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HISTÓRIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS E DA EDUCAÇÃO DE SURDOS NO MUNDO Diz-se que o primeiro registro que faz referência acerca das línguas de sinais é datado de 368 a.C., quando o filósofo grego Sócrates teria proferido o seguinte questionamento a um de seus discípulos: “Suponha que nós, os seres humanos, quando não falávamos e queríamos indicar objetos, uns para os outros, nós o fazíamos, como fazem os surdos mudos1, sinais com as mãos, cabeça e demais membros do corpo?” Entretanto, embora este relato já mencione o reconhecimento da existência de línguas de sinais, muitos estudiosos referem-se ao ano de 530 d.C. como sendo o ano de início da propagação das línguas de sinais, a partir dos monges Beneditinos italianos que, utilizavam-se de sinais em suas comunicações como forma de não quebrarem o voto de silêncio que haviam feito ao ingressarem naqueles mosteiros. Após este período, existem poucos registros da comunicação dos surdos até a Renascença, ou seja, mil anos depois. Já, quanto ao fato dos surdos serem excluídos da sociedade em determinados momentos da história, podemos mencionar outro filósofo grego: Aristóteles. Este pensador acreditava que os surdos também eram mudos e, desta forma, não poderiam ser ensinados, já que o pensamento só poderia ser desenvolvido por meio da linguagem e, esta, só poderia ser desenvolvida por meio da fala. Este pensamento prosperou, de forma quase geral, até o final do século XVI, fazendo com que os surdos fossem excluídos da sociedade e, principalmente, dos ambientes de ensino, por serem considerados incapazes de aprenderem. Além disso, diversos pensadores da época consideravam que o que diferenciava o ser humano dos animais era a capacidade de se expressar, ou seja, a linguagem e, sendo assim, o surdo não era sequer considerado humano, sendo visto com um ser que não fala e, consequentemente, segundo eles, um ser que não pensa. Sendo assim, a humilhação era ainda maior, sendo os surdos proibidos de casarem e possuírem ou herdarem bens. 1 “Surdo mudo” era o termo utilizado naquele momento, mas como você já aprendeu, hoje é considerado errado e ofensivo, devendo apenas ser utilizado o termo “Surdo” para referir-se às pessoas surdas. Existindo este enorme preconceito e desrespeito com os surdos, até o final do século XV não existiam na Europa escolas especializadas no ensino de surdos, mas com o passar do tempo, alguns métodos foram desenvolvidos por ouvintes visando o ensino destes indivíduos. O mais conhecido talvez seja o do educador italiano Girolamo Cardano (1501-1576), onde misturava sinais e escrita para ensinar a língua oral italiana para seus alunos surdos. Mas foi Pedro Ponce de Leon (1510-1584), um frade Beneditino espanhol que, já sabendo que ser surdo não significava ser mudo, passou a utilizar também em seu método o treinamento da fala e da leitura labial. Embora não existam registros do método, alguns registros de depoimentos de seus alunos mencionam que este educador utilizava um método que combinava a utilização de sinais com o esforço para o aprendizado da escrita da língua oral daquele país, para só posteriormente focar no desenvolvimento das habilidades de leitura labial e no desenvolvimento e treinamento da fala. Teria também desenvolvido o alfabeto manual, utilizando-o como ferramenta de acesso à escrita e à leitura e, posteriormente, à fala. Nos séculos seguintes, diversos educadores se voltaram à educação dos surdos, porém, divergiam com relação à metodologia mais adequada e aquela que deveria ser utilizada para a educação destes indivíduos em questão. Enquanto alguns acreditavam que durante o ensino dos surdos deveria ser priorizada a fala, ou seja, o método denominado Oralismo ou Oralismo Puro, outros acreditavam que o jeito mais adequado seria priorizar a língua de sinais que já era conhecida pelos alunos, combinando-a com o ensino da fala, ou seja, o denominado método Combinado. Entre estes educadores podemos mencionar Ovide Decroly, Ivan Pablo Bonet, Samuel Heinicke, Moritz Hill, Alexandre Graham Bell (sobre o qual já falamos um pouco neste curso) e o abade Charles Michel de L’Épée. Este último foi o fundador da primeira escola pública para surdos, sediada na cidade de Paris, na França. Como este educador considerava insuficiente a linguagem natural dos surdos, desenvolveu os chamados signes méthodiques (sinais metódicos), que eram o resultado da combinação de sinais com a utilização da língua francesa escrita e, posteriormente, sua integração com a utilização da gramática. Com o desenvolvimento destes sinais e as pesquisas realizadas junto aos surdos, L’Épée começa a difundir a ideia de que a língua de sinais seria transmissora de conhecimento para os surdos. Como naquela época o único meio de acesso à cultura e letramento por parte dos surdos era por meio da religião, L’Épée consegue junto ao rei Luís a permissão para então fundar a já mencionada primeira escola pública para surdos. A partir de então, a educação de surdos começa a desenvolver-se na Europa e, obviamente, alguns métodos também passar a ser bastante questionados. Alexander Graham Bell funda então uma escola de surdos baseada no método Oralista. Com este método, o educador defendia que os surdos deveriam aprenderem a falar e, além disso, mencionava que os surdos não poderiam casar entre si e nem lecionar para outros surdos. Já no congresso Italiano de Professores Surdos Mudos foi considerado que os gestos eram necessários para a comunicação inicial com os alunos, porém, devendo serem descartados a partir do momento em que houvesse a necessidade de utilização de palavras. Em 1878, o I Congresso Internacional sobre a instrução dos surdos- mudos aprova uma resolução que define que o surdo somente poderá ser integrado na sociedade a partir do recebimento de instrução oral. Em 1880, em Milão, é realizado o Congresso Internacional de Educadores de Surdos (o famoso Congresso de Milão), onde os surdos foram excluídos da votação e, por fim, ficou decidida por parte dos educadores ouvintes a proibição da língua de sinais na educação dos surdos. A partir deste congresso, obviamente diminui a presença de educadores surdos na educação de outros surdos, pois as resoluções abaixo que foram aprovadas iam totalmente contra as ideias dos surdos: 1. A fala seria incontestavelmente a única maneira de incorporar os surdos-mudos na sociedade; 2. Que o método oral deveria ser utilizado de forma pura, ou seja, os gestos (sinais) deveriam ser totalmente proibidos. HISTÓRIA DA LÍNGUA DE SINAIS E DA EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL Em 1857 surge no Brasil o início de um movimento pelo ensino das línguas de sinais e, a convite de D. Pedro II, o diretor e educador surdo francês (que nasceu em 1822 e ficou surdo aos 12 anos de idade) Eduard Hernest Huet (discípulo de L’Épée) vem ao Brasil para fundar a primeira escola de surdos, chamada naquele momento de “Instituto dos Surdos-mudos”, hoje reconhecida dentro e fora do país como uma referência na educação dos surdos sob o nome de Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES2. Naquele momento o ensino dos surdos foi iniciado por meio do método Combinado. A fundação deste instituto foi um grande marco para a educação dos surdos brasileiros, pois naquela época não existia a visão da possibilidade de uma escola pública voltada ao ensino de pessoas surdas, pois até mesmo as famílias de alguns surdos eram contra colocá-los em ambientes onde seriam educados. Em virtude do Congresso de Milão, ocorreu uma mudança na filosofia educacional que era adotada até então na Europa e em outras partes do mundo, fazendo com que o método Combinado que era utilizado até então, onde utilizavam-se sinaisjuntamente com o treinamento para a fala da língua oral, fosse substituído na maioria das escolas pelo método oral puro, o chamado Oralismo. Como consequência desta mudança e da resolução mencionada anteriormente que, pregava que surdos não poderiam educar surdos, os professores surdos já atuantes nas escolas daquela época foram afastados. Além disso, os alunos surdos passaram a ser desestimulados e até mesmo proibidos de utilizarem as línguas de sinais de seus respectivos países, não somente na escola como também em outros locais onde frequentavam. Nesta época não era incomum a prática de amarrarem as mãos das crianças para que elas não tentassem utilizar-se de sinais durante sua comunicação. Já no ano de 1896, A.J. de Moura e Silva, professor do Instituto Nacional de Educação de Surdos, atendendo a um pedido do Governo Brasileiro, viaja para a França com o intuito de visitar o Instituto Francês de Surdos para avaliar 2 Não mencionaremos novamente aqui toda a história do instituto, envolvendo as mudanças de nomes do mesmo no decorrer dos anos, pois em aulas anteriores você já teve acesso a este material e foi inclusive convidado a conhecer melhor o site desta instituição e a sua história contada diretamente por eles. se a decisão do Congresso de Milão de proibir a utilização de sinais na educação de surdos foi correta. Após verificação, retorna ao Brasil com a constatação de que o Oralismo não seria o método adequado para o ensino de todas as pessoas surdas. Após um período de isolamento da Comunidade Surda, resistindo à imposição da língua oral como única forma de educação de surdos, a partir dos anos 60 inicia-se uma fase de busca de valorização das línguas de sinais, sendo a educação vista como um ponto importantíssimo para o resgate das línguas de sinais e da cultura surda. Nos anos de 1960 surgem também as primeiras pesquisas linguísticas acerca das línguas de sinais, com o linguista americano William Stokoe, sendo considerado este momento como um marco para a compreensão da definição do conceito de “línguas naturais”, algo que até então era considerado como próprio somente das línguas orais. A partir deste momento, então, começam a ser reconhecidas as línguas na modalidade sinalizada. Reforçando este movimento de valorização das línguas de sinais, nas décadas seguintes surgem no Brasil defensores da LIBRAS e, então, são fundadas as associações de surdos e, no ano de 1987, a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos – FENEIS – tendo apenas surdos em sua direção, com o objetivo de desarticular a antiga FENEIDA (Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos), esta composta apenas por ouvintes. É também neste momento que começam a ser implementadas as primeiras escolas para surdos e, consequentemente, ampliam-se as discussões sobre metodologias para a melhor educação de pessoas surdas. Com relação às metodologias, pode-se dizer que comumente ainda é utilizado o Bilinguismo dentro destas escolas, pois defende-se a utilização da língua de sinais para a comunicação e da língua oral (no caso do Brasil, a língua Portuguesa) como segunda língua para os surdos. Tendo um papel fundamental nas lutas dos surdos e, pensando na evolução e disseminação da Língua Brasileira de Sinais, a FENEIS, no ano de 1998, buscou um desenvolver um projeto para a uniformidade dos sinais, tendo em vista que havia uma preocupação com a grande diferença de sinais utilizados em diferentes locais. Este projeto visava a padronização dos sinais com o intuito de facilitar a comunicação, principalmente entre os instrutores surdos. Hoje em dia existem escolas no Brasil que ainda não adotaram uma proposta de ensino baseada na metodologia Bilíngue, porém, mesmo nestas, os educandos já estão em contato com a Cultura Surda, pois muitos professores já sabem a LIBRAS ou estão aprendendo-a e, muitos alunos, desde crianças até adultos, comunicam-se por meio desta língua. De outra forma, levando-se em consideração principalmente cidades ou estados que não possuem associações de surdos, podemos verificar a existência de várias escolas que ainda utilizam-se da metodologia Oralista. Nestas, os educandos surdos acabam desenvolvendo uma espécie de dialeto utilizado entre eles para facilitar a sua comunicação básica, ficando desta forma totalmente afastados de assuntos pertinentes à Cultura Surda do Brasil e, também, apresentando um rendimento escolar abaixo do que poderiam ter caso fossem ensinados por meio da sua língua natural. Como consequência da utilização da metodologia Oralista, alguns surdos ainda rejeitam a Cultura Surda e a LIBRAS, pois só querem utilizar a Língua Portuguesa. Além destes, percebe-se também aqueles que embora queiram desenvolver a comunicação por meio da LIBRAS, não conseguem, já que começaram a ter contato com esta língua de forma tardia e, sendo assim, acabam utilizando-se da fala e dos sinais simultaneamente (Bimodalismo), o que vem a ser mais ou menos o que muitos ouvintes fazem quando estão começando a aprender a LIBRAS.
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