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O possível e o necessário no processo de avaliação psicológica
Acácia Aparecida Angeli dos Santos1
Desde há muitos anos e, em especial depois da ditadura militar 
(1980 – 1990), a Psicologia, assumida como ciência e profissão, tem-se 
apresentado à sociedade não só como uma área de conhecimento que se 
debruça sobre questões importantes da natureza humana, mas também 
como categoria profissional que analisa e discute os acontecimentos 
sociais e seus desdobramentos no cotidiano das pessoas. Com essa 
preocupação, as diferentes possibilidades de práticas da Psicologia têm 
sido revisitadas e debatidas.
Consciente da importância desse momento histórico, o Conselho 
Federal de Psicologia passou a investir na construção de um conjunto 
de políticas, procurando contribuir para a transformação da sociedade 
e tendo como principal diretriz a defesa dos Direitos Humanos. O atual 
Código de Ética e todas as resoluções do órgão revelam tal compromisso, 
o que se tem traduzido na autocrítica de práticas profissionais oriundas 
tanto de áreas tradicionais quanto de áreas emergentes, mostrando 
a preocupação dos psicólogos com ações que possam implicar 
discriminação e segregação de pessoas. 
Com respeito à avaliação psicológica, são conhecidas as várias 
críticas referentes à forma como podem ser realizadas, minimizando 
ou até desconsiderando o impacto que causam nas pessoas a ela 
submetidas. Há dez anos (2001), o Sistema Conselhos em conjunto 
com entidades da área de avaliação psicológica, a saber, a Associação 
Brasileira de Rorscharch e Outras Técnicas Projetivas (ASBRo) e o 
Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) dispuseram-se 
a criar novas referências para esse campo de atuação, fornecendo 
conteúdos e experiências que servem como elementos de reflexão 
para o estabelecimento de novos parâmetros que embasam as 
práticas profissionais deste campo específico. 
É importante lembrar que nesse período os testes psicológicos, um 
dos principais instrumentos utilizados pela categoria, foram alvo de 
severas críticas, especialmente pelo fato de que muitos deles eram 
1 Universidade São Francisco.
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apenas traduções de testes construídos em outros países e vários deles 
não apresentavam evidências de validade para a população brasileira. 
Com isso, o princípio fundamental do Código de Ética (vigente à época) 
era continuamente violado, pois ele assegurava que o profissional 
deveria oferecer serviços de qualidade, de modo a garantir a dignidade 
das pessoas. Se não trabalhávamos com medidas adaptadas ou 
especificamente desenvolvidas para o nosso contexto, esse princípio 
não era respeitado. 
Como resposta a essa questão, surgiu o Sistema de Avaliação 
Psicológica (SATEPSI), implantado em 2003 e proposto com o objetivo 
de qualificar os instrumentos usados pelos psicólogos. Dessa forma, 
uma comissão de especialistas passou a analisar sistematicamente se 
os testes usados para fins diagnósticos permitiam que as interpretações 
dos resultados obtidos a partir do seu uso fossem respaldadas teórica 
e empiricamente. Essa foi uma forma de fornecer elementos externos 
para nortear o trabalho dos psicólogos para que não fossem seduzidos 
por uma apresentação mais bonita ou um preço mais atraente oferecido 
pelas casas editoras. Um tempo futuro virá em que cada psicólogo será 
capaz de analisar por si próprio qual é o melhor instrumento para ser 
usado em um dado contexto e para um determinado propósito sem 
que tenha que consultar uma lista de testes com parecer favorável ou 
desfavorável. Aí então teremos tido êxito na formação dos profissionais 
que são registrados nos conselhos regionais e que trabalharão com 
diferentes segmentos da sociedade.
Tendo em vista a história recente da avaliação psicológica no Brasil, 
é bastante difícil para o psicólogo assumir seu fazer profissional, 
especialmente quando ele envolve atividades avaliativas. Contudo, 
vale ressaltar que a legislação vigente prevê que o psicólogo é o único 
profissional que pode assumir essa atividade, pressupondo que ele tem 
formação adequada para tanto.
Considerando a inserção do psicólogo em novos espaços (p. ex.: 
Sistema Único de Saúde, Assistência Social) e o reconhecimento cada vez 
maior de seu papel em áreas consolidadas (p. ex.: escolas, organizações, 
clínicas), é natural a ocorrência de dilemas éticos surgidos de situações 
adversas características da atividade realizada, bem como da imbricação 
da Psicologia com outras áreas profissionais. Assim, é indispensável que 
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haja, além da atualização sobre os conteúdos que fundamentam as 
práticas profissionais, uma reflexão contínua sobre os princípios éticos 
que devem orientá-las. Com base nelas é que as instâncias de orientação 
e fiscalização do Sistema Conselhos (Comissões de Ética – COE e 
Comissões de Orientação e Fiscalização – COF) norteiam suas ações. 
Sob essa perspectiva é que se acentuou nos últimos anos a preocupação 
do Sistema Conselhos em esclarecer a sociedade sobre o significado da 
avaliação psicológica. Em cartilha recentemente publicada pelo CFP 
e amplamente divulgada pelos Conselhos Regionais, foi esclarecida 
aos psicólogos e à população, em especial aos usuários dos serviços 
psicológicos, a importante diferença que existe entre a avaliação como 
processo e os testes psicológicos que podem ou não ser utilizados como 
instrumentos de avaliação.
Nesse sentido, cabe lembrar que a avaliação psicológica é um processo 
técnico e científico realizado com pessoas ou grupos de pessoas, que se 
vale de diversos métodos, técnicas e instrumentos. Entre eles, estão os 
testes psicológicos, aos quais se recorre quando se pretende medir uma 
característica psicológica (p. ex.: inteligência, personalidade, atenção, 
entre outros). Sempre será necessário que a escolha do método ou dos 
testes específicos seja feita de acordo com a especificidade do contexto. 
Como processo, a avaliação é dinâmica e constitui fonte de 
informações de caráter explicativo sobre os fenômenos psicológicos, 
visando dar subsídio para trabalhos realizados nas diversas áreas 
de atuação do psicólogo, entre elas, saúde, educação, trabalho, 
sempre que houver necessidade. Ela implica necessariamente um 
planejamento prévio e cuidadoso, considerando a demanda e os fins 
aos quais se destina. 
A Resolução CFP no 07/2003 traz uma definição de avaliação 
psicológica que permite que seja vislumbrado o potencial de contribuição 
desse processo para a compreensão da subjetividade produzida no 
âmbito da sociedade contemporânea. Assim, assume que os resultados 
das avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos 
e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem 
como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na 
modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da 
demanda até a conclusão do processo de avaliação psicológica.
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Impossível minimizar o impacto que os resultados das avaliações 
psicológicas têm para as pessoas, grupos e para a sociedade. Nem por 
isso, a Psicologia pode se furtar à difícil tarefa de avaliar, sabendo do 
perigo do uso indevido para a rotulação que pode ser estigmatizante. 
Para finalizar, convém lembrar o nosso forte compromisso com a 
formação, sob cuidados explícitos da Associação Brasileira de Ensino 
da Psicologia (ABEP). Nas diretrizes recentemente revisadas (Resolução 
CNE no 5, de 15/3/2011) estão citadas, no artigo 8o, as competências 
necessárias do formado em Psicologia. Em dois dos seus quinze 
itens constam: “avaliar fenômenos humanos de ordem cognitiva, 
comportamental e afetiva, em diferentes contextos” (item VI) e “realizar 
diagnóstico e avaliação de processos psicológicos de indivíduos, de 
grupos e de organizações” (item (VII). 
Uma vez mais fica evidente que não há como nos furtarmos de tomar 
em nossasmãos essa possibilidade de atividade profissional e fazer dela 
uma de nossas principais formas de inserção e de prestação de serviços 
à sociedade brasileira. É possível e necessário que os psicólogos sejam 
qualificados para usar a avaliação psicológica sem correr riscos de causar 
danos às pessoas que são atendidas por ele em todo e qualquer contexto 
de atuação profissional!

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