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3-Valverde-APOSTILA-Etica_geral_e_profissional

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ÉTICA PROFISSIONAL
1 
 
Professor: João Batista Valverde 
 
 
 
Fevereiro de 2009 
 
1
 Material de apoio destinado aos estudantes do Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Católica da Goiás – Campus V 
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS 
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA 
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JÚRIDICAS 
 1 
 
SUMÁRIO 
 
 
I – INTRODUÇÃO À MORAL 02 
II – A SIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA 11 
III – ESTUDO E PRÁTICA DA ÉTICA 14 
IV – OS FINS DA AÇÃO ÉTICA 20 
V – O OBJETO DO SABER ÉTICO E AS NORMAS MORAIS 22 
VI – O OBJETO DO SABER ÉTICO E O DIREITO 23 
VII – A DETERIORAÇÃO DA ÉTICA 24 
VIII – A ÉTICA E A PROFISSÃO FORENSE 29 
IX – DEVERES DO ADVOGADO 43 
X – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO 55 
XI – ÉTICA E PROFISSÃO JURÍDICA 62 
XII – O CONTROLE DA CONDUTA DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO 64 
XIII – CONSCIÊNCIA ÉTICA DO JURISTA 65 
XIV – A ÉTICA DO ESTUDANTE DE DIREITO 68 
XV – CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB 85 
XVI – ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB 92 
 
 
 2 
 
ARANHA, Maria Helena de Arruda. Filosofando. São 
Paulo: Moderna, 1995. 
I INTRODUÇÃO À MORAL 
A verdadeira moral zomba da moral. 
(Pascal) 
1. Os valores 
Diante de pessoas e coisas, estamos constantemente fazendo juízos de 
valor. Esta caneta é ruim, pois falha muito. Esta moça é atraente. Este 
vaso pode não ser bonito, mas foi presente de alguém que estimo 
bastante, por isso, cuidado para não quebrá-lo! Gosto tanto de dia 
chuvoso, quando não preciso sair de casa! Acho que João agiu mal não 
ajudando você. 
'Isso significa que fazemos juízos de realidade, dizendo que esta caneta, 
esta moça, este vaso existem, mas também emitimos juízos de valor 
quando o mesmo conteúdo mobiliza nossa atração ou repulsa. Nos 
exemplos, referimo-nos, entre outros, a valores que encarnam a utilidade, 
a beleza, a bondade. 
Mas o que são valores? Embora a preocupação com os valores seja tão 
antiga como a humanidade, só no século XIX surge uma disciplina 
específica, a teoria dos valores ou axiologia (do grego rodos, "valor"). A 
axiologia não se ocupa dos seres, mas das relações que se estabelecem 
entre os seres e o sujeito que os aprecia. 
Diante dos seres (sejam eles coisas inertes, ou seres vivos, ou idéias etc.) 
somos mobilizados pela afetividade, somos afetados de alguma forma 
por eles, porque nos atraem ou provocam nossa repulsa. Portanto, algo 
possui valor quando não permite que permaneçamos indiferentes. É 
nesse sentido que García Morente diz: "Os valores não são, mas valem. 
Uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos de algo que vale, 
não dizemos nada do seu ser, mas dizemos que não é indiferente. A não-
indiferença constitui esta variedade ontológica que contrapõe o valor ao 
ser. A não-indiferença é a essência do valer".
2
 
Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós O mundo 
cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de tal 
modo que aprendemos desde cedo como nos comportar à mesa, na rua, 
diante de estranhos, como, quando e quanto falar em determinadas 
circunstâncias; como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e 
quando desnudá-lo; qual o padrão de beleza; que direitos e deveres 
temos. Conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os 
comportamentos são avaliados como bons ou maus. 
A partir da valoração, as pessoas nos recriminam por não termos seguido 
as formas da boa educação ao não ter cedido lugar à pessoa mais velha; 
ou nos elogiam por sabermos escolher as cores mais bonitas para a 
decoração de um ambiente; ou nos admoestam por termos faltado com a 
verdade. Nós próprios nos alegramos ou nos arrependemos ou até 
sentimos remorsos dependendo da ação praticada. Isso quer dizer que o 
resultado de nossos atos está sujeito à sanção, ou seja, ao elogio ou à 
reprimenda, à recompensa ou à punição, nas mais diversas intensidades, 
desde "aquele" olhar da mãe, a crítica de um amigo, a indignação ou até a 
coerção física (isto é, a repressão pelo uso da força). 
 
(Quina, Toda Mafalda, São Paulo, Martins Fontes, 1991.) 
 
2
 García Morente, M. Fundamentos de filosofia; lições preliminares, p. 296. 
 3 
Embora haja diversos tipos de valores (econômicos, vitais, lógicos, 
éticos, estéticos, religiosos), consideramos neste capítulo apenas os 
valores éticos ou morais. 
2. A moral 
Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são com 
freqüência usados como sinônimos. Aliás, a etimologia dos termos é 
semelhante: moral vem do latim mos, moris, que significa "maneira de se 
comportar regulada pelo uso", daí "costume", e de moralis, morale, 
adjetivo referente ao que é "relativo aos costumes". Ética vem do grego 
ethos, que tem o mesmo significado de "costume". 
Em sentido bem amplo, a moral é o conjunto das regras de conduta 
admitidas em determinada época ou por um grupo de homens. Nesse 
sentido, o homem moral é aquele que age bem ou mal na medida em que 
acata ou transgride as regras do grupo. 
A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com à 
reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida 
moral. Essa reflexão pode seguir as mais diversas direções, dependendo 
da concepção de homem que se toma como ponto de partida. 
Então, à pergunta "O que é o bem e o mal?", respondemos 
diferentemente, caso o fundamento da moral esteja na ordem cósmica, na 
vontade de Deus ou em nenhuma ordem exterior à própria consciência 
humana. Podemos perguntar ainda: Há uma hierarquia de valores? 
Se houver, o bem supremo é a felicidade? É o prazer? É a utilidade? 
Por outro lado, é possível questionar: Os valores são essências? Têm 
conteúdo determinado, universal, válido em todos os tempos e lugares? 
Ou, ao contrário, são relativos: "verdade aquém, erro além dos Pireneus", 
como dizia Pascal? Ou, ainda, haveria possibilidade de superação das 
duas posições contraditórias do universalismo e do relativismo? 
As respostas a essas e outras questões nos darão as diversas concepções 
de vida moral elaboradas pelos filósofos através dos tempos . 
3. Caráter histórico e social da moral 
A fim de garantir a sobrevivência, o homem submete a natureza por meio 
do trabalho. Para que a ação coletiva se tome possível, surge a moral, 
com a finalidade de organizar as relações entre os indivíduos. 
Inicialmente, consideremos a moral como o conjunto de regras que 
determinam o comportamento dos indivíduos em um grupo social. 
É de tal importância a existência do mundo moral que se torna 
impossível imaginar um povo sem qualquer conjunto de regras. Uma das 
características fundamentais do homem é ser capaz de produzir 
interdições (proibições). Segundo o antropólogo francês Lévi-Strauss, a 
passagem do reino animal ao reino humano, ou seja, a passagem da 
natureza à cultura, é produzida pela instauração da lei, por meio da 
proibição do incesto. É assim que se estabelecem as relações de 
parentesco e de aliança sobre as quais é construído o mundo humano, que 
é simbólico. 
Exterior e anterior ao indivíduo, há portanto a moral constituída, que 
orienta seu comportamento por meio de normas. Em função da 
adequação ou não à norma estabelecida, o ato será considerado moral ou 
imoral. 
O comportamento moral varia de acordo com o tempo e o lugar, 
conforme as exigências das condições nas quais os homens se organizam 
ao estabeleceremas formas efetivas e práticas de trabalho. Cada vez que 
as relações de produção são alteradas, sobrevêm modificações nas 
exigências das normas de comportamento coletivo. 
Por exemplo, a Idade Média se caracteriza pelo regime feudal, baseado 
na rígida hierarquia de suseranos, vassalos e servos. O trabalho é 
garantido pelos servos, possibilitando aos nobres uma vida de ócio e de 
 4 
guerra. A moral cavalheiresca que daí deriva reside no pressuposto da 
superioridade da classe dos nobres, exaltando a virtude da lealdade e da 
fidelidade - suporte do sistema de suserania - bem como a coragem do 
guerreiro. Em contraposição, o trabalho é desvalorizado e restrito aos 
servos. Essa situação se altera com o aparecimento da burguesia, a qual, 
formada pela classe de trabalhadores oriunda da liberação dos servos, 
estabelece novas relações de trabalho e faz surgir novos valores, como a 
valorização do trabalho e a crítica à ociosidade. 
4. Caráter pessoal da moral 
No entanto, a moral não se reduz à herança dos valores recebidos pela 
tradição. À medida que a criança se aproxima da adolescência, 
aprimorando o pensamento abstrato e a reflexão crítica, ela tende a 
colocar em questão os valores herdados. Algo semelhante acontece nas 
sociedades primitivas, quando os grupos tribais abandonam a 
abrangência da consciência mítica e desenvolvem o questionamento 
racional. 
A ampliação do grau de consciência e de liberdade, e portanto de 
responsabilidade pessoal no comportamento moral, introduz um 
elemento contraditório que irá, o tempo todo, angustiar o homem: a 
moral, ao mesmo tempo que é o conjunto de regras que determina como 
deve ser o comportamento dos indivíduos do grupo, é também a livre e 
consciente aceitação das normas. 
Isso significa que o ato só é propriamente moral se passar pelo crivo da 
aceitação pessoal da norma. A exterioridade da moral contrapõe-se à 
necessidade da interioridade, da adesão mais íntima. 
Portanto, o homem, ao mesmo tempo que é herdeiro, é criador de cultura, 
e só terá vida autenticamente moral se, diante da moral constituída, for 
capaz de propor a moral constituinte, aquela que é feita dolorosamente 
por meio das experiências vividas. 
Nessa perspectiva, a vida moral se funda numa ambigüidade 
fundamental, justamente a que determina o seu caráter histórico. Toda 
moral está situada no tempo e reflete o mundo em que a nossa liberdade 
se acha situada. Diante do passado que condiciona nossos atos, podemos 
nos colocar à distância para reassumi-lo ou recusá-lo. A historicidade do 
homem não reside na mera continuidade no tempo, mas constitui a 
consciência ativa do futuro, que torna possível a criação original por 
meio de um projeto de ação que tudo muda. 
Cada um sabe, por experiência pessoal, como isso é penoso, pois supõe a 
descoberta de que as normas, adequadas em determinado momento, 
tornam-se caducas e obsoletas em outro e devem ser mudadas. As 
contradições entre o velho e o novo são vividas quando as relações 
estabelecidas entre os homens, ao produzirem sua existência por meio do 
trabalho, exigem um novo código de conduta. 
Mesmo quando queremos manter as antigas normas, há situações críticas 
enfrentadas devido à especificidade de cada acontecimento. Por isso a 
cisão também pode ocorrer a partir do enredo de cada drama pessoal: a 
singularidade do ato moral nos coloca em situações originais em que só o 
indivíduo livre e responsável é capaz de decidir. Há certas "situações-
limite", tão destacadas pelo existencialismo, em que regra alguma é 
capaz de orientar a ação. Por isso é difícil, para as pessoas que estão "do 
lado de fora", fazer a avaliação do que deveria ou não ser feito. 
5. Caráter social e pessoal da moral 
Como vimos, a análise dos fatos morais nos coloca diante de dois pólos 
contraditórios: de um lado, o caráter social da moral, de outro, a 
intimidade do sujeito. 
Se aceitarmos unicamente o caráter social da moral, sucumbimos ao 
dogmatismo e ao legalismo. Isto é, ao caracterizar o ato moral como 
aquele que se adapta à norma estabelecida, privilegiamos os 
regulamentos, os valores dados e não discutidos. Nessa perspectiva, a 
educação moral visa apenas inculcar nas pessoas o medo às 
conseqüências da não-observância da lei. 
 5 
Trata-se, no entanto, de vivência moral empobrecida, conhecida como 
farisaísmo: numa passagem bíblica, um fariseu (membro de uma seita 
religiosa) louva o seu próprio comportamento, agradecendo a Deus por 
não ser "como os outros" que transgridem as normas. Tal formalismo 
muitas vezes está ligado à pretensão e à hipocrisia. 
Por outro lado, se aceitarmos como predominante a interrogação do 
indivíduo que põe em dúvida a regra, corremos o risco de destruir a 
moral, pois, quando ela depende exclusivamente da sanção pessoal, recai 
no individualismo, na "tirania da intimidade" e, conseqüentemente, no 
amoralismo, na ausência de princípios. Ora, o homem não é um ser 
solitário, um Robinson Crusoé na ilha deserta, mas "con-vive" com 
pessoas, e qualquer ato seu compromete os que o cercam. 
Portanto, é preciso considerar os dois pólos contraditórios do pessoal e 
do social numa relação dialética, ou seja, numa relação que estabeleça o 
tempo todo a implicação recíproca entre determinismo e liberdade, entre 
adaptação e desadaptação à norma, aceitação e recusa da interdição. 
Para tanto, o aspecto social é considerado sob dois pontos de vista. Em 
primeiro lugar, significa apenas a herança dos valores do grupo, mas, 
depois de passar pelo crivo da dimensão pessoal, o social readquire a 
perspectiva humana e madura que destaca a ênfase na intersubjetividade 
essencial da moral. Isto é, quando criamos valores, não o fazemos para 
nós mesmos, mas enquanto seres sociais que se relacionam com os 
outros. 
Essa questão é importante sobretudo nos tempos atuais, quando nos 
encontramos no extremo oposto das sociedades primitivas ou 
tradicionais, nas quais persiste a homogeneidade de pensamento e 
valores. Hoje, nas cidades cosmopolitas, há múltiplas expressões de 
moralidade, e a sabedoria consiste na aceitação tolerante dos valores dos 
grupos diferentes, evitando o moralismo, que consiste na tentação de 
impor nosso ponto de vista aos outros. 
Isso não deve ser interpretado como defesa do extremo relativismo em 
que todas as formas de conduta são aceitas indistintamente. O professor 
José Arthur Gianotti assim se expressa: "Os direitos do homem, tais 
como em geral têm sido enunciados a partir do século XVIII, estipulam 
condições mínimas do exercício da moralidade. Por certo, cada um não 
deixará de aferrar-se à sua moral; deve, entretanto, aprender a conviver 
com outras, reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista. E com 
isto está obedecendo à sua própria moral de uma maneira especialíssima, 
tomando os imperativos categóricos dela como um momento particular 
do exercício humano de julgar moralmente. Desse modo, a moral do 
bandido e a do ladrão tornam-se repreensíveis do ponto de vista da 
moralidade pública, pois violam o princípio da tolerância e atingem 
direitos humanos fundamentais"
3
. 
6. O ato moral 
Estrutura do ato moral 
A instauração do mundo moral exige do homem a consciência crítica, 
que chamamos de consciência moral. Trata-se do conjunto de exigências 
e das prescrições que reconhecemos como válidas para orientar a nossa 
escolha; é a consciência que discerne o valor moral dos nossos atos. 
O ato moral é portanto constituído de dois aspectos: o normativo e o 
fatual. O normativo são as normas ou regras de ação e os imperativos que 
enunciam o "dever ser". O fatual são os atos humanos enquanto se 
realizamefetivamente. 
Pertencem ao âmbito do normativo regras como: "Cumpra a sua 
obrigação de estudar"; "Não minta"; "Não mate". O campo do fatual é a 
efetivação ou não da norma na experiência vivida. Os dois pólos são 
distintos, mas inseparáveis. A norma só tem sentido se orientada para a 
prática, e o fatual só adquire contorno moral quando se refere à norma. 
 
3
 José Arthur Gianotti, Moralidade pública e moralidade privada, in Adauto Novaes 
Corg.), Ética, p. 245. 
 6 
O ato efetivo será moral ou imoral, conforme esteja de acordo ou não 
com a norma estabelecida. Por exemplo, diante da norma "Não minta", o 
ato de mentir será considerado imoral. Convém lembrar aqui a discussão 
estabelecida anteriormente a respeito do social e do pessoal na moral. 
Nesse caso estamos considerando que o ato só pode ser moral ou imoral 
se o indivíduo introjetou a norma e a tornou sua, livre e conscientemente. 
Considera-se amoral o ato realizado à margem de qualquer consideração 
a respeito das normas. Trata-se da redução ao fatual, negando o 
normativo. O homem "sem princípios" quer pautar sua conduta a partir 
de situações do presente e ao sabor das decisões momentâneas, sem 
nenhuma referência a valores. É a negação da moral. 
Convém distinguir a postura amoral da não-moral, quando usamos 
outros critérios de avaliação que não são os da moral. Por exemplo, 
quando é feita a avaliação estética de um livro, a postura do crítico é não-
moral; isso não significa que ele próprio não tenha princípios morais nem 
que a própria obra não possa ser moral. oral, mas o que está sendo 
observado é o valor da obra como arte. As discussões a respeito do que é 
ou não é uma obra pornográfica se encontram muitas vezes prejudicadas 
devido à intromissão da moral em campos onde não foi chamada, o que 
muitas vezes tem justificado indevidamente a ação da censura. 
O ato voluntário 
Se o que caracteriza fundamentalmente o agir humano é a capacidade de 
antecipação ideal do resultado a ser alcançado, concluímos que é isso que 
torna o ato moral propriamente voluntário, ou seja, um ato de vontade 
que decide pela busca do fim proposto. 
Nesse sentido, é importante não confundir desejo e vontade. O desejo 
surge em nós com toda a sua força e exige a realização; é algo que se 
impõe e, portanto, não resulta de escolha. Já a vontade consiste no poder 
de parada que exercemos diante do desejo. 
Seguir o impulso do desejo sempre que ele se manifesta é a negação da 
moral e da possibilidade de qualquer vida em sociedade. Aliás, não é 
essa a aprendizagem da criança, que, a partir da tirania do desejo, deve 
chegar ao controle do desejo? Observe que não estamos dizendo 
repressão do desejo, pois a repressão é uma força externa que coage, 
enquanto o controle supõe a autonomia do sujeito que escolhe entre os 
seus desejos, os prioriza e diz: "Este fica para depois"; "Aquele não devo 
realizar nunca"; "Este realizo agora com muito gosto" . 
O ato responsável 
A complexidade do ato moral está no fato de que ele provoca efeitos não 
só na pessoa que age, mas naqueles que a cercam e na própria sociedade 
como um todo. 
Portanto, para que um ato seja considerado moral, ele deve ser livre, 
consciente, intencional, mas também é preciso que não seja um ato 
solitário e sim solidário. O ato moral supõe a solidariedade, a 
reciprocidade com aqueles com os quais nos comprometemos. E o 
compromisso não deve ser entendido como algo superficial e exterior, 
mas como o ato que deriva do ser total do homem, como uma 
"promessa" pela qual ele se encontra vinculado à comunidade. 
Dessas características decorre a exigência da responsabilidade. 
Responsável é aquele que "responde por seus atos", isto é, o homem 
consciente e livre assume a autoria do seu ato, reconhecendo-o como seu 
e respondendo pelas conseqüências dele. 
O dever e a liberdade 
O comportamento moral é consciente, livre e responsável. É também 
obrigatório, cria um dever. Mas a natureza da obrigatoriedade moral não 
reside na exterioridade; é moral justamente porque deriva do próprio 
sujeito que se impõe a necessidade do cumprimento da norma. Pode 
parecer paradoxal, mas a obediência à lei livremente escolhida não é 
prisão; ao contrário, é liberdade. 
 7 
A consciência moral, como juiz interno, avalia a situação, consulta as 
normas estabelecidas, as interioriza como suas ou não, toma decisões e 
julga seus próprios atos. O compromisso humano que daí deriva é a 
obediência à decisão. 
No entanto, o compromisso não exclui a não-obediência, o que 
determinará o caráter moral ou imoral do nosso ato. Por isso o filósofo 
existencialista Gabriel 
Marcel diz: "O homem livre é o homem que pode prometer e pode trair". 
Isso significa que, para sermos realmente livres, devemos ter a 
possibilidade sempre aberta da transgressão da norma, mesmo daquela 
que nós mesmos escolhemos. Para entendermos melhor, consideremos as 
noções de heteronomia e autonomia. 
A palavra heteronomia (hetero, "diferente", e nomos, "lei") significa a 
aceitação da norma que não é nossa, que vem de fora, quando nos 
submetemos aos valores da tradição e obedecemos passivamente aos 
costumes por conformismo ou por temor à reprovação da sociedade ou 
dos deuses. É característica do mundo infantil viver na heteronomia. 
A autonomia (auto, "próprio") não nega a influência externa e os 
determinismos, mas recoloca no homem a capacidade de refletir sobre as 
limitações que lhe são impostas, a partir das quais orienta a sua ação para 
superar os condicionamentos. Portanto, quando decide pelo dever de 
cumprir uma norma, o centro da decisão é ele mesmo, a sua própria 
consciência moral. Autonomia é autodeterminação. 
A virtude 
Etimologicamente, virtude vem da palavra latina vir, que designa o 
homem, o varão. Virtus é "poder", "potência" (ou possibilidade de passar 
ao ato). Virilidade está ligada à idéia de força, de poder. Virtuose é 
aquele capaz de exercer uma atividade em nível de excelência, como, por 
exemplo, um virtuose do violino. 
Em todos esses sentidos persiste a idéia de força, de capacidade. Em 
moral; a virtude do homem é a força com a qual ele se aplica ao dever e o 
realiza. A virtude é a permanente disposição para querer o bem, o que 
supõe a coragem de assumir os valores escolhidos e enfrentar os 
obstáculos que dificultam a ação. 
Uma vida autenticamente moral não se resume a um ato moral, mas é a 
repetição e continuidade do agir moral. Aristóteles afirmava que "uma 
andorinha, só, não faz verão" para dizer que o agir virtuoso não é 
ocasional e fortuito, mas deve se tornar um hábito, fundado no desejo de 
continuidade e na capacidade de perseverar no bem. Ou seja, a 
verdadeira vida moral se condensa na vida virtuosa. 
7. Conclusão 
O delicado tecido da moral diz respeito ao indivíduo no mais fundo de 
seu "foro íntimo", ao mesmo tempo que o vincula aos homens com os 
quais convive. 
Embora a ética não se confunda com a política, cada uma tendo seu 
campo específico, elas se relacionam necessariamente. Por um lado, a 
política, ao estender a justiça social a todos, permite a melhor formação 
moral dos indivíduos. Por outro lado, as exigências éticas não se separam 
da ação dos governantes, que não devem interpor seus interesses pessoais 
aos coletivos. 
Estabelecer a dialética entre o privado e o público é tarefa das mais 
difíceis e exige aprendizagem e têmpera. É assim que se forja o caráter 
das pessoas. 
Exercícios 
1. o que significa dizer que "a não-indiferença é a essência do valor"? 
2. Explique esta afirmação: O homem, diferentemente do animal, é capazde produzir interdições. 
 8 
3. Em que consiste o caráter histórico-social da moral? E o caráter 
pessoal? 
4. Ao explicar a superação dos dois pólos contraditórios da moral (o 
social e o pessoal), analise a citação de Pascal que consta da epígrafe do 
capítulo: "A verdadeira moral zomba da moral". 
5. Por que, mesmo considerando a tolerância um valor máximo da 
convivência humana, não aceitamos a moral de grupos como a Máfia, a 
Klu-Klux-KIan ou grupos neonazistas? 
6. O que determina que um ato seja considerado moral ou imoral? 
7. O que é um ato amoral? E o não-moral? 
8. Todo ato moral deve ser julgado em função dos motivos, fins, meios, 
resultados. Explique como esses aspectos se inter-relacionam. 
9. Explique: "Não há moral do desejo; só é moral o ato voluntário". 
10. O que é heteronomia? E autonomia? 
11. O que significa progresso moral? Por que não pode ser identificado 
com mudança moral? 
12. Explique: No mundo contemporâneo, muitas pessoas não têm 
condição de vida autenticamente moral. 
13. Leia o texto complementar I, "O crime 'elegante''' e responda às 
questões: 
a) Quais são os tipos de violência analisados no texto? 
b) Explique como numa sociedade dividida em classes há, ao lado da 
violência física aparente, um outro tipo de violência que é velada (que 
não se revela à primeira vista). 
c) Explique como a ênfase dada à violência física de rua denota uma 
postura individualista. 
d) Indique outros tipos de distorção semelhantes na avaliação dos atos de 
violência. 
e) Interprete o texto usando os conceitos aprendidos no Capítulo 5 - 
Ideologia. 
14. Leia o texto complementar II, "Interdição e transgressão", e 
responda: 
a) O que significa "um tipo de transgressão que não suprima as 
interdições, mas as mantenha transgredidas"? 
b) Qual é a diferença entre a transgressão autêntica e a 
pseudotransgressão? 
15. Leia o texto m, "Diante da Lei", e interprete-o usando os conceitos 
aprendidos. Seguem algumas sugestões: 
a) O camponês "esquece-se dos outros", "retoma à infância", 
"enfraquece-se", "diminui de tamanho", "morre": qual é a conotação 
dessas expressões se considerarmos o comportamento moral do 
camponês? O que significa "morrer" nesse contexto? 
b) Explique o significado do guarda na porta da Lei, recorrendo aos 
conceitos de heteronomia e autonomia. 
c) Interprete a última frase do texto a partir do aspecto pessoal da moral. 
d) Relacione o texto de Kafka com o anterior, "Interdição e 
transgressão", explicando qual foi o principal erro do camponês. 
Textos complementares 
 9 
O crime "elegante" 
Os temas da violência urbana são importantes, mas estão permitindo que 
se tire de foco outra violência cujas conseqüências são muito mais sérias 
para a sociedade como um todo: a dos criminosos de paletó e gravata. 
Essa desfocagem é gravíssima. O grupo social está consciente do perigo 
do "trombadinha". 
Tem raiva do ladrão. São muitos os que proclamam as vantagens da pena 
de morte para assassinos e estupradores. Todavia, encara com indiferença 
e até com desalentada passividade que o grande golpista dos dólares, o 
despudorado ladrão de ações, o cínico criminoso das empresas públicas, 
o impiedoso manipulador do mercado imobiliário fiquem impunes. 
Essa é uma atitude irracional e primária. Entretanto, aparentemente, 
inevitável. O canalha colunável que se sustenta em sucessivos golpes, ao 
preço da infelicidade e do patrimônio alheio, muitas vezes levando 
famílias inteiras à ruína, é encarado como aventureiro ousado e, às vezes, 
até mesmo como provido de um certo charme. O "trombadinha", ainda 
que menor de idade, ao tirar uma carteira e sair em disparada, sempre 
encontra quem o queira linchar. Sobre ele se abate, com facilidade, a 
baba do ódio que está alojada nos sentimentos do povo. 
A causa aparente do absurdo está na indiferença ante o grande dano 
coletivo e a fúria cada vez mais agravada contra a ofensa individual. O 
mundo inteiro - é evidente que sob o impacto de cobertura maciça da 
imprensa escrita e da televisão - se sensibilizou até as lágrimas com o 
caso dos reféns americanos. Todavia, são muito poucos os que se afligem 
com as dezenas de crianças que diariamente morrem de inanição neste 
nosso Brasil. Do ponto de vista do direito essa atitude repercute em leis 
que tendem a ser cada vez mais rigorosas com o pequeno criminoso 
individual, ainda que brutal e impiedoso, e cada vez mais generosas com 
os "assaltantes" que ouvem Bach, que distinguem Picasso de Miró, a um 
primeiro olhar, ou que, simplesmente, tendo amealhado fortuna, sentem-
se desobrigados de qualquer gesto de respeito pelo patrimônio alheio ou 
pela dignidade. 
A lei, pelo tratamento benévolo que dá a esses delitos, incentiva-os. Isto, 
sem falar em sua proverbial impunidade. Tende a lei a não ser alterada, 
porque o grupo social não consegue sensibilizar-se para a imensa fonte 
de danos que tais delitos provocam. Diversamente portanto do que acon-
tece com os crimes individuais geralmente praticados pelo maloqueiro e 
pelo favelado, e, por isso, juridicamente "pequenos". 
Alguns exemplos ilustram o que quero dizer. O cidadão que, por culpa, 
provoque poluição de uma fonte de água potável sujeita-se a detenção de 
seis meses a dois anos, embora ponha em risco a vida e a saúde de muita 
gente, como se tem visto em casos repetidos. Aquele que corrompa, 
adultere ou falsifique substância alimentícia destinada ao consumo 
público sujeita-se a uma pena máxima de seis anos. Ou seja, dois anos 
mais que a do autor de apropriação indébita de uma caneta-tinteiro. 
Todavia, dois anos menos que o criminoso do furto qualificado, ainda 
que o produto seja de umas poucas centenas de cruzeiros. 
O funcionário público, prevaricador - tanto o pequeno quanto o grande 
potentado do serviço público -, que retarde ou deixe de praticar 
indevidamente ato de ofício, para satisfazer interesse ou sentimento 
pessoal, corre' o risco máximo - rarissimamente aplicado - de um ano de 
detenção, seja qual for a relevância social do ato praticado. 
A formulação da lei tem um defeito de origem, como se demonstraria 
com mais outros exemplos, se fossem necessários. Os que aí ficaram são, 
porém, suficientes para evidenciar outro aspecto relevante: é a elite que 
faz a lei. Escreve-a a seu gosto, voltada para seus principais interesses. 
Os únicos, aliás, de que tem compreensão adequada. Só assim é possível 
entender que a fraude no comércio, consistente em enganar 
intencionalmente o adquirente ou o consumidor, vendendo mercadoria 
falsificada ou deteriorada como se fosse verdadeira, merece apenas 
detenção de seis meses a dois anos, pouco importando qual o prejuízo 
causado ou quais sejam os enganados. Porém, para o rufião, que explora 
uma prostituta, a pena é de reclusão de um a quatro anos. O pequeno 
 10 
comerciante, porém, pode até ser levado a ajoelhar-se diante do juiz, 
como aconteceu há pouco
4
 É a punição que recebe por ser pequeno ... 
A óptica social está errada. A atitude da sociedade é burra, quando fecha 
os olhos para o criminoso de punhos de seda, cuja conduta tem um 
terrível subproduto ainda insuficientemente avaliado. Subproduto 
consistente na contribuição para o agravamento das condições sócio-
econômicas da maioria do povo, geradores principais das agressões 
urbanas. E, paradoxo dos paradoxos: algumas das vozes mais calorosas 
do combate à violência assustadora mas nascida no submundo da 
metrópole certamente seriam caladas se fosse possível punir a grande e 
desumana violência dos criminosos de paletó e gravata. Isso porque 
algumas dessas vozes pertencem a eles. Essa é umarealidade que ainda 
não atingiu a consciência do povo. 
(Walter Ceneviva, in Folha de S. Paulo, 6.2.1981.) 
Interdição e transgressão 
O homem é o ser que produz interdições. (...) A vida social, com as suas 
normas e as suas hierarquizações, as suas instituições e os seus sistemas 
simbólicos, exige necessariamente uma rede de interdições que assinalam 
os lugares de ruptura entre o homem e o animal. 
Mas o que define o homem é a transgressão. Não quer isto dizer que se 
pretenda um regresso à natureza, mas sim um tipo de transgressão que 
não suprima as interdições, mas as mantenha transgredidas. Existe, 
assim, "uma cumplicidade profunda da lei e de sua violação"
5
. (...) A 
transgressão é o rasgar das normas, é a subversão de uma ordem. 
Existem inúmeras formas de existência inautêntica, que são aquelas que 
nos indicam as diversas figuras da alienação. A existência autêntica é a 
que se lança na exploração do possível rumo ao impossível que lhe acena 
 
4
 O autor se refere a um caso noticiado nos jornais: por questões pessoais, o juiz de 
direito de uma cidade do interior do Estado de São Paulo humilhou um padeiro, 
obrigando-o a ajoelhar-se e pedir perdão. 
5
 Georges Bataille. 
e a obceca, lugar absoluto da ação, limiar da loucura. 
A existência inautêntica pode subordinar,se à Lei, reificá-la nas formas 
instituídas da alienação, projeta-la nos instrumentos opressivos do 
capitalismo: teremos o universo modelar do catecismo e da "moralina", 
das boas ações e dos bons sentimentos, dos discursos de inauguração e 
dos artigos de fundo, do adocicado e viscoso da palavra virtuosa, da 
mediocridade resignada e quase feliz no seu destino dócil, dos mitos da 
autoridade e da identidade, do comportamento íntegro que não oferece 
dúvidas. 
(...) Devemos distinguir entre a transgressão autêntica e a 
pseudotransgressão a que a nossa civilização repressiva nos habituou. 
Como nota Sollers, "uma tal libertação é apenas a máscara de uma 
repressão redobrada". As pseudotransgressões são brechas abertas na 
muralha da moral que apenas servem para consolidar a resistência dessa 
muralha. É por isso que certas atitudes "escandalosas" são toleradas, e 
até mesmo cultivadas, porque elas constituem a face demoníaca que 
estabelece, numa sutil contabilidade, o equilíbrio da repressão social. 
Determinados meios, determinadas camadas (a juventude como 
momento de purificação que antecede a austeridade de uma vida), deter, 
minadas ruas, determinadas formas de clandestinidade, são apenas álibis 
por meio dos quais a sociedade obtém a dosagem exata da sua moral. 
"Ce qui vient au monde pour ne rien troubler ne mérite ni égards ni 
patience."
6
 (René Char) 
(Eduardo Prado Coelho, Introdução à obra Estruturalismo; antologia de 
textos teóricos. Lisboa, Martins Fontes, Portugália Ed., p. LXVIII.) 
Diante da Lei 
Diante da Lei há um guarda. Um camponês apresenta-se diante deste 
guarda, e solicita que lhe permita entrar na Lei. Mas o guarda responde 
 
6
 Aquele que vem ao mundo para nada alterar não merece nem consideração nem 
paciência". 
 11 
que por enquanto não pode deixá-lo entrar. O homem reflete, e pergunta 
se mais tarde o deixarão entrar. 
- E possível - disse o porteiro -, mas não agora. 
A porta que dá para a Lei está aberta, como de costume; quando o guarda 
se põe de lado, o homem inclina-se para espiar. O guarda vê isso, ri-se e 
lhe diz: 
- Se tão grande é o teu desejo, experimenta entrar apesar de minha 
proibição. Mas lembra-te de que sou poderoso. E sou somente o último 
dos guardas. Entre salão e salão também existem guardas, cada qual mais 
poderoso do que o outro. Já o terceiro guarda é tão terrível que não posso 
suportar seu aspecto. 
O camponês não havia previsto estas dificuldades; a Lei deveria ser 
sempre acessível para todos, pensa ele, mas ao observar o guarda, com 
seu abrigo de peles, seu nariz grande e como de águia, sua barba longa de 
tártaro, rala e negra, resolve que mais lhe convém esperar. O guarda dá-
lhe um banquinho, e permite-lhe sentar-se a um lado da porta. Ali espera 
dias e anos. Tenta infinitas vezes entrar, e cansa ao guarda com suas 
súplicas. Com freqüência o guarda mantém com ele breves palestras, faz-
lhe perguntas sobre seu país, e sobre muitas outras coisas; mas são 
perguntas indiferentes, como as dos grandes senhores, e para terminar, 
sempre lhe repete que ainda não pode deixa-lo entrar. O homem, que se 
abasteceu de muitas coisas para a viagem, sacrifica tudo, por mais 
valioso que seja, para subornar ao guarda. Este aceita tudo, com efeito, 
mas lhe diz: 
- Aceito-o para que não julgues que tenhas omitido algum esforço. 
Durante esses longos anos, o homem observa quase continuamente o 
guarda: esquece-se dos outros, e parece-lhe que este é o único obstáculo 
que o separa da Lei. Maldiz sua má sorte, durante os primeiros anos 
temerariamente e em voz alta; mais tarde, à medida que envelhece, 
apenas murmura para si. Retoma à infância, e, como em sua longa 
contemplação do guarda, chegou a conhecer até as pulgas de seu abrigo 
de pele, também suplica às pulgas que o ajudem e convençam ao guarda. 
Finalmente, sua vista enfraquece-se, e já não sabe se realmente há menos 
luz, ou se apenas o enganam seus olhos. Mas em meio da obscuridade 
distingue um resplendor, que surge inextinguível da porta da Lei. Já lhe 
resta pouco tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências desses 
longos anos se confundem em sua mente em uma só pergunta, que até 
agora não formou. Faz sinais ao guarda para que se aproxime, já que o 
rigor da morte endurece seu corpo. O guarda vê-se obrigado a baixar-se 
muito para falar com ele, porque a disparidade de estaturas entre ambos 
aumentou bastante com o tempo, para detrimento do camponês. 
- Que queres saber agora? - pergunta o guarda. - És insaciável. 
- Todos se esforçam por chegar à Lei - diz o homem -; como é possível 
então que durante tantos anos ninguém mais do que eu pretendesse 
entrar? 
O guarda compreende que o homem já está para morrer, e, para que seus 
desfalecentes sentidos percebam suas palavras, diz-lhe junto ao ouvido 
com voz atroadora: 
- Ninguém podia pretender isso, porque esta entrada era somente para ti. 
Agora vou fechá-la. 
(F. Kafka, Diante da Lei, in A colônia penal, São Paulo, Livraria 
Exposição do Livro, 1965, p. 71.) 
 
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética 
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004. 
II A SIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA 
É como um saber que se verte e se direciona para o comportamento que 
se deve definir e divisar conceitualmente o que seja a ética. De fato, 
 12 
concebê-la distante da palpitação diuturna das experiências humanas, 
fora do calor das decisões morais, fora dos dilemas existenciais e 
comportamentais vividos e experimentados em tomo do controle das 
paixões, das agitações psicoafetivas e sociais que movimentam pessoas, 
grupos, coletividades e sociedades, é o mesmo que afastá-la de sua 
matéria-prima de reflexão. 
A ética encontra na mais robusta fonte de inquietações humanas o alento 
para sua existência. É na balança ética que se devem pesar as diferenças 
de comportamentos, para medir-lhes a utilidade, a finalidade, o 
direcionamento, as conseqüências, os mecanismos, os frutos. Se há que 
se especular em ética sobre alguma coisa, essa "alguma coisa" é a ação 
humana. O fino equilíbrio sobre a modulação e a dosagem dos 
comportamentos no plano da ação importa à ética. 
A ação humana é uma movimentação de energias que se dá no tempo e 
no espaço.Mas não só. Trata-se de uma movimentação de energias que 
se perfaz mediante: uma determinada manifestação de comportamento 
(trabalhar ou roubar; elogiar ou ofender; construir ou destruir); um 
conjunto de intenções (intenção de ganhar dinheiro mediante emprego de 
suas próprias energias ou rápida e facilmente à custa do sacrifício alheio; 
intenção de ofender e magoar ou intenção de estimular; intenção de fazer 
ou desfazer o que está pronto); a obtenção de determinados efeitos (viver 
pelas próprias forças ou viver mediante o esforço alheio; promover o 
bem-estar de outrem ou desgastar o interior e as emoções de outrem; 
deixar sua contribuição ou apagar a contribuição dos outros). 
Mais ainda, a ação humana, este empenho direcionado de energias, não 
se restringe a existir e a se portar de acordo com o que se disse acima, 
pois também con-vive com outras ações humanas em sociedade
7
, de 
modo a que a própria sociedade se torne um cadinho para onde 
convergem todos os fluxos de ações aglomeradas em torno de um fim 
 
7
 Mas, isso não leva à confusão entre sociologia e ética: "Assim, enquanto na Sociologia 
são estudados os fenômenos sociais e sociológicos, na Ética estudam-se os fenômenos e 
fatos éticos, que enunciam, explicam ou justificam leis, regras e normas que atuam no 
relacionamento e no procedimento humanos" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 97). 
comum. Nessa medida, pode-se adiantar que da composição de ações 
individuais dá-se início ao processo de aglomeração de ações individuais, 
até a formação da intersubjetividade, momento deste processo em que se 
torna difícil separar uma ação individual da outra, uma contribuição 
individual da outra, dentro de um grande emaranhado de ações que se 
relacionam. 
Dentre as possíveis espécies de ação humana (ação política, ação de 
trabalhar, ação de se alimentar, ação de pensar, ação de emitir um 
discurso), de acordo com a canalização das energias e sua adequação ao 
cumprimento de determinadas metas, há que se priorizar as atenções 
deste estudo por sobre a ação moral. É tarefa difícil defini-la, em si e por 
si, mas sabe-se que a ação moral não pode corresponder a um único ato 
isolado com determinado conteúdo (dar uma esmola, perdoar uma 
ofensa, fazer justiça perante um desvalido). De fato, estar diante de uma 
ação moral não é estar diante de uma ação com determinado conteúdo, 
mas sim estar diante de uma ação cuja habitualidade comportamental 
confere ao indivíduo a característica de ser único e poder governar-se a si 
mesmo
8• Então, a ação moral tem que ver com uma determinada forma 
de se conduzir atitudes de vida; uma única atitude não traduz a ética de 
uma pessoa, é mister a observação de seus diversos traços 
comportamentais. O poder de deliberar e decidir qual a melhor (ou mais 
oportuna, ou mais adequada) forma de conduzir a própria personalidade 
em interação (familiar, grupal, social...) é uma liberdade da qual faz uso 
todo ser humano
9
; a ética é a capacidade coligada a essa liberdade
10
. 
 
8
 Em seu Termosfilosóficos gregos: um léxico histórico, 2. ed., F. E. Peters diz a 
respeito do termo éthos, p. 85: "Éthos: caráter, modo de vida habitual: Heráclito: 'o 
éthos de um homem é o seu daimon', Diels, frg. 119. Em Platão é um resultado do 
hábito (Leis 792e), é mais moral do que intelectual (dianoia) emAristóte1es (Eth. Nic. 1 
139a). Tipos de éthos em vários períodos de vida são descritos por Aristóteles, Reth. lI, 
caps.12-14. No estoicismo o éthos é a fonte do comportamento, SVF 1,203". 
9
 "O certo é que o bem ético implica sempre medida, ou seja, regras ou normas, 
postulando um sentido de comportamento, com possibilidade de livre escolha por parte 
dos obrigados, exatamente pelo caráter de dever ser e não de necessidade física (ter que 
ser) de seus imperativos" (Reale, Filosofia do direito, 1999, p. 389). 
10
 Vide, a respeito, uma possível projeção do éthos na teoria aristotélica em: Bittar, A 
 13 
Há que se dizer, portanto, como decorrência do que se acaba de afirmar, 
que a ética demanda do agente: 
1. conduta livre e autônoma: a origem do ato ou da conduta parte da livre 
consciência do agente. Dessa forma, o agente manipulado para agir 
inconscientemente, por força de um poder arbitrário ou de uma 
imposição coercitiva, não pode ser considerado autônomo em suas 
deliberações, e, portanto, essa ação não pode ser considerada de sua livre 
autoria. Não gera responsabilidade ética; 
2. conduta dirigida pela convicção pessoal: o auto-convencimento é o 
exercício que transforma idéias, ideologias, raciocínios e pensamentos 
em princípios da ação, sob a única e exclusiva propulsão dos interesses 
do indivíduo. Toda decisão surge da consciência individual, o que não 
impede que a deliberação ética possa estar influenciada por valores 
familiares, sociais Mas, o que há de constante é a sede de decisão, que 
deve ser individual; 
3. conduta insuscetível de coerção: a falta de sanção mais grave, 
dependendo da consciência e dos valores sociais, peculiariza a 
preocupação ética (exclusão do grupo, vergonha, dor na consciência, 
arrependimento...). A conduta, portanto, só é feita eticamente não por 
metus cogendi poenae (pena privativa de liberdade, restritiva de 
direitos...), como ocorre diante de normas jurídicas, mas por livre 
convencimento do agente dentro de regras e costumes sociais. 
Visto isto, há que se afirmar que os estudos histórico e etimológico do 
termo "ética" revelam que éthos está revestido de ambigüidades, o que 
torna a própria discussão da matéria também aberta: éthos (grego, 
singular) é o hábito ou comportamento pessoal, decorrente da natureza 
ou das convenções sociais ou da educação
11
 éthe (grego, plural) é o 
 
justiça em Aristóteles, 1999, p. 105. 
11
 "Conceituar ética já leva à conclusão de que ela não se confunde com a moral, pese 
embora aparente identidade etimológica de significado. Éthos, em grego e mos, em 
latim, querem dizer costume. Nesse sentido, a ética seria uma teoria dos costumes. Ou 
melhor, a ética é a ciência dos costumes. Já a moral não é ciência, senão objeto da 
conjunto de hábitos ou comportamentos de grupos ou de uma 
coletividade, podendo corresponder aos próprios costumes
12
. 
A dificuldade de definir e circunscrever o estudo da ação moral se 
encontra sobretudo no fato de que as diversas ações humanas, das mais 
rudimentares às mais tecnocráticas, se misturam à ação moral. Exercem-
se atos morais quando se elegem prioridades pessoais de vida, quando se 
é solidário com quem necessita, quando se auxilia outrem por 
companheirismo numa atividade profissional... donde as ações morais 
permearem a presença do homem onde quer que se projete a 
personalidade humana. Daí poder-se falar em ética na ação política, em 
ética do profissional, em ética na ecologia... 
Os canais de realização de ações morais também são os mais diversos 
possíveis, uma vez que estas se exercem seja através do discurso, seja 
através de gestos, seja através de escrito, seja através de atitudes (fazer 
ou não fazer), seja através de procederes... donde as ações morais 
contaminarem as diversas formas de manifestação humana. Disso resulta 
a dificuldade de se diferir o que é o conteúdo da atividade (atividade 
laboral, atividade política...) desenvolvida e o que é o conteúdo de 
 
ciência. Como ciência, a ética procura extrairdos fatos morais os princípios gerais a 
eles aplicáveis" (Nalini, Ética geral e profissional, 1999, p. 34). 
12
 "Aristote est le premier philosophe à avoir fait de l'éthos un concept philosophique à 
part entiere, donnant lieu à une étude spécifique (pragmateia) de la vertu éthique, c'est-
à-dire de la vertu du caractere. Le caractere désigne une disposition acquise par 
1'habitude de la partie désiderante de l'âme, intermédiaire entre la partie végétative et la 
partie rationnelle. Le terme éthos n' a pas été inventé par Aristote; ille recueille au 
contraire d'une longue tradition et lui dorme encare dans de nombreux textes les divers 
sens de cette tradition. C' est ainsi qu' éthos peut siguifier le tempérament naturel d'une 
spece animale ou d'un individu, mais aussi la maniere habituelle d'être et de se 
comporter; quant au pluriel êthê, il désigne les moeurs d'un individu, d'une spece, d'un 
peuple, d'une cité. Toutes ces siguifications renvoient au même registre de l'habitude 
sans qu'il soit toujours possible de décider si celle-ci est la manifestation de la nature ou 
le résulta de l' education et de la costume. Mais ce que révelent ces ambigüités, c'est 
qu'au IVe. siecle l' éthos estmoins un concept rigoureux qu'une notion surdéterminée 
par des jugements de valeur, cristalisant des polémiques ou s' entremêlent des enjeux 
pédagogiques, politiques et moraux" (Vemieres, Éthique et politique chez Aristote: 
physis, êthos nomos, 1995, Introduction, V). 
 14 
moralidade do ato (atitude ético-profissional, atitude ético-política...). 
Um bom critério para distinguir a ação moral das demais é considerar 
que a ética tem que ver com a solução de conflitos intrasubjetivos e 
intersubjetivos
13
. Tomado o sujeito de si para consigo, e, ao mesmo 
tempo, de si perante outrem, os conflitos surgidos dessas duas esferas 
podem ser gerenciados eticamente. Apesar de acertado, esse critério não 
é suficiente para se dizer que se está diante de um critério final, capaz de 
definir com exatidão os lindes da matéria. 
Se isso pode ser aceito, então dever-se-á concluir que a ética, tendo por 
objeto de estudo a ação humana, encontra-se entre os saberes de maior 
importância, seja para a compreensão do homem em si, seja para a 
compreensão da sociedade e de seus fenômenos. 
 
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética 
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004. 
III ESTUDO E PRÁTICA DA ÉTICA 
Desde já, feitas estas observações primordiais, e tendo-se em vista o que 
ficou estabelecido acima, há que se distinguir a ética como saber da ética 
como prática. 
O saber ético incumbe-se de estudar a ação humana, e já se procurou dar 
uma mostra da complexidade do assunto. E, esc1areça-se, enquanto se 
está aqui a dissertar sobre ética, se está a falar sobre o comportamento 
humano tomado em sua acepção mais ampla, a saber, como realização 
exterior (exterioridade), como intenção espiritual (intencionalidade), 
como conjunto de resultados úteis e práticos (finalidade; utilidade). Esta 
 
13
 Esta é a posição teórica de Guisán, lntroducción a la ética, 1995, p. 28. Ou ainda: 
"De modo más o menos provisional se podría decir, pues, que una norma es moral 
cuando trata de sol ventar conflictos relativos a intereses intrasubjetivos o 
intersubjetivos en colisión" (p. 29). 
é uma faceta da ética, ou seja, a sua faceta investigativa
14
. 
A ética como prática consiste na atuação concreta e conjugada da 
vontade e da razão, de cuja interação se extraem resultados que se 
corporificam por diversas formas. Se as ações humanas são dotadas de 
intencionalidade e finalidade, releva-se sobretudo a aferição prática da 
concordância entre atos exteriores e intenções. A realização mecânica de 
atos exteriores pelo homem deve estar em pertinente afinidade com a 
atitude interna, de modo que, da consciência à ação, exista uma pequena 
diferença de consumação. No fundo, a ação externa, modificativa do 
mundo (ação discursiva, ação profissional, ação política... ), nada mais é 
que a ultimação de um programa intencional preexistente à própria ação; 
o programa ético é o correspondente guia da ação moral. 
Então, a prática ética deve representar a conjugação de atitudes 
permanentes de vida, em que se construam, interior e exteriormente, 
atitudes gerenciadas pela razão e administradas perante os sentidos e os 
apetites. Assim, fala-se no bom governo da coisa pública quando não 
somente de intenções se constrói o espaço público. Diz-se que a prática 
de condução das políticas públicas é ética se se realizaram atitudes 
positivas e reais em prol da coisa pública. Também se fala em bom 
proceder quando se constata não somente uma mínima intenção de não 
lesar, mas sim um esforço efetivo no sentido de conter toda e qualquer 
conduta capaz de suscitar a mínima lesão ao patrimônio espiritual, 
material, intelectual e afetivo de outrem. Esta é a outra faceta da ética; 
trata-se do conteúdo efetivo da ética como ocorrência individual e social. 
Do exposto, deve-se extrair que a especulação ética corresponderá ao 
estudo dos padrões de comportamento, das formas de comportamento, 
das modalidades de ação ética, dos possíveis valores em jogo para a 
escolha ética. Esse saber, que metodologicamente se constrói para 
 
14
 Posso afirmar que a Ética teórica procura estudar as idéias, linhas e formas de pensar 
que se relacionam à natureza abstrata e imaterial do que nos é revelado nos fenômenos 
éticos. Por estas paragens do conhecimento a Ética teórica e a Filosofia caminham 
juntas; confundindo-se muitas vezes como um único campo do saber" (Korte, Iniciação 
à ética, 1999, p. 52). 
 15 
satisfazer à necessidade de compreensão de seu objeto, acaba se tornando 
uma grande contribuição como forma de esclarecimento ao homem de 
suas próprias capacidades habituais. 
Há que se dizer que existem autores que se detêm em conceituar o saber 
ético como o saber que se incumbe de conhecer a retidão da conduta 
humana, priorizando como objeto do saber ético o comportamento 
virtuoso. Há outros que assinalam a virtude como o núcleo das 
preocupações éticas de estudo. Porém, com base no que se disse, essas 
definições são insuficientes para descrever a totalidade das preocupações 
éticas
15
. 
Assim, o saber ético não é o estudo das virtudes, ou o estudo do bem, 
mas o saber acerca das ações e dos hábitos humanos, e, portanto, das 
virtudes e dos vícios humanos
16
, e das habilidades para lidar com umas e 
com outros. É sim o estudo do bem e do mal, deitando-se sobre a questão 
de como distingui-los e de como exercitar-se para desenvolver suas 
faculdades anímicas para administrá-los. 
Ademais, a especulação ética permite a crítica dos valores e dos 
costumes na medida em que estuda e compreende fatos e 
comportamentos valorativos
17
; então, possui tendência natural a imiscuir-
 
15
 O estudo empreendido por Adam Smith, em seu tratado de moral, por exemplo, se 
detém não somente na análise das virtudes, mas aponta claramente e distingue e 
discute... a questão dos vícios, do que é desejável, do que é repugnante moralmente. 
Esse pensador, certamente, empreende um estudo mais completo do problema. 
16
 Sobre o vício e a virtude e suas relações com a moralidade e os costumes: "Conforme 
a tradição, o que chamamos virtudes são as idéias ou razões morais positivas que nos 
trazem os melhores resultados. Os vícios são os portadores dos insucessos e dos 
resultados negativos. Enquanto atuo, seja de acordo com virtudes ou vícios, procedoeticamente. Mas, e aí vem o fundamento da explicação, se os costumes (mores) indicam 
a prática da virtude, e eu pratico o vício, eu estou agindo contra a moral, mas, a rigor, 
não estou agindo contra a Ética mas contra as regras que me são recomendadas pelos 
conhecimentos trazidos pela Ética" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 67). 
17
 "A Ética não é em si mesma um código, nem um conjunto de regras e nem é só o 
estudo do comportamento ou de suas regras, normas e leis. É um campo de 
conhecimentos em que, à medida que avançamos, são feitas descrições, constatações, 
hipóteses, indagações e comprovações. É possível encontrar leis, enunciados e respostas 
se na própria moral social e distingue-se por fortalecê-la, em função dos 
vínculos científico e crítico que com ela mantém
18
. Então, a ética 
investigativa acaba possuindo forte papel de participação social
19
. 
Outra distinção de relevo quando se está a discutir essa temática é aquela 
que procura delinear o que com grande confusão é normalmente tratado: 
o que seja moral e o que seja ética. A moral é o conteúdo da especulação 
ética, pois se trata do conjunto de hábitos e prescrições de uma 
sociedade
20
; é a partir de experiências conjunturais e contextuais que 
surgem os preceitos e máximas morais
21
. A ética constitui-se num saber 
 
verossímeis e verdadeiras. O objeto da Ética é o estudo dos fenômenos éticos. Isso 
implica ordenação de pressupostos, ordenamento de idéias, linhas e formas de pensar, e, 
mais que tudo, sistematização da observação e dos conhecimentos, o que quer dizer 
métodos de trabalho. "A palavra costume tem origem latina, no vocábulo consuetudine. 
Traduz a idéia de procedimento, comportamento. Em sociedade, conforme suas 
características, o vocábulo costumes quer significar, genericamente, regras escritas ou 
não, que regulam procedimentos, rituais e ritos, aceitos e praticados pela referida 
comunidade" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 114). 
18
 "La ética, como reflexión crítica sobre la moral, tiene que tender a fortalecer la moral, 
explicitando el objetivo último de las normas morales existentes, y a fortalecerse ella 
misma, aI propio tiempo, alimentandose deI sustrato que comparte con la moral 
positiva: la raíz de la que en principio ambas brotan y en virtud de la cual se justifican" 
(Guisán, Introducción a la ética, 1995, p. 34). 
19
 "A Ética estuda as relações entre o indivíduo e o contexto em que está situado. Ou 
seja, entre o que é individualizado e o mundo a sua volta. Procura enunciar e explicar as 
regras, normas, leis e princípios que regem os fenômenos éticos. São fenômenos éticos 
todos os acontecimentos que ocorrem nas relações entre o indivíduo e o seu contexto" 
(Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 1). 
20
 "A moral é objeto da Ética. Mas a relação que se estabelece entre a Ética, um dos 
capítulos da teoria da conduta e a moralidade positiva, como fato cultural, é a mesma 
que pode ser encontrada entre uma doutrina científica e seu objeto" (Nalini, Ética geral 
e profissional, 1999, p. 73). 
21
 "Moral é o que se refere aos usos, costumes, hábitos e habitualidades. De uma certa 
forma, ambos os vocábulos se referem a duas idéias diferentes, mas relacionadas entre 
si: os costumes dizem respeito aos fatos vividos, ao que é sensível e registrado no 
acervo do grupo social como prática habitual. A idéia contida na moral é a relação 
abstrata que comanda e dirige o fato, o ato, a ação ou o procedimento. A moral explica 
e é explicada pelos costumes. A moral pretende enunciar as regras, normas e leis que 
regem, causam e determinam os costumes, inclusive, muitas vezes, anunciando-lhes as 
conseqüências" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 115). 
 16 
especulativo acerca da moral, e que, portanto, parte desta mesma para se 
constituir e elaborar suas críticas. Ainda que seja válido, útil e didático 
propor esta diferenciação, é mister informar que a ética não pode se 
desvincular da moralidade, pois esse é seu instrumental de avaliação, 
mensuração, discussão e crítica
22
. A ética deve, com suas contribuições, 
tender a fortalecer ainda mais a moral, e isso porque de seus juízos, 
proposições, sentenças e afirmações científicas podem resultar 
aperfeiçoamentos práticos substanciais para o que efetivamente se pensa 
e se faz quotidianamente
23
. 
E não é excessivo dizer que, feitas essas distinções, deve-se perceber que 
a interação do saber ético com a prática ética deve ser intensa. Isso 
porque a ética demanda mais que puro discurso, mais que teoria, pois 
requer prática. Em outras palavras, pode-se saber muito sobre ética, mas 
o verdadeiro valor da ética não está nesses conhecimentos acumulados, 
mas no uso aplicativo sobre atos e comportamentos que deles se possa 
fazer. Aquele que muito conhece e pouco pratica em ética não pode ser 
chamado prudente ou virtuoso (phrónimos) pelo simples fato de 
conhecer
24
. A advertência é importante, e sua apresentação só vem a 
 
22
 "La ética no debe ser confundida con la moral, como ya se ha indicado aI comienzo 
de este libro, pero tampoco puede permanecer desligada de la moralidad positiva, de la 
que debe partir para corregirla y modificarIa" (Guisán, Introducción a la ética, 1995, p. 
316). 
23
 "La ética, como reflexión crítica sobre la moral, tiene que tender a fortalecer la moral, 
explicitando el objetivo último de las normas morales existentes, y a fortalecerse ella 
misma, aI propio tiempo, alimentandos e deI sustrato que comparte con la moral 
positiva: la raíz de la que en principio ambas brotan y en virtud de la cual se justifican" 
(p. 34). 
24
 A observação é aristotélica, e para melhor compreender a matéria dever-se-ão 
retomar alguns conceitos fundamentais da ética aristotélica. Falar de ética significa falar 
da razão prática, ou seja, daquela parte do raciocínio que delibera para orientar a ação. 
A razão prática está relacionada com a capacidade humana de delinear sobre meios e 
fins na realização de suas atividades. O conceito de razão prática se opõe ao conceito de 
razão teórica, uma vez que esta se incumbe da reflexão e da especulação, não 
redundando em reflexos diretos sobre a ação. O que se há de assinalar é o fato de que o 
estudo da ética consiste num saber que se verte para a prática, isto é, depende 
fortemente da prática para subsistir. Mais que isso, como diz Aristóteles, com ênfase no 
livro X da Ethica Nicomachea, a ética não se contenta com o puro conhecimento. Para 
reforçar o intuito de distinção entre saber ético e prática ética, motivo 
deste item. 
2.1. A ética e os conceitos vagos 
O terreno da ética é pantanoso, sobretudo se considerado sob o ponto de 
vista da ciência. De fato, os conceitos discutidos pela ética são 
normalmente sujeitos à ambigüidade, à polissemia, à vaguidão, enfim, à 
valoração. Os conceitos fluidos e indetermináveis de modo único e 
absoluto são o núcleo dos estudos éticos. Então, como é possível um 
saber preciso sobre ética, se sujeito a tanto relativismo conceitual? 
Somente se pode admitir sua existência se se admite que é parte das 
ciências humanas e vive de perto a variedade dos aspectos humanos 
contidos nos valores subjetivos e sociais. 
Dessa forma, admitindo-se um estatuto próprio à ética como saber, que, 
deve-se dizer, não se submete ao caráter purista e preciso das ciências 
causais (ciências exatas e biológicas), pode-se discutir valores éticos com 
uma margem de imprecisão admissível, tolerada, previsível e contida 
pelo sistema. Ora, essa folga nas amarrasde funcionamento dos sistemas 
éticos é a própria característica que confere vitalidade às idéias por eles 
expostas. Um sistema ético inflexível é mostra de impermeabilidade na 
discussão dos valores, que são, por natureza, variáveis, histórico-
culturais, parcialmente relativos e passíveis de discussão. 
Então, a ética teórica não vive com dilemas por ter como objeto de 
estudo conceitos fluidos e palavras de difícil determinação semântica. A 
ética convive com eles como parte integrante de suas preocupações, 
pesquisando mesmo sua variabilidade como algo inerente ao valor. 
Essa flexibilidade ao admitir idéias sobre ética é o que permite espaço 
para o desabrochar de novas éticas; é a folga do sistema para que nele 
penetrem as inovações e a ele sejam incorporadas as aquisições mais 
recentes no campo ético. 
 
maiores esclarecimentos, consulte-se Bittar, A justiça em Aristóteles, 1999. 
 17 
Grife-se, ainda, que a inflexibilidade somente poderia prejudicar a 
prosperidade das idéias éticas e conspurcar a finalidade da teoria ética. 
Ela não foi feita para esmagar a liberdade e a prática da ética, mas para 
auxiliar e orientar a ação ética. Não se pode inverter funções: a teoria é o 
apêndice da prática ética, e não o contrário. A teoria ética é o acessório, 
quando a prática ética é o principal, o fim de toda formulação teórica 
ética. Assim, todo estudo ou norma ética tem como fim a prática, e não a 
teoria ética. 
O espaço dos conceitos fluidos e indetermináveis (bom, justo, correto, 
bem comum, virtude, boa conduta...) é justamente o espaço necessário 
para que os indivíduos, ante a ação e a prática, deliberem com liberdade 
(caso a caso; conforme suas histórias de vida; conforme o meio; 
conforme seus padrões morais...) o que é bom e o que é mau, o que é 
justo e o que é injusto, o que é correto e o que é incorreto. Enfim, na ação 
mora o fim de toda ética. 
2.2. Ética: ciência ou filosofia? 
A ética é ciência ou filosofia? Em verdade, pode-se dizer que é filosofia, 
filosofia prática, que tem por conteúdo o agir humano
25
. Isso porque se 
trata de um saber especulativo, voltado para a crítica conceitual
26
 e 
valorativa. Se o saber filosófico instaura a dúvida e a crítica, renunciando 
a pretensões mais diretamente engajadas na resolução de questões 
imediatamente necessárias e prementes, então é nesse solo que deve se 
situar a especulação ético-conceitual. A ética firma-se em solo filosófico 
como forma de fortalecimento das construções e deveres morais hauridos 
 
25
 Ao defini-la de forma contrastante com a da grande parte dos atuais debatedores do 
tema, está, naturalmente, definindo nitidamente postura singular em meio a vozes 
abalizadas na matéria: "Também não é verdade que a Ética seja parcela da Filosofia 
especulativa, elaborada acientificamente e sem preocupação com a realidade moral 
humana. E ainda que as questões éticas tenham sido sempre estudadas pelos filósofos, 
hoje elas adquiriram autonomia científica" (Nalini, Ética geral e profissional, 1999, p. 
72). 
26
 "A ética não trata de todo o objeto cogitável em geral, mas somente da ação humana 
ou dos valores éticos" (Morente, Fundamentos de filosofia: lições preliminares, 1980, p. 
32). 
ao longo do tempo pela experiência. Seu cunho especulativo não a 
permite ser senão um grande jogo especulativo, característica central do 
saber filosófico
27.
 
Não chega a se especificar e a se delinear como um saber particular sobre 
um objeto de conhecimento. Defini-la como uma ciência normativa seria 
por demais restrito pela amplitude das discussões que abarca
28.
 Seus 
quadrantes são tão abrangentes quanto as pretensões filosóficas que 
envolve. Os saberes científicos, pelo contrário, encontram maior precisão 
na delimitação de suas estreitas fronteiras de estudo. 
A ciência não seria capaz de dar conta de um objeto tamanhamente 
complexo, como o é o objeto da especulação ética
29.
 Sua complexidade 
se deve à ilimitação de seu conteúdo, uma vez que a ação humana vive 
em profundo movimento espaço-temporal e cultural, acompanhando as 
vitórias e as desditas humanas nesse plano. Circunscrever esse objeto de 
estudo para se tomar uma indagação científica é o mesmo que 
compromissá-lo indevidamente com o campo das indagações delimitadas 
e rigoristas. A abertura da especulação filosófica comporta sim o tipo de 
indagação e preocupação que se procura assinalar como éticas, de modo 
que se deve concluir, não obstante alguns autores advogarem a idéia da 
autonomia científica da ética, ser essa uma parte do território de estudos 
filosóficos, seu local de assento, seu berço natural. 
 
27
Assim: "A Ética, como filosofia moral, é o ramo da filosofia que estuda e avalia a 
conduta e o caráter humanos à vista dos conhecimentos, das tradições, dos usos e dos 
costumes" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 99). 
28
 "A ética é uma disciplina normativa, não por criar normas, mas por descobri-las e 
elucidá-las. Mostrando às pessoas os valores e princípios que devem nortear sua 
existência, a Ética aprimora e desenvolve seu sentido moral e influencia a conduta" 
(Nalini, Ética geral e profissional, 1999, p. 35). 
29
 "O problema do valor do homem como ser que age, ou melhor, como o único ser que 
se conduz, põe-se de maneira tal que a ciência se mostra incapaz de resolvê-lo. Este 
problema que a ciência exige, mas não resolve, chama-se problema ético, e marca 
momento culminante em toda verdadeira filosofia, que não pode deixar de exercer uma 
função teleológica, no sentido do aperfeiçoamento moral da humanidade e na 
determinação essencial do valor do bem, quer para o indivíduo quer para a sociedade" 
(Reale, Filosofia do direito, 1999, p. 35). 
 18 
Se é parte da filosofia, então, necessariamente, liga-se à filosofia prática, 
ou seja, aquela que tem por principal foco de estudos a ação humana
30.
 
Ou seja, a atenção, ao se estudar ética, recai sobre questões de cunho 
prático e dirigido na realidade quotidiana de sucessão das efemérides e 
ocorrências que dependem da vontade e da intervenção humana para 
acontecerem. Essa especulação dirigida à atuação humana se chama 
filosofia prática
31.
 
2.3. A reflexão ético-filosófica como prática da liberdade 
As práticas filosóficas não se conciliam com propostas distanciadas da 
produção de determinados efeitos. Práticas filosóficas que caminham 
para o idealismo absoluto, ou mesmo para estreitos corredores acessíveis 
somente a filósofos, iniciados e eruditos, são práticas alienadoras das 
mentalidades, na medida em que colaboram para o distanciamento do 
filósofo da sociedade. 
É com Gramsci que se pode dizer que todo o exercício filosófico (que 
parte das filosofias e das reflexões filosóficas) tende a colaborar com o 
processo de formação do bom senso (que ocorre quando as filosofias são 
apropriadas pelas massas), fazendo-se um exercício humanístico 
imprescindível para a renovação dos valores sociais. De fato: 
"Mas por que surge o Bom Senso? Afastemos a idéia de que ele poderia 
resultar de uma irradiação espontânea e gratuita da filosofia. Ele nasce e 
se desenvolve para preencher uma função. Essa função, inclusive, é 
concebida por Gramsci em termos de uma exigência quase ética: 'deve-
 
30
 Então, Reale divide a filosofia em três ramos de preocupações: teoria do 
conhecimento (lógica e ontognoseologia); teoria dos valores ou axiologia (ética,estética, filosofia da religião, filosofia política, filosofia econômica etc.); metafísica 
(Filosofia do direito, 1999, p. 39). 
31
 "A filosofia prática, já o dissemos, tem por fim definir o bem do homem. Por isto é 
possível colocar-se num duplo ponto de vista: do ponto de vista do fazer, isto é, da obra 
a produzir (arte em geral e artes do belo em particular), objeto da filosofia da arte, ou do 
ponto de vista do agir, isto é, da ação a realizar, o que constitui o objeto da moral" 
(Jolivet, Curso de filosofia, 1990, p. 24). 
se' difundir a filosofia de uma época, transformá-la em Bom Senso"
32
. 
Então, sem dúvida alguma, a filosofia possui um importante e destacado 
papel de exercer livremente o pensamento, e, no campo da reflexão ético-
filosófica, fazê-lo em completo (até onde possível) descompromisso com 
a moral social, com os valores majoritários ou com os interesses morais 
de uma classe social. A reflexão ético-filosófica pode mesmo significar, 
segundo essa linha de raciocínio, uma prática da rebeldia, na medida em 
que se inscreve como recurso de acusação da hipocrisia moral, com os 
fetiches e recalques axiológicos protetores de certos interesses de classe, 
da falsa moralidade e dos moralismos alardeados como padrões de 
conduta. Ora, é a filosofia um exercício de liberdade de pensamento, 
rigorosa somente quanto aos seus próprios fundamentos e às suas 
próprias coerências metodológicas, de modo a produzir-se como 
exercício legitimamente possível na medida em que desenvolve um olhar 
sensível e crítico às práticas éticas e às moralidades cotidianas da(s) 
sociedade(s). 
Para que esse exercício se faça em completa autonomia não significa que 
seja necessário o isolamento do filósofo eticista, muito menos que a 
filosofia se acantone em suas discussões. Pelo contrário, é extremamente 
salutar que todo esse exercício seja feito na companhia de outros saberes 
que com ela são convidados a pensar as questões axiológicas, 
comportamentais e as regras de conduta: a psicologia, como saber 
voltado para as características mais intimistas da personalidade humana; 
a antropologia, como saber devotado ao estudo dos comportamentos 
grupais, da organização e das práticas sociais; a sociologia e a história, 
como saberes capazes de colaborar com o desenvolvimento da 
capacidade crítica de avaliação de comportamentos e práticas 
contextualizados no tempo e no espaço etc. 
A atitude, portanto, da filosofia ética é a de compreensão e avaliação 
crítico-reflexiva da ação humana (individual ou coletiva). O 
compromisso do filósofo eticista está na ênfase dada à pergunta, ao 
 
32
 Debrun, Gramsci: filosofia, política e bom senso, 2001, p. 172. 
 19 
questionamento, provocando o abalo de estruturas axiológicas por vezes 
secularmente assentadas, e não na ênfase impositiva, qual a atitude do 
moralista, que julga, acusa e impõe, que prescreve e dita regras e valores, 
que se auto-arroga a posição de detentor de "verdades morais". 
Trata-se de uma questão de método, mas também de enfoque, algo que 
parece determinante para que a filosofia seja respeitada como exercício 
de liberdade. 
2.4. Divisões da ética 
A ética, como saber filosófico, pode ser dividida, seguindo uma 
determinada orientação conceitual, em dois grandes ramos: a ética 
normativa e a metaética. Enquanto a ética normativa se detém no estudo 
histórico-filosófico ou conceitual da moralidade, ou seja, das normas 
morais espalhadas pela sociedade, praticadas ou não, a metaética se 
propõe a ser uma investigação do tipo epistemológico, ou seja, uma 
avaliação das condições de possibilidade de qualquer estudo ou proposta 
teórica ética
33
. Se a ética normativa estuda as normas sociais
34
, se 
detendo sobre a moralidade positiva, a metaética estuda e avalia a ética 
normativa. 
Há que se dizer que a ética normativa abre espaço para a discussão das 
diversas correntes de pensamento acerca da ética, e, nesse sentido, é o 
que permite o estudo histórico-filosófico da ética (ética socrática, ética 
 
33
 A metaética é o estudo crítico dos sistemas éticos: "Igual que la ética normativa 
supone una reflexión acerca de las normas morales existentes (moralidad positiva), la 
metaética implica una reflexión sobre los sistemas éticos existentes (moralidad crítica)" 
(Guisán, Introducción a la ética, 1995, p. 43). 
34
 "No campo da Ética filosófica encontramos a Ética normativa e a Ética especulativa. 
A Ética normativa é mais do que prescrever regras e leis, pois procura enunciar as 
normas que assegurem e satisfaçam a autoridade do que deve ser, para que a sociedade 
atinja seus objetivos. Apóia-se em razões morais decorrentes dos costumes e também 
racionais empíricas, louvando-se em experiências anteriores" (Korte, Iniciação à ética, 
1999, p. 105). 
platônica...)
35
. Pode-se, então, identificar as principais correntes de 
pensamento ético como constituindo grandes grupamentos de estudo da 
ética normativa, a saber: 1) as éticas normativas teleológicas 
(eudemonistas e hedonistas), para as quais a noção primordial é a de que 
a ética deve conduzir a um fim natural, ou à felicidade, ou ao bem-estar, 
ou à utilidade geral... (Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Hume, 
Bentham, Stuart Mill...)
36
; 2) as éticas normativas deontológicas, para as 
quais a noção primordial é a da necessária e imperativa obediência ética 
pela consciência do dever e da responsabilidade, individual ou Social... 
(cristianismo, ética kantiana, ética do contrato social...)
37
. Não obstante 
se poder assim dividir as dimensões filosóficas ético-normativas, nunca é 
demais dizer que os grupamentos não sufocam a independência lógica, 
conceitual, e muito menos as peculiaridades, de cada proposta filosófica. 
Outra distinção importantíssima a ser feita é aquela que divide a ética em 
dois grandes ramos: a ética geral e a ética aplicada. 
A primeira deter-se-ia na análise e no estudo das normas sociais, aquelas 
que atingem a toda a coletividade, e que possui lineamentos os mais 
 
35
 Também chamada ética especulativa: "A Ética especulativa procura encontrar, com a 
sistematização dos dados conhecidos, as razões últimas (teleológicas) ou razões 
primeiras (deontológicas), por meio das quais possa quantificar e avaliar os fenômenos 
éticos, atribuindo-lhes juízos de valor moral, ou seja, de valor segundo os costumes" 
(Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 105). 
36
 "Es común distinguir, dentro de las éticas teleológicas que proponen como meta el 
bienestar humano, las eudemonistas (que sólo tomarían en consideración los placeres 
más o menos intelectuales o espirituales) y las hedonistas (de hedoné, placer en griego), 
que tendrían como objecto la persecución de placeres más materiales" (Guisán, 
lntroducción a la ética, 1995, p. 37). 
37
 "La diferencia esencial entre las éticas teleológicas y las deontológicas o de 
principios, es que rnientras las primeras exigen un fin más o menos natural a perseguir 
por la razón humana, fin que presenta las características de ser bueno prudencialmente y 
bueno éticamente, en las segundas lo que importa es obrar conforme a deberes (déon = 
deber en griego) exigidos por la existencia de principios y dictados por la razón pura, 
como la ética kantiana, y derechos (naturales y/o fundamentales) o principios 
producidos mediante consenso o contrato por los humanos (aunque en este último caso 
podría darse un importante acercarniento a las éticas teleológicas o de fines)" (Guisán, 
lntroducción a la ética, 1995, p. 38-39).

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