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C U R S O DE FILOSOFIA D O DIREITO A Fi ioso t la d ü D i r e i i o v isa r e f i c u r s o b r e o D i i c i r o p a r a a l é m d e s u a s i m p l e s o p e r a c i o n a - i ização. Para tal , a l g u n s c o n c e i t o s , c a t e g o r i a s , a u t o r e s e i d é i a s p r e c i s a m s e r c o n h e c i d o s . Por isso, u m a v i são s e g u n d o a q u a l o D i r e i t o n ã o e v i s t o c o m o a l g o i so lado , m a s d e f a t o i n t e g r a d o a u j n a s é r i e d e o u t r o s a s p e c t o s d a v ida soc ia l . P e n s a r o D i r e i t o , n e s s e s e n t i d o , s ign i f i ca p r e p a r a r - s e p a r a c o m p r e e n d e r D i r e i t o a p a r t i r d e s e u s f u n d a m e n t o s , p o d e n d o - s e d e s s a f o r m a c o n t r i b u i r , d i r e t a o u i n d i r e t a m e n t e , p a r a a f o r m a ç ã o d e n o v a s g e r a ç õ e s d e j u r i s t a s e p a r a a c r í t i ca d o s c o n h e c i m e n t o s a d q u i r i d o s p o r e les . A e x p e r i ê n c i a d o s a u t o r e s c o m o p r o f e s s o r e s d e D i r e i t o a l i a d a à n e c e s s i d a d e d e u m a o b r a c o m o la to r d e c a t a l i s a ç ã o d o p r o c e s s o d e r e f l e x ã o s i s t e m á t i c a e m e t ó d i c a d a F i lo so f i a d o D i r e i t o d e t e r m i n a r a m a e l a b o r a ç ã o d e s t e l ivro, c u j o o b j e t i v o é p r o p o r c i o n a r a o e s t u d i o s o e a o e s t u d a n t e m o t i v o s d e i n s p i r a ç ã o p a r a s u a r e f l e x ã o p e s s o a l s o b r e o Di re i to . O p r e s e n t e l ivro t e m ap l i c ação na d i s c i p l i n a ' d e F i losof ia d o D i r e i t o p a r a d o i s s e m e s t r e s c o m p l e t o s . A P a r t e í ( P a n o r a m a h i s t ó r i c o ) p rop i c i a e s t u d o s a c e r c a d e t r e c h o s o r i g i n a i s d o s p r i n c i p a i s f i l ó s o f o s d o D i r e i t o , c o m c o m e n t á r i o s e r e n e x õ e s . A P a r t e 11 ( T ó p i c o s c o n - c e i t u a i s ) a p r e s e n t a o D i r e i t o e s u a s i n t e r f a c e s c o m a m o r a l , a j u s t i ç a , a é t i c a , a l i b e r d a - d e , a h i s t ó r i a , a p o l í t i c a , a l i n g u a g e m , a c o m u n i c a ç ã o , a a r t e , a l óg i ca , a i n t e r p r e t a ç ã o , o p o d e r , o s f u n d a m e n t o s s o c i a i s e o s p o l í t i c o s . A P L I C A Ç Ã O l.ivro-texio para a disciplina Fiioso/íu ào Direito dos cursos de graduação e pós-graduaç.io c^ ní i^íiieuo c ieiruia complementar para os curíos de Ética, introdução ao Direito e Ho cioÍot;!a Juiídica. Leitura relevante para os operadores de !)ircitü, por oferecer raciocínio, críiica. lógica e conhecimentos sólidos para a arguniCiUação jurídica. p u b l i c a ç n a n t l n x wv^v/.EditoraAtlas.com.br — w S. 5 g- o o O ^ h—< ^ O c n O O o p s s H O Eduardo C. B. Bittar Guilherme Assis de Almeida CURSO DE FILOSOFIA DO DIREITO 9- Edição Revista e Aumentada a t i c i j JBFD02 51c 2.2 A ruptura sofista O homem grego, ávido de independência em face dos fenômenos naturais e das crenças sobrenaturais, vê-se, historicamente, investido de condições de alforriar- se dessa tradição. É um dizer sofístico, de autoria de Protágoras, esse que diz: o homem é a medida de todas as coisas (pánton métron anthrwpos)} Isso no sentido da libertação dos cânones homéricos e das legendárias tradições patriarcais e sa- cerdotais que dominavam o espírito grego. Somente no século V a.C. solidificam-se condições que facultam que as atenções humanas estejam completamente voltadas para as coisas humanas (comércio, problemas sociais, discussões poHticas, guerras intracitadinas, expansão de território...). Eis aí o mérito da sofística, qual seja: principiar a fase na qual o homem é colocado no centro das atenções, com todas as suas ambiguidades e contraditó- rias posturas (psicológicas, morais, sociais, políticas, jurídicas...).^ Há quem não reconheça à sofística nenhuma importância filosófica, ou mesmo não lhe confira nenhuma expressividade no contexto em que veio à lume, visão esta que obscurece a realidade dos fatos. É esse o contexto de florescimento do movimento sofístico, muito mais ligado que está, portanto, à discussão de interesses comunitários, a discursos e elocuções públicas, à manifestação e à deliberação em audiências políticas, ao convencimento dos pares, ao alcance da notoriedade no espaço da praça pública, à demonstração peio raciocínio dos ardis do homem em interação social,.. A Grécia teve de aguardar momento político, econômico, social e cultural em que esses caracteres pudessem encontrar o eco que suscitasse a formação de especialistas na arte do discurso. No entanto, por mais estranha que pareça a afirmação, essa pesquisa requer que se diga, desde o princípio, que não se pode afirmar com conreção que existe uma escola dos sofistas.^ A afirmação de que os sofistas constituem uma escola é falsa. Isso porque as fontes de pesquisa revelam que os sofistas constituíram, no máximo, um con- junto de pensadores relativamente contemporâneos, que possuíam afinidades de idéias, conceitos e modos de vida. Nesse sentido, se se fosse explorar a fundo a temática, cada sofista teria de ser estudado com apuro e detalhe, uma vez que as diversificadas doutrinas induziriam ao estudo de detalhadas e diferenciadas » Frg. Díels iHélade, p. 257). ^ "O grande serviço dos sofistas foi voltar a filosofia para o estudo do homem, considerado, quer como ser individual, quer como ser social (donde o seu interesse pelas questões de justiça), alcançar os alicerces dia educação sistemática dos jovens" i?eteka, Bsmdos de histórica da cultura clássica, 1993, p. 441). ^ "Os sofistas não chegaram a formar uma escola, pois não adotaram uma linha única de pensa- mentp, séndo-lhes comum a divergência ou contradição de idéias, embora dirigissem seu estudo para idêntico alvo: o homem e seus problemas psicológicos, morais e sodais" (Nader, Filosofia do direito, 1999, p. 104). manifestações, pelo menos, dos seguintes sofistas: Protágoras, Górgias, Pródico, Hípias, Antífon, Trasímaco, Crítias, Antístenes, Alcidamas, Licófron.^ Provenientes de diversas partes (Protágoras - Abdera; Górgias - Leontinos; Trasímaco - Calcedônia; Pródico - Ceos; Hípias - Élide), e não somente de Atenas (Antifonte e Crítias), os sofistas notabilizaram-se por encontrar nas multidões e nos auditórios ávidos de conhecimentos retóricos seu público.^ Contudo, deter- se nas manifestações desses sofistas seria já tarefa para um estudo monográfico, motivo pelo qual se declina desse compromisso para deter-se à análise somente dos traços comuns a todos, ou à maioria dos sofistas. O que de fato ocorre é que, desde Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384- 322 a.C.), passou-se a tratar a diversidade dos sofistas como um grande conjunto indiferenciado de pensadores e técnicos da palavra. Até mesmo os contemporâneos ao surgimento do próprio movimento manifestavam-se de modo semelhante com relação aos sofistas, o que contribuiu nitidamente para o fortalecimento da ideia de unidade da escola sofística, que, efetivamente, nunca existiu. A difusão da expressão do movimento dos sofistas nos meios filosóficos, bem como a criação de uma espécie de menosprezo pelo modus essendi, pelo profissio- nalismo do saber e pela forma do raciocínio dos sofistas, adveio, sobretudo, com a escola socrática.^ De fato, Sócrates destaca-se como declarado antagonista dos sofistas, e dedica boa parte de seu tempo a provar que nada sabem, apesar de se intitularem expertos em determinados assuntos e cobrarem pelos ensinos que proferem. Na sequência do pensamento socrático, Platão incorpora esse antagonismo intelectual e o transforma em compromisso filosófico,e lega para a posteridade uma visão dicotômica que opõe diretamente as pretensões da filosofia (essência, conhecimento, sabedoria...) às pretensões da sofistica (aparência, opinião, retó- rica...). Chega mesmo a conceber os sofistas como homens desconhecedores das coisas, pseudo-sábios, que têm em vista somente contraditar a tudo e a todos, criar disputas, fomentar debates inócuos e vazios de sentido; aí mora o desprestígio da ^ A respeito de dados biográficos e doutrinas dos sofistas, consulte-se Guthrie, Os sofistas, 1995, p. 243-294. ^ "Os Sofistas, pois, não gozavam de simpatia por razões diversas tanto entre filósofos como Sócra- tes e Platão como entre cidadãos como Anito. O ódio em que incorriam aos olhos do establishment era não só devido aos assuntos que professavam, mas também seu próprio status estava contra eles. Não só pretendiam dar instrução no que em Atenas se pensava para as pessoas certas uma espécie de segunda natureza, mas eles mesmo não eram líderes atenienses nem mesmo cidadãos. Çram estrangeiros, provincianos cujo gênio ultrapassava os confins de suas cidades natais menores" (Gutluie, Os sofistas, 1995, p. 42). ; ^ "A atitude do público ateniense era ambivalente, refletindo a situação transitória da vida social e intelectual ateniense. Os sofistas não tinham nenhimia dificuldade de encontrar alunos para pagar suas altas taxas, ou auditórios para suas conferências e exibições públicas. Todavia, alguns dos mais velhos e conservadores desaprovavam fortemente a eles. Esta desaprovação vincula-se, como Platão mostra, com o seu profissionalismo" (Guthrie, Os sofistas, 1995, p. 40-41). 2.4 Retórica e prática judiciária As amplas disputas, discussões e debates qüe permearam todo o século V a.G., no plano da política, no plano das estratégias de guerra, no plano das deliberações legislativas, no plano dos julgamentos nos tribunais populares..., inclusive em virtude da presença e do desenvolvimento das escolas de sofistas, colaboraram no processo de abertura dos horizontes do pensamento grego. A liberdade de expressão, matiz característíco do século de Péricles, aliada ao amor pelo cultivo da oratória e da retórica, ensejou a possibilidade de ques- tionamento da posição particular do homem perante a physis e como membro participante do corpo político. A praça pública (agorá), povoada por homens dotados da técnica (techné) de utilização das palavras, funcionava como oficina da intelectualidade em sua expressão oralizada. Além da praça pública, a muitos interessava o domínio da linguagem (pense-se que os discursos forenses eram encomendados a homens que se incumbiam "de escrevê-los para serem lidos perante os juízes - este é o trabalho dos logógraphoi) para estar diante da tribuna, perante os magistrados. As palavras tomaram-se o elemento primordial para a definição do justo e do injusto. A técnica (techné) argumentativa faculta ao orador, por mais diíícil que seja sua causa jurídica, suplantar as barreiras dos preconceitos sobre o justo e o injusto e demonstrar aquilo que aos olhos vulgares não é imediatamente visível. As experiências jurídicas, nesse contexto, aproximam-se do casuísmo rela- tivista que só pode definir a justiça ou a injustiça do caso diante da análise de sua situação concreta, de sua ocorrência efetiva, de sua apreciação imediata. Isso favo- rece o desenvolvimento do discurso judiciário, pois, conquanto que bem articulado, peia força da expressão oral, e bem defendido perante os magistrados, o efeito a ser produzido pode favorecer aquele que deseja por ele ver-se beneficiado. 2.5 Justiça a serviço dos interesses No plano do debate filosófico, o resultado dessa mudança de eixo da cultura grega, com relação à tradição anterior ao século V a.C. (Homero, Hesíodo...), não foi senão a relativização da justiça. Os sofistas foram mesmo radicais opositores da tradição, e grande parte dos esforços teóricos e epistemológicos dos sofistas recaiu exatamente sobre definições absolutas, sobre conceitos fixos e eternos, sobre tradições inabaláveis. No lugar desses, para os sofistas, surgia o relativo, o provável, o possível, o instável, o convencional. Um dos destaques na prc^feração de ideias e pensamentos acerca da relatividade das coisas foi Protágoras,^ A assunção dessa posição diante dos fatos e valores desencadeou, no plano da reflexão acerca do justo e dp injusto, a relativização da justiça. Isso porque, no debate entre o prevalecimento da natüreza dás leis (physis) e o prevalecimento da arbitrariedade das leis (nomos), os sofistas optaram, em geral, pela segunda hipótese, sobretudo os partidários das teses históricas acerca da evolução humana; a lei (nómos) seria responsável pela libertação humana dos laços da barbárie.^ Isso porque, coerentemente com seus princípios, diziam ser o homem o princípio e a causa de si mesmo, è não a natureza.^ Orai deliberar sobre qual será o conteúdo das leis é atividade preponderantemente humana, e nisso não há nenhuma intervenção dã natureza, como admitido pela tradição literária e filosófica grega. A natureza (physis) faria com que as leis fossem idênticas em todas as partes, tendo-se em vista que o fogo arde em todas as partes da mesma forma, como posteriormente dirá Aristóteles. No entanto, pelo contrário, o que se vê é que homens de culturas diferentes vivem legislações e valores jurídicos diferentes, na medida em que se encontra em seu poder definir o que é o justo e o que é o injusto.'^ ^ "O mais célebre advogado da relatividade de valores (embora, como inevitavelmente acontece, seu pensamento tenha sido amiúde distorcido ao ser filtrado por outras mentes mehoS dotadas) foi Protágoras, e seu desafio filosófico a normas tradicionalmente aceitas baseava-se por sua vez em teorias relativas e subjetivas de ontologia e epistemologia. Enquanto aplicada a valores, relativida- de pode significar uma das duas coisas: (a) Não há nada a que se possam aplicar os epítetos bom, mau e semelhantes de maneira absoluta e sem qualificação, porque o efeito de tudo é diferente segundo o objeto sobre que ele se exerce, as circunstâncias de sua aplicação e assim por diante. O que é bom para A pode ser mau para B, o que é bom para A em certas drcunstâncias pode ser mau para ele em outras, e assim por diante. A objetividade do efeito bom não é negada, mas varia em casos individuais, (fc) Quando um locutor dí2 que bom e mau são apenas relativos, pode significar que não há nada bom ou mau, mas o pensamento o torna tal. Toda investigação da antítese nomos- physis fornece numerosos exemplos disso: incesto, abominável aos olhos dos gregos, é normal aos olhos dos egípcios, e assim por diante. Com valores estéticos, o caso ainda é mais óbvio" (Guthrie, Os soltas, 1995, p. 156-157). 2 Cf. Guthrie, Os sofistas, 1995, p. 64. ^ "Levantam peia primeira vez o relativismo gnosiológico, expresso por Protágoras ao enunciar que 'o homem é a medida de todas as coisas'. Desponta novo pensamento jtirídico estribado na sub- jetividade humana, passando do período cosmológico anterior ao período antropológico, criticando o fundamento da normatividade e dos costumes" (Guimarães, Direito natural: visão metafi'sica e antropológica, 1991, p. 23). "O sentido de physis emerge de um estudo dos pré-socráticos. Pode-se traduzir seguramente por 'natureza', embora, quando ocorre junto com nomos, a palavra 'realidade' às vezes tomará imedia- tamente mais claro contraste. Nomos para os homens dos tempos clássicos é alguma coisa que no- mizetai, em que se crê, se pratica ou se sustenta ser certo; originalmente alguma coisa que nemetai, é dividido, distribuído e dispensado. Quer diz, pressupõe um sujeito agente - que crê, pratica ou divide uma mente que emana o nomos. É, pois, natural que povos diferentes tenham diferentes nomoí, mas, enquanto a religião permaneceu uma força eficaz,a mente que projeta poderia ser a dos deuses, podendo assim haver nomoi que fossem aplicáveis a todo o gênero humano" (Guthrie, Os sofistas, 1995, p. 57).
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