Em geral o híbrido F1 entre as duas espécies é susceptível ao fungo, de maneira que o importante era manter vivo o F1 para poder cruzá-lo com outro F1 ou fazer o retrocruzamento com um dos pais. Estes trabalhos recomeçaram com Clapper em 1928 e continuaram com A. H. Graves em 1930 no Jardim Botânico de Brooklyn com algum êxito. A partir de 1924, Stout e Schreiner começaram a produzir muitos híbridos de Populus num programa muito grande, envolvendo muitas espécies. Em dois anos produziram 99 combinações diferentes. Entendem-se bem os trabalhos de ambos, pois documentaram-nos muito bem. A partir de 1937 estenderam seus trabalhos aos gêneros Fraxinus, Acer, Pinus e Picea. Em 1924 o madeireiro James G. Eddy, grande explorador de sequóias, começou a primeira estação experimental de melhoramento florestal. Inicialmente trabalhou com os gêneros Eucalyptus, Quercus (carvalho) e a espécie Pseudotsuga menziesii, chamada de Douglas fir nos países de línguainglesa. Eucalyptus camaldulensis, o eucalipto de maior distribuição dentro do continente australiano, quando de origens do oeste da Austrália, com clima mediterrâneo como o do oeste americano, adapta-se bem naquela região, onde hoje também se encontra outra espécie oriunda de clima mediterrâneo (chuvas de inverno): Eucalyptus globulus. Já no Brasil Eucalyptus camaldulensis vem do leste da Austrália, com clima monsônico (chuvas de verão), semelhante ao nosso. Logo decidiu-se no instituto de Placerville a trabalhar com o gênero Pinus e foram trazidos para lá sementes de quase todos os Pinus existentes, tanto em espécies quanto Melhoramento Florestal Arno Brune 9 procedências. Até hoje tem-se lá talvez a maior coleção de espécies de Pinus. A partir de 1940 a ênfase maior dos trabalhos no instituto foram com hibridação em Pinus. H. von Wettstein na Áustria, começou a trabalhar com hibridação de Populus a partir de 1930. Como a espécie é dióica (árvores distintas para cada sexo) e no inverno perde as folhas ficando apenas com as gemas reprodutivas e vegetativas, ele introduziu inovações na técnica de hibridação: no final do inverno, ainda não havendo folhas nem flores nas árvores, coletava ramos masculinos e femininos separadamente, colocava em jarras de água corrente dentro de estufas separadamente por sexo, coletava o pólen na época correta, esperava a abertura dos estigmas dos ramos femininos e aplicava o pólen da espécie desejada, esperando apenas pela formação de sementes híbridas, que então coletava para seus ensaios. Anteriormente a von Wettstein os trabalhos eram mais penosos, trabalhava-se sôbre escadas subindo nas árvores (durante o inverno gelado daquela região alpina) originais e com isolamento das flores femininas para evitar a interferência de pólen de outras árvores que se difundia na atmosfera na primavera. A técnica de coleta de galhos para hibridação não funciona para a maioria dos gêneros de árvores, como Pinus spp., por exemplo. Seus trabalhos resultaram em muitos híbridos que foram propagados vegetativamente (clonados) e utilizados em programas avançados de mais hibridação. A partir de 1930 sob a liderança de Carl Heimburger na Estação Experimental Florestal de Petawawa em Ontario, Canadá, ainda foram produzidos muitos híbridos de Populus para aquela região. c) Programas de melhoramento florestal (1930-1940) Os trabalhos feitos antes de 1930 sempre caíam na categoria de procedência ou de hibridação. Entendeu-se que estas não eram as únicas linhas de pesquisa que poderiam trazer resultados benéficos, e a partir desta época procurou-se englobar ambas em trabalhos com cada espécie, e usar outras técnicas como seleção, bem como incluir ainda áreas de atividade como fisiologia, nutrição, manejo e outras afins. Um dos primeiros nomes associados aos programas mais amplos de melhoramento florestal foi C. Syrach Larsen na Dinamarca. Começou a cruzar Larix decidua europeu com a espécie Larix leptolepis do Japão, obtendo híbridos que apresentavam heterose (vigor híbrido), ou seja, cresciam mais rápido do que ambas espécies progenitoras. Ele não se limitava a produzir híbridos entre as duas espécies, como selecionava bem os pais para melhor resultado. Fez estudos e aproveitou para seus ensaios a variação natural que ocorre dentro de ambas espécies. Da mesma forma trabalhou com híbridos entre Populus tremula e Populus tremuloides, com êxito semelhante. Além dos híbridos F1 entre espécies, levou estes a F2 e a retrocruzamentos (cruzamento do híbrido F1 com uma espécie progenitora, por exemplo F1 de Larix leptolepis x Larix decidua cruzado com Larix leptolepis). Larsen foi um dos pioneiros em melhoramento florestal no sentido que formou muitos pesquisadores e professores de outros países e também escreveu o primeiro livro sobre melhoramento florestal: Genetics in Silviculture . Syrach Larsen trabalhou na Tailândia com teca (Tectona grandis) e publicou até em 1958 ainda trabalhos sobre teca e que não perderam nada de sua importância. Na Associação Sueca de Genética Florestal, a partir de 1936, começou-se a estudar outros aspectos de melhoramento: os efeitos de endogamia e poliploidia em árvores. Começaram-se a fazer bons ensaios de progênie (estudando os descendentes de uma árvore ou de um cruzamento cada vez). O importante foi que começaram a usar-se técnicas estatísticas para delineamento e avaliação de experimentos, o que levou a um Melhoramento Florestal Arno Brune 10 desenvolvimento muito grande na genética quantitativa, importante no melhoramento florestal, especialmente. A citologia de árvores florestais começou a ser estudada por Karl Sax no Arboreto Arnold da Universidade de Harvard, na década de 1930. Hoje se estudam todas as facetas do melhoramento florestal naquele arboreto. d) Melhoramento florestal depois da II Guerra Mundial Depois da Segunda Grande Guerra (1939-1945) houve um desenvolvimento explosivo das ciências no mundo todo, e nisto foi acompanhado também pela genética florestal. Houve o estabelecimento de grandes plantios florestais, especialmente nos Estados Unidos e conheciam-se os conceitos de evolução orgânica de S. Wright, Th. Dobzhansky e G. L. Stebbins, a estrutura do DNA, além dos métodos de estatística experimental de Fisher; todos contribuindo para o desenvolvimento de melhoramento florestal, especialmente nos Estados Unidos, Canadá e Europa. Pode-se reconhecer quatro fatores que contribuíram para o desenvolvimento de melhoramento florestal, que são: 1) Importância do trabalho em equipe; 2) Importância do treino adequado; 3) Importância da comunicação; 4) Importância da combinação pesquisa-aplicação. Trabalho em equipe. Especialmente nos Estados Unidos reconheceu-se que era importante trabalhar em equipe, isto é: que o somatório do trabalho de dois pesquisadores em conjunto, pode ser mais que a simples soma de seus trabalhos individuais. E trabalhando-se em equipe mais ampla, que envolve por exemplo melhoristas, botânicos, dendrólogos, biólogos, especialistas em nutrição florestal e manejo, por exemplo, pode-se conseguir resultados bem mais completos do que isoladamente, de mais impacto e aplicação prática. Nesta época começaram a surgir institutos de melhoramento florestal que incluíam cientistas de outras áreas com os quais se relacionava o melhoramento florestal. Os institutos mais conhecidos da época foram: Placerville na Califórnia, Rhinelander em Wisconsin, Gulfport em Mississippi, todos nos Estados Unidos, ainda Schmalenbeck na Alemanha, Suwon na Coréia do Sul. Placerville destaca-se pelos seus trabalhos com Pinus spp., Rhinelander com Populus e Pinus, Schmalenbeck con espécies centro-européias e Suwon especialmente com a hibridação de Pinus rigida com Pinus taeda, ambos originários dos Estados Unidos. Naturalmente hoje há muito mais institutos ligados a pesquisa em melhoramento florestal em todo o mundo, inclusive no Brasil. Treino adequado. O treino em universidades boas é considerado essencial para poder fazer boa pesquisa, e este treino pôde ser obtido mais amplamente depois da segunda guerra mundial. Comunicação. Depois do grande conflito mundial, foi mais fácil para os cientistas trocar idéias, técnicas e conhecerem-se mútuamente, pois começaram a surgir novas organizações e sociedades científicas que realizavam congressos e treinamento e publicavam seus trabalhos em revistas científicas. Melhoramento Florestal Arno Brune 11 Combinação pesquisa x aplicação. Foi um fator essencial para o desenvolvimento do melhoramento florestal, pois havendo grandes plantações de espécies florestais, interêsse das firmas reflorestadoras em pesquisa, e o pesquisador necessitando de grandes áreas para implantação de seus experimentos, houve uma coincidência de interesses que, combinada, resultou em êxito em muita parte do mundo, com produção maior e de melhor qualidade. Em geral os cientistas estão ligados a universidades ou instituições de pesquisa que normalmente não podem dispor de áreas grandes, muitos menos de mão de obra abundante e talvez com interêsses mais amplos, incluindo talvez outros tipos de pesquisas (não só na área florestal). Houve a formação de cooperativas universidades- firmas como a do pioneiro de melhoramento florestal nos Estados Unidos: Bruce J. Zobel. Zobel começou a trabalhar no Texas, depois na Universidade da Carolina do Norte em Raleigh, onde em 1956 fundou a cooperativa de melhoramento florestal, que se dedicava a melhorar principalmente Pinus taeda (loblolly pine) e algo com Pinus elliottii (slash pine) de grande importância no sudeste nos Estados Unidos, e no Brasil também a partir de sua introdução no país, na mesma década. A cooperativa congregava umas duas dezenas de firmas reflorestadoras e a universidade. Hoje a cooperativa já congrega até firmas que trabalham em todo o mundo e com muito mais espécies do que aquelas duas. O impacto da cooperativa fundada pelo Professor Zobel foi tão exemplar que foi seguido por muitas outras universidades como as do Texas e Flórida, entre outras. No Brasil o exemplo foi seguido pela ESALQ e Viçosa primeiramente, depois por muitas outras, e também aqui este modêlo foi coroado de muito êxito. e) Melhoramento florestal no Brasil No Brasil Edmundo Navarro de Andrade, à procura de espécies adequadas principalmente para dormentes na Companhia Paulista de Estradas de Ferro, introduziu espécies de eucalipto nos anos que se seguiram a 1904. Foram plantadas em lotes contíguos em Rio Claro, interior de São Paulo. Lá houve espécies que se destacaram pelo crescimento, ainda que poucas realmente se prestassem para dormentes. Ao colher sementes nos lotes de árvores de interêsse, o crescimento das árvores provenientes destas sementes raramente mostravam características tão boas quanto nos plantios originais. Havia muito mais heterogeneidade do que dentro da espécie escolhida para sementes. Gerações subseqüentes em geral eram mais heterogêneas ainda. Foi só na década de 1960 que se reconheceu que o que estava ocorrendo era uma grande hibridação, especialmente dentro do sub-gênero Symphyomyrtus, que inclui espécies como: E. paniculata, E. alba, E. camaldulensis, E. tereticornis, E urophylla, E. viminalis, E. botryoides, E. grandis, E. robusta, E. saligna e outras. Na Austrália a maior parte das espécies são alopátricas (vivem em regiões geográficas distintas). No Brasil foram plantadas juntas. Na Austrália em geral havia épocas de floração distintas e restritas no tempo para cada espécie; no Brasil a floração no novo ambiente ocorria em período muito mais amplo e os períodos de floração em grande parte sobrepunham-se. Portanto houve ampla possibilidade de hibridação dentro do gênero, e esta ocorria livremente. É possível também que na Austrália cada espécie tivesse algum polinizador específico, aqui já não, talvez um polinizador visitasse flores de espécies diferentes, levando o pólen de uma espécie a outra e propiciando a aparição de híbridos. Tudo foi mais complicado ainda pelo fato de ter-se introduzido E. urophylla do Jardim Botânico de Bogor, Indonésia, com o Melhoramento Florestal Arno Brune 12 rótulo errado de E. alba, uma espécie que ocorre na Austrália e Indonésia, enquanto E. urophylla ocorre exclusivamente na Indonésia (Ilhas da Sonda: Ilhas de Flores, Alor Wetar e Pantar). Ao tentar introduzir mais sementes do que estava rotulado como E. alba no Brasil, chegavam sementes da Austrália que não correspondiam ao E. alba (na verdade E. urophylla) conhecido no Brasil. A confusão talvez seja explicada pelo fato de que nas Ilhas da Sonda ambas as espécies ocorrem naturalmente, mas E. alba em menor altitude; do nível do mar a 700m de altitude, enquanto E. urophylla ocorre de 500m até 2.000 m. Portanto na faixa de 500 m a 700 m ambas aparecem juntas e podem cruzar-se. Depois de perceber que tínhamos problemas com hibridação na década de 1960, foram feitas novas introduções de eucalipto da Austrália, mas também da antiga Rodésia, hoje Zimbábue, bem como da República da África do Sul, que dispunham de excelentes plantios especialmente de E. grandis e E. saligna, duas espécies que se distinguiam também no Brasil pela sua taxa de crescimento e forma. Nessa época havia incentivos fiscais concedidos pelo IBDF (hoje IBAMA) do govêrno brasileiro e começaram a surgir grandes firmas de reflorestamento no Brasil, especialmente no sul e sudeste do país. Houve principalmente dois nomes pioneiros associados ao início do melhoramento florestal no Brasil, que naquela época estava ligado práticamente a reintroduções de eucalipto. Os nomes foram Yone Penteado de Castro Pásztor no Instituto Florestal em São Paulo, e Lamberto Golfari, italiano naturalizado argentino que veio trabalhar no Brasil a convite da FAO. Os dois trataram independentemente um do outro de introduzir ao país, com as devidas precauções de isolamento, as espécies mais interessantes para nós. Golfari trabalhou muito com empresas e lançou uma rede de ensaios muito bem estabelecida no PRODEPEF e fez estudos importantes de comparação climática (déficit hídrico) das regiões de ocorrência das espécies em seu país de origem e no Brasil, tanto em Minas Gerais quanto no Nordeste, enquanto a Dra. Yone se limitou à sua área de atuação, o estado de São Paulo, pois trabalhava para o Serviço Florestal do Estado de São Paulo. Deve-se citar ainda Helmut Paulo Krug e outros, que introduziram o Pinus elliottii e Pinus taeda ao Brasil ainda na década de 1950, com muito êxito. Também trabalharam no Serviço Florestal do Estado. Interessante foi que E. urophylla, tendo sido erroneamente chamado de E. alba, levou a introduções de E. alba da Australia, uma espécie de características totalmente diferentes de E. urophylla, e de pouco interêsse econômico para nós, apesar que se cruzam na Indonésia, talvez daí tenha se originado a confusão. Logo se viu que o que se tinha aqui e se desejava, foi E. urophylla. Novas introduções, plantios em massa devido aos incentivos fiscais (de há muito extintos), interêsse de firmas grandes, tudo levou a um progresso muito grande na área de melhoramento florestal. Houve firmas como a Aracruz Celulose que, com Edgard Campinhos Junior e Yara Ikemori à frente, aplicando técnicas de reprodução vegetativa, seleção e hibridação, levou a grandes plantios clonais que são importantes hoje para a produção de celulose do país. As técnicas são usadas na maioria das firmas que plantam eucalipto no país, e hoje são importantíssimas para a produção de divisas. Há, naturalmente, muitos nomes associados a todos esses progressos, em várias firmas, na EMBRAPA, nas universidades e estações experimentais, que não daria para mencionar algum, deixando injustamente de fora tantos outros. No entanto cabe mencionar que o progresso não foi apenas em melhoramento florestal, acompanhou também neste progresso o manejo das plantações, nutrição e adubação de plantios, e vários outros em que o Brasil pode se orgulhar de ser pioneiro e um dos países mais adiantados na área. Melhoramento Florestal Arno Brune 13 Associaçõescomo as que congregam universidades e firmas têm também dado sua grande contribuição. Melhoramento florestal no Brasil já há muito não se restringe mais a estudos com Eucalyptus spp. e Pinus spp., dois importantes gêneros exóticos, mas a várias espécies nativas como seringueira, castanheira, algarrobeira e outras. Os estudos já são muito sofisticados, como variações naturais por características fenotípicas ou químicas, e também com organismos genéticamente modificados, estudo de DNA de algumas espécies, e muito mais. Capítulo II Revisão de alguns conceitos de genética O monge agostinho Gregor Mendel (1822-1884), que tinha estudado história natural em Viena, estabeleceu as bases da genética através de seus trabalhos no mosteiro tranqüilo de Brünn, com ervilhas (Pisum sativum), a partir de 1857. Seus trabalhos foram apresentados na Sociedade de História Natural de Brünn em 1865 e não causaram nenhum impacto. Depois de vários anos após sua morte, foram simultâneamente redescobertos por Tschermak na Áustria, de Vries na Holanda e Correns na Alemanha em 1900 e de aí em diante a genética, de mãos dadas com os novos conceitos de evolução de Darwin, progrediu rápidamente. Mendel morrera dezesseis anos antes que seus trabalhos fossem redescobertos e se lhes desse a importância devida. Mendel examinou a herança de cada caráter separadamente, usando a grande inovação que foi a contagem dos descendentes. Daí pôde deduzir o que são hoje chamadas as leis de Mendel, sobre a herança. Depois de examinar um só caráter cada vez, que levou à primeira lei e segunda lei, estudou dois ou mais caracteres ao mesmo tempo, de onde derivou a terceira lei de Mendel. A primeira lei de Mendel, que êle chamou de regra , frequentemente é omitida dos livros, que usam a segunda e terceira lei como se fossem a primeira e segunda. Primeira lei de Mendel: Do cruzamento de duas linhagens homozigotas resulta um F1 homogêneo Na época não se sabia da existência de genes, aos quais Mendel chamou de fatores . Segunda lei de Mendel (1866) ou Princípio da Segregação: Cada caráter é condicionado por um par de fatores que se separam na formação dos gametas, onde ocorrem em dose simples, isto é, puros . Em seus experimentos com ervilha, uma espécie em que normalmente ocorre a autofecundação (significa que é essencialmente homozigota) o cruzamento de uma planta de flores vermelhas com outra de flores brancas, pode ser assim representada: BB x bb (Vermelha) x (branca) Melhoramento Florestal Arno Brune 14 F1 Bb (vermelha) O gene para vermelho B é dominante sôbre o gene para côr branca b. Cruzando-se duas plantas F1 entre si ou fazendo a autofecundação de uma delas, obteve-se o F2 com as seguintes proporções: 3 vermelhas : 1 branca A explicação é: as vermelhas incluíam as heterozigotas Bb, como em F1; e em número 50% menor as vermelhas BB, homozigotas. Assim, vermelhas: 1 BB + 2 Bb. As brancas estavam numa proporção de ¼ do total, ou seja 1bb. Em F2 os fenótipos estavam na proporção de 3 vermelhas para 1 branca, e os genótipos na proporção de 1 BB : 2 Bb : 1 bb. Caso não houvesse dominância, como nas plantas vermelhas e brancas de Mirabilis jalapa, a flor de maravilha, os resultados seriam: Vermelha BB x bb branca F1 Bb, rosada F2: 1 vermelha: 2 rosadas : 1 branca. Portanto os fenótipos variam, aparecendo as flores rosadas no F1 e em metade das do F2, além da branca e vermelha no F2, dando nesta geração as mesmas proporções genotípicas que no exemplo com ervilhas de flores vermelhas e brancas. A única diferença é que, por falta de dominância, os genótipos heterozigotos são rosados neste caso, quando nas plantas de ervilha davam flores vermelhas, devido à dominância. A terceira lei de Mendel, também chamada de Princípio da Distribuição Independente , pode ser enunciada como: Os fatores para dois ou mais caracteres não se fundem no híbrido, distribuindo- se independentemente para os gametas, onde se recombinam ao acaso Quando se estuda um par de caracteres, como nos exemplos anteriores, fala-se de monohibridismo, ao tratar de dois pares, falamos de dihibridismo, podemos ter também trihibridismo ou mais: polihibridismo. Trabalhando com forma e côr de sementes ao mesmo tempo e nas mesmas plantas, Mendel usou plantas que davam sementes amarelas e lisas e outras que produziam sementes verdes e rugosas. Do cruzamento destas resultava: Sementes amarelas lisas x sementes verdes rugosas F1 todo de amarelas lisas Já por autofecundação destas plantas ou cruzamento entre elas, obteve as seguintes proporções de plantas: Melhoramento Florestal Arno Brune 15 9 amarelas lisas 3 amarelas rugosas 3 verdes lisas 1 verde rugosa Separadamente dá a proporção de: 3 amarelas: 1 verde, e de 3 lisas : 1 rugosa. A explicação genética está no seguinte quadro (amarela lisa)VVRR x vvrr (verde rugosa) F1 VvRr (amarela lisa) Por autofecundação do F1 aparecem as seguintes combinações: VR Vr vR vr VR VVRR am lis VVRr Am lis VvRR amlis VvRr am lis Vr VVRr am lis VVrr am rug VvRr am lis Vvrr am rug vR VvRR am lis VvRr Am lis vvRR ve lis vvRr ve lis vr VrRr am lis Vvrr am rug vvRr ve lis vvrr ve rug Se contarmos as proporções, verificaremos que temos as seguintes: 9 amarelas lisas : 3 amarelas rugosas : 3 verdes lisas : 1 verde rugosa Se fizéssemos um retrocruzamento do F1 com o progenitor recessivo verde rugoso, obteríamos: VR Vr vR vr vr VvRr 1am lis Vvrr 1am rug vvRr 1 ve lis vvrr 1 ve rug O cruzamento mostra as proporções dos genes no F1, já que os gametas só se combinam com genes recessivos do retrocruzamento com recessivo. Vê-se que os fatores de dois ou mais alelos não se fundem, mas segregam independentemente nos descendentes. Antes de Mendel se falava que os filhos recebiam fluidos ou sangue dos pais (daí o têrmo puro-sangue , meio sangue , etc. até hoje). Os fatores, hoje chamados de genes, não se fundiam no híbrido, aparecendo de novo em gerações adiantadas em proporções bem definidas. Melhoramento Florestal Arno Brune 16 Desenvolvimento e Herança. Na reprodução sexuada cada indíviduo é iniciado pela união de duas células especializadas chamadas de gametas (óvulo ou grão de pólen) que se fundem para formar uma célula chamada de zigoto. O indíviduo e cada célula de seu corpo é descendente da célula original, o zigoto, não importando a complexidade que o indivíduo possa atingir. Portanto todas as células de um indivíduo têm o mesmo número de cromossomos e a mesma constituição genética, mesmo que as funções de cada célula possam ser totalmente diferentes. Pinus sp. tem 24 cromossomos em cada célula, Pseudotsuga menziesii tem 26, Populus sp. tem 38, Eucalyptus sp. 22, etc. Estrutura celular. A célula vegetal consta essencialmente de parede celular, citoplasma e núcleo. No citoplasma dá-se a assimilação, crescimento e respiração da célula; o metabolismo. O núcleo é um corpo especializado que dirige as atividades metabólicas de grande parte da célula. No núcleo estão os cromossomos e seus genes (exceto os extra-nucleares), portanto é o lugar em que se encontra o material genético. O processo através do qual o núcleo se divide para dar formação a dois novos núcleos para duas novas células, mantendo a mesma constituiçãocromossômica da célula original, é chamado de mitose. Mecanismo da mitose. Durante a mitose pode-se seguir o comportamento dos cromossomos, e ver de que maneira o seu número permanece constante através das gerações de células. Há diversos estágios definidos arbitráriamente para seguir-se um processo mitótico contínuo, que dura de minutos a horas para completar-se. Há poucos detalhes estruturais do núcleo, que parece homogêneo. Os cromossomos parecem filamentos longos, espiralados, soltos e sua duplicação se inicia. Melhoramento Florestal Arno Brune 17 Os cromossomas se encurtam e sua duplicação se torna aparente; cada cromossoma originando duas cromátides irmãs. Os cromossomos alinham-se para uma posição ordenada na região equatorial. Os cromossomos originais e recentemente duplicados (as cromátides irmãs) separam-se indo a polos opostos da célula. Os cromossomos alongam-se e a parede celular que separa as novas células é formada. Os cromossomos assumem a mesma forma alongada da interfase originial. O resultado da divisão mitótica são duas células com a mesma constituição genética da célula original. Como todas as células somáticas do organismo são formadas por este processo, todas as células têm a mesma constituição genética, estejam elas em Melhoramento Florestal Arno Brune 18 galhos, folhas, raízes, câmbio ou outro tecido. Por isso todos os galhos de uma mesma árvore têm a mesma constituição genética. A reprodução vegetativa por enxertia ou estaquia reproduz geneticamente o mesmo indíviduo que a árvore original. Portanto, no pomar clonal, as árvores (ramets) que são provenientes de estaquia de uma árvore mãe (ortet), todas têm o mesmo genótipo, formando em conjunto um só clone. A hereditariedade e a transmissão de qualidades genéticas de pais a descendentes e o processo de divisão nuclear pelo qual isto ocorre chama-se meiose. A meiose é uma forma de divisão celular em que, à diferença da mitose, o complemento cromossômico é dividido ao meio. Este tipo de divisão permite que haja a reprodução sexual. A redução do número cromossômico é necessária, pois o zigoto recebe metade de sua constituição genética de cada progenitor. Se não houvesse redução cromossômica, cada geração teria duas vezes o número de cromossomos da geração anterior. A redução cromossômica é tal, que cada célula ovo (óvulo) ou grão de pólen recebe um tipo de cada cromossomo, (nunca dois cromossomos de um só progenitor e nenhum cromossomo do outro). Estágios da meiose: O núcleo parece homogêneo; os cromossomos parecem filamentosos longos, enovelados. É o período de duplicação cromossômica. Os cromossomos se encurtam e os homólogos juntam- se e pareiam-se ponto por ponto. A duplicação evidencia- se. Os pares cromossômicos mudam de um arranjo casualizado a uma posição ordenada na região equatorial. Pares semelhantes separam-se, com um de cada tipo de cromossoma locomovendo-se a pólos opostos da célula. A distribuição de membros (cromossomos filhos) de cada par é ao acaso. A parede célula é em geral formada durante o final da telófase I. Melhoramento Florestal Arno Brune 19 A Interfase II pode não existir em certos organismos. Os cromossomos de cada nova célula novamente se alinham na região equatorial, após terem passado pela prófase II e, as mesmas mudanças descritas para a prófase. As cromátides irmãs se separam e movimentam-se a pólos opostos das células. Paredes celulares são formadas ao mesmo tempo que certos outros desenvolvimentos para formar quatro células novas (gametas). Estas têm agora metade do número original de cromossomos, mas todas têm um cromossomo de cada tipo. Comparação entre meiose e mitose. Melhoramento Florestal Arno Brune 20 Micorsoporogênese e macrosporogênese. (Sousa Bueno, L. C., Guimaraes Mendes, A. N, Pereira de Carvalho, S. Melhoramento Genético de Plantas, Princípios e Procedimentos, 282 pg, Lavras, UFLA, 2001) A meiose ocorre nas plantas apenas nas células que irão formar os grãos de pólem e os óvulos. A formação de grãos de pólen é chamada de microsporogênese e a de óvulos de macrosporogênese. Microsporogênese: é nas células-mãe do micrósporo que ocorre a meiose, e estas células estão inseridas em cavidades das anteras imaturas. Como a meiose consiste de duas divisões sucessivas, formam-se tétrades de quatro micrósporos, que se transformam em grãos de pólen. (só nesta fase é que ocorre a meiose, depois e antes dela só ocorrem mitoses). No grão de pólen imaturo, a divisão do núcleo resulta em Melhoramento Florestal Arno Brune 21 dois: o vegetativo e o generativo. O núcleo generativo se divide mais uma vez, formando dois núcleos espermáticos. Portanto o grão de pólen apresenta três núcleos: o generativo e dois espermáticos. A célula-mae ou megasporócito, dentro do óvulo, sofre a meiose produzindo uma tétrade de quatro megásporos. Três degeneram, o quarto sofre mitoses sucessivas. Através destas se forma o saco embrionário com oito núcleos: dois constituem a sinérgida e tem a seu lado o terceiro que é a oosfera; três outros estão do lado oposto formando as antípodas, os dois outros estão na parte central do saco embrionário. Agora pode ocorrer a polinização e fertilização. Na polinização, os grãos de pólen chegam ao estigma. Aí germinam, emitindo um tubo poliníco. Este chega até a micrópila, penetrando no óvulo. Aí são despejados os dois núcleos espermáticos. Um dos núcleos espermáticos funde-se com a oosfera, formando o zigoto, 2n, completando a fertilização para formação da celula inicial do embrião. O outro funde- se com os dois núcles polares, dando origem ao endosperma, que é então triplóide (3n). O endosperma é tecido de reserva, que é absorvido na formação do embrião; em outras espécies na germinação. O zigoto dará desenvolvimento ao embrião, todo êle então formado a partir da fusão de um núcleo espermático e da oosfera. Portanto a nova planta resultante da germinação daquela semente que contém o embrião é resultante da combinação de dois materiais genéticos distintos, vindo metade da planta que produziu o pólen e a outra metade da planta que produziu o óvulo, as flores fertilizadas e sementes. Os cloroplastos e as mitocôndria são de herança extra-nuclear e oriundos apenas da planta mãe, ou seja, a que produz as sementes. O material genético. Melhoramento Florestal Arno Brune 22 O material genético dos cromossomos é o DNA (ácido desoxirribonucléico pela sua sigla em inglês). O DNA consiste de duas cadeias polinucleotídicas pareadas numa hélice. Cada cadeia consiste de grande número de nucleotídeos. Há quatro bases que compõem os nucleotídeos: adenosina (A), timina (T), guanina (G) e citosina (C) no DNA. O A de uma cadeia sempre se liga ao T da outra através de duas ligações hidrogeniônicas. O C e o G estão ligados entre si através de três ligações hidrogeniônicas. Cada nucleotídeo no DNA consiste de uma base (purinas: adenina e guanina; pirimidinas: timina e citosina), uma molécula de açúcar (desoxirribose) e um fosfato. O DNA tem duas funções na célula: 1) Duplicar-se; 2) Provocar a formação de proteínas. Para duplicarem-se as duas cadeias separam-se e ao mesmo tempojá se formam sôbre as cadeias separadas as novas cadeias complementares. Qualquer êrro na cópia de um complemento de uma cadeia que não for corrigido imediatamente pela enzima adequada, resulta numa mutação. A duplicação ocorre por ocasião, especialmente mas não exclusivamente, da divisão celular, seja meiose ou mitose. Para a formação de proteínas, copia-se apenas uma das cadeias polinucleotídicas, mas não se forma outra cadeia de DNA; porém agora se forma sôbre o molde do DNA uma cadeia de ácido ribonucléico (RNA), neste caso de RNA-m, ou RNA- mensageiro. A diferença entre DNA e RNA reside principalmente no fato de que o RNA só tem uma cadeia simples e não duas, e por ter uracila no lugar de timina. Sobre o DNA forma-se RNA, então chamado de RNA-mensageiro (RNA-m). Este processo da cópia da mensagem genética contida no DNA chama-se transcrição. O RNA-m passa pela membrana nuclear, entra no citoplasma e passa por partículas chamadas de ribossomos. Nos ribossomos ocorre a tradução da mensagem contida no RNA-m em aminoácidos. Cada três bases codificam um aminoácido, ou a mensagem de iniciar a fazer a cadeia polipeptídica (constituída de vários aminoácidos) ou parar de fazê-la. À medida que o RNA-mensageiro passa pelo ribossomo, forma-se uma cadeia de aminoácidos, cada um é adicionado conforme o código genético. A cadeia polipeptídica, em geral é uma enzima que catalisa reações químicas dentro do citoplasma. O DNA no núcleo fica em grande parte mascarado, isto é, está encoberto por proteínas que não deixam que todo o DNA se manifeste através da formação de enzimas. Apenas pequena parte do DNA se manifesta de acôrdo com o metabolismo que a célula deve exercer naquela parte do organismo e naquela ocasião, dependendo da necessidade. O código genético, através do qual sabemos que seqüência de três bases se traduz em qual aminoácido, é dado por: Melhoramento Florestal Arno Brune 23 2ª. Base 1ª. Base U C A G 3ª. Base U Fenilamina Leucina Serina Tirosina Terminar Cisteína Terminar Triptofano U C A G C Leucina Prolina Histidina Glutamina Arginina U C A G A Isoleucina (iniciar) Metionina Treonina Asparagina Lisina Serina Arginina U C A G G Valina Alanina Ácido aspártico Ácido glutânico Glicina U C A G Uma mensagem no DNA nuclear que tivesse a seguinte seqüência: TACGAGTTTACT seria transcrito em RNA-m como AUGCUCAAAUGA e seria traduzida no ribossomo como: inicie-leucina-lisina-termine. Naturalmente a cadeia polipeptídica é bem mais longa do que neste exemplo de dois aminoácidos apenas. Mudanças genéticas a nível nuclear Às vêzes ocorrem mudanças na constituição genética que são hereditárias e passam então de pais a descendentes e aparecem subitamente como erros na divisão celular ou nas células reprodutivas. As mudanças podem ser estruturais, mutacionais ou numéricas. Mudanças estruturais ocorrem no DNA de um núcleo, em que pode haver a inversão de parte do cromossomo ou ainda sua translocação para outro cromossomo. A mudança mutacional ocorre ao nível da seqüência de bases do DNA, por exemplo, podendo não ser copiadas uma, duas ou mais bases, ou ainda uma base mais vêzes do que uma só vez, ou simplesmente copiar errado a base. Em todos os casos o RNA- mensageiro sai diferente do que originalmente seria sem a mudança, assim a cadeia polipeptídica também é diferente do que se não tivesse ocorrido a troca, duplicação ou falta da base. Em geral as mutações deste tipo são corrigidas por processos da célula, mas quando se fixam, em geral produzem enzimas não-funcionais e prejudicam os descendentes que a portam. A maior parte das mutações não favoráveis são descartadas, as que não o são prejudicam os descendentes. Há muitas mutações neutras, que não fazem diferença, e muito raramente há mutações que podem trazer vantagens para os seus portadores. Mudanças numéricas ocorrem na poliploidia ou polissomia. Um individuo poliplóide tem, em vez dos normalmente 2n cromossomos, 3n ou até mais. Já o polissômico tem apenas um cromossomo a mais em um par de cromossomas qualquer, ou seja 2n + 1, ou ainda 2n + 2, 2n + 3, etc. Mudanças numéricas dificilmente sobrevivem em animais superiores, como na síndrome de Down, porém são toleradas em muitas plantas. Melhoramento Florestal Arno Brune 24 Caracteres quantitativos Caracteres quantitativos são aqueles que mostram somente uma pequena variação de um para outro, e são numerosos, em geral há poucos genes qualitativos (com dominância simples como estudou Mendel, por exemplo). Tais caracteres são mais bem expressos em têrmos de medida como metros, quilogramas, etc. Devido a isso são freqüentemente chamados de caracteres métricos. Não podem ser identificados por um ou dois pares de genes maiores, mas em vez disso dependem da ação e interação de vários genes. Para uma análise genética deste tipo de caracteres, analisar uma só progênie (os descendentes de um indivíduo ou de um cruzamento) não é suficiente; é necessário examinar várias progênies e populações maiores. Nos caracteres métricos ou quantitativos normalmente há um forte componente ambiental atuando na variação dos mesmos. Grande parte das características métricas, como crescimento em altura ou diâmetro de fuste, teor de lignina ou celulose, não apenas são determinados por grande número de pares de genes, mas em muitos destes não há dominância, e outros dependem de genes epistáticos. Epistáticos (ação da epistasia) são genes, que para manifestar-se, dependem de outro gene estar presente em outro lócus. Portanto, os caracteres quantitativos, não só dependem de muitos pares distintos de genes, também podem depender de genes epistáticos e de um geralmente forte componente ambiental, ou seja, da interação do genótipo com o ambiente. Como exemplo simplificado usando dois pares de genes apenas, para ilustrar (sempre há muitos pares de genes neste tipo de caracteres): Crescimento em altura para determinada espécie de árvore em determinadas condições ambientais e determinada idade: a) O crescimento em altura nas condições de ambiente e certa idade para um indivíduo bbrr (dihíbrido homozigoto recessivo) é de 10 m. b) Cada lócus na forma dominante produz um efeito de 2m a mais (o homozigoto dominante BBRR mede 18m). Exemplo 1. Progenitores de diferentes alturas. BBRR x bbrr 18m 10m F1 BbRr 14m Toda a primeira geração (F1) terá a mesma altura de 14m. Por cruzamento de dois indivíduos desta geração F1 obtém-se: BbRr x BbRr 14m 14m F2 Melhoramento Florestal Arno Brune 25 Como sempre ocorre em caso de esquemas de cruzamento usando indivíduos de mais de uma forma (alelos) para muitos dos genes, a geração F2 será muito mais variável do que foi a geração F1, esta sendo no entanto bastante uniforme em torno dos 14 m. Há na geração F2 nove genótipos distintos e o número de fenótipos são de cinco, como se pode verificar abaixo. Genótipos F2 = 9 Fenótipos F2 = 5 Genótipo Fenótipo Proporção de indivíduos Fenótipos Proporção BBRR 18m 1 18m 1 BBRr 16m 2 16m 4 BbRR16m 2 14m 6 BBrr 14m 1 12m 4 BrRr 14m 4 10m 1 bbRR 14m 1 16 Bbrr 12m 2 bbRr 12m 2 Bbrr 10m 1 16 Fatores importantes a saber: 1) As razões fenotípicas F2 neste caso não são as mesmas do que quando tínhamos uma condição de dominância absoluta (15 de 18 m para 1 de 10m). Em ambas as situações, porém, há mais progênie parecida com os progenitores F1 do que qualquer outro tomado individualmente; 2) É possível obter no F2 alguns fenótipos que são melhores (mais altos) ou piores (mais baixos) do que os progenitores F1; 3) A frequência dos tipos diferentes na geração F2 segue bastante de perto a distribuição normal, pois há influência ambiental e outras interações genéticas, resultando numa curva do tipo: Exemplo 2. Progenitores de alturas iguais BBrr x bbRR 14m 14m BbRr 14m F1 Note-se que a progênie F1 tem o mesmo fenótipo dos pais (14m). Obtendo-se a geração F2 por cruzamento de dois indivíduos F1, teremos: F1 x F1 BbRr x BbRr (14m) (14m) F2 As razões genotípicas e fenotípicas no F2 são idênticas àquelas do exemplo 1, isto é: Melhoramento Florestal Arno Brune 26 Genótipo Fenótipo Proporção de indivíduos Fenótipos Proporção BBRR 18m 1 18m 1 BBRr 16m 2 16m 4 BbRR 16m 2 14m 6 BBrr 14m 1 12m 4 BrRr 14m 4 10m 1_ bbRR 14m 1 16 Bbrr 12m 2 bbRr 12m 2 Bbrr 10m 1 16 Resumo dos fatos importantes: 1) Devido ao fato de a progênie F1, no exemplo 2, não ter sido melhor nem pior (mais alta ou baixa) do que seus progenitores (progenitores e F1 todos de 14m), poderia se ter imaginado que a constituição genética era a mesma de todos (fixa ou homozigota), não podendo, portanto, haver melhoramento a ser obtido numa geração posterior (F2 e subseqüentes); 2) Ao estender-se, no entanto, o cruzamento para uma geração adiante, ao F2, apareceu uma visão bem mais clara da verdadeira situação genética; 3) No F2 foram obtidos indivíduos mais baixos e mais altos do que seus progenitores no F1 e seus avós. Isto demonstra de que maneira caracteres podem ser transmitidos de uma geração a outra (pais a F1), sem que sejam percebidos, e não aparecem por algumas gerações. 4) Estes resultados demonstram como podemos obter progênie superior aos pais, e também de que maneira pais superiores geneticamente podem produzir progênie inferior pela simples segregação independente e recombinação ao acaso. 5) O que queremos em genética e melhoramento para a maioria dos caracteres é combinar o maior número possível de genes dominantes e desejáveis no maior número de indivíduos. 6) Melhoristas florestais, tais como melhoristas de milho, gado ou outros, nunca conseguirão obter todos os genes desejáveis em todos os locos, mas por seleção cuidadosa e testando sempre, podem continuar a aumentar o seu número e obter melhoramento através das gerações subseqüentes. 7) A hibridação entre espécies, tais como ocorreu em Eucalyptus spp. no Brasil, pode no F1 dar alguns híbridos razoáveis e possivelmente com vigor híbrido, porém é possível que na geração subseqüente se obtenha uma variabilidade muito maior ainda em todos os caracteres, excedendo as medidas da população dos avós originais. Capítulo III Variação em espécies florestais Lei e equilíbrio de Hardy-Weinberg Já sabemos que uma população mendeliana é constituída por indivíduos que se entrecruzam . Ou seja, entre estes indivíduos há troca de genes no momento da reprodução para dar origem a seus descendentes. Se os cruzamentos se derem ao Melhoramento Florestal Arno Brune 27 acaso, falamos que há panmixia. Portanto, se as árvores (ou quaisquer outros organismos) se reproduzissem naturalmente por reprodução vegetativa ou autofecundação, não teríamos uma população mendeliana. No entanto, práticamente todas as árvores que conhecemos na natureza, evitam a autofecundação e normalmente não se reproduzem assexuadamente. Portanto, em geral constituem populações mendelianas. Também sabemos que raramente trabalhamos em melhoramento genético florestal com cruzamentos simples como fez Mendel, e ainda, que os genes em geral têm pequenos efeitos sobre a característica, que é determinada pela ação de muitos pares de genes, alguns com ação quantitativa, outros apresentando dominância e ainda outros com efeitos de epistasia ou outras interações entre os mesmos e com o ambiente. Trabalha-se com populações, principalmente na seleção. Portanto, é preciso entender os genes dentro de populações como um todo. Weinberg, na Alemanha e Hardy na Inglaterra, independentemente em 1908 demonstraram o princípio conhecido hoje por Lei de Hardy-Weinberg, segundo a qual, uma população grande e em equilíbrio genético significa que não há seleção, mutação e introdução de genes estranhos tende a manter as freqüências constantes geração após geração . Os genes podem estar frequentes em variadas proporções em uma população. Se um indivíduo puder ser AA, ou Aa ou aa para determinado caráter, ele mesmo só pode conter: 100% dos genes A (indivíduos AA), ou 50% de genes A (indivíduos Aa), ou 0% A, se seu genótipo for aa. Mas a população como um todo, poderia conter qualquer proporção deles, por exemplo: 1 indivíduo AA, 8 Aa e 11 aa. Então a freqüência gênica nesta população P de 20 indivíduos seria: Para A: 2A + 8A = 10A Para a: 8a + 22a = 30a; Isto dá uma proporção de 1A : 3a, ou se quizermos: 25%A e 75%a, que geralmente é expresso por 0,25 A e 0,75a. Digamos que tal população se reproduza ao acaso. Então os gametas produzidos teriam: Os 5% homozigotos dominantes: apenas A Os 40% heterozigotos produzem A e a em iguas proporções; Os 55% homozigotos recessivos produzem sómente a. Dai que os gametas contêm: 0,05 + 0,20 = 0,25 A 0,20 + 0,55 = 0,75 a Pela fecundação estes gametas produzirão a próxima geração, F1, que será constituída de: Indivíduos AA: 0,25 x 0,25 = 0,0625, que significa dizer 6,25% AA Indivíduos Aa: 2(0,25 x 0,75) = 2(0,1875) = 0,3750 ou 37,50% Aa Indivíduos aa: 0,75 x 0,75 = 0, 5625, ou 56,25% aa Vê-se que: 0,0625 + 0,5625 + 0,3750 = 1,0000, ou ainda: 6,25% + 56,25% + 37,50% = 100% Na próxima geração estas árvores produzirão gametas de novo, e estes apresentarão as seguintes proporções: Melhoramento
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