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FES I (Motta) - Respostas do Questionário II (2012) 1. Para Novais, a peça fundamental da acumulação originária, da "gestação do capitalismo moderno", o sistema colonial mercantilista, passou a ser obstáculo ao desenvolvimento capitalista a partir do momento em que este sistema começou a se industrializar. Afinal, a necessidade de expansão dos mercados, cara ao capitalismo industrial, para desenvolver a produção e as vendas, passou a ser incompatível com as bases do sistema colonial mercantilista, isto é, a escravidão - pelo potencial mercado consumidor que a escravidão reprimia - e o regime de exclusivo metropolitano - o que encarecia insumos produtivos e impedia ou encarecia a venda dos industrializados nas colônias. Assim, desse conflito de funcionamento entre o capitalismo industrial e o sistema colonial decorre a crise do antigo sistema colonial: “(...) quando [a industrialização] atinge o nível de uma mecanização da indústria (Revolução Industrial), todo o conjunto começa a se comprometer porque o capitalismo industrial não se acomoda nem com as barreiras do regime de exclusivo colonial nem com o regime escravista de trabalho.” 2. Mircea, ao contrário de Furtado, destaca os acontecimentos da primeira metade do século XIX como essenciais para o progresso verificado na segunda metade do século; "a época de Mauá só foi possível graças à de Cairu". Acontecimentos sociais, culturais, políticos e econômicos do período 1800-1850 teriam sido decisivos na mudança: formação de uma elite intelectual, difusão de idéias européias, surgimento da imprensa e de um sistema educacional (ainda que limitado), crescimento da classe média relacionada à vinda da Corte Portuguesa, a abolição do tráfico negreiro, o aumento da imigração branca como consequência da abolição do tráfico, o surto do café e a criação de novas instituições econômicas, como o Banco do Brasil (ainda que com seus problemas). Buescu se baseia, em especial, na análise da renda brasileira no período, que, segundo ele, "deixa de cair (...); não é mais uma estagnação, mas sim, o marco de uma mudança de direção" - nesse ponto, concorda com Furtado: “O Brasil iniciou [em 1850] uma étapa de crescimento após três quartos de século de estagnação e provavelmente retrocesso de sua renda per capita”. 3. Furtado desenvolve a tese de que, no período 1800-1850, a renda per capita no Brasil é declinante. Ele chega à essa conclusão analisando os termos de troca no país, e diz que, com a grande queda nos preços das exportações, apenas uma queda semelhante nos preços das importações poderia manter a renda real constante. Assumindo que os preços das importações se equiparavam aos preços de exportação ingleses e verificando que estes últimos se mantiveram estáveis no período analisado, e sem qualquer tipo de industrialização desenvolvida no Brasil, Furtado afirma que a renda só pode ter declinado no período considerado, contrapondo-se às considerações de Mircea Buescu sobre a renda no período. 4. a) A abertura dos portos inaugurou nova fase na história brasileira ao romper com o exclusivismo colonial, isto é, ao possibilitar a entrada, no país, de produtos de origem que não fosse necessariamente portuguesa. A medida favoreceu as nações amigas à Portugal, em especial a Inglaterra, cuja aliança com Portugal era tradicional e "de longa data". Isto porque, para os comerciantes e industriais ingleses, a abertura dos portos brasileiros parecia uma oportunidade de substituir, ao menos em parte, os mercados europeu e norteamericano, então restritos aos produtos ingleses por, respectivamente, o bloqueio continental decretado por Napoleão em 1806 e intensificado em 1807, e tensões entre a Inglaterra e sua ex-colônia americana fomentadas pela legislação protecionista norteamericana e pela navegação dos neutros. A situação inglesa era tal que o mercado brasileiro foi completamente abarrotado logo que aberto, uma vez que os comerciantes daquele país tinham produtos “encalhados nas pratileiras” desde 1806. b) O tratado de comércio e navegação de 1810 foi extremamente favorável à Inglaterra, mesmo que, em alguns aspectos, às custas da colônia portuguesa. O governo português, por sua vez, preocupado com a situação europeia e a manutenção da dinastia de Bragança, ratifica o tratado para perpetuar o apoio inglês. Os britânicos tinham grande interesse no tratado de comércio, que os consolidaria comercialmente na América e os colocaria em posição de vantagem nesse mercado quando a guerra acabasse. Além disso, poderiam se utilizar do Brasil para escoar os produtos estocados na Inglaterra e conseguir matéria-prima para a indústria têxtil. Ratificado o tratado, os anseios ingleses vieram a ocorrer. No entanto, para o Brasil, a concessão do tratado foi responsável por minar qualquer tipo de desenvolvimento manufatureiro brasileiro, que não podia competir com os importados ingleses em tais condições. Portugal "pagou esse preço" em troca de apoio inglês. Importante lembrar que, para Furtado, ao contrário de Caio Prado, Simonsen e Olga Pantaleão, os tratados de 1810 não foram o fator essencial para não-industrialização do período - desvalorização da moeda prova tal fato, dado que o câmbio mais do que compensou os privilégios concedidos aos produtos ingleses importados. 5. A descrição de Alan K. Manchester de D. João VI como "um obeso príncipe real que sofria de um caso crônico de indecisão" se refere às contradições da política econômica de D. João VI no período regencial, isto é, pela alternância, no período de 1808- 1821, de medidas liberais, no sentido de romperem com o exclusivismo colonialista e favorecerem o comércio exterior, e medidas nitidamente mercantilistas, ou seja, regalias aos portugueses em detrimento desse comércio exterior. Como observou Emília Viotti da Costa, "as regalias que D. João concedia com uma das mãos ao comércio estrangeiro, procurava restringir com a outra, que estendia aos portugueses". Essas contradições de D. João provinham do fato de que, por um lado, adotar por completo o liberalismo econômico seria romper com os interesses de Portugal e sacrificar as bases de sobrevivência da própria Coroa, mas, por outro lado, o contexto europeu, a pressão das elites brasileiras e a aliança com a Inglaterra impediam a manutenção do sistema colonial. Esse embate de interesses, cuja síntese estava na "crônica indecisão" de D. João VI, foi se acirrando no período considerado, e culminou, em 1822, com a independência completa do Brasil, como reação à radicalização da posição portuguesa que seguiu a Revolução do Porto de 1820. Pretendendo conciliar interesses estrangeiros (em especial ingleses), de comerciantes portugueses, de “brasileiros” e da própria Coroa (sobretudo fiscais), Dom João não consegue “senão descontentar a todos.” 6. Rodrigues de Brito, em seu libelo contra o colonialismo, explicita como problemas da situação brasileira exatamente os fatores que, segundo Novais, foram responsáveis por sua ruína: o entreposto metropolitano e a mão de obra escrava. Como afirma o próprio Buescu, "As liberdades que ele (Rodrigues de Brito) pleiteia, em nome da nova doutrina (liberal), implicam no abandono dos próprios fundamentos do colonialismo". Sua oposição em nome do liberalismo aos entraves, impostos, controles, limitações e proibições é a revolta disfarçada contra a política colonial. A posição liberal assumida por Rodrigues de Brito é semelhante, portanto, à adotada pelos capitalistas industriais. Demais, a crítica do desembargador é análoga ao conflito discutido por Novais, entre o antigo sistema colonial e o capitalismo industrial, que teria levado o primeiro à ruína. 7. a) Furtado critica a ideia de que os Tratados firmados em 1810 entre Portugal e Inglaterra foram responsáveis pela aniquilação do "surto manufatureiro" iniciado em 1808, com a revogação do decretoproibitivo de produção industrial no Brasil. Para ele, a desvalorização da taxa de câmbio na época foi expressiva a ponto de aumentar os preços dos importados em uma escala mais expressiva do que os Tratados de 1810 abaixaram; isto é, a variação da taxa de câmbio brasileira teria agido como um fator protecionista. Logo, Furtado aponta algumas razões para a não-industrialização brasileira: a falta de um mercado consumidor - já que, como diz Furtado, nenhuma indústria cria mercado para si própria -, a falta de experiência técnica para produzir industrialmente e a estagnação das exportações - o que está vincauldo à questão do mercado. Furtado lembra ainda que, nas colônias americanas do norte, foi apenas após a industrialização que se deu uma política protecionista ao setor, mostrando que não é essa política que determina ou não o surgimento e crescimento de um setor industrial. b) Os privilégios aduaneiros concedidos à Inglaterra no contexto de paralisação do comércio exterior criam enormes dificuldades ao governo brasileiro, visto que, diz Furtado, é por meio dos impostos sobre as importações que o governo brasileiro arrecadava sua renda básica. Assim, a única alternativa para manter a arrecadação seria taxar as exportações, i.e., jogar a conta do governo para os grandes produtores da agricultura; nas palavras de Furtado, "sangrar os próprios lucros". Na impossibilidade de aumentar a arrecadação, o governo brasileiro passa por maus bocados: aumenta seu déficit, o que tenta contornar emitindo papel-moeda, que, por sua vez, reflete-se em aumento dos preços dos importados e, por fim, reflete-se no empobrecimento das classes pequena e média urbana. Não é à toa, diz Furtado, que nos primeiros decênios de Brasil independente ocorrem tantas revoltas populares urbanas e acirramento do ódio contra o governo central. 8. O Brasil passou por sérias dificuldades financeiras em suas primeiras décadas independentes. Isso porque, segundo Furtado, os Tratados de Comércio de 1810 e, posteriormente, de 1827, entre, respectivamente, Portugal e Brasil com a Inglaterra, foram responsáveis por rebaixar as taxas ad valorem sobre os produtos importados, o que, evidentemente, diminui drasticamente a arrecadação do governo. A única solução, diz Furtado, seria taxar as exportações, o que significaria diminuirmos lucros da grande agricultura - evidentemente, uma saída fiscal politicamente inviável à época. Sem poder cobrir seus gastos básicos, o governo passou a imprimir papel-moeda para financiar seu déficit. A decisão teria desvalorizado o mil-réis em relação à libra esterlina, e essa desvalorização levou os preços dos importados a subirem demasiadamente, o que teria atingido, diz Furtado, especialmente as camadas urbanas, como comerciantes, empregados, militares etc. Isso explicaria, segundo Furtado, o grande número de revoltas populares urbanas vistas no império em suas primeiras décadas. 9. A crítica de Rodrigues de Brito em seu "libelo" contra o colonialismo e os dizeres do manifesto do Príncipe Regente tem grandes semelhanças, no que diz respeito à adoção de uma postura contrária ao sistema mercantilista colonialista e a proposição do liberalismo econômico como novo conjunto de práticas econômicas a ser seguido. Rodrigues de Brito destaca a ineficiência da política colonial ao impedir a formação de manufaturas, escolher a produção agrícola, limitar áreas de comércio e tributar excessivamente as importações. Sua proposta é "a eliminação, parcial ou total, da intermediação imposta pela Metrópole, a redução ou a isenção dos tributos", nas palavras de Mircea Buescu. O manifesto do Príncipe Regente contém o mesmo teor, clamando pela liberalização do comércio, da manufatura e da agricultura. No entanto, os motivos pelos quais cada um dos textos foi produzido parecem ser distintos. Enquanto Buescu atribui, à postura liberal do desembargador Rodrigues de Brito, uma grande influência das ideias francesas e inglesas no Brasil, pode-se sugerir que a postura liberal do Príncipe Regente seja, em muito maior parte, influência e pressão dos interesses ingleses do que uma adoção individual, intelectual das ideias liberais. 10. O trecho em questão, citado por Emília Viotti da Costa, evidencia como os movimentos revolucionários pré-independência, como a Conjuração Baiana de 1798 ou a Revolução Pernambucana de 1817, foram como que ensaios da emancipação política de fato, mostrando às elites os rumos que poderiam ser tomados se o povo pusesse a mão em armas. Evidentemente, o liberalismo limitado das elites brasileiras seria insuficiente para mudar estruturalmente a sociedade brasileira e, portanto, meter o povo no processo de emancipação, como observado por essas experiências pré-revolucionárias, seria levar a mudança no país para muito além de uma simples ruptura com Portugal. É por esse motivo, por exemplo, que são tão defendidas soluções de irmandade entre os países por meio de uma monarquia dual etc., isto é, uma solução que concilie o desejo de ruptura com o medo de dar armas ao povo. Os trechos a seguir, de Emília Viotti da Costa, ilustram seu posicionamento: “O temor da população culta e ilustrada diante da perspectiva de agitação das massas explica porque a idéia de realizar a Independência com o apoio do príncipe pareceria tão sedutora: permitiria emancipar a nação do jugo metropolitano sem que para isso fosse necessário recorrer à rebelião popular.” “Revolucionários temiam é que [a doutrina dos direitos do homem e do cidadão] fosse compreendida pelas massas.” 11. Emília Viotti da Costa define o liberalismo e o nacionalismo, no Brasil, como limitados. Como ela mesmo coloca, o próprio fundamento do liberalismo era incompatível com a realidade brasileira. Se as idéias iluministas, na Europa, serviam como base para a tomada do poder da aristocracia decadente por uma burguesia ativa, industrial, comercial, manufatureira, e pregavam por liberdade e igualdade, no Brasil foram utilizadas pelas elites e aristocracia rural não para os mesmos fins sociais, políticos e econômicos que na Europa, mas sim para romper com os laços coloniais. “Se se continua a falar dos direitos dos homens, de igualdade, terminar-se-á por pronunciar a palavra fatal: liberdade, palavra terrível e que tem muito mais força num país de escravos”. O liberalismo e o nacionalismo brasileiro tinham, portanto, limites, pois não defendiam mudanças estruturais na colônia ou na sociedade; pelo contrário, desejavam manter a estrutura escravista latifundiária colonial, livrando-se apenas do intermédio metropolitano. Assim, quando essas elites levaram à cabo o processo de emancipação política no Brasil, estruturalmente, pouco mudou. Um exemplo disso é a manutenção da escravidão negra, que é o que trata o texto de Reis & Silva. 12. De acordo com a citação “(...) o que se origina do confronto entre o partido autonomista, de um lado, e o imperador e os centralistas locais, de outro, (...) trata-se de um confronto entre dois projetos de nação”; com efeito, a discussão que toma conta do cenário político brasileiro em 1823 é acerca do modo como todo o arranjo político da nação deveria ser organizado. De um lado estavam os autonomistas, que acreditavam que o regime monárquico só seria compatível com uma federação se a liberdade para administrar seus próprios interesses for garantida às províncias, as quais, nesse sentido, devem ser unidades soberanas. Dessa forma, o governo da União, desprovido de autonomia frente as partes que o compõe, seria apenas responsável pelas relações que unem as províncias “à sociedade”, enquanto que estas teriam completa autonomia para gerir seus interesses internos (ao que Coser dá o nome de “administração da casa”). Do outro lado, encontravam-se os centralistas locais e o Imperador, os quais enfatizavam a incompatibilidade entre regime monárquicoe federação/confederação. A maior preocupação dos centralizadores acerca do tipo de arranjo organizacional federativo era que, na falta de um poder central legítimo capaz de evitar uma possível quebra da unidade nacional, os laços nacionais se tornavam extremamente fracos, dificultando a manutenção da independência recém conseguida. 13.O texto apresentado afirma que “(...) o Império do Brasil não brotou das inspirações liberais que o período da Independência colocou em circulação, mas nasceu e foi acalentado, mais propriamente, sob o signo do mesmo absolutismo ilustrado que forjara a ideia de império para conservar o que supunha sempre haver sido” e é essa a característica mais marcante de todo o processo da emancipação política: o fato de haver sido, na realidade, uma mudança necessária para que a ordem da sociedade se mantivesse inalterada. Coadunaram, para que o processo se desse dessa forma, diversos fatores criando um complicado jogo de interesses: de um lado os portugueses desejosos do fim das liberdades de comércio concedidas após a mudança da Corte para o Brasil, e, de outro, os brasilienses (e comerciantes ingleses), que buscavam exatamente a manutenção dessas liberdades e autonomia alcançadas, sem, porém, alterar a estrutura colonialista de produção. Do lado dos brasilienses, o grupo mais hegemônico politicamente (os centralizadores) almejava a formação de uma aliança com Portugal, de modo que ambos os territórios fossem independentes politicamente (garantindo, portanto, as liberdades comercias e a autonomia adquiridas), mantendo-se, porém sob um mesmo soberano (assegurando-se, dessa forma, que a ordem da sociedade permanecesse inalterada). Entretanto, do lado dos portugueses, a resolução não se apresentava dessa maneira; para eles o importante era que as medidas liberais aplicadas pela Corte no Brasil fossem anuladas, de forma a garantir novamente o sistema de privilégios e monopólios que os favorecia anteriormente. Diante, porém, da impossibilidade de fazê-lo, visto que conforme as concessões eram anuladas, os conflitos se acirravam tanto em relação à colônia quanto à Inglaterra (maior beneficiária das medidas), e inspirados pela revolução liberal que acabara de figurar na Espanha, os portugueses concluem sua única saída seria a sua libertação da Coroa portuguesa (vista como a causadora de todos os seus problemas). Fazem, então, a Revolução Liberal do Porto, que, apesar de ser inspirada nos princípios liberais no âmbito político, tinha por trás de si toda uma intenção antiliberal, no âmbito econômico, que consistia na anulação de todas as liberdades e autonomia concedidas ao Brasil, de forma que, através do protecionismo sobre a colônia, os comerciantes e produtores portugueses pudessem ter novamente uma série de privilégios. Os colonos chegaram a apoiar a Revolução do Porto, acreditando que por seu cunho teoricamente liberal, a aliança entre ambas as nações, da maneira como se havia pensado, seria possível. No entanto, o que se percebeu após a revolução foi uma completa mudança na política econômica da Corte, que, defendendo os interesses portugueses, ia anulando todas as medidas liberais anteriores, o que fez com que os brasilienses tivessem a percepção da impossibilidade da tão desejada aliança. As elites brasileiras não podendo recorrer à revolução com ajuda das massas (o que faria com que a massa de escravos provavelmente decidisse contestar a sua condição social), volta-se para a ideia de uma emancipação política com apoio do Príncipe Regente: dessa forma, conservava-se toda a estrutura de produção colonial (baseada na escravidão), ao mesmo tempo em que se garantia a manutenção das liberdades comerciais e da autonomia conquistadas. Importante lembrar ainda dos interesses ingleses que estavam em jogo durante o processo de independência do Brasil, uma vez que os comerciantes ingleses eram favoráveis à política econômica liberal que se pretendia implantar no país (pelo “partido brasileiro”). 14.A Revolução do Porto, embora considerada uma revolução liberal por marcar a ascensão da burguesia portuguesa, teve, para o Brasil, o efeito contrário: serviu como radicalização da posição conservadora colonialista portuguesa. Para os portugueses, a abertura dos portos e os Tratados de 1810 teriam sido responsáveis pela decadência da economia portuguesa; logo, a solução para o problema seria restabelecer o laços coloniais antigos. Essa radicalização, no entanto, veio de encontro ao liberalismo e ao conjunto de ideias "francesas" que vinham se desenvolvendo no Brasil, especialmente pelas elites - com as limitações evidenciadas por Emília Viotti da Costa -, isto é, ao interesse brasileiro de romper com os sistema colonial e o entreposto metropolitano. Evidenciados, a partir de então, os pontos de vista lusitano e brasileiro e se tornando explícita a incompatibilidade deles, as ações confluíram para o movimento da independência total do Brasil perante Portugal. 15.Paula Beiguelman está discutindo, em sua frase, como o Brasil já estaria isento da dependência do tráfico e, logo, o processo diplomático inglês teria sido apenas o quadro político que trouxe essa realidade estrutural à tona. Por sua vez, Caio Prado desenvolve a idéia de que a pressão inglesa foi determinante para que o Brasil cedesse no mérito da abolição do tráfico negreiro, muito embora ele mesmo reconheça fatores internos que tenham ajudado, como a eliminação das "bases morais" que fundavam o escravismo, criando um sentimento anti-escravista após a independência. 16. Pode-se contrapor, na historiografia brasileira, algumas visões distintas sobre a extinção do tráfico negreiro. Em primeiro lugar, pode-se situar a discussão da razão pela qual a Inglaterra, a partir de 1807, passa a investir contra a escravidão. Alguns autores, como Caio Prado Jr. e Fernando Novais, vão discutir como a escravidão teria se tornado incompatível com o capitalismo industrial; na questão prática, o escravismo seria o impedimento da existência de um mercado consumidor para os industrializados ingleses. Já uma outra linha, como de Paula Beiguelman, desenvolve a ideia de que a escravidão seria indiferente ao capitalismo, e que a campanha anti-escravista inglesa seria resultado de uma tentativa britânica de enfraquecer os grandes produtores de açúcar, buscando a adoção mundial do livre-cambismo, fundamental para que a Inglaterra dominasse o mercado mundial de açúcar; Beiguelman critica, também, a questão prática do escravismo como restrição de mercado, já que, segunda ela, o trabalho livre que substitui a escravidão também não remunera suficientemente de modo a criar um mercado consmidor. Importante pontuar as visões de Beiguelman e Caio Prado, no sentido de que a primeiro defende que a abolição do tráfico foi graças à indiferença interna dos setores mais influentes da sociedade, enquanto o segundo coloca que a abolição se deu majoritariamente devido às pressões inglesas. Lembrar também que Caio Prado não chega a discutir os motivos da mudança de opinião inglesa acerca da escravidão. 17.Novais e Beiguelman divergem quanto ao papel do regime escravista de trabalho no capitalismo industrial. Ambos concordam que, inicialmente, a escravidão é fundamental para a acumulação capitalista. No entanto, Novais discute que o desenvolvimento da produção industrial tornou incompatível o estágio industrial capitalista e a escravidão, visto que ela reprimia a existência de um mercado consumidor. Por sua vez, Beiguelman rebate o argumento, dizendo que, a partir do momento em que o escravismo não é mais pivô da acumulação capitalista, esta passa a ser indiferente àquele. Tanto que o fim do escravismo, à exceção da economia cafeeira, acarretou na adoção do trabalho "formalmente" livre, mas de capacidade aquisitiva baixa o suficiente para continuar não formando mercadoconsumidor relevante. Diante da possibilidade de comercialização mundial do açúcar, a verdadeira campanha inglesa, continua Beiguelman, é a favor do livre-cambismo; assim, a postura anti-escravista seria apenas recurso para enfraquecer a resistência posta pelos poderosos plantadores antilhanos ao livre-cambismo. Beiguelman é contra portanto uma incompatibilidade a priori entre escravismo e capitalismo, ela defende uma análise caso-a-caso do assunto para compreender os motivos das abolições em cada localidade. 18.Beiguelman critica a linha de Caio Prado Jr. no que diz respeito à pressão inglesa como fator determinante para a extinção do tráfico no Brasil. Para ela, ao efetivar-se a proibição do tráfico no Brasil em 1850, este já não era mais necessário ao crescimento da economia. Isto porque o Nordeste açucareiro, já em fase madura, estaria visando já a especulação de escravos e não mais o atendimento de suas capacidades produtivas; por suas vezes, o Centro Sul em expansão podia adquirir escravos da reserva existente na agropecuária decadente do Norte, isto é, alimentando o tráfico interprovincial. Assim, a pressão inglesa teria sido relevante apenas no que diz respeito ao encaminhamento político da extinção do tráfico - que, estruturalmente, já estava resolvida. Na época da Regência, a lei impossibilitava que a questão se resolvesse sem ir à Assembléia Geral - a qual, dominada pelas elites latifundiárias, não aprovaria qualquer tentativa de restrição ao tráfico negreiro. Já na época do Segundo Reinado, embora a questão pudesse se resolver apenas pelo Executivo, os partidos liberal e conservador, que se sucediam no poder, competindo pela identificação com a sociedade agrária, garantiram a persistência do tráfico. Expirado o tratado de 1826, a Inglaterra promulga a lei Aberdeen, que tornará as relações com o Brasil especialmente tensas. Nesse contexto, o governo Liberal muda sua orientação; substituído, logo em seguida, pelos Conservadores, que buscam competir no mesmo plano, aprovam a lei de 1850 e, de fato, extinguem o tráfico do Brasil. 19.Caio Prado Jr., sobre o papel dos escravos, pobres e africanos livres no processo de extinção do tráfico, escreve que, realmente, não se o pode negligenciar, mas no que se refere não à extinção do tráfico em si, e sim na colocação da problemática da escravidão para a sociedade de então. Para ele, a simples existência dos escravos no Brasil já foram suficientes para levantar as discussões e eliminar a base moral. Mesmo assim, a passividade do escravo - que se dava, segundo ele, pela grande rotatividade do tráfico, o que impedia aculturação, ambientação e, logo, engajamento - teria sido um fator responsável pela persistência da escravidão africana no Brasil - além de, claro, ser a mão de obra básica, a "mola mestra da vida no País". ( Capítulo 15 História Econômica Geral páginas 142 e 143) 20.O texto de Chalhoub define alguns elementos relativos à Lei do Ventre Livre. Em primeiro lugar, ele discute a Lei dos Nascituros como uma conquista dos escravos e ex-escravos, o que vai contra as interpretações de Caio Prado Jr. e Paula Beiguelman, que embora tenham visões distintas sobre certos aspectos da situação, concordam que a criação da Lei foi um processo causado diretamente pela Coroa. Caio Prado Jr., por exemplo, vai destacar a vaidade imperial como fator determinante para a aprovação da Lei, afirmando que o Imperador sentiu-se fortemente influenciado por carta enviada da Junta Francesa de Emancipação por intelectuais franceses - o que mostra, também, a pressão da comunidade internacional em relação à questão. José Murillo de Carvalho, por sua vez, dá ênfase ao encontro de D. Pedro II com seus aliados na Guerra do Paraguai, onde teria percebido que a escravidão seria motivo de fraqueza e chacota; vale ressalvar, no entanto, que Carvalho reconhece que não é de se desprezar a influência que as movimentações de escravos tiveram na promulgação da Lei - embora admita que não foram determinantes. Em segundo lugar, ele põe em debate a questão da Lei de 1871 ser "um projeto de transição para o trabalho livre", o que pode ser refutado pelos autores em questão; afinal, se a Lei de 1871 fosse um projeto de transição para o trabalho livre, deveria ter participação efetiva do grupo cafeeiro, embora esteja claro que o processo foi fundamentalmente levado à cabo pela Coroa. Em terceiro lugar, Chalhoub afirma que a Lei dos Nascituros teve grande importância para a abolição; pode-se dizer que Paula Beiguelman corrobora essa visão quando ela destaca que, embora no longo prazo, a Lei de 1871 abala as bases da escravidão. Caio Prado Jr., por sua vez, discordaria da visão de Chalhoub, visto que, para ele, a Lei de 1871 prorrogaria por cinco ou seis décadas, ainda, a escravidão, e portanto teria sido apenas uma manobra diversionista, para amenizar as pressões emancipacionistas. 21. Trecho mencionado não está contido na bibliografia obrigatória 22.a) A questão da crise da mão de obra do período pós-extinção do tráfico negreiro no Brasil é colocada de maneira extremamente simplista no enunciado, isto é, define o problema da mão de obra como um simples problema de indisposição ao trabalho, e não explora o problema fundamental da mão de obra no período, que é o da oferta. Furtado discute como, na questão brasileira, as terras eram abundantes o suficiente para que o problema da expansão econômica se resolvesse apenas com a expansão da mão de obra. Considerando o problema da oferta, podemos pensar no fato de que a população “livre” que poderia ser recrutada (da pecuária ou os roceiros) extremamente dispersa pelo território do país e para recrutá-la seria essencial o apoio dos proprietários com os quais essas populações mantinham relações. Como esse proprietário não estava interessado no fim de toda uma “organização social” que estava constituida em torno dessa relação, o recrutamento de populações nacionais era extremente difícil. b) A lavoura cafeeira resolve seu problema de abastecimento de mão de obra por meio da imigração européia, embora em moldes peculiares. Diversas tentativas de importação de mão de obra européia foram feitas durante o século XIX, como, por exemplo, a primeira grande leva nos anos 40 - que, no entanto, gerou resultados negativos pois, ao vir para o Brasil, o imigrante deveria pagar pelos gastos de sua vinda com trabalho, o que os deixava em uma situação de "escravidão disfarçada"; algumas nações, como a alemã, chegaram a proibir a vinda de imigrantes ao Brasil - mas apenas em 1870, quando o governo imperial passou a subsidiar a passagem dos imigrantes e o fazendeiro passou a custear suas instalações, sustentou-se um fluxo migratório de trabalhadores europeus para as lavouras cafeeiras. Isso porque, eliminando os custos de transporte e instalação aos imigrantes, possibilitava ao trabalhador se ater à produção que lhe aprouvesse. Vale ressaltar, complementa Furtado, que esse fluxo migratório não seria tão grande assim, não fossem as condições de miséria em que se encontravam os italianos do sul, que constituíram parte majoritária dos imigrados. A crise só é definitivamente superado com o desuso do “sistema de parceria” e popularização do trabalho (ao menos parcialmente) assalariado. 23.A essência do trecho mencionado refere-se à profunda influência dos produtores cafeeiros em outros ramos da atividade econômica da época, como bem descreve Sergio Silva: “(...) a economia e o capital cafeeiros ultrapassam largamente as plantações. (...) Encontramos, muitas vezes, os mesmos homens que estão à frente de empresas que desempenham as funções mais diversas. Eles estão também - é importante destacá-lo - à frente do aparelho de Estado, seja ao nível regional (SP), seja ao nível federal. (...) O capital cafeeiro tinha portanto diversos aspectos; ele apresenta ao mesmotempo as caracterísiticas do capital agrário, do capital industrial, do capital bancário e do capital comercial. (...) Não havia uma burguesia agrária cafeeira, uma burguesia comercial, etc., mas uma burguesia cafeeira exercendo múltiplas funções.” Sobre a questão, o mesmo autor ainda assinala a predominância do capital comercial na articulação das diversas funções econômicas exercidas por essa elite, sobressaindo- se inclusive em relação ao capital agrário: “ele [capital comercial] domina diretamente a produção e a submete às suas exigências. Em outros termos, a acumulação capitalista realiza-se sobretudo ao nível do comércio, o que acarreta um desenvolvimento mais lento das forças produtivas.” Dessa forma, é notável que os produtores cafeeiros de maior relevância eram atores econômicos multifacetados e de importância ímpar para a compreensão da política regional e nacional do período. É nesse sentido que Furtado afirma: “A etapa de gestação da economia cafeeira é também a de formação de uma nova classe empresarial que desempenhará papel fundamental no desenvolvimento subsequente do país.” No âmbito econômico, é o mesmo autor que fornece um dado indiscutível quanto a importância do café para o país: “Todo o aumento que se constata no valor das exportações brasileiras, no correr da primeira metade do século XIX, deve- se estritamente à contribuição do café.” Em relação à importância política, Furtado apresenta outra importante síntese: “Desde cedo eles [dirigente da economia cafeeira] compreenderam a enorme importância que podia ter o governo como instrumento de ação econômica. Essa tendência à subordinação do instrumento político aos interesses de um grupo econômico alcançará sua plenitude com a conquista da autonomia estadual, ao proclamar-se a República. (...) É por essa consiência clara de seus próprios interesses que eles se diferenciam de outros grupos dominantes anteriores ou contemporâneos.” Assim, torna-se evidente que por meio da relevância econômica, a o “complexo cafeeiro” torna-se capaz de moldar a política e o desenvolvimento do país nas décadas de sua maior importância, através da penetração nas mais diversas atividades econômicas emergentes no Brasil, dos bancos até as ferrovias. 24. A essência da primeira parte do trecho mencionado refere-se à profunda influência dos dirigentes da economia cafeeira em outros ramos da atividade econômica da época, desde as ferrovias até o setor bancário, o que demonstra o alcance de sua influência, tanto econômica quanto politicamente, e seu papel fundamental no desenvolvimento de setores emergentes no contexto histórico em questão. É notável também que o mesmo autor assinala, em outro trecho, a predominância do capital comercial na articulação das diversas funções econômicas exercidas por essa elite, sobressaindo-se inclusive em relação ao capital agrário: “ele [capital comercial] domina diretamente a produção e a submete às suas exigências. Em outros termos, a acumulação capitalista realiza- se sobretudo ao nível do comércio, o que acarreta um desenvolvimento mais lento das forças produtivas.” Assim, compreende-se a divisão em duas camadas que Sergio Silva adota: os produtores mais poderosos dominam as mais diversas esferas econômicas, ultrapassando largamente o âmbito das plantações, enquanto a burguesia meramente agrária acaba por ser dominada pelos interesses do capital comercial relacionado ao café. É nesse sentido que essa camada inferior seria, segundo ele, “uma simples classe de proprietários de terra.” 25.Como é sabido, o café no Brasil do século XIX é basicamente um produto voltado à exportação. Assim sendo, cabe considerar a análise de Furtado sobre o fluxo de renda desse setor no período, tendo como base o impulso inicial gerado por uma elevação no preço do café no cenário internacional. Em primeiro lugar, cabe lembrar que em uma economia cuja mão-de-obra é predominantemente o trabalho assalariado, como a cafeeira, existe um multiplicador monetário - teorizado por Keynes - atuando quando ocorre um aumento no impulso externo. Como explica o autor, os lucros dos produtores de café resultantes desse impulso são revertidos expandindo as plantações: dada a relativa elasticidade da mão-de-obra (devido aos deslocamentos internos e à imigração) e a abundância de terras, essa expansão pode continuar indefinidamente. Como o salário real da região cafeeira era superior ao praticado nas demais regiões, o fluxo de mão-de-obra ocorria de forma natural. Assim, ocorria uma elevação na renda da economia por meio do aumento do consumo - destino da quase totalidade da remuneração dos trabalhadores. Assim, compreende-se que o fluxo de renda ocorria de forma diversa ao observado em economias de exportação puramente escravistas, dado que o escravo não consiste em um agente econômico cujo consumo individual se comporta de forma a ativar o multiplicador monetário de Keynes, de forma que o aumento da renda gerado pelo aumento das exportações não era distribuído pela economia como um todo. No entanto, consequências negativas dessa nova organização econômica são rapidamente verificadas, dado o contexto internacional da época. O padrão-ouro, vigente no período, se baseava nas características de economias com graus de desenvolvimento similares, estruturas de produção parecidas e coeficientes de importação baixos. Em uma economia exportadora de produtos primários e importadora de produtos manufaturados, como o Brasil, uma queda no preço do café reduzia as exportações e também - via diminuição da renda - a demanda por importações, o que teoricamente manteria estável o equilíbrio na balança de pagamentos. No entanto, a redução na demanda por importações ocorria com atraso, graças ao efeito multiplicador ainda em processo do período pré-queda nos preços do café. Essa etapa intermediária gerava uma desequilíbrio na BP que exigiria mobilizar reservas monetárias. Furtado então assinala: “estas [reservas], entretando, teriam de ser de grandes proporções para que funcionasse o mecanismo do padrão-ouro, não somente porque a participação das importações no dispêndio total da coletividade era muito elevada, e as flutuações na capacidade para importar, muito grandes, mas também porque numa economia desse tipo a conta de capital da balança de pagamentos se comportava adversamente nas etapas de depressão.” Assim, ocorre um desequilíbrio na balança de pagamentos que não pode ser ajustado pelos mecanismos previstos pelo padrão-ouro; a redução das exportações, tardiamente acompanhada da redução nas importações, gera inevitavelmente uma desvalorização cambial, contrariando o princípio de câmbio fixo do padrão ouro e comprometendo a conversibilidade da moeda nacional. 26.(TODA A RESPOSTA DA QUESTÃO 25, MAIS O TRECHO A SEGUIR): Furtado, em referência ao estudo econômico em vigor na Europa, menciona sobre o Brasil: “Ali onde a realidade se distanciava do mundo ideal da doutrina, supunha-se que tinha início a patologia social.” O autor refere-se ao fato de que uma teoria monetária baseada no comércio entre países desenvolvidos, com baixo coeficiente de importações e estruturas de produção similares, era (sem sucesso) utilizada para explicar os fenômenos observados brasileiros, um país de características muito distintas. Assim, ao invés de buscar compreender a razões particulares que explicavam o comportamento inesperado da moeda brasileira, o mais usual era insistir em “submeter o sistema econômico (brasileiro) às regras monetárias que prevaleciam na Europa.”, e por fim atribuir o status de “patológico”, não só para a moeda nacional como para os déficits e as emissões de papel-moeda. 27. Como afirma E. V. Costa, nas vésperas da proclamação da República, o cenário político-econômico brasileiro havia sofrido profundas e importantes transformações. Até meados do século XVII,o açúcar era o principal produto de exportação do país, e sua produção se concentrava no Nordeste, baseado em latifúndios com mão-de-obra escrava. Já no século XIX, o café desponta como produto de exportação essencial, ao ponto de Furtado afirmar que “todo o aumento que se constata no valor das exportações brasileiras, no correr da primeira metade do século XIX, deve-se estritamente à contribuição do café.” Assim, há uma evidente mudança na configuração regional do país no que diz respeito à relevância econômica. No Nordeste, a crise do açúcar é descrita por E. V. Costa como “empobrecimento das áreas de onde provinham tradicionalmente os elementos que manipulavam o poder”, referindo-se à notável influência política dos proprietários de engenhos e escravos no período colonial. Com o café, a geração de renda se desloca para o Sudeste, com uma estrutura produtiva distinta, baseada no inédito trabalho assalariado, sem que o poder político, contudo, acompanhe imediatamente a mudança econômica. Nesse sentido, a mesma autora fala em “desenvolvimento de outras áreas que não possuíam a devida representação no governo”. Com esse contexto, podemos perceber que a proclamação da República se deu, entre outros fatores, pela pressão da burguesia cafeeira - cuja participação econômica ultrapassada, e muito, o âmbito agrário -, que exigia uma maior representação de seus interesses na esfera federal. Assim, a despeito de questões conjunturais - questão militar, questão religiosa, influência do Partido Republicano e outros aspectos da historiografia tradicional questionados pela autora - estrutura republicana foi uma solução natural: a maior autonomia da esfera estadual, base do movimento federalista, foi apoiada por muitos cafeicultores do Oeste Paulista, que já eram então a classe econômica dominante e, com a República, se tornariam também a oliguarquia que influenciaria fortemente as decisões do Estado nas décadas posteriores. 28. Os comentários de Maria Lúcia Neves e Aristides Lobo evidenciam divergências entre as participações da população em geral respectivamente na Independência e na instituição da República. A independência foi resultado de uma articulação da própria elite juntamente com a Coroa emancipando o Brasil da tutela portuguesa, garantindo assim os interesses dessa elite, composta pelas camadas senhoriais, que desejava a manutenção das liberdades comerciais e autonomia conquistadas com a mudança da Corte para o Rio de Janeiro, assegurando também que a estrutura de produção colonial fosse mantida inalterada. A instituição da república, ao contrário, foi exatamente resultado do crescimento da importância relativa de outras camadas da sociedade que não as tradicionais (camadas senhoriais), as quais dominavam politicamente o país, e que almejavam ter mais representação política de modo a garantir seus interesses. Essas novas camadas eram compostos pelos pioneiros do café – os fazendeiros do Oeste Paulista responsáveis pela mecanização da produção cafeeira, bem como pelo surgimento dos primeiros bancos e indústrias – e pela classe média urbana. Esta última era grandemente representada pelos militares, uma vez que a entrada para exército significava um tipo de “ascensão social” para esse grupo urbano. Dessa forma, unindo- se momentaneamente os interesses destes três grupos principais – militares, classe média e proprietários rurais do Oeste Paulista – e contando “indiretamente com o desprestígio da Monarquia e o enfraquecimento das oligarquias tradicionais”, o movimento republicano foi vitorioso sob o golpe militar de 1889. Observa-se claramente que, no segundo momento, houve uma participação maior de camadas que não pertenciam à elite brasileira. No entanto, característica marcante de ambos os momentos é o fato que as camadas mais pobres não participam diretamente dos movimentos: ambos os movimentos são liderados por classes que, cada qual a seu momento, possuem grande importância econômica e buscam ser representados politicamente, assegurando, dessa forma, seus interesses. Uma evidência dessa característica comum aos dois momentos é que, em ambos, o sistema de produção (baseado na força escrava e depois no trabalho assalariado, ambos, porém, com condições péssimas de vida) e o caráter colonial da economia – dependente dos mercados e capitais estrangeiros – são mantidos.
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