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Brasília-DF. MelhoraMento Vegetal de espécies cultiVadas Elaboração Milena Maria Tomaz de Oliveira Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APrESEntAção ................................................................................................................................. 4 orgAnizAção do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA .................................................................... 5 introdução.................................................................................................................................... 7 unidAdE i introdução ao melhoramento vegetal de espécies cultivadas ................................................. 9 CAPítulo 1 melhoramento vegetal de espécies cultivadas ................................................................ 9 CAPítulo 2 variabilidade genética e sua conservação ................................................................... 19 unidAdE ii dinâmica de populações ................................................................................................................ 30 CAPítulo 1 sistemas reprodutivos das plantas cultivadas ............................................................... 30 CAPítulo 2 melhoramento de espécies autógamas .......................................................................... 36 CAPítulo 3 melhoramento de espécies alógamas ............................................................................ 51 CAPítulo 4 noções de genética quantitativa .................................................................................... 56 unidAdE iii proteção de plantas e biotecnologia vegetal ........................................................................... 66 CAPítulo 1 melhoramento para resistência a doenças, insetos e condições adversas ............ 66 CAPítulo 2 biotecnologia ................................................................................................................... 72 rEfErênCiAS .................................................................................................................................. 83 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. 6 Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 introdução As plantas têm importância singular para a humanidade. Elas apresentam diversas utilizações práticas em vários segmentos. São utilizadas, diretamente, na nossa alimentação e, indiretamente, para alimentação de animais, que fornecerão alimento. Além disso, as plantas possuem inúmeras aplicabilidades, como farmácia (produção de medicamentos), vestuário (algodão, linho e rami), perfumaria, ornamentação, energia (produção de biocombustíveis), habitação etc. Para a indústria farmacêutica, vale a pena ressaltar que grande parte dos princípios ativos utilizados nos medicamentos foi isolada de vegetais (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Na assertiva “O homem depende das plantas para sua sobrevivência”, o sujeito não só é dependente como necessita ferreamente das plantas para sua sobrevivência. A população mundial atinge platôs cada vez mais elevados a cada década. Segundo estudos do “United States Census Bureau”, a população mundial alcançou 6,5 bilhões de habitantes em 2006. Um estudo publicado na revista científica Plos One causou frisson ao afirmar que, em 2050, não teremos comida suficiente para alimentar a população mundial, que, segundo dados da FAO, passará de 9,1 bilhões de pessoas (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015; LIBÓRIO, 2013). Esse crescimento populacional deve ser concentrado, principalmente, nos países menos desenvolvidos da Ásia, África e América Latina. Esses dados mostram um grande desafio que as nações, principalmente as menos desenvolvidas, terão de enfrentar nos próximos anos: aumentar a produção de alimentos em detrimento do aumento no crescimento populacional. Caso contrário, as nações enfrentarão sérios problemas com a questão da fome mundial (LIBÓRIO, 2013; BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). O crescimento populacional ocorre, especialmente, nos centros urbanos e, se apenas uma parcela da população está engajada com a produção de alimentos, o rendimento das culturas agrícolas não é capaz de crescer o suficiente. Em alguns casos, os agricultores estão se deparando com um limite biológico que nem a genética e a Biotecnologia parecem conseguir ultrapassar (RAMALHO, 2008; LIBÓRIO, 2013). Entre as tecnologias que contribuem e continuarão a contribuir para produção de alimentos, frente às necessidades futuras, destaca-se o melhoramentovegetal de plantas. De maneira geral, o melhoramento é uma atividade que atua na geração de novas cultivares, sejam elas anuais ou perenes. Por isso, o melhorista deve tentar prever necessidades futuras (LIBÓRIO, 2013; BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 8 Um desses desafios do melhoramento vegetal é a busca por fontes de energia renováveis. Desse modo, programas de melhoramento frisam a utilização de espécies que possam ser utilizadas para produção de combustíveis alternativos, como é o caso do etanol – cana-de-açúcar ou do biodiesel – mamona, girassol e canola (LIBÓRIO, 2013). A proteção do meio ambiente também está entre os principais desafios para os melhorista. Por isso, existe uma demanda crescente por cultivares que tenham necessidade de menores doses de insumos (adubos e pesticidas) e, especialmente, cultivares com maior resistência/tolerância a pragas e doenças, que atraem diversos seguimentos, principalmente, o setor da agricultura orgânica. Se apenas uma parcela da população mundial decorrente do aumento da urbanização se preocupa com a produção de alimentos, tem surgido um grande problema quanto à diminuição da mão de obra disponível para colheita, fazendo-se necessário o desenvolvimento de cultivares que possam ser colhidos mecanicamente, como nas culturas do feijão, cana- de-açúcar e algodão. O aumento no foco dos consumidores na aquisição de alimentos de qualidade tem aberto oportunidades para os melhoristas, no que se refere ao aumento na concentração de fitoquímicos em alimentos funcionais ou nutracêuticos (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). objetivos » Apresentar um breve histórico a respeito do melhoramento de plantas. » Entender a importância do melhoramento vegetal para a produção de alimentos a nível mundial. » Conhecer os princípios e as perspectivas que envolvem o melhoramento de plantas. » Reconhecer os aspectos básicos que favorecem a viabilidade biotecnológica no contexto do melhoramento de plantas. » Entender os princípios básicos que culminam no aumento da produtividade. » Compreender o papel do melhorista na alteração de características que virão a beneficiar tanto o agricultor quanto a indústria de transformação e o consumidor. » Conceituar as técnicas que favorecem ganhos em produtividade de forma rápida e eficiente. » Conhecer os aspectos relevantes que envolvem a resistência a pragas e doenças empregado no melhoramento vegetal. 9 unidAdE i introdução Ao mElhorAmEnto vEgEtAl dE ESPéCiES CultivAdAS CAPítulo 1 melhoramento vegetal de espécies cultivadas Contextualização histórica do melhoramento de plantas O processo de domesticação das plantas deu origem ao melhoramento de plantas há cerca de 10.000 anos. Inicialmente, os primeiros melhoristas faziam o papel de “artistas”, pois contavam apenas com sua capacidade de observação e intuição para selecionar as plantas (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Na segunda metade do século XVII, por volta de 1694, na Alemanha, Camerarius demonstrou a existência do sexo em plantas e sugeriu a hibridação como um método de conseguir novos tipos. Para alguns historiadores, o melhoramento científico teve início nessa época (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Uma das grandes contribuições para o melhoramento foi dado pelos trabalhos do monge Agostiniano Gregor Mendel (Figura 1), em 1866, responsável por lançar as bases da hereditariedade (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). As leis de Mendel foram redescobertas independentemente por Correns da Alemanha; DeVries da Holanda e Von Tschermak da Austria, em 1900. Wilhelm Johannsen (1903) desenvolveu a Teoria das Linhas Puras, observando que a seleção só era efetiva quando baseada em diferenças genéticas (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 10 UNIDADE I │ INtroDUção Ao mElhorAmENto vEgEtAl DE EspécIEs cUltIvADAs Os principais termos utilizados geneticamente, como gene, genótipo e fenótipo, foram propostos por Mendel. Botânicos, como Edward M. East e George Shull (Estados Unidos), começaram alguns experimentos com autofecundação em milho por volta da primeira metade do século XX, que levariam à obtenção do milho híbrido (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Em 1918, Donald F. Jones propôs o híbrido duplo para cultivares comerciais, o que popularizou o milho híbrido. Na década de 1960, um time de melhoristas liderado pelo Dr. Norman Borlaug (EUA) desenvolveu novas variedades de cereais com maior potencial produtivo, o que foi conhecido por “Revolução Verde”. Por seus trabalhos com melhoramento, Dr. Bourlaug foi agraciado com o Nobel da Paz (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Figura 1. Johannes gregor mendel. Fonte: disponível em: <http://images.google.de/imgres?imgurl=http%3a%2F%2Fcp91279.biography.com%2Fbio_mini- bios_gregor-mendel_sF_hd_768x432-16x9.jpg&imgrefurl=http%3a%2F%2Fwww.biography.com%2Fpeople%2Fgregor-mendel- 39282&h=432&w=768&tbnid=uyuqittyXvFicm%3a&docid=heFnh5J2hnrexm&ei=7ruov6e8c4Kewatvvlhobw&tbm=isch& iact=rc&uact=3&page=1&start=0&ndsp=14&ved=0ahuKewjn5sne9rzmahucd5aKhvvedh0qmwg4Kamwaw&bih=595&b iw=1164>, 2016. Vimos um breve histórico a respeito do melhoramento vegetal de plantas. Nesse contexto, qual sua opinião a respeito da importância dos conhecimentos acerca do melhoramento de plantas no contexto da produção de alimentos? 11 introdução ao melhoramento vegetal de espécies cultivadas │unidade i Para o famoso melhorista americano, Poehlman, o melhoramento de plantas “é a arte e a ciência de melhorar geneticamente plantas para o benefício da humanidade”. Para que tal assertiva esteja correta, a arte do melhoramento fica a cargo da habilidade do melhorista em detectar as diferenças preexistentes nas plantas de interesse econômico (POEHLMAN, 1965). Os primeiros trabalhos dos melhoristas de plantas incluíam, entre outras características, a habilidade de observação, fator preponderante e de extrema importância para a seleção de variedades de interesse utilizadas atualmente. Os processos tecnológicos e as inúmeras exigências científicas contribuíram para que o melhoramento perdesse muito de seu aspecto “artístico”, que envolve deveras o poder de observação, e tem se baseado cada vez mais nos processos científicos. Porém, apesar dos avanços tecnológicos e científicos, o trabalho do melhorista ainda precisa contar com o poder da observação na seleção de plantas de interesse. No dia a dia do melhoramento, muitas vezes, pessoas simples tem maior capacidade de seleção de plantas do que pesquisadores academicamente bem preparados. Para Nikolai Ivanovich Vavilov (Figura 2), um botânico e geneticista russo, o melhoramento de plantas é a “evolução direcionada pela vontade do homem”. Como veremos em outros capítulos, o homem utiliza, no melhoramento de plantas, os mesmos mecanismos que a natureza utiliza para a evolução das espécies. Contribuição histórica de nikolai ivanovich vavilov para o melhoramento de plantas Nascido em Moscou, em 25 de novembro de 1887, Vavilov realizou numerosas contribuições teórico-práticas a respeito do conhecimento da distribuição geográfica, da origem e da dispersão das plantas. Na primeira metade do século XX, Vavilov viajou, durante mais de vinte anos, pelos cinco continentes, colhendo sementes de plantas agrícolas, tais como milho silvestre e cultivado, batata, grãos, forragem, frutas e todo tipo de vegetais. Ao mesmo tempo, recompilava dados sobre os lugares que visitava e sobre os idiomas e culturas de seus habitantes. 12 UNIDADE I │ INtroDUção Ao mElhorAmENto vEgEtAl DE EspécIEs cUltIvADAs Figura 2. nikolai ivanovich vavilov, botânico e geneticista russo (1887-1943). Fonte: disponível em: <http://images.google.de/imgres?imgurl=https%3a%2F%2Fupload.wikimedia.org%2Fwikipedia%2Fco mmons%2Fb%2Fbd%2Fnikolai_vavilov_nYWts.jpg&imgrefurl=https%3a%2F%2Fen.wikipedia.org%2Fwiki%2Fnikolai_vavilov&h =2683&w=2170&tbnid=vmw4iaeykhey6m%3a&docid=5oX-u1f-o1d39m&ei=vhYov4WiF9oswgsZ06vYbw&tbm=isch&iact=r c&uact=3&dur=345&page=1&start=0&ndsp=20&ved=0ahuKewiF-amo97zmahvtlpaKhZnpcnsqmwgdKaawaa&bih=595&biw=1164>, 2016. Sua coleção de sementes chegou a ser a maior do mundo, com, aproximadamente, 200 mil espécies que foram armazenadas e semeadas em mais de 100 estações experimentais na então União Soviética (GRAHAM, 1994). Sua primeira expedição, em 1919, levou-o à Pérsia e, depois, às montanhas de Ásia Central, onde voltaria, anos depois, em três oportunidades. Em 1921, visitou os Estados Unidos, além do Afeganistão, Nuristão, o litoral do mar Mediterrâneo, Oriente Médio – incluindo Síria e Palestina – e o nordeste de África. Depois, foi a vez da China, do Japão e da Coreia. Entre 1930 e 1931, voltou aos Estados Unidos, onde recolheu espécies nos estados da Flórida e Texas e em algumas reservas indígenas. Nessa mesma viagem, atravessou para México e daí para Guatemala. Sua última expedição foi realizada entre 1932 e 1933, visitando El Salvador, Costa Rica, Honduras, Panamá, Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Uruguai, Brasil, Trinidad e Cuba (GRAHAM, 1994). 13 introdução ao melhoramento vegetal de espécies cultivadas │unidade i Em suas viagens, Vavilov registrou que a biodiversidade agrícola estava repartida de maneira desigual: enquanto em alguns lugares sobravam plantas, outros pouco ou nada tinham para oferecer. Também registrou que os lugares com mais biodiversidade agrícola contam com diferentes topografias, tipos de solo e clima e que tendem a estar rodeados de cadeias de montanhas, que evitam as invasões de espécies exóticas. Também determinou que a biodiversidade agrícola vem, na sua maioria, de oito núcleos perfeitamente identificáveis: China (onde se origina a soja), Índia, Oriente Próximo – Ásia Central, sudeste da Ásia, regiões montanhosas da Etiópia, México e América Central (berço do milho), os Andes centrais (de onde vem à batata) e o Mediterrâneo. Ainda hoje, essas áreas geográficas se conhecem como centros Vavilov, verdadeiros refúgios de biodiversidade, essenciais para a alimentação humana. Por exemplo, independentemente de onde se cultive batata ou milho, para serem viáveis, necessitam das variadas cepas que se encontram somente no seu centro de origem (GRAHAM, 1994). O governo da recém-formada União Soviética, depois da Revolução de Outubro, reconheceu a importância das investigações de Vavilov. A partir de 1925, dirigiu o Instituto de Botânica Aplicada e Novos Cultivos de São Petersburgo – também o fez o governo dos Estados Unidos, ao ponto que, na sua segunda viagem a esse país, cria-se a primeira instância de cooperação científica entre Washington e Moscou (GRAHAM, 1994). Tão valorizada era a coleção de sementes de Vavilov, que alguns de seus colegas preferiram morrer de fome durante o cerco de Leningrado pelas tropas da Alemanha nazista, antes de se comerem as sementes armazenadas na estação experimental situada nos subúrbios da cidade. Mas Vavilov não pôde ajudar a proteger sua coleção, pois, nessa época, estava preso na Sibéria. Vavilov morreu, em 26 de janeiro de1943, aos 55 anos, de desnutrição (GRAHAM, 1994). natureza, perspectivas e objetivos do melhoramento Atualmente, o melhoramento de plantas segue bases da Biotecnologia. Em 1953, James Watson e Francis Crick propuseram um modelo para a estrutura do DNA. A partir de então, a biologia molecular teve um grande avanço. As primeiras plantas transgênicas foram obtidas por Herrera Estrella em 1983. Em 1994, chegou ao mercado a primeira cultivar transgênica, o tomate “Flavr Savr” da empresa Calgene (EUA), que podia ser armazenado por mais tempo. A soja “Roundup Ready” da empresa Monsanto, que tem resistência ao herbicida glifosato, chegou ao mercado em 1996 (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 14 UNIDADE I │ INtroDUção Ao mElhorAmENto vEgEtAl DE EspécIEs cUltIvADAs O melhoramento de plantas pode ser considerado como uma ciência aplicada que envolve outras ciências básicas que possuem papel preponderante no entendimento de seus princípios, como Botânica, Genética, Fitopatologia, Entomologia, Estatística, Fitotecnia, Ciência do Solo, Biotecnologia, Tecnologia de Alimentos etc. O papel do melhorista, geralmente, faz parte de programas de melhoramento de plantas que incluem outros especialistas como: geneticistas moleculares, entomologistas, fitopatologistas, fisiologistas, tecnologistas de alimento etc. (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Os programas de melhoramento de plantas, independente da cultura que se está trabalhando, possuem alguns objetivos em comum. Os principais objetivos do melhoramento incluem a alteração de características que irão beneficiar tanto o agricultor (produtividade, resistência a doenças e pragas) quanto a indústria de transformação e o consumidor final (qualidade do produto). De acordo com Bespalhok, Guerra e Oliveira (2015), entre os principais objetivos dos programas de melhoramento, estão os seguintes. I. O aumento na produção de alimentos. Este é o principal objetivo na maioria dos programas de melhoramento. Geralmente, uma nova cultivar só é lançada no mercado quando tem maior produtividade do que as cultivares que já estão sendo plantadas pelo agricultor. II. Incorporação de novas áreas. A adaptação das plantas para novos ambientes de produção é um importante objetivo para muitas culturas. Um bom exemplo de sucesso é o caso da soja. A criação de cultivares de soja com período juvenil longo por pesquisadores da Embrapa foi essencial para a expansão desta cultura para locais de menores latitudes, como o cerrado. III. Aumento da qualidade. O melhorista busca, além da produtividade, aumentar a qualidade das culturas. No caso do feijoeiro, os programas de melhoramento têm procurado genótipos com teores de proteínas maiores. Para o algodoeiro, um dos principais objetivos do melhoramento é aumentar a resistência das fibras. IV. A adaptação das culturas a novos ambientes de produção. Um bom exemplo disso foi o desenvolvimento de cultivares de soja para o cerrado brasileiro, que é o hoje a região com maior produção dessa commodity. 15 introdução ao melhoramento vegetal de espécies cultivadas │unidade i A cultura da soja configura-se na principal oleaginosa produzida no mundo. Além da sua indiscutível importância no mercado internacional de commodities agrícolas, seu valor se justifica por se tratar de um produto bastante utilizado no arraçoamento animal, em que farelo da soja constitui na principal e mais barata fonte de proteína para alimentação de aves e suínos, e por assumir papel fundamental na alimentação humana (IBGE, 2008; MELO et al., 2015). Apesar de a produção de soja, no Brasil, ter se iniciado nos estados da região Sul, atualmente o cultivo da soja se apresenta em quase todos os estados da federação, com destaque para a região centro-oeste, região onde se concentra boa parte do bioma de cerrado e onde a soja encontrou clima e relevo favoráveis ao seu cultivo, a exemplo do estado do Mato Grosso, principal produtor nacional, que, na safra de 2013/2014, atingiu cerca de 264 milhões de toneladas (CONAB, 2014; MELO et al, 2015). A soja (Glycine max) é espécie de dias curtos. Quando plantada em baixas latitudes, seu período vegetativo é muito curto, apresentando florescimento precoce, baixa estatura e baixa produtividade. Incentivos com órgãos de pesquisa como a Embrapa desenvolveram cultivares de soja com período juvenil longo, viabilizando o cultivo no cerrado brasileiro. Essas cultivares não florescem antes que seu período juvenil seja completado, mesmo quando plantadas em condições de dias curtos (CONAB, 2014; MELO et al., 2015). Aumento populacional versos produção de alimentos De acordo com Bespalhok, Guerra e Oliveira (2015), existem duas maneiras de se aumentar a produção de alimentos: aumento da área cultivada pela incorporação de novas áreas ou aumento da produtividade. I. O aumento da área plantada pode ser obtido pela incorporação de áreas ainda não utilizadas para a agricultura. Um bom exemplo é a exploração do cerrado brasileiro ocorrida nos últimos 30 anos. Atualmente,o cerrado é a região com maior produção de grãos do Brasil, tendo como destaque a produção de soja no estado de Mato Grosso. Entretanto, em muitos países, a área para a produção agrícola já está sendo totalmente explorada. Um dos principais problemas em se expandir a área de cultivo é a destruição da biodiversidade natural. Em países como o Brasil, onde ainda é possível expandir a área agrícola, a exploração de novas áreas acarreta esse tipo de problema. Um fato preocupante é que a taxa de crescimento da população mundial tem sido maior do que a taxa de crescimento da área para a produção agrícola. 16 UNIDADE I │ INtroDUção Ao mElhorAmENto vEgEtAl DE EspécIEs cUltIvADAs II. Uma outra forma de aumentar suprir o requerimento por alimentos é aumentando a produtividade, por meio da melhoria do ambiente de produção. A melhoria do ambiente de produção é conseguida com: adubação adequada, bom preparo do solo, controle eficiente de ervas daninhas, pragas e doenças, irrigação, entre outros manejos. Em geral, a melhoria do meio ambiente significa aumento no custo de produção e, em muitos casos, pode causar poluição ambiental. A maneira mais econômica e sustentável de se aumentar a produtividade é por meio da obtenção de cultivares com maior potencial de produção/produtividade. É nesse ponto que o melhoramento de plantas atua. importância do processo de poliploidia na evolução, na domesticação e no melhoramento das plantas cultivadas Os princípios mendelianos solidificaram a ideia de que a hereditariedade se concentrava nos cromossomos que, por sua vez, se comportam normalmente durante os processos de divisão celular, mantendo o cariótipo, isto é, a estrutura e o número de cromossomos inalterado por meio das gerações. Porém, fenômenos anormais, espontâneos ou induzidos, podem provocar alterações no tamanho, na morfologia e no número cromossômico, trazendo, evolutivamente, consequências citogenéticas e genéticas marcantes que podem ser perpetuadas, dando origem a novas espécies vegetais. Das alterações citogenéticas mais importante na especiação e evolução vegetal, cita-se a poliploidia. Esta se refere a células ou organismos cujo genoma se apresenta repetido um maior número de vezes, constituindo, assim, um fator primordial na evolução de espécies silvestres e cultivadas. No século XX, após a redescoberta dos trabalhos de Mendel, muitos pesquisadores dedicaram-se ao estudo da poliploidia em plantas, gerando uma grande quantidade de informação a respeito dos tipos, aspectos evolutivos, ecológicos e taxonômicos, o que possibilitou a manipulação da poliploidia na agricultura. Estudos apontam a divisão dos poliploides em três categorias úteis para o processo evolutivo, são eles: os autopoliploides, os alopoliploides e os poliploides segmentares. Com conjuntos cromossômicos originários de uma única espécie, os autopoliploides caracterizam-se por um aumento no tamanho de flores, frutas e folhas (plantas ornamentais e frutíferas). As espécies autopoliploides, em geral, apresentam baixa fertilidade devido a problemas de pareamento na meiose. Por isso, algumas espécies de particular interesse são propagadas vegetativamente, como a banana (triploide) 17 introdução ao melhoramento vegetal de espécies cultivadas │unidade i e algumas variedades de batata (tetraploide). Nos alopoliploides, os conjuntos de cromossomos são originários do cruzamento de duas ou mais espécies relacionadas. A duplicação dos cromossomos de um alopoliploide gera um anfidiploide, que apresenta maior fertilidade. Comparado com a autopoliploidia, a alopoliploidia teve um impacto muito maior na domesticação das plantas cultivadas (BESPALHOK, 2015). Já os poliploides segmentares são originados pela duplicação dos genomas de espécies próximas o suficiente para apresentarem uma certa homeologia cromossômica (STEBBINS, 1971; SCHIFINO-WITTMANN, 2004). Cerca de 40% das espécies cultivadas são ditas poliploides; 70% das plantas com flores são poliploides (SIMMONDS, 1980; STEBBINS, 1971). Diversos trabalhos têm revelado o importante papel da poliploidia na evolução e diversificação de angiospermas e pteridófitos (SOLTIS e SOLTIS, 1999). Todavia, estudos revelam que, na maioria das plantas, a poliploidia é um processo bastante dinâmico. Em diversas espécies poliploides, a ocorrência de múltiplas origens, bem como extensivas e rápidas alterações cromossômicas e genômicas, influenciaram os padrões de expressão gênica, alterando, por conseguinte, fatores inerentes a cada espécie, como características morfológicas, fisiológicas e ecológicas. A hibridação seguida de poliploidia foi importantíssima na evolução, já que a duplicação cromossômica restaura a fertilidade nos híbridos, regularizando o pareamento meiótico (STEBBINS, 1971). Espécies economicamente importantes, como os alopoliploides trigo, algodão e canola, foram formadas pela hibridação intencional e seleção durante o melhoramento ou como resultado de um evento ancestral de poliploidização natural (SOLTIS e SOLTIS, 1999; OTTO e WHITTON, 2000). Já autopoliploides, como a batata, resultam da duplicação de um único genoma (PIERRE, 2008). De maneira geral, estudos envolvendo alterações citogenéticas do tipo poliploidias em plantas de interesse têm estabelecido questionamentos sobre o que realmente é um verdadeiro diploide (PIERRE, 2008). Estudos genéticos e genômicos têm demonstrado que há uma tendência à diploidização, ou seja, funcionamento do poliploide como se fosse um diploide, tanto no pareamento cromossômico quanto na herança. A fim de diferenciar os estágios pelos quais os poliploides podem passar, alguns termos são utilizados com maior frequência, como os neopoliploides (poliploides recém-formados) e paleopoliploides que se referem a poliploides diploidizados (WOLF, 2001; SOLTIS et. al., 2003). De acordo com Schifino-Wittmann (2004), a maioria das espécies ditas diploides são, na realidade, poliploides antigos e que a evolução por poliploidia foi acompanhada por uma extensa reorganização em todos os níveis do genoma, incluindo repadronização 18 UNIDADE I │ INtroDUção Ao mElhorAmENto vEgEtAl DE EspécIEs cUltIvADAs cromossômica, silenciamento gênico, eliminação de sequências, ação de elementos transponíveis, efeitos de dose gênica, invasão intergenômica e efeitos epigenéticos e que muito ainda precisa ser investigado, por exemplo, quanto à exata base genética da diploidização, conhecimentos sobre a real frequência de autopoliploides em relação a alopoliploides etc. Espécies de interesse particular, como a arabidopsis – Arabidopsis thaliana (2n = 10) e o milho – Zea mays (2n = 20 cromossomos), por exemplo, embora apresentem um número cromossômico que não indica poliploidia e sejam diploides funcionais, são considerados paleopoliploides (Schubert, 2007). Estudos moleculares indicam que essas e outras espécies passaram por ciclos de poliploidização, apresentando, em seus genomas, regiões cromossômicas duplicadas. Espécies de Citrus são diploides (2n = 18), apesar de terem sido encontradas várias espécies poliploides com 2n = 27, 36 e 54 cromossomos. Embora seu número cromossômico possa ser maior, ele não se mantém na natureza, pois as espécies diploides são mais vantajosas. O caso da Caesalpinia férrea, uma leguminosa conhecida no Nordeste por “jucá”, é diferente, pois as espécies são diploides (2n = 24) e tetraploides (4n = 48) apresentam fenótipos iguais e são bem adaptadas (UFSM, 2015). A detecção de um evento ancestral de poliploidização pode ser extremamente desafiante. Tais eventos são relativamente difíceis de serem detectados, pois o tempo se encarrega de apagar os sinais de duplicação, a segregação dissômica é restabelecida, rearranjos cromossômicos e ocorre a diferenciação ou a perda de cópias gênicas (WOLF, 2001). Em geral, poliploides são bons colonizadores, podendo ocupar habitats pioneiros nos quais os ancestrais diploides não são bem-sucedidos, apresentando um efeito tamponantemaior em relação à capacidade de adaptação, por possuírem mais cópias genômicas do que os diploides. Efeitos fisiológicos também são demonstrados nos poliploides. Nos tetraploides, há um aumento significativo de componentes químicos em relação ao correspondente diploide. É o caso da seringueira (Taraxacum kok- seghiz), cujo tetraploide é mais rico em látex do que o diploide. O mesmo acontece com a beterraba açucareira, em que o teor de açúcar é substancialmente maior no tetraploide (PETO E BOYER, 1940). Em suma, a poliploidia foi e continua sendo um importante mecanismo no processo evolução, domesticação e melhoramento na agricultura. Todavia, faz-se necessário o progresso no conhecimento de mecanismos que viabilizem a manipulação da poliploidia, promovendo, cada vez mais, benefícios às espécies cultivadas ao longo do processo evolutivo. 19 CAPítulo 2 variabilidade genética e sua conservação variabilidade genética e sua importância De maneira geral, o estudo da Genética se propõe a investigar duas grandes vertentes: hereditariedade e variação. A hereditariedade pode ser conceituada como a tendência de iguais gerarem iguais, ou seja, explica o fato pelo qual os descendentes (filhos) se assemelham aos seus ascendentes (pais e avós). Em contrapartida, a variação pode ser definida como sendo todas as diferenças ambientais ou genéticas entre os organismos relacionados à descendência. Desse modo, as variações podem ser totalmente devido ao meio, e, portanto, não hereditárias, como também podem ser produzidas por alterações na constituição genética, sendo, nesse caso, hereditárias (RAMALHO, 2008). Todos os organismos de uma dada espécie são semelhantes por receberem material genético de ancestrais comuns. Porém, em uma análise mais detalhada de dois ou mais indivíduos dessa espécie, notamos que eles apresentam diferenças fenotípicas que constituem a variação (RAMALHO, 2008). Podemos inferir que a variação observada na natureza é a variação fenotípica. Ela pode ocorrer em virtude de diferenças ambientais (variação ambiental) a que os indivíduos estão submetidos ou ocorrer por causa de diferenças em suas constituições genéticas (variação genética). A variação ambiental se deve a qualquer diferença, excetuando- se aquelas do material genético, que se origina em função de flutuações na fertilidade do solo, nutrição, temperatura, ataque de doenças e pragas, umidade etc. Assim, se tomarmos dois pedaços de caule (manivas) retiradas de uma mesma planta, veremos que ambas apresentam mesma constituição genética, porém, se plantadas em condições de diferentes fertilidades, uma das plantas produzirá mais raízes que a outra. A variação fenotípica, nesse caso, é ambiental (RAMALHO, 2008). A variação genética aparece devido às diferenças nas constituições genéticas que, por sua vez, surgem por meio dos mecanismos de mutação. Ao contrário da variação ambiental, a variação genética pode ser transmitida à descendência e, portanto, é hereditária, sendo, por essa razão, essencial para o melhoramento genético das espécies domesticadas e para a evolução de todas as espécies superiores. 20 UNIDADE I │ INtroDUção Ao mElhorAmENto vEgEtAl DE EspécIEs cUltIvADAs Figura 3. espécies com baixa variação genética geralmente correm mais riscos de extinção. Fonte: própria autora (2016). Perdas inerentes à variabilidade genética reduzem a habilidade das populações de se adaptarem em resposta às mudanças ambientais (potencial evolutivo). Por exemplo, se alguma mudança ambiental drástica ocorrer, a população com maior diversidade genética apresenta maior chance de possuir pelo menos alguns indivíduos com uma característica genética que lhes permitam viver em tais condições. Se a diversidade genética é baixa, a população corre grande risco de não sobreviver, pois, provavelmente, não possuirão condições de se adaptarem a tal ambiente. A variabilidade genética, portanto, é importante para a persistência evolutiva das espécies (CARBONARO, 2016). impactos da baixa variação genética Os altos níveis de variação genética são encontrados, normalmente, em populações naturais. Essa variação pode ser introduzida continuamente nas populações por meio de alguns processos, como mutação ou migração de indivíduos de outras populações, sendo perdida por eventos como deriva genética, por endocruzamento e, no caso de genes não neutros, pela maior parte dos tipos de seleção natural (RAMALHO, 2008; CARBONARO, 2016). A variação genética em uma população pode ser medida pelo número de heterozigotos para um dado loco gênico. Como o endocruzemento e a deriva genética são inversamente proporcionais ao tamanho das populações, é comum observar níveis muito baixos de variação gênica em indivíduos que estão (ou estiveram) em extinção (FRANKHAM, 2008). O tamanho das populações, nesse caso, não é igual ao número total de indivíduos, 21 introdução ao melhoramento vegetal de espécies cultivadas │unidade i mas, sim, igual ao número de indivíduos viáveis, ou seja, excluindo os que forem jovens ou velhos demais para a reprodução (RAMALHO, 2008; CARBONARO, 2016). Figura 4. endocruzamento e deriva genética são inversamente proporcionais ao tamanho da população. Fonte: ariana vieira alves (2015). Conservação da variabilidade genética A preservação da variabilidade ou a conservação dos recursos genéticos é considerada uma das questões mais importantes para a sobrevivência da humanidade e tem recebido a atenção de governantes. Os recursos genéticos são mantidos em condições in situ, on farm e ex situ. No primeiro caso, a conservação do material é realizada no próprio local onde a espécie evoluiu. O segundo caso se encarrega de complementar à conservação in situ e, no terceiro caso, a conservação é realizada em bancos de germoplasma, entendendo-se como germoplasma um conjunto de genótipos representativos de uma espécie (RAMALHO, 2008; CARBONARO, 2016). Conservação in situ Conservação in situ são estratégias de conservação de ecossistemas e habitats naturais e de manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características (inciso VII, art. 2o, SNUC). 22 UNIDADE I │ INtroDUção Ao mElhorAmENto vEgEtAl DE EspécIEs cUltIvADAs A conservação in situ tem sido preferida para as espécies selvagens e parentes das culturas agrícolas que se autoperpetuam em ambientes naturais ou agrícolas. Os genes dessas espécies podem ser transferidos para espécie cultivada, a fim de aumentar a tolerância a condições de estresse ambiental, bem como resistência a pragas e doenças (Ramalho, 2008). Figura 5. parque estadual da serra do mar, exemplo de conservação in situ. Fonte: roberto langanke. Realizada, basicamente, em reservas genéticas, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, a conservação in situ de recursos genéticos é naturalmente organizada também em áreas protegidas, seja de âmbito federal, estadual ou municipal. As reservas genéticas, por exemplo, são implantadas e mantidas em áreas prioritárias, de acordo com a diversidade genética de uma ou mais espécies de reconhecida importância científica ou socioeconômica. Essas reservas podem, teoricamente, existir dentro de uma área protegida, de uma reserva indígena, de uma reserva extrativista e de uma propriedade privada, entre outras (Ministério do Meio Ambiente, 2016). Nos termos da Convenção sobre Diversidade Biológica, conservação in situ é definida como sendo a conservação dos ecossistemas e dos habitats naturais e a manutenção e a reconstituição de populações viáveis de espécies nos seus ambientes naturais e, no caso de espécies domesticadas e cultivadas, nos ambientes onde desenvolveram seus caracteres distintos. A conservação in situ apresenta as seguintes vantagens. I. Permitir que as espécies continuem seus processos evolutivos. 23 introdução ao melhoramento vegetalde espécies cultivadas │unidade i II. Favorecer a proteção e a manutenção da vida silvestre. III. Apresentar melhores condições para a conservação de espécies silvestres, especialmente vegetais e animais. IV. Oferecer maior segurança na conservação de espécies com sementes recalcitrantes. V. Conservar os polinizadores e dispersores de sementes das espécies vegetais. Entretanto, deve-se considerar que esse método é oneroso, visto depender de manejo e monitoramento eficiente e constante, podendo exigir grandes áreas, o que nem sempre é possível, além do que a conservação de uma espécie em um ou poucos locais de ocorrência não significa, necessariamente, a conservação de toda a sua variabilidade genética (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2016). Figura 6. alcance territorial da legislação ambiental. pantanal Fonte: alcance territorial da legislação ambiental e indigenista. embrapa monitoramento por satélite, 2008 unidades de conservação no país chegam a 150 milhões de hectares unidades de conservação percentual de cada bioma em unidade de conservação pampa mata atlântica cerrado caatinga amazônia Áreas públicas sob proteção Fonte: embrapa monitoramento por satélite. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) regulamenta o sistema de unidades de conservação brasileiro, definindo as categorias e os usos permitidos em cada uma delas. É composto por 12 categorias de UC, cujos objetivos específicos se diferenciam quanto à forma de proteção e usos permitidos: aquelas que 24 UNIDADE I │ INtroDUção Ao mElhorAmENto vEgEtAl DE EspécIEs cUltIvADAs precisam de maiores cuidados, pela sua fragilidade e particularidades; e aquelas que podem ser utilizadas de forma sustentável e conservadas ao mesmo tempo (Ministério do Meio Ambiente, 2016). O SNUC tem os seguintes objetivos. » Contribuir para a conservação das variedades de espécies biológicas e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais. » Proteger as espécies ameaçadas de extinção. » Contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais. » Promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais. » Promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento. » Proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica. » Proteger as características relevantes de natureza geológica, morfológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural. » Recuperar ou restaurar ecossistemas degradados. » Proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental. » Valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica. » Favorecer condições e promover a educação e a interpretação ambiental e a recreação em contato com a natureza. » Proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente. Conservação on farm A conservação on farm pode ser considerada uma estratégia complementar à conservação in situ, já que esse processo também permite que as espécies continuem o seu processo evolutivo. É uma das formas de conservação genética da agrobiodiversidade, um termo utilizado para se referir à diversidade de seres vivos, de ambientes terrestres ou aquáticos, 25 introdução ao melhoramento vegetal de espécies cultivadas │unidade i cultivados em diferentes estados de domesticação. A conservação on farm apresenta como particularidade o fato de envolver recursos genéticos, especialmente variedades crioulas – cultivadas por agricultores, especialmente pelos pequenos agricultores, além das comunidades locais, tradicionais ou não, e populações indígenas, detentoras de grande diversidade de recursos fitogenéticos e de um amplo conhecimento sobre eles. Essa diversidade de recursos é essencial para a segurança alimentar das comunidades (Ministério do Meio Ambiente, 2016). Entre os principais recursos fitogenéticos mantidos a campo pelos pequenos agricultores brasileiros, estão a mandioca, o milho e o feijão. Contudo, muitos recursos genéticos de menor importância para a sociedade “moderna” são, também, mantidos, podendo-se citar como exemplos uma série de espécies de raízes e tubérculos, plantas medicinais e aromáticas, além de raças locais de animais domesticados, como suínos, caprinos, aves, entre outros (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2016). Figura 7. mandioca, milho e feijão, alvos da manutenção de recursos on farm. projeto coordenado pela embrapa amazônia ocidental (manaus-am) está colocando em prática nova forma de levar conhecimentos técnicos e inovações tecnológicas a 21 municípios do amazonas. o foco são as culturas alimentares de milho, mandioca e feijão caupi. Fonte: síglia souza. A manutenção desses materiais on farm, com ênfase para as variedades crioulas, envolve recursos nativos e exóticos adaptados às condições locais. Outra particularidade é que essas variedades crioulas, mesmo deslocadas de suas condições naturais, continuam evoluindo na natureza, já que estão permanentemente submetidas à diferentes condições edafoclimáticas (Ministério do Meio Ambiente, 2016). 26 UNIDADE I │ INtroDUção Ao mElhorAmENto vEgEtAl DE EspécIEs cUltIvADAs A conservação on farm vem recebendo crescente atenção nos diversos fóruns internacionais relacionados à temática da conservação dos recursos genéticos. Nesse contexto, a Convenção sobre Diversidade Biológica, por meio das suas Conferências das Partes, tem dado especial atenção a essa questão, considerando o seguinte. » O campo da agricultura oferece oportunidade única para o estabelecimento de ligação entre a conservação da diversidade biológica e a repartição de benefícios decorrentes do uso desses recursos. » Existe uma relação próxima entre diversidade biológica, agronômica e cultural. » A diversidade biológica na agricultura é estratégica, considerando os contextos socioeconômicos nos quais ela é praticada e as perspectivas de redução dos impactos negativos sobre a diversidade biológica, permitindo a conciliação de esforços de conservação com ganhos sociais e econômicos. » As comunidades de agricultores tradicionais e suas práticas agrícolas têm uma significativa contribuição para a conservação, para o aumento da biodiversidade e para o desenvolvimento de sistemas produtivos agrícolas mais favoráveis ao meio ambiente. » O uso inapropriado e a dependência excessiva de agroquímicos têm produzido efeitos significativos sobre os ecossistemas, com impactos negativos sobre a biodiversidade; e, finalmente, os direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos biológicos, incluindo os recursos genéticos para alimentação e agricultura. Esse posicionamento dos países nas Conferências das Partes tem permitido, além do estabelecimento de um programa de longo prazo voltado especificamente às atividades sobre agrobiodiversidade, um crescente avanço na discussão e implementação de ações relacionadas à conservação e promoção do uso dos recursos da biodiversidade agrícola. Conservação ex situ A principal ênfase para a conservação da variabilidade genética ex situ tem sido dada para as cultivares primitivas das espécies mais importantes. A razão disso é que essas cultivares primitivas tiveram um papel relevante no desenvolvimento científico da agricultura, sendo os ancestrais de todas as cultivares modernas (RAMALHO, 2008). 27 introdução ao melhoramento vegetal de espécies cultivadas │unidade i Figura 8. banco de trabalho para conservação e investigação do banco de germoplasma da universidade de valencia. Fonte: <espores.org>. A conservação ex situ envolve a manutenção, fora do habitat natural da biodiversidade de importância científica ou econômico-social, inclusive para o desenvolvimento de programas de pesquisa, particularmente aqueles relacionados ao melhoramento genético(Ministério do Meio Ambiente, 2016). Para a manutenção dos recursos genéticos ex situ são utilizados alguns recursos como os seguintes. » Câmaras de conservação de sementes (-20o C). » Técnicas de cultura in vitro (cultura de tecidos). » Criogenia (sementes recalcitrantes; –196o C). » Laboratórios para o caso de microrganismos. » Campo (conservação in vivo). » Bancos de germoplasma (espécies vegetais). » Núcleos de conservação, para o caso de espécies animais. 28 UNIDADE I │ INtroDUção Ao mElhorAmENto vEgEtAl DE EspécIEs cUltIvADAs Figura 9. banco de germoplasma da universidade de valencia. Fonte: <espores.org>. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (2016), a conservação ex situ implica, portanto, na manutenção das espécies fora de seu habitat natural e tem as principais características. » Preservar genes de interesse nato. » Permitir que, em apenas um local, seja reunido material genético de muitas procedências, facilitando o trabalho do melhoramento genético. » Garantir melhor proteção à diversidade intraespecífica, especialmente de espécies de ampla distribuição geográfica, implicando, entretanto, na paralisação dos processos evolutivos, além de depender de ações permanentes do homem, visando à concentração de grandes quantidades de material genético em um mesmo local, o que torna a coleção bastante vulnerável. As três formas de conservação, in situ, on farm e ex situ, são complementares e formam, estrategicamente, a base para a implementação dos três grandes objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica (Ministério do Meio Ambiente, 2016): I. Conservação da diversidade biológica. 29 introdução ao melhoramento vegetal de espécies cultivadas │unidade i II. Uso sustentável dos seus componentes. III. Repartição dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos. Nos últimos anos ocorreram, em âmbito mundial, importantes avanços relacionados à conservação e à promoção do uso dos recursos genéticos. Contudo, apesar desses avanços, a conservação dos recursos genéticos no País está longe da condição ideal. O Ministério do Meio Ambiente (2016) salienta que faltam inventários relativos às instituições (governamentais, não governamentais e movimentos sociais) envolvidas na conservação in situ, on farm e ex situ de recursos genéticos (fauna, flora e micro- organismos); representatividade, tanto em termos regionais quanto nos biomas; infraestrutura existente em cada coleção; nível de uso e intercâmbio de recursos genéticos, bem como informações sobre as necessidades e as medidas necessárias para a conservação desses materiais a curto, médio e longo prazos. 30 unidAdE iidinâmiCA dE PoPulAçõES CAPítulo 1 Sistemas reprodutivos das plantas cultivadas tipos de reprodução em plantas reprodução assexuada A reprodução assexual ou vegetativa é aquela em que o processo de formação dos gametas ocorre via mitose. As novas plantas são formadas por meio de órgãos vegetativos especializados e, nesse caso, não haverá variabilidade genética (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). No processo de reprodução assexuada, a reprodução ocorre sem que haja a conjugação de material genético. Existe um único progenitor que se divide por mitose. Os seres provenientes desse tipo de reprodução são geneticamente iguais ao organismo que os originou, a não ser que haja algum processo mutacional envolvido (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Vários órgãos vegetativos, tais como raízes, tubérculos, estolões, colmos, manivas, rizomas, rebentos, estacas, borbulhas ou por cultura de tecidos, fazem uso do processo de divisão celular (mitose) para originar novos seres (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Em algumas espécies, as sementes são formadas sem passarem pela meiose e fertilização, num processo conhecido como apomixia. Um grupo de plantas propagadas vegetativamente de uma única planta (um único genótipo) constitui-se, portanto, de clone. As plantas propagadas vegetativamente são caracterizadas pelo alto grau de heterozigose. Quando propagadas por via sexual, sua progênie (descendência) apresenta alta segregação (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 31 dinâmica de populações │unidade ii Na sua opinião, o processo de reprodução assexuada possui vantagens adaptativas? Quais? Se você respondeu que sim, parabéns! Esse processo, se comparado à reprodução sexual, apresenta algumas vantagens, tais como as descritas a seguir. » Rapidez – a população pode ser triplicada num curto espaço de tempo. » Simplicidade – não há gastos de tempo e energia na procura de um parceiro. » Homogeneidade – muitos indivíduos com características iguais. Contudo, os organismos que se reproduzem assexuadamente possuem pouca variabilidade genética. Se o biótopo se alterar, as populações poderão ser afetadas (devido à fraca capacidade adaptativa), podendo levar à sua extinção naquele local. Nas plantas, a reprodução assexuada é, frequentemente, utilizada na agricultura. Por exemplo, as laranjas Bahia (sem sementes) provêm todas de um mesmo clone (considerando clone o conjunto de todos os seres geneticamente idênticos, provenientes de um mesmo ser vivo), a partir de uma laranjeira mutante aparecida na região da Bahia no Brasil. Efetivamente, por não produzir sementes, o processo de propagação vegetativo acontece via enxerto ou estaca. reprodução assexuada – apomixia Frente aos vários tipos de reprodução assexuada, a apomixia consiste na produção de sementes sem que antes ocorra fertilização, tendo como resultado sementes que são geneticamente idênticas às da planta mãe. O processo está frequentemente associado à poliploidia, embora possa ocorrer em espécies diploides como, por exemplo, em Citrus (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). O processo apomítico pode ser facultativo ou obrigatório. Na apomixia facultativa, a planta produz descendentes tanto de origem sexual quanto de origem apomítica. Por exemplo, podemos citar, entre as espécies apomíticas facultativas, os Citrus e as Mangueiras. Na apomixia obrigatória, não existe a reprodução sexual, como no alho. As principais espécies forrageiras cultivadas no Brasil, Brachiaria e Panicum, são apomíticas. Para o melhorista, a apomixia pode ser usada para fixar genótipos superiores, principalmente em espécies poliploides (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 32 UNIDADE II │DINâmIcA DE popUlAçõEs melhoramento de espécies propagadas vegetativamente Visando à obtenção de clones (genótipos) com características superiores, o melhoramento de espécies propagadas vegetativamente é mais simples do que o melhoramento de espécies de reprodução sexuada. O melhoramento das espécies propagadas vegetativamente visa à identificação de indivíduos multiplicados vegetativamente com características superiores, tornando-se posteriormente uma nova variedade. Podemos fazer seleção de clones superiores em progênies vindas de cruzamentos (que tem alta segregação) ou por meio de propagação de mutantes que podem aparecer naturalmente. A variedade de uva ‘Rubi’, que tem casca com coloração rosada, foi selecionada de uma mutação natural que ocorreu na uva Itália – que tem casca verde/amarelada (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). reprodução sexuada A reprodução sexual é caracterizada pela formação de gametas (meiose) a partir da fusão dos gametas masculino e feminino via processo de fertilização, culminando na formação de um embrião e, posteriormente, da semente (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Na reprodução sexuada, os gametas haploides unem-se pelo processo de fecundação, para dar origem a uma nova célula. Pelo processo de meiose, o número diploide de cromossomos é reduzido à metade (n – haploide), todavia, a fecundação restabelece a 2n (diploide) o número de cromossomos típico da espécie. Dessa maneira, ocorre troca e mistura de material genético entre indivíduos de uma população, aumentando a variabilidade genética em questão (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Ao ocorrer a fecundação,também ocorre outro fenômeno, a cariogamia, que consiste na união de membranas dos núcleos gaméticos no decorrer da fecundação (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Depois que esses processos ocorrerem, forma-se o ovo (célula ovo) ou zigoto que, por mitoses sucessivas, originaram um novo indivíduo (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 33 dinâmica de populações │unidade ii Figura 10. cariogamia ocorrendo em fase do ciclo de vida de um ascomiceto. Fonte: raven, 2007. disponível em: <www.criptogamas.ib.ufu.br/>. As espécies que se reproduzem de maneira sexuada apresentam uma maior variabilidade genética em detrimento às espécies que se propagam vegetativamente. Logo, uma população pode adaptar-se às diferentes condições ambientais, provendo uma chance maior para a continuação da população vigente. De maneira geral, as espécies sexuadas apresentam maior adaptação a ambientes novos e sob influência de mudanças abruptas. A vantagem da reprodução sexuada é que ocorrerá “diluição” das características parentais entre os descendentes, o que acarretará uma maior heterogeneidade. Isso favorece o aumento nas chances de sobrevivência dos organismos em caso de estresse ambiental. Assim, há chances de que, nessa diluição, ameaças parasitárias ou no próprio material genético dos progenitores sejam superados (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Como já foi abordado, a meiose é um tipo especial de divisão celular que tem como objetivo a produção de gametas. Por isso, ela ocorre em tecidos especiais, os gametângios (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Ao contrário do que sucede com os animais, em que os gametas se formam por meiose a partir das células das gônadas, as plantas raramente resultam diretamente da meiose. Geralmente, a meiose origina esporos. Nesse caso, ocorre em estruturas denominadas esporângios (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 34 UNIDADE II │DINâmIcA DE popUlAçõEs Os tipos de plantas que fazem esse tipo de reprodução são, principalmente, as gimnospermas, plantas que conseguem produzir semente, mas não conseguem produzir fruto (Bespalhok, Guerra e Oliveira, 2015). Classificação do sistema reprodutivo de plantas cultivada Para o melhorista, o conhecimento dos sistemas reprodutivos das espécies a serem melhoradas é de fundamental importância. O conhecimento do tipo de reprodução é de fundamental importância na escolha dos métodos a serem utilizados para o melhoramento de determinada espécie ou cultivar (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). As plantas são classificadas de acordo com seu sistema reprodutivo da seguinte forma. I. Autógamas. II. Alógamas. III. Intermediárias (propagação mista). O que faz com que as plantas sejam classificadas em autógamas, alógamas ou de propagação mista é a taxa de autofecundação (S) ou a taxa de fecundação cruzada (TFC). taxa de fecundação cruzada Você sabe o que se deve fazer para classificar o sistema reprodutivo de uma planta? Pois bem, pode-se empregar o método de “linhas contíguas”. O método envolve o uso de dois indivíduos contrastantes (duas linhagens homozigóticas), sendo necessário que floresçam na mesma época, para simular a dispersão do pólen (MM x mm) e observar- se a prole. Depois, calcula-se a Taxa de Fecundação Cruzada (TFC): ( ) 100ztfc x n = TFC – Taxa de Fecundação Cruzada Z – Número de plantas não esperadas n – Número de Plantas avaliadas 35 dinâmica de populações │unidade ii quadro 1. classificação das plantas de acordo com o sistema reprodutivo. Classificação segundo a TFC Fenômenos associadas TFC Sistema reprodutivo Heterozigose; Heterose e Endogamia ≥ 95% Espécie Alógama ≤ 5% Espécie Autógama Flores hermafroditas, monoicas e dioicas ≥ 5% e ≤ 95% Espécie de Propagação Mista Dicogamia (Protandria e Protogenia) Fonte: própria autora (2016). 36 CAPítulo 2 melhoramento de espécies autógamas introdução ao melhoramento de espécies autógamas As plantas autógamas incluem as espécies que possuem flores hermafroditas que se reproduzem predominantemente por meio da autopolinização, ou seja, se reproduzem, basicamente, por autofecundação, porém podem apresentar taxa variável de cruzamentos de, no máximo, de 5% (RAMALHO, 2008). A autofecundação ocorre quando o pólen (gameta masculino) fertiliza um óvulo (gameta feminino) da mesma planta. Apesar de, preferencialmente, realizarem autofecundação, pode ocorrer uma baixa taxa de fecundação cruzada nas espécies autógamas, como salientado anteriormente. Essa frequência depende da população de insetos polinizadores, intensidade do vento, temperatura e umidade (RAMALHO, 2008; BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). As plantas autógamas desenvolveram alguns mecanismos que favorecem a autofecundação. Porém, autofecundações sucessivas levam à homozigose, processo de formação de genótipos homozigóticos (linhagem) ou mistura de linhas fenotipicamente semelhantes, não havendo variabilidade genética (RAMALHO, 2008; BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). As plantas autógamas participam do processo de cleistogamia, ou seja, a polinização do estigma ocorre antes da abertura do botão floral ou antese. No feijoeiro, a cleistogamia está associado à quilha, que envolve o estigma e os estames numa estrutura em forma de espiral, facilitando a autofecundação. No tomateiro, os estames formam um cone envolvendo o estigma, de tal forma que a autopolinização é quase garantida. A variabilidade genética ocorre devido à presença de diferentes genótipos homozigotos. Se não há genótipos diferentes, não há variabilidade genética. Veja no exemplo abaixo que, após sucessivas gerações, o número de heterozigotos tende a aumentar e o número de homozigotos tende a diminuir (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 37 dinâmica de populações │unidade ii quadro 2. algumas espécies autógamas de importância econômica. Cereais Aveia Avena sativa Arroz Oryza sativa Sorgo Andropogon sorghum Leguminosas Amendoim Arachis hypogeae Feijão Phaseolus vulgaris Soja Glycine max Frutíferas Citrus Citrus sp. Nectarina Prumus sp Pêssego Prumus percicae Industriais Fumo Nicotiana tabacum Linho Linum usitatissimum Forrageiras Crotalária Crotalaria juncea Ervilhaca Vicia sativa quadro 2. processo de formação de genótipos homozigóticos. Geração Homozigotos dominantes (%) Heterozigotos (Aa) (%) Homozigotos recessivos (%) F1 AA Aa aa 25% 50% 25% F2 AA Aa aa 37,5% 25% 37,5% F3 AA Aa aa 43,75% 12% 43,75% F4 AAA Aa aa 46,875% 6,25% 46,875% Observe que, de acordo com as sucessivas gerações de autofecundação, espera-se que o número de heterozigotos diminua e o número homozigotos aumente. Desse modo, podemos tirar algumas conclusões acerca dessa premissa, ou seja, com sucessivas gerações de autofecundação, haverá o favorecimento à homozigosidade em detrimento da heterozigosidade. Com isso, poderá haver o surgimento de fenótipos indesejáveis, alelos letais devido à diminuição dos desvios de dominância, ou seja, essas populações podem ser bem-sucedidas por pouco tempo. Pequenas mudanças no ambiente causam diminuições drásticas na produtividade (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 38 UNIDADE II │DINâmIcA DE popUlAçõEs melhoramento de plantas autógamas melhoramento de plantas autógamas por seleção Independente do tipo de método de melhoramento a ser utilizado, a seleção é uma das principais ferramentas do melhorista, uma vez que é utilizada tanto no melhoramento de espécies autógamas quanto de alógamas. Esse processo de seleção se constitui na capacidade do melhorista em selecionar indivíduos com características superiores dentro de uma população de plantas geneticamente diferentes (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). você sabe o que é uma linha pura? Pois bem, define-se uma linha pura como “a linha resultante da autofecundação de uma única planta homozigótica”. No que se refere ao melhoramento de plantas autógamas, o principal conceito a ser entendido é o conceito de linhas puras. A maioria das cultivares de espécies autógamasé formada por linhas puras e o objetivo geral do melhoramento de autógamas é obter linhas puras superiores. teoria das linhas puras A teoria das linhas puras foi estabelecida pelo botânico dinamarquês W.L. Johannsen em 1903. Johannsen conduziu uma série de experimentos com a variedade de feijão “Princess”, uma espécie autógama. Ele utilizou um lote de sementes de diferentes tamanhos, no qual investigou o efeito da seleção sobre o peso médio das sementes das progênies (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). De posse de seus estudos, Johannsen estabeleceu, então, três princípios. I. Há variações herdáveis e variações causadas pelo ambiente. II. A seleção só é efetiva se recair sobre diferenças herdáveis. III. A seleção não gera variação. Inicialmente, ele observou que progênies provenientes de sementes mais pesadas apresentavam maior peso médio, enquanto que as derivadas de sementes mais leves apresentavam peso médio menor médio das sementes das progênies (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 39 dinâmica de populações │unidade ii Continuando seus experimentos, Johannsen semeou 19 sementes de um lote dessa variedade, denominando-as, prontamente, de “sementes mães”. Por meio da semeadura de progênies das 19 sementes mães, ele obteve 19 linhagens (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Dois pontos podem ser ressaltados a partir dos resultados obtidos pelo botânico: o primeiro diz que cada linhagem tinha um peso médio característico e que haviam sementes de diferentes tamanhos dentro de cada linhagem médio das sementes das progênies (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Esses resultados levaram Johannsen a concluir que a variedade estudada era constituída por uma mistura de linhas puras e que as diferenças de peso eram devidas a fatores genéticos (diferença entre as linhagens) e ambientais (diferença de peso dentro de cada linhagem) das sementes das progênies (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Os experimentos de Johannsen prosseguiram. Foram, então, selecionadas sementes mais leves e mais pesadas dentro de cada linhagem por 6 gerações consecutivas. Os resultados indicaram os mesmos valores médios dentro de cada uma das linhagens, o que explica, desse modo, que as plantas oriundas das sementes mais pesadas, das mais leves ou de valores intermediários, produziam sempre o mesmo peso médio da linhagem, que descendia das sementes das progênies (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Com efeito, confirmou-se a constituição de plantas homozigotas, não segregantes, nas linhagens. Ressalta-se, todavia, que seleção não foi eficiente, porque as variações observadas dentro de uma mesma linhagem ocorreram por efeitos ambientais, e não tinham origem genética (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). 40 UNIDADE II │DINâmIcA DE popUlAçõEs Figura 11. teoria das linhas puras de Johannsen. Fonte: bespalhok, guerra e oliveira (2015). As contribuições de Johannsen trouxeram importantes fundamentos para programas de melhoramento, com destaque para os atuais. Ou seja, o conceito de linhas puras diz que, numa população de plantas, há um determinado percentual da variação proveniente de origem genética e outro de origem ambiental. Além disso, percebeu- se que há limites definidos para o melhoramento de plantas autógamas por meio de seleção, pois esta não cria variabilidade, mas atua na já existente médio das sementes das progênies (BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Ao sofrer propagação por autofecundação, uma planta que esteja em homozigose, ou seja, com todos os genes com pares de alelos iguais, em todos os cromossomos de seu genoma, não segregará na formação de gametas, produzindo, por conseguinte, descendentes com o mesmo genótipo cujos descendentes serão idênticos geneticamente à planta mãe. As plantas podem apresentar diferenças fenotípicas em função de efeitos ambientais que interfiram no metabolismo e/ou expressão gênica (RAMALHO, 2008; BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Diversas cultivares autógamas são ditas “linhas puras”, como a soja, o trigo e o feijão. Isso significa que, de maneira geral, elas são genotipicamente iguais. Todavia, o que as torna uniformes por um lado, por outro, as torna mais vulneráveis ao ataque de patógenos. 41 dinâmica de populações │unidade ii melhoramento por meio de seleção Partindo dessa premissa, uma das formas mais simples de melhoramento de espécies autógamas é por meio da utilização de métodos baseados na seleção como forma de se conseguir variabilidade, a partir da variação existente (RAMALHO, 2008; BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). A seleção somente age e é efetiva quando estão presentes diferenças hereditárias ou genéticas. Por isso, essa técnica é utilizada quando possuímos populações que apresentem variabilidade genética, como é o caso de variedades crioulas. Uma população pode apresentar variabilidade genética ocasionada por mistura de sementes de outras populações, por mutações genéticas ou cruzamentos naturais com plantas de diferentes genótipos (RAMALHO, 2008; BESPALHOK, GUERRA e OLIVEIRA, 2015). Seleção massal ou Bulk A seleção massal é o método mais antigo de melhoramento praticado, sendo de extrema importância para a domesticação de espécies cultivadas. Esse tipo de seleção vem sendo usado por pequenos agricultores há milhares de anos (DAPONT, MAIA e MELO, 2016). Nesse método, também conhecido por “Bulk”, a seleção das plantas superiores é feita com base no fenótipo, ou seja, não são realizados testes de progênie. Por isso, possui a desvantagem de ser um método altamente influenciado pelo ambiente (DAPONT, MAIA e MELO, 2016). Tomada uma população de plantas apresentando variabilidade genética, são escolhidas, visualmente, plantas superiores, que são, então, colhidas. As sementes dessas plantas são retiradas e reunidas, para formar a população melhorada. O processo pode ser repetido por mais de um ciclo (DAPONT, MAIA e MELO, 2016). Possui mais uma desvantagem que consiste em ser eficiente somente para caracteres que apresentem alta herdabilidade, não sendo recomendado para características quantitativas como a produtividade. Desse modo, as variedades resultantes desse tipo de seleção são constituídas de uma mistura de linhas puras (DAPONT, MAIA e MELO, 2016). 42 UNIDADE II │DINâmIcA DE popUlAçõEs Ao escolher, na sua plantação, as melhores plantas para fornecer sementes para a próxima safra, o agricultor está fazendo seleção massal. Ademais, o método é utilizado na produção de sementes. Para tanto, recomenda-se a realização da seleção de sementes de plantas que tenham um padrão diferente do descrito para a variedade em questão (DAPONT, MAIA e MELO, 2016). Seleção massal estratificada O método objetiva-se a melhorar o controle da heterogeneidade do solo (melhor controle ambiental). Isso é obtido dividindo-se a área em estratos e praticando a mesma intensidade de seleção em cada estrato. A intensidade de seleção dentro de cada estrato pode variar de 1 a 10%. Na recombinação, deve ser empregado um mesmo número de sementes por planta. É utilizado bordadura para garantir que as plantas estejam submetidas ao mesmo nível de competição (DAPONT, MAIA e MELO, 2016). A seleção massal pode ser estratificada, utilizada no programa de Melhoramento de Milho do IAPAR. Os estratos são compostos por uma linha com 10m de comprimento (5 plantas/metro e 90cm entre linhas), sendo composto por 50 plantas ou 9m2. Normalmente, semeia-se um campo isolado com cerca de 100 estratos para seleção, selecionando-se 5 plantas competitivas por estrato – 10% de seleção. Posteriormente, é feita a seleção de espigas, restando 2 plantas por estrato – 4% de seleção (DAPONT, MAIA e MELO, 2016). Esquema representativo do método da seleção massal segundo dapont, maia e melo (2016) ETAPA 1 – Seleção das melhores plantas. Fonte: dapont, maia e melo (2016). 43 dinâmica de populações │unidade ii ETAPA 2 – Novo campo, nova seleção das melhores plantas. Fonte: dapont, maia e melo (2016). ETAPA3 – Nova seleção das melhores plantas. Fonte: dapont, maia e melo (2016). ETAPA 4 – Multiplicação. Fonte: dapont, maia e melo (2016). ETAPA FINAL – Distribuição para os agricultores. 44 UNIDADE II │DINâmIcA DE popUlAçõEs métodos dos retrocruzamentos Os métodos que envolvem os retrocruzamentos procuram melhorar variedades consideradas superiores em relação a um grande número de atributos, mas que são deficientes em uma ou algumas características. Objetiva-se a introgressão de uma característica, ou seja, é realizada a introdução de uma ou mais características mono ou oligogênica em genótipos deficientes. Possui aplicabilidade em plantas autógamas, em que se pode exercer maior controle do genótipo recorrente (BORÉM; MIRANDA, 2005). Essas características são, normalmente, passadas de um genitor doador ou não recorrente a um genitor recorrente. Um genitor não recorrente é aquele que possui rusticidade, ou seja, são variedades selvagens, pouco adaptadas ou pouco vulneráveis em relação às características ambientais (BORÉM; MIRANDA, 2005). No final do processo dos retrocruzamentos, o alelo transferido estará na condição de heterozigose, o mesmo não ocorrendo com os demais, considerando-se espécies autógamas. Depois do último retrocruzamento, procede-se a autofecundação, que coloca este alelo na condição homozigota. No final, resultará uma variedade exatamente com a mesma adaptação, produtividade e demais qualidades do progenitor recorrente (BORÉM; MIRANDA, 2005; DAPONT, MAIA e MELO, 2016). O método, portanto, confere um alto controle genético ao trabalho do melhorista, diferentemente dos métodos tradicionais de hibridação, pois, com retrocruzamentos, espera-se a recuperação das características básicas da variedade à qual se procura incorporar o alelo desejado. Na aplicação do método, é mais comum a transferência de apenas um alelo, embora caracteres controlados por poucos genes possam, também, ser trabalhados pelo método, já com um pouco mais de dificuldade na sua condução (BESPALHOK, 1999; BORÉM; MIRANDA, 2005; DAPONT, MAIA e MELO, 2016). Para que um programa de retrocruzamento seja eficiente, os seguintes requisitos devem ser satisfeitos. I. Existência de um progenitor recorrente satisfatório. II. Possibilidade de manter, com boa intensidade, o caráter em transferência por meio dos vários retrocruzamentos. III. Número suficiente de retrocruzamentos deve ser feito para reconstituir, num alto grau, o progenitor recorrente. 45 dinâmica de populações │unidade ii O melhor progenitor não recorrente e aquele que, além de ser portador dos alelos desejáveis, não seja seriamente deficiente em outras características, e que a aceitabilidade total, sem restrições, do doador, pode influenciar o número de retrocruzamentos necessários para recuperar as características básicas do recorrente (BORÉM; MIRANDA, 2005; DAPONT, MAIA e MELO, 2016). Base genética do método No programa de retrocruzamento, o objetivo é conseguir indivíduos homozigotos cada vez mais semelhante à variedade recorrente. Para tanto, essa homozigose é atingida na mesma proporção da autofecundação e pode ser calculada por meio da seguinte fórmula. P = [2m-1)/2m] n, m – Corresponde ao número de gerações de autofecundação ou retrocruzamentos. n – É o número de genes envolvidos. Primeiramente, é realizado um retrocruzamentos AA x aa. Na geração F1, deverá ser formado ¼ AA: ½ Aa: ¼ aa. Observe que metade da progênie é homozigota. A metade desses homozigotos (1/4 do total) são do tipo desejado, por exemplo, aa. Ao contrário, se a geração F1 for retrocruzada com um progenitor superior (portador do genótipo AA), a proporção será 1/2AA: 1/2Aa. Naturalmente, o mesmo se espera para cada gene em que os progenitores diferem (alelos alternativos). Com a realização de retrocruzamentos adicionais para o mesmo progenitor, a população híbrida vai se tornando, progressivamente, cada vez mais semelhante à variedade recorrente, isto é, a população converge para um único genótipo, ao invés de conter 2n genótipos, como ocorre com a autofecundação (BUENO; MENDES; CARVALHO, 2006). Por exemplo, se os genitores diferem entre si em 10 locos gênicos e nenhuma seleção é praticada, seis retrocruzamentos produzirão uma população na qual 85% dos indivíduos serão homozigotos e idênticos ao progenitor recorrente para todos os 10 locos (BUENO; MENDES; CARVALHO, 2006). 46 UNIDADE II │DINâmIcA DE popUlAçõEs A proporção em que os alelos do progenitor não recorrente são eliminados durante os retrocruzamentos é influenciada pela ligação gênica. Se o objetivo é transferir o alelo desejável “a” para uma variedade superior, estando este ligado a outro alelo indesejável “b”, surge uma dificuldade, pois o genótipo do híbrido F1 será aB/Ab e, com a seleção para a, nas primeiras gerações de retrocruzamento, haverá tendência de transferir-se, também, b, tornando difícil a recombinação desejada AB. Todavia, como B é reintroduzido em cada retrocruzamento, haverá alta possibilidade de ocorrência de permuta genética, dependendo da distância entre os dois locos. Selecionando-se, exclusivamente, para o alelo A, a probabilidade de eliminar b é dada pela fórmula descrita a seguir. P= 1-(1-p)n+1 A proporção de recombinação é representada por p e n é o número de retrocruzamentos. Assim, se b estiver localizado a 50 ou mais unidades de permuta de A, ou se estiver em outro cromossomo, a probabilidade de sua eliminação será 1 – (0,5)6. Por exemplo, depois de 5 retrocruzamentos, a probabilidade de que b tenha sido eliminado é 1 - (0,5)6 = 0,989, ou 98,9%. Numa série de autofecundações, com seleção apenas para A, a probabilidade é de 0,50 ou 50%. À medida que a ligação se torna mais intensa, a separação entre os dois alelos fica mais difícil (BUENO; MENDES; CARVALHO, 2006; DAPONT, MAIA e MELO, 2016). Quando se desejam incorporar, numa variedade comercial, alelos de diferentes locos, um dos seguintes procedimentos pode ser adotado. I. Realizar programas distintos, com hibridação no final, para reunir no genótipo recorrente os diferentes caracteres. II. Transferir os alelos ao mesmo tempo, ou seja, a partir de uma única variedade, se isso for possível. Nesse caso, existe o inconveniente de se ter que trabalhar com populações maiores e, às vezes, a incorporação de um atrasa a do outro, por causa de diferenças de condições favoráveis à manifestação de cada um (fatores ambientais). III. Transferir um alelo num primeiro programa e, depois de sua incorporação, realizar outro programa para se transferir outro alelo e, às vezes, um terceiro. A variedade final deverá conter todos esses alelos. Evidentemente, trata-se de um trabalho extremamente demorado, não aconselhável na prática (Bueno; Mendes; Carvalho, 2006; Dapont, Maia e Melo, 2016). 47 dinâmica de populações │unidade ii Seleção recorrente e sua aplicabilidade no melhoramento de plantas autógamas Seleção recorrente é responsável pela seleção sistemática de indivíduos superiores de uma população, seguida de sua recombinação para formar uma nova população. O processo consiste no desenvolvimento de uma população, sua avaliação e seleção dos indivíduos superiores. Estes vão atuar como progenitores na formação de uma nova população para o ciclo de seleção seguinte. Um ciclo é completado toda vez que uma nova população é formada (BUENO; MENDES; CARVALHO, 2006; DAPONT, MAIA e MELO, 2016). Em autógamas, em consequência do sistema de reprodução por sucessivas autofecundações, há um isolamento das progênies, não sendo possível aproveitar os alelos favoráveis que estão em indivíduos diferentes, a não ser por novas hibridações. É por isso que a seleção recorrente constitui importante técnica de melhoramento (AMARO, 2006; BUENO; MENDES; CARVALHO, 2006; DAPONT, MAIA e MELO, 2016). Seleção recorrente O termo recorrente refere-se a repetir os mesmos procedimentos ciclo após ciclo de seleção, tornando o processo de acumulação dos alelos favoráveis um processo
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