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13 O possível e o necessário no processo de avaliação psicológica Acácia Aparecida Angeli dos Santos1 Desde há muitos anos e, em especial depois da ditadura militar (1980 – 1990), a Psicologia, assumida como ciência e profissão, tem-se apresentado à sociedade não só como uma área de conhecimento que se debruça sobre questões importantes da natureza humana, mas também como categoria profissional que analisa e discute os acontecimentos sociais e seus desdobramentos no cotidiano das pessoas. Com essa preocupação, as diferentes possibilidades de práticas da Psicologia têm sido revisitadas e debatidas. Consciente da importância desse momento histórico, o Conselho Federal de Psicologia passou a investir na construção de um conjunto de políticas, procurando contribuir para a transformação da sociedade e tendo como principal diretriz a defesa dos Direitos Humanos. O atual Código de Ética e todas as resoluções do órgão revelam tal compromisso, o que se tem traduzido na autocrítica de práticas profissionais oriundas tanto de áreas tradicionais quanto de áreas emergentes, mostrando a preocupação dos psicólogos com ações que possam implicar discriminação e segregação de pessoas. Com respeito à avaliação psicológica, são conhecidas as várias críticas referentes à forma como podem ser realizadas, minimizando ou até desconsiderando o impacto que causam nas pessoas a ela submetidas. Há dez anos (2001), o Sistema Conselhos em conjunto com entidades da área de avaliação psicológica, a saber, a Associação Brasileira de Rorscharch e Outras Técnicas Projetivas (ASBRo) e o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) dispuseram-se a criar novas referências para esse campo de atuação, fornecendo conteúdos e experiências que servem como elementos de reflexão para o estabelecimento de novos parâmetros que embasam as práticas profissionais deste campo específico. É importante lembrar que nesse período os testes psicológicos, um dos principais instrumentos utilizados pela categoria, foram alvo de severas críticas, especialmente pelo fato de que muitos deles eram 1 Universidade São Francisco. 14 apenas traduções de testes construídos em outros países e vários deles não apresentavam evidências de validade para a população brasileira. Com isso, o princípio fundamental do Código de Ética (vigente à época) era continuamente violado, pois ele assegurava que o profissional deveria oferecer serviços de qualidade, de modo a garantir a dignidade das pessoas. Se não trabalhávamos com medidas adaptadas ou especificamente desenvolvidas para o nosso contexto, esse princípio não era respeitado. Como resposta a essa questão, surgiu o Sistema de Avaliação Psicológica (SATEPSI), implantado em 2003 e proposto com o objetivo de qualificar os instrumentos usados pelos psicólogos. Dessa forma, uma comissão de especialistas passou a analisar sistematicamente se os testes usados para fins diagnósticos permitiam que as interpretações dos resultados obtidos a partir do seu uso fossem respaldadas teórica e empiricamente. Essa foi uma forma de fornecer elementos externos para nortear o trabalho dos psicólogos para que não fossem seduzidos por uma apresentação mais bonita ou um preço mais atraente oferecido pelas casas editoras. Um tempo futuro virá em que cada psicólogo será capaz de analisar por si próprio qual é o melhor instrumento para ser usado em um dado contexto e para um determinado propósito sem que tenha que consultar uma lista de testes com parecer favorável ou desfavorável. Aí então teremos tido êxito na formação dos profissionais que são registrados nos conselhos regionais e que trabalharão com diferentes segmentos da sociedade. Tendo em vista a história recente da avaliação psicológica no Brasil, é bastante difícil para o psicólogo assumir seu fazer profissional, especialmente quando ele envolve atividades avaliativas. Contudo, vale ressaltar que a legislação vigente prevê que o psicólogo é o único profissional que pode assumir essa atividade, pressupondo que ele tem formação adequada para tanto. Considerando a inserção do psicólogo em novos espaços (p. ex.: Sistema Único de Saúde, Assistência Social) e o reconhecimento cada vez maior de seu papel em áreas consolidadas (p. ex.: escolas, organizações, clínicas), é natural a ocorrência de dilemas éticos surgidos de situações adversas características da atividade realizada, bem como da imbricação da Psicologia com outras áreas profissionais. Assim, é indispensável que 15 haja, além da atualização sobre os conteúdos que fundamentam as práticas profissionais, uma reflexão contínua sobre os princípios éticos que devem orientá-las. Com base nelas é que as instâncias de orientação e fiscalização do Sistema Conselhos (Comissões de Ética – COE e Comissões de Orientação e Fiscalização – COF) norteiam suas ações. Sob essa perspectiva é que se acentuou nos últimos anos a preocupação do Sistema Conselhos em esclarecer a sociedade sobre o significado da avaliação psicológica. Em cartilha recentemente publicada pelo CFP e amplamente divulgada pelos Conselhos Regionais, foi esclarecida aos psicólogos e à população, em especial aos usuários dos serviços psicológicos, a importante diferença que existe entre a avaliação como processo e os testes psicológicos que podem ou não ser utilizados como instrumentos de avaliação. Nesse sentido, cabe lembrar que a avaliação psicológica é um processo técnico e científico realizado com pessoas ou grupos de pessoas, que se vale de diversos métodos, técnicas e instrumentos. Entre eles, estão os testes psicológicos, aos quais se recorre quando se pretende medir uma característica psicológica (p. ex.: inteligência, personalidade, atenção, entre outros). Sempre será necessário que a escolha do método ou dos testes específicos seja feita de acordo com a especificidade do contexto. Como processo, a avaliação é dinâmica e constitui fonte de informações de caráter explicativo sobre os fenômenos psicológicos, visando dar subsídio para trabalhos realizados nas diversas áreas de atuação do psicólogo, entre elas, saúde, educação, trabalho, sempre que houver necessidade. Ela implica necessariamente um planejamento prévio e cuidadoso, considerando a demanda e os fins aos quais se destina. A Resolução CFP no 07/2003 traz uma definição de avaliação psicológica que permite que seja vislumbrado o potencial de contribuição desse processo para a compreensão da subjetividade produzida no âmbito da sociedade contemporânea. Assim, assume que os resultados das avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a conclusão do processo de avaliação psicológica. 16 Impossível minimizar o impacto que os resultados das avaliações psicológicas têm para as pessoas, grupos e para a sociedade. Nem por isso, a Psicologia pode se furtar à difícil tarefa de avaliar, sabendo do perigo do uso indevido para a rotulação que pode ser estigmatizante. Para finalizar, convém lembrar o nosso forte compromisso com a formação, sob cuidados explícitos da Associação Brasileira de Ensino da Psicologia (ABEP). Nas diretrizes recentemente revisadas (Resolução CNE no 5, de 15/3/2011) estão citadas, no artigo 8o, as competências necessárias do formado em Psicologia. Em dois dos seus quinze itens constam: “avaliar fenômenos humanos de ordem cognitiva, comportamental e afetiva, em diferentes contextos” (item VI) e “realizar diagnóstico e avaliação de processos psicológicos de indivíduos, de grupos e de organizações” (item (VII). Uma vez mais fica evidente que não há como nos furtarmos de tomar em nossasmãos essa possibilidade de atividade profissional e fazer dela uma de nossas principais formas de inserção e de prestação de serviços à sociedade brasileira. É possível e necessário que os psicólogos sejam qualificados para usar a avaliação psicológica sem correr riscos de causar danos às pessoas que são atendidas por ele em todo e qualquer contexto de atuação profissional!
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