Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU TEORIA GERAL E PRINCÍPIOS PROCESSUAIS Editoração e Revisão: Editora Prominas e Organizadores Coordenação Pedagógica INSTITUTO PROMINAS Impressão e Editoração APOSTILA RECONHECIDA E AUTORIZADA NA FORMA DO CONVÊNIO FIRMADO ENTRE UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES E O INSTITUTO PROMINAS. MÓDULO – 1 SUMÁRIO UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO ................................................................................. 03 UNIDADE 2 – NOVO DIREITO PROCESSUAL, JURISDIÇÃO E ESTADO DE DIREITO ............................................................................................................ 05 UNIDADE 3 – PRINCÍPIOS PROCESSUAIS ......................................................... 12 UNIDADE 4 – COMPETÊNCIA E JURISDIÇÃO .................................................... 28 UNIDADE 5 – NOÇÃO PRELIMINAR DE TIPOS DE PROCESSO ........................ 31 UNIDADE 6 – AÇÕES ............................................................................................ 35 UNIDADE 7 – PROCESSO E PROCEDIMENTO ................................................... 40 UNIDADE 8 – RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL – AUTOR, JUIZ E RÉU ......................................................................................................................... 42 UNIDADE 9 – ATOS PROCESSUAIS .................................................................... 44 UNIDADE 10 – PRAZOS PROCESSUAIS ............................................................. 53 UNIDADE 11 – PRECLUSÃO ................................................................................. 57 UNIDADE 12 – PRESSUPOSTOS E CAPACIDADE PROCESSUAL ................... 60 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 64 3 UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO Ao iniciarmos o curso de Direito Processual Civil nos deparamos com alguns ensinamentos de VICENTE GRECCO FILHO (2007) que tomamos emprestado e merecem ser considerados de imediato: 1. No Direito processual há uma parte comum a todos os ramos especiais do processo, que justifica a formulação de uma teoria geral; 2. É preciso reconhecer que o processo civil, como tratado tradicionalmente, ainda apresenta pontos críticos de solução satisfatória, que o submetem aos interesses imediatos definidos no direito material, com prejuízo do equilíbrio das partes, da correta aplicação da ordem jurídica como um todo; 3. O Direito Processual Civil apresenta um desenvolvimento lógico bastante rigoroso, de modo que todos os seus institutos reciprocamente se implicam, não podendo o intérprete perder de vista essa circunstância, que não é encontrada em outros ramos do direito que guardam compartilhamentos estanques, inclusive principiologicamente distintos. Desde a entrada em vigor do novo Código Civil de 2002, abre-se um leque de conjecturas e meditações acerca da aplicação do Direito, apontando novos caminhos ao processo, caminhos mais humanos, mais sociais, mais éticos e menos desvinculados de formalismos arcaicos, que ainda adornam nossa ciência processual (MONTENEGRO FILHO, 2005), deste modo, acreditamos que no contexto didático, o estudo da teoria e da prática caminhará equilibrado, sem prejuízos ou exageros de uma ou outra parte. O estudo do Direito processual civil exige, como conhecimento prévio, básico e indispensável, noção daquilo que seja jurisdição, pois é nesse ambiente desenvolvido pelos órgãos do Poder Judiciário, que se processará todo o desenrolar do conhecimento da matéria relativa ao processo civil, portanto, Jurisdição e Estado de Direito serão as duas primeiras matérias contempladas nesta apostila. O respeito aos princípios é outro ponto de fundamental importância, tanto que violar um deles pode ser considerado mais grave que violar uma norma, uma vez que atinge as bases do sistema, portanto, não só esta apostila como as demais, perseguem com veemência os princípios processuais. 4 Competência e jurisdição; noção preliminar de tipos de processo; as ações; processo e procedimento; relação jurídica processual entre autor, juiz e réu; os atos e prazos processuais; preclusão e pressupostos processuais são os temas apresentados na sequência. Ressaltamos em primeiro lugar que embora a escrita acadêmica tenha como premissa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma redação original e tendo em vista o caráter didático da obra, não serão expressas opiniões pessoais. Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas e que podem servir para sanar lacunas que por ventura surgirem ao longo dos estudos. 5 UNIDADE 2 – NOVO DIREITO PROCESSUAL, JURISDIÇÃO E ESTADO DE DIREITO Didaticamente, a doutrina classifica o Direito em dois grandes ramos: direito público e direito privado. Enquanto no ramo privado subsistiria uma relação de coordenação entre os sujeitos integrantes da relação jurídica, como no direito civil, no direito comercial e no direito do trabalho, no direito público prevaleceria a supremacia estatal face aos demais sujeitos. Nessa linha de raciocínio, o direito processual, assim como o constitucional, o administrativo, o penal e o tributário, constituiriam ramos do direito público, visto que suas normas, ditadas pelo Estado, são de ordem pública e de observação cogente pelos particulares, marcando uma relação de poder e sujeição dos interesses dos litigantes ao interesse público. Todavia, essa dicotomia entre público e privado é apenas utilizada para sistematização do estudo, pois, modernamente, entende-se que está superada a denominada summa divisio, tendo em vista que ambos os ramos tendem a se fundir em prol da função social perseguida pelo Direito. Assim sendo, fala-se hoje em constitucionalização do direito. Dessa forma, abandonada a visão dicotômica ultrapassada, podemos definir o direito processual como o ramo da ciência jurídica que trata do conjunto de regras e princípios que regulamentam o exercício da função jurisdicional do Estado (PINHO, 2008). A expressão Direito Processual pode-se referir à ciência ou norma. Na primeira dessas acepções, temos o ramo da ciência jurídica que estuda e regulamenta o exercício, através do Estado, da função jurisdicional e, no segundo sentido (norma, direito objetivo), o complexo de normas e princípios que regem o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado (GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA, 2006, p. 40). Segundo o professor CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (2001), no sistema brasileiro, o direito processual civil é o responsável pelo exercício da jurisdição com referência a pretensões fundadas em normas de direito privado (civil, comercial) e também público (administrativo, tributário, constitucional). Nisso, o processo civil 6 brasileiro diferencia-se de importantes modelos europeus e latino-americanos em que há certas limitaçõesrelacionadas com o Estado em juízo. Nosso sistema é o da chamada jurisdição una e também o Estado se sujeita aos juízes integrantes do Poder Judiciário e às regras do direito processual civil. Aqui inexiste o contencioso administrativo e o processo diferenciado para certas causas regidas pelo direito público. Excluem-se do âmbito do processo civil brasileiro, exclusivamente, as causas de natureza penal. O direito processual não dita normas para adequar a atribuição de bens da vida aos indivíduos, nem de disciplinar o convívio em sociedade, mas de organizar a realização do processo em si mesmo. O direito processual não se presta à proteção dos bens da vida, mas, tão somente disciplina a atividade jurisdicional, impondo regras de condução do processo como meio de garantir a aplicabilidade e realização do direito material (bens da vida humana) (DINAMARCO, 2001). É exatamente por isso que é possível afirmar que o direito processual não encontra fim em si mesmo, sendo o verdadeiro meio de realização do direito material. O processo é o meio para a efetivação do direito material, que é o fim. As normas processuais não disciplinam as relações entre as pessoas na vida comum, consequentemente, não criam, não modificam nem extinguem direitos ou obrigações no plano material (bens da vida), elas apenas regulam a atividade da jurisdição. Esses contornos do direito processual civil tornam difícil delimitar de modo positivo o âmbito de sua incidência, sendo usual a afirmação de que ele é o ramo do direito processual destinado a dirimir conflitos em matéria não penal. Enquanto o processo civil traduz-se numa técnica de solução imperativa de conflitos, o monopólio estatal em dirimir controvérsias por meio do exercício da jurisdição, capitaneada pelo Estado-Juiz, que é quem decide, seguida dos auxiliares da Justiça, em que todos exercem o poder estatal, o Direito Processual Civil, por sua vez, cuidará de estabelecer as regras destinadas a reger como se operará este exercício da jurisdição na solução dos conflitos sociais (PINHO, 2008, p. 14). 7 Simultaneamente ao nascimento do direito, que tem por fim a solução justa dos conflitos ou convergências de interesses, surgem os mecanismos, previstos pelo próprio direito, de efetivação das soluções por ele dispostas. Costuma-se dividir o sistema de efetivação de direitos em três fases distintas: a autotutela, a autocomposição e a jurisdição. Na primeira, em virtude da inexistência de um Estado suficientemente forte para superar as vontades individuais, os litígios eram solucionados pelas próprias forças, imperando a lei do mais forte. Na segunda, as partes abririam mão de seu interesse ou de parte dele, de forma que, por meio de concessões recíprocas, seria possível chegar à solução dos conflitos. No terceiro, própria de um estado de direito, o Estado manteria órgãos distintos e independentes, desvinculados e livres da vontade das partes, os quais, imparcialmente, deteriam o poder de dizer o direito e constranger o inconformado a submeter-se à vontade da lei. VICENTE GRECCO FILHO (2007) admite que essas três fases, que podemos aceitar como logicamente existentes, não existiram em termos cronológicos, isto é, não são fases históricas propriamente ditas, mas princípios lógicos e de justiça que se digladiaram em todos os momentos históricos e ainda hoje se digladiam, prevalecendo ora um, ora outro, em determinada época. Interessa-nos, em mais profundidade, a jurisdição, que constitui a forma estatal, por excelência, de composição de litígios, embora não seja a única. A sociedade, desde os tempos longínquos, convive com divergências que geram os conflitos, os juridicamente chamados de lides1. Para solucionar esta resistência à negociação, o Estado, que veda a autotutela, manifesta-se por meio da jurisdição, cuja regência se operará por meio dos ritos estabelecidos pelo legislador. Importante destacar que a partir do séc. XIV, a jurisdição tornou-se a forma predominante de resolução de conflitos monopolizada pelo Estado, por intermédio do Poder Judiciário, ao lado das funções legislativa e administrativa. Palavra que vem do latim jurisdictio2, a jurisdição tem como fim último a pacificação social e consiste em um poder e dever do Estado, pois, se por um lado corresponde a uma manifestação do poder soberano do Estado, impondo suas 1 Conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida. 2 Etimologicamente significa dizer o direito ou aplicar a norma ao caso concreto. 8 decisões de forma imperativa aos particulares, por outro, corresponde a um dever que o Estado assume de dirimir qualquer conflito que lhe venha a ser apresentado. No âmbito do processo civil, jurisdição é a função que consiste em resolver os conflitos que a ela sejam apresentados pelas pessoas, naturais ou jurídicas (também pelos entes despersonalizados, tais como o espólio, a massa falida e o condomínio), em lugar dos interessados, por meio da aplicação de uma solução prevista pelo sistema jurídico (WANBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). Por solução do sistema, entende-se aquela prevista pela função normatizadora do direito, consistente em regular a apropriação dos bens da vida pelas pessoas, mediante o uso de um sistema de comandos coativos ou de medidas de incentivo, de sorte que seja possível alcançar soluções compatíveis com a necessidade de manutenção da paz social. Isso não significa que a jurisdição atue apenas aplicando sanções. Por vezes, bastam decisões meramente declaratórias ou outras providências que não constituem propriamente sanção (WAMBIER, ALMEIDA, TALAMINI, 2007). No Brasil, a atividade jurisdicional é exclusiva do Estado, e exercida através dos órgãos do Poder Judiciário (arts. 92 a 135 da CF), sendo, absolutamente, repudiada a atividade de justiça privada, uma vez que a própria Carta Maior, ao organizar a atividade do poder, instituiu o princípio do juiz natural (art. 5º, LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente). Ressalte-se que a manutenção de um Estado Democrático de Direito – cujas obrigações e direitos estão previstos em instrumentos normativos, elaborados por representantes eleitos pelos próprios cidadãos – pressupõe a existência de um órgão estatal dotado de poder para garantir a aplicabilidade do Direito às situações reais da vida em sociedade (BARROSO, 2002). Assim, como características da jurisdição, podemos elencar: a) Substituição – a jurisdição tem como característica substituir a vontade dos litigantes pela vontade da lei pronunciada pelo Estado-juiz. A resolução do conflito é exercida pelo Estado e não pelas partes, independentemente da vontade destas; b) Imparcialidade – a jurisdição é desinteressada e o exercício de sua atividade mantém-se equidistante da vontade das partes. O interesse do Estado é 9 estranho à pretensão dos demandantes, não guardando qualquer vínculo com o objeto da lide; c) Instrumentalidade – a jurisdição tem por finalidade viabilizar a atuação prática do Direito, caracterizando o verdadeiro instrumento público para a administração de interesses privados; d) Existência de lide – como regra, a atividade jurisdicional apenas se justifica quando existem conflitos de interesses a serem solucionados; e) Definitividade – o produto da atividade jurisdicional tem natureza de definitivo, ou seja, a matéria decidida pela jurisdição, como regra, gera coisa julgada e impede a repetição da jurisdição no mesmo conflito; f) Atividade pública – no Estado brasileiro, por mandamento constitucional, a jurisdição é exercida, exclusivamente, pelo Poder Judiciário, não se admitindo, salvo exceções, a atividade privada de aplicação do Direito (BARROSO, 2002). A jurisdição tempoder de polícia e documentação, uma vez que no seu exercício, o Estado-juiz tem força institucional para presidir todo o processo, inclusive documentar a realização dos atos processuais, assim como a Jurisdição tem poder de decisão, de formar e impor um juízo de mérito, função típica do magistrado de emitir juízo de razão sobre o objeto central da lide ou questões incidentes e por fim, tem poder de coerção, ou seja, tem força capaz de impor respeito à ordem judicial, poder de obrigar o cumprimento contra a vontade da parte ou de terceiro. De maneira simples e, ao mesmo tempo, para maior eficiência da tutela, a CF ao criar e organizar o Poder Judiciário classificou a jurisdição em especializada e comum; voluntária e contenciosa; individual e coletiva. A jurisdição pode ser especializada em matéria trabalhista, eleitoral ou militar e comum utilizando-se o critério residual, i.e., quando a matéria não for especializada (civil e penal) ou o critério de exclusão, o que não for matéria penal será objeto da jurisdição civil (inclusive direito comercial, administrativo, constitucional, direito do consumidor, etc.). Embora a jurisdição atue sobre a lide, em algumas hipóteses decorrentes da natureza e importância do bem jurídico, o Estado reclamou para si o poder de 10 administrá-los, por isso ela é contenciosa (para solução de um litígio) e voluntária (para a administração estatal de um determinado bem jurídico). Na jurisdição voluntária há administração pública de interesses privados; ausência de lide; há interessados, atende requerentes ou interessados; a sentença é meramente homologatória. A jurisdição contenciosa busca solução de conflitos de interesses, portanto existe lide; há partes, ou seja, as partes litigantes são autor e réu e acontece sentença de mérito. Exemplos: • O instituto civil do casamento: para ser contraído é firmado perante o juiz de paz, mas sua dissolução (mesmo que consensual) exige intervenção do órgão jurisdicional; • A alienação de bens de incapazes, alienação judicial, inventário de bens, abertura de testamento, alvarás, separação consensual, administração de bens de ausentes e das coisas vagas, curatela dos interditos, organização e fiscalização das fundações, especialização da hipoteca legal (arts. 1103 a 1210 do CPC), e outras tutelas não previstas em lei, mas cuja natureza determina a intervenção judicial. Quando se fala em Jurisdição individual e coletiva, estamos nos reportando às necessidades decorrentes da evolução das relações sociais que gerou conflitos envolvendo coletividade ou grupo de indivíduos, diferente da concepção tradicional de lide singular. Portanto, para acompanhar essa evolução, o Estado criou instrumentos processuais para a prestação de tutelas coletivas e para a defesa de bens coletivos, difusos ou individuais homogêneos. São exemplos de interesses transindividuais, ou seja, de importância para toda a sociedade, que extrapola um interesse individual, o patrimônio público, o meio ambiente, o direito do consumidor. Dentre os instrumentos processuais existentes para efetivar essa atividade jurisdicional coletiva, temos ação civil pública, ação popular e mandado de segurança coletivo, dentre outros. Barroso (2002) faz a seguinte observação em relação à diferença entre jurisdição individual e coletiva: enquanto na primeira os efeitos do processo apenas serão percebidos pelas partes envolvidas, na outra poderá ocorrer o efeito erga 11 omnes, ou seja, os efeitos do processo serão percebidos e deverão ser respeitados por todos (mesmo por pessoas que não foram parte do processo). 12 UNIDADE 3 – PRINCÍPIOS PROCESSUAIS Quando se trata da autonomia do direito processual em relação ao direito material, a independência se caracteriza, dentre outros fatores, pela existência de princípios próprios do Direito Processual Civil (DPC). Em cada ramo do direito existem seus princípios próprios (trabalho in dúbio pro misero, penal in dubio pró réu), mas todos os ramos seguem primeiro aos princípios comuns a todos os ramos que são os princípios gerais (GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA, 2006). Princípios são normas que fornecem coerência e ordem a um conjunto de elementos sistematizando-o, são fundamentos que servem para regular as relações entre as pessoas. São proposições que se colocam na base da Ciência Jurídica Processual e auxiliam na compreensão do conteúdo e extensão do comando inserido nas normas jurídicas e em caso de lacuna da norma, servem como fator de integração. Tomando emprestadas as palavras de BENTO HERCULANO DUARTE NETO (2009, p. 24): Torna-se imperioso, destarte, àqueles que buscam compreender, verdadeiramente, o nosso sistema processual, estudar com profundidade os princípios que o alicerçam, pois são eles que delineiam as opções tomadas pelo legislador, tanto no plano constitucional como no infraconstitucional. Aquele que bem conhecer os princípios do Direito Processual saberá melhor compreender seus dispositivos e institutos, decifrando aparentes enigmas, que em verdade encerram códigos de fácil decodificação. Se o aplicador do direito, v. g., tem o real conhecimento do sentido e do alcance do princípio do devido processo legal, terá melhor condição de enxergar quando resta ele violado por um ato praticado pelo juiz da causa, o que, no caso em concreto, é essencial a que se garanta a efetivação de uma ordem jurídica identificada com os valores da cidadania e da democracia. O juiz que alcança o real sentido da ampla defesa processual, ainda v.g., certamente saberá decidir quanto a permitir ou não a juntada de um documento, a conhecer ou não um recurso, a ouvir ou não uma testemunha. Enfim, uma investigação principiológica de nosso sistema processual será de grande valia para que o conheçamos de forma mais consistente, interpretando e aplicando de forma adequada as normas que o informam, afastando as concepções derivadas de um conhecimento perfunctório, por vezes gerando graves distorções. 13 Existem duas categorias distintas de princípios aplicáveis ao direito processual. Na primeira categoria temos os princípios informativos e na segunda os princípios fundamentais ou gerais. Na categoria dos princípios informativos, que são regras de cunho geral e abstrato, aplicados a todas as regras processuais, tanto de índole constitucional quanto àquelas que estão nas normas ordinárias, independentemente de tempo e lugar, temos os princípios: lógico, jurídico, político e econômico. Em razão de o processo ser uma sequência de atos que se volta a um fim determinado – a sentença – há a necessidade de seguir uma lógica, desse modo, as leis processuais, pelo princípio lógico, devem prever os meios que mais sejam capazes de permitir o descobrimento da verdade subjacente ao processo. O princípio jurídico informa que tudo, em matéria de regramento de direito processual, deve ser feito de acordo com a lei. No ordenamento jurídico brasileiro, esse princípio pode ser entendido como determinante da conformação das regras processuais em geral com os princípios processuais constitucionais, que, com sede na CF, devem nortear toda a elaboração legislativa infraconstitucional (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). A estrutura do processo, isto é, das regras disciplinadoras da atividade desenvolvida no processo, acontece de acordo com o princípio político. O direito à ampla defesa é um bom exemplo. Sob outro aspecto, o princípio político significa que o processo deve ter o máximo rendimento possível, como garantia da sociedade, com o mínimo de sacrifício de liberdade individual. Por fim, o princípio econômico deve inspirar tanto o legislador processualquando o operador do Direito (juiz, advogado, promotor) a obter o máximo rendimento com o mínimo de dispêndio. Esse princípio reza também que o processo deve ser acessível a todos quantos dele necessitem, inclusive no que diz respeito ao seu custo (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). A categoria dos princípios fundamentais alberga um grupo menos abstrato, mais contextual, que leva em conta, inclusive sua especificidade e características. Estes princípios guiam o legislador brasileiro quando da elaboração de normas jurídicas processuais e podem ser divididos em princípios relativos ao processo e ao procedimento como veremos adiante. 14 3.1 Princípios relativos ao processo 3.1.1 Princípio do devido processo legal Tal principio, também chamado de due process of law, face à sua origem no direito britânico, é tido por muitos como o único e verdadeiro princípio de Direito Processual contido na CF/88. Nesse contexto, todos os demais princípios, ou como tal apontados, seriam subprincípios decorrentes do devido processo legal. Assim, os princípios da ampla defesa, do contraditório, da publicidade dos atos processuais, da proibição à prova ilícita etc., seriam na verdade meros corolários do princípio do devido processo legal, e não princípios autônomos (DUARTE NETO, 2009; NERY JUNIOR, 1992). O devido processo legal seria, conforme locução de Didier Júnior, a norma-mãe, e esta gerando – aqui por nossa conta – normas-filhas (DUARTE NETO, 2009). O due process of law é consagrado na CF/88, por força do inciso LIV do artigo 5.°, quando se prevê que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Conforme NELSON NERY JÚNIOR (1992, p. 35), são os seguintes os direitos decorrentes do devido processo legal: a) comunicação e conhecimento do teor da acusação; b) juiz imparcial; c) produzir provas; d) deduzir defesa oral perante o juiz; e) ter um defensor perante o juiz ou Tribunal; f) reperguntar as testemunhas e contrariar provas; g) decisão fundamentada, conforme o contido nos autos. Genericamente, o princípio reflete no fato de que as pessoas têm direito à tutela dos bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico (trinômio: VIDA- LIBERDADE-PROPRIEDADE). No plano processual, nosso interesse particular, genericamente o devido processo legal consubstancia o direito das pessoas serem submetidas a um 15 processo judicial, para que se possibilite alguma espécie de expropriação, seja de sua liberdade ou de seu patrimônio. Mas não basta, para se concretizar o devido processo legal, que se garanta o acesso a um processo judicial. Verdadeiro due process of law, como baliza a doutrina mais moderna, somente ocorre quando o processo vem cercado de certas normas e características que lhe garantam a condição de um mecanismo eficiente de proteção social. Assim, o processo deve ser público, célere, efetivo, igualitário e bilateral, com amplitude de defesa etc.(DUARTE NETO, 2009). 3.1.2 Princípio da isonomia ou da igualdade A igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade perante o juiz: da norma inscrita no art. 5º da CF, a partir disso, brota o princípio da igualdade processual. As partes e os procuradores devem merecer tratamento igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo suas razões. O art. 125, inc. I do CPC proclama que compete ao juiz “assegurar às partes igualdade de tratamento”. Contudo, a igualdade absoluta não pode eliminar as desigualdades que eventualmente existam entre as partes. Para garantir que não se estabeleça qualquer diferença entre os indivíduos, clamou-se pela igualdade substancial, realçando-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional (tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais). A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial. Mas é muito delicada essa tarefa de reequilíbrio substancial, a qual não deve criar desequilíbrios privilegiados a pretexto de remover desigualdades. O juiz é, por excelência, um terceiro imparcial, que tem a função de decidir o conflito. De sua imparcialidade advém a sua autoridade específica, pelo que o Estado lhe fornece poder de polícia, de forma a que as decisões judiciais possuem 16 essencial coercibilidade. A imparcialidade é, assim, uma nota característica da atividade jurisdicional. Conforme ADA PELLEGRINI GRINOVER; CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO e ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA (2006, p. 53), “o caráter da imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição. O juiz coloca-se entre as partes e acima delas: esta é a primeira condição para que possa exercer sua função dentro do processo”. É importante ressaltar-se que a verdadeira igualdade de tratamento somente ocorre quando são tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Pela lição de NELSON NERY JÚNIOR (2002, p. 40), “dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. Em verdade, quando o juiz tenta ser neutro a ponto de não atenuar a desigualdade jurídica entre as partes, não estará sendo isonômico, mas sim aprofundará a desigualdade existente. De tal sorte, o magistrado deve considerar a capacidade jurídica de cada litigante, o que não lhe fará parcial, desde que mantenha a equidistância necessária em relação ao resultado do processo. A assepsia conceitual que às vezes se exige do julgador é, a nosso ver, incompatível com uma visão moderna e instrumental do processo (DUARTE NETO, 2009). 3.1.3 Princípio da Imparcialidade do Juiz O caráter da imparcialidade é inseparável do órgão de jurisdição. O juiz coloca-se entre as partes e acima delas: esta é a primeira condição para que possa exercer sua função dentro do processo, desse modo, podemos dizer que a imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes. Por isso, tem elas o direito de exigir um juiz imparcial: e o Estado, que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas. 17 3.1.4 Princípio inquisitivo ou dispositivo O princípio dispositivo é aquele segundo o qual cabe à parte, isto é, àquele que se diz titular do direito que deve ser protegido, colocar em movimento a máquina estatal (isto é, a estrutura do Poder Judiciário), para que dela obtenha uma concreta solução quanto à parcela da controvérsia, ou do conflito trazida a juízo. Na esfera do direito processual civil, o Poder Judiciário é absolutamente inerte, só se manifestando (em amplo sentido) mediante a solicitação ou provocação do interessado. Inclusive as provas só podem ser produzidas pelas próprias partes, limitando o juiz a mero expectador. O processo previsto no Código de Processo Civil brasileiro está baseado fundamentalmente nesse princípio, como se vê da disposição constante no art. 2°. Segundo essa regra, “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais” (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). O princípio é inquisitivo porque tem como característica a liberdade de iniciativa conferida ao juiz, tanto na instauração do processo como no seu desenvolvimento, ou seja, por todos os meios ao seu alcance o julgador procura descobrir a verdade real, independentemente da iniciativa ou colaboração das partes. Modernamente, nenhum dos princípios é adotado de forma pura,mas de forma mista e segundo esse entendimento, se o interesse do conflito é das partes, elas podem ou não procurar a prestação jurisdicional. Mas, uma vez deduzida a pretensão em juízo, já existe outro interesse que passa a ser de natureza pública, que é a justa composição do litígio, segundo o direito material vigente e no menor espaço de tempo possível. Assim, embora a iniciativa de abertura do processo seja das partes, o seu impulso é oficial (art. 262), de maneira que cabe ao estado-juiz o desenvolvimento (andamento) do feito até o final, independentemente da provocação dos interessados. 18 Como dito, nosso código adota predominantemente o princípio do dispositivo, porém, não de forma pura, mas flexibilizado por essas questões do impulso oficial, assim como por permitir que o juiz tenha liberdade de produzir provas ex officio em alguns casos (art. 130 do CPC). 3.1.5 Princípio do contraditório e da ampla defesa Tendo em vista o princípio da igualdade (iguais poderes e direitos), tal igualdade se realiza através do contraditório. CF, art. 5º, LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes (...) Consiste na necessidade de ouvir a pessoa perante a qual será proferida a decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo, não havendo privilégios, de qualquer sorte. O princípio do Contraditório é absoluto, não admite exceções, sob pena de nulidade do processo. São três as consequências básicas deste princípio: a) a sentença só é válida contra as partes integrantes da relação processual; b) a citação válida é indispensável para que a sentença produza seus efeitos em relação ao réu; c) a não observância desse princípio gera a nulidade do processo. Tal oportunidade de realizar o direito de defesa, quer dizer não só sobre falar sobre as alegações do outro litigante, como também fazer a prova contrária. Negar-se o princípio do contraditório, inclusive, face à isonomia das faculdades processuais, pode ser considerado cerceamento de defesa, uma vez que também assegura a produção de uma prova ou contraprova. Apesar de se apresentar como princípio absoluto, que não aceita exceções, sua aplicação pode ser postergada para outro momento, como no caso das Medidas Cautelares, tendo em vista que, nesse caso, devem ser aplicadas medidas indispensáveis à eficácia e efetividade da garantia de acesso ao direito pleiteado. 19 Assim, no caso das liminares – o juiz determina sua aplicação a priori, e num segundo momento, permite a realização do contraditório, senão tutela pretendida poderia ser frustrada. Contudo, as medidas cautelares devem ser utilizadas apenas em casos excepecionais, e não podem causar a eliminação do Contraditório, que mesmo nesses casos deve ser respeitado. Dessa maneira, não se nega o contraditório, mas apenas se protela um pouco o momento de seu exercício. 3.1.6 Princípio do duplo grau de jurisdição (recorribilidade) Para alguns, o princípio do duplo grau de jurisdição se trata de um princípio doutrinário, para outros se trata de um princípio de fundo legislativo. Há quem o entenda como um princípio expresso na CF, enquanto outros o veem como um princípio estabelecido implicitamente na legislação infraconstitucional. Na opinião de BENTO HERCULANO DUARTE NETO (2009), trata-se de um princípio de índole claramente legislativa, estando explicitado em nossa organização judiciária prevista constitucionalmente. Este princípio remonta à Constituição do Império, de 25 de março de 1824, cujo artigo 158 dispunha, expressamente, sobre a garantia absoluta do duplo grau de jurisdição, permitindo que a causa fosse apreciada, sempre que a parte o quisesse, pelo Tribunal da Relação - depois de Apelação, e hoje de Justiça (NERY JÚNIOR, 1992, p. 149). O duplo grau de jurisdição consiste em uma garantia concedida ao jurisdicionado, destinada a lhe propiciar uma maior segurança. Se, por um lado, a possibilidade de recorrer concede um maior conforto psicológico àquele que resta vencido, por outro impõe uma maior segurança jurídica. Isso quer dizer que todo ato do juiz deve ser recorrível, como meio de evitar ou emendar erros ou falhas inerentes a julgamentos humanos. Tanto por isso, os recursos disciplinam a questão, recursos estes que devem se acomodar às formas previstas. 20 As partes, portanto, têm direito a que sua pretensão seja conhecida e julgada por juízos distintos, mediante recurso, caso não se conforme com a primeira decisão. Mas não podemos nos esquecer das exceções como a competência originária dos tribunais – ocorre em função do alto saber e experiência de seus membros, de maneira que se se considera dispensável, na espécie, a garantia da dualidade de instâncias. 3.1.7 Princípio da boa-fé e lealdade processual Na relação processual, o Estado e partes unem esforços para solucionar o litígio. Enquanto as partes defendem interesses privados, o Estado busca a pacificação social - justa composição do litígio e prevalência do império da ordem jurídica. Então o que prevalece é o interesse público, no sentido de que todos devem se empenhar para que o processo seja eficaz, reto, prestigiado e útil ao seu elevado desígnio. Por isso a preocupação em assentar os procedimentos com a boa fé e com a lealdade das partes e do juiz. O artigo 14 do CPC, ao estabelecer os deveres das partes e de seus procuradores, prevê expressamente o dever de proceder com lealdade e boa-fé (inciso II). Não obstante, os demais incisos contidos no artigo 14 do CPC, ainda que de forma não expressa, também impõem o dever de lealdade às partes e seus procuradores: expor os fatos em juízo conforme a verdade (inciso I); não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento (inciso III); não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito (inciso IV); cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final (inciso V). A Lei realmente não tolera má-fé e arma o juiz com poderes para atuar de ofício (art. 129), sendo a má-fé considerada por fraude processual, recursos torcidos, prova deformada, imoralidades de toda ordem. 21 As sanções para litigância de má-fé, podem ser determinadas de ofício ou a requerimento da parte (arts. 16 e 18). Art. 16 - Responde por perdas e danos, aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente. Art. 17 - Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidentes manifestamente infundados. VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. (Inciso acrescido pela Lei nº 9.668/98). Art. 18 - O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar à parte contrária os prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. (Caput com a redação dada pela Lei nº 9.668/98). Parágrafo primeiro - Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. Parágrafo segundo - O valor da indenização será desdelogo fixado pelo juiz, em quantia não superior a vinte por cento sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento. (Redação dada pela Lei nº 8.952/.94). 3.1.8 Princípio da verdade real e da livre apreciação das provas O compromisso é com a verdade real, não existindo mais prova tarifada. Não obstante, o juiz pode dar sentença segundo verdade formal (ver arts. 302, 319, 334, inc. III, 750, 803, todos do CPC). 22 Mas isso não elimina o compromisso com verdade real, pois antes de acolher qualquer presunção, a lei sempre oferece à parte oportunidade de alegar e provar a efetiva veracidade dos fatos relevantes. Somente quando faltar prova que o juiz julgará conforme ônus da prova e ficta confessio. 3.1.9 Princípio da persuasão racional do Juiz e da motivação das decisões judiciais Este princípio é contemplado pelo artigo 131 do Código de Processo Civil, que assim dispõe: “Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegado pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.” Para FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA (1974), o princípio em referência “é aquele que dá ao juiz apreciar as provas livremente, a fim de se convencer da verdade ou falsidade, ou inexatidão parcial, das afirmações sobre os fatos da causa”. Segundo este princípio, “não se confere ao juiz liberdade absoluta, mas não lhe impõe critérios rígidos e inflexíveis (valores tarifados) na apreciação da prova” . Não obstante a utilização deste sistema no direito pátrio, é certo que a liberdade do juiz não é absoluta, como denuncia CELSO AGRÍCOLA BARBI (1975), “no sentido de que ele possa decidir com base em prova não constante dos autos, ou fundar sua convicção em informações que tenha recebido em caráter particular”. Acrescenta o jurista, demonstrando a necessidade de aplicação do brocardo “quod non est in actis no est in mundo”, para impedir que esta liberdade possa significar arbítrio. Assim, o sistema adotado pelo CPC se encontra no caminho intermediário entre o julgamento secundum conscientiam, que permite a liberdade total na apreciação das provas por parte do juiz (inclusive por convicções pessoais e até contra as provas dos autos), e o sistema da prova legal, no qual o legislador prefixa 23 o valor de cada prova, restringindo o juiz a mero aplicador dos critérios legais estabelecidos para cada caso. O princípio em tela, também denominado persuasão racional do juiz, reclama a motivação do juiz, para demonstrar as razões e fundamentos de seu convencimento. A necessidade de fundamentação, inclusive, se encontra no art. 93, inciso IX da Constituição Federal. Esta preocupação encontra respaldo na transformação do pensamento a respeito do exercício da atividade jurisdicional, face ao interesse público na perfeita condução e resolução dos conflitos existentes na sociedade, ou seja, para que toda a sociedade possa fiscalizar a realização dos princípios e normas que regem a relação jurídica processual. 3.2 Princípios relativos ao procedimento 3.2.1 Princípios da oralidade, imediação e identidade física do juiz, concentração da causa Ao princípio da oralidade se somam três outros princípios: o da identidade física do juiz, o da imediatidade e o da concentração da causa. De acordo com o princípio da oralidade, é salutar que exista sempre um expressivo número de manifestações das partes, sob forma oral, principalmente na audiência, onde tais manifestações se devem concentrar, porque, dessa maneira, é possível se alcançar o julgamento da matéria posta em juízo com menor número de atos processuais. Tem-se em vista a possibilidade de obter-se melhor resultado, conforme a lei e a verdade dos fatos, sempre que se prestigiar o princípio da oralidade. Com esse princípio, como dissemos, há outros três, por assim dizer, subprincípios, ou elementos, que permitem que se operacionalize com maior objetividade a oralidade (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). Ainda relativamente à oralidade, o sistema processual brasileiro, adota o procedimento misto (relativamente à linguagem), sendo que a palavra escrita pode ter até mesmo acentuada predominância quantitativa, mas a seu lado permanece a falada, como meio de expressão de atos relevantes para a formação do 24 convencimento do juiz. Assim, o princípio da oralidade, que se encontra expresso no artigo 336 do CPC, foi atenuado, por questões práticas (insucesso da experiência), o que se pode perceber pelo disposto nos artigos 132, 330 e 522 do CPC. Já o princípio da imediação ou imediatidade, que se interliga com o princípio acima evidenciado, exige, segundo ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA; ADA PELLEGRINI GRINOVER; CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (2006), o contato direto do juiz com as partes e as provas, a fim de que receba, sem intermediários, o material que se servirá para julgar. Este princípio, encontra suas diretrizes acolhidas pelo artigo 446, inciso II do Código de Processo Civil. O princípio da identidade física do juiz, por sua vez, demonstra a necessidade de que um mesmo magistrado realize a instrução do processo (especialmente em relação à produção da prova oral) e o julgamento da lide. Os benefícios qualitativos das decisões judiciais, com a utilização do conteúdo deste último princípio são claros, pois o juiz poderá formar seu convencimento com base no contato direto com as partes e testemunhas, e as provas produzidas nos autos. Ainda sobre o princípio da identidade física do juiz, há razão de ser o mesmo juiz que preside a audiência, que colhe as provas orais (depoimento das partes e de testemunhas, por exemplo), o que dê a sentença. Essa regra decorre do seguinte: o juiz que tiver contato direto, na audiência, com as partes e testemunhas, tem mais e melhores condições de proferir uma sentença satisfatória, isto é, em que efetivamente se aplique o direito, do que aquele que não tenha presidido a audiência. O art. 132 do CPC consagra expressamente esse princípio: “O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor”. O princípio da concentração, terceiro daqueles que permitem que se operacionalize o princípio da oralidade, contém a ideia de que todos os atos do processo, inclusive a sentença, devem realizar-se o mais proximamente possível uns dos outros, para que se possa proferir decisão justa. Os artigos 455 e 456 expressam incisivamente esse princípio. O primeiro dispõe que “a audiência é una e contínua. Não sendo possível concluir, num só dia, 25 a instrução, o debate e o julgamento, o juiz marcará o seu prosseguimento para dia próximo”. Já o art. 456 prevê que “encerrado o debate ou oferecidos os memoriais, o juiz proferirá a sentença desde logo ou no prazo de 10 (dez) dias”. 3.2.2 Princípio da publicidade Em geral, todos os atos realizados no processo são públicos, inclusive as audiências. Trata-se de regra que, por óbvio, representa uma garantia, tanto para as partes quanto para o próprio juiz. Todos, e não apenas os litigantes, têm direito de acompanhar tudo o que se passa no processo, pois o interesse público é preponderante sobre o privado. A publicidade, assim, é garantida por preceito constitucional – CF, art. 93, inc. IX. Por isso, a Justiça não pode ser secreta, nem podem ser as decisões arbitrárias. Porém, existem exceções, que são os processos que correm em segredo de Justiça (art. 155). 3.2.3 Princípio da economia processual e da instrumentalidade das formas Se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens queestão em disputa. E mesmo quando não se trata de bens materiais deve haver uma necessária proporção entre fins e meios, para equilíbrio do binômio custo-benefício. Assim, esse princípio preconiza o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo possível de atividades processuais. O objetivo principal é propiciar às partes justiça barata e rápida, desse modo, a regra básica: deve tratar-se de obter o maior resultado com o mínimo de emprego da atividade jurisdicional. Como aplicações práticas do princípio podemos citar: • indeferimento da inicial quando a demanda não preenche os requisitos legais; • denegação de provas inúteis; • permissão de acumulação de demandas num só processo; • possibilidade de antecipar o julgamento do mérito, entre outras. 26 Nesse mesmo sentido, foi estabelecido o princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual se deve aproveitar os atos processuais quando sua inobservância não prejudicar as partes e quando tiverem atingido sua finalidade. 3.2.4 Princípio da eventualidade ou da preclusão Todo processo desenvolve-se por meio de atos processuais que estão dispostos em uma forma lógica (um ato após o outro) e em determinado tempo ou prazo legal: cada ato do processo tem o seu momento oportuno para ser praticado. Assim, deparamo-nos com o princípio da eventualidade, pelo qual a parte deve esgotar totalmente o ato processual no momento oportuno, sob pena de ocorrência de preclusão. É o caso, por exemplo, da defesa do réu. É no momento da contestação que o réu deve alegar toda matéria de fato e de direito em seu favor, pois, consumado este ato, geralmente ele não poderá fazê-lo de novo, operando-se assim a preclusão consumativa. O fenômeno processual da preclusão consiste na perda da capacidade de dar continuidade ao ato processual por: decurso do prazo (preclusão temporal), consumação ou esgotamento do ato (preclusão consumativa), ou pela prática de atos incompatíveis entre si (preclusão lógica, como, por exemplo, pedir justiça gratuita e simultaneamente recolher as custas, interpor recurso e concomitantemente cumprir a obrigação). Em outras palavras, o processo deve ser dividido numa série de fases ou momentos, entre os quais se divide o exercício das partes e do juiz. Assim, cada fase prepara a seguinte e, uma vez passada à posterior, não se pode mais voltar à anterior. Segundo esse entendimento, o processo caminha sempre para frente, rumo à solução de mérito. Cabe lembrarmos (veremos detalhes ao longo do curso) que o processo civil é divido em quatro fases: 1. Postulação – contempla o pedido do autor e resposta do réu; 2. Saneamento – diz respeito à solução de questões meramente processuais ou formais para preparar o ingresso na fase de apreciação do mérito; 3. Instrução – coleta dos elementos de prova; 27 4. Julgamento – solução do mérito da causa. PRINCÍPIOS INFORMATIVOS FUNDAMENTAIS Lógico Jurídico Político Econômico Devido processo legal Dispositivo da ação da inércia Impulso oficial Contraditório/bilateralidade/ paridade de tratamento Ampla defesa Duplo grau de jurisdição Oralidade Identidade física do juiz Imediatidade Concentração Publicidade/motivação das decisões Razoável duração do processo Fungibilidade Lealdade Proporcionalidade Fonte: WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI (2007, p. 75) 28 UNIDADE 4 – COMPETÊNCIA E JURISDIÇÃO Este tópico tem como objetivo dissolver dúvidas, estabelecer a diferença entre jurisdição e competência, pois embora o conceito de competência esteja vinculado ao de jurisdição, em conteúdo são diferentes. A jurisdição é função do Estado, decorrente de sua soberania, de resolver conflitos, na medida em que a ela sejam apresentados, em lugar daqueles que estão envolvidos no conflito, através da aplicação de uma solução contida no sistema jurídico. Enquanto forma de exercício do poder do Estado, a jurisdição é una. Como função do poder estatal, a jurisdição é exercida sobre todos os sujeitos, em todo o território nacional, o que torna necessário organizar e dividir o trabalho entre os membros que compõem o Poder Judiciário, por órgãos e por alguns critérios. Assim, são justamente as normas de competência que atribuem concretamente a função de exercer a jurisdição aos diversos órgãos da jurisdição, pelo que se pode conceituá-la como instituto que define o âmbito de exercício da atividade jurisdicional de cada órgão dessa função encarregado (WANBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). Alguns autores colocam competência como “medida da jurisdição”, levando a crer que o Poder Judiciário exerce apenas parte da jurisdição. O que acontece na realidade é que a partir das regras de competência, determina-se qual órgão do Poder Judiciário vai exercer qual jurisdição. Cabe lembrar que a competência é atribuída ao órgão jurisdicional e não ao agente. Tradicionalmente dizer-se que a competência é a medida de jurisdição de cada órgão judicial, isto é, ela quantifica a jurisdição a ser exercida pelo órgão judicial singularmente considerado; ou, na lição de Liebman (1973), ela determina, para cada órgão singular, em quais casos, e em relação a quais controvérsias, tem ele o poder de emitir provimentos, delimitando em abstrato, ao mesmo tempo, o grupo de controvérsias que lhe são atribuídas (MARCATO, 2002). Competência é o poder conferido pela lei (Princípio do Juiz Natural) ao órgão de jurisdição para proferir julgamentos para solução de conflitos. Julgamentos por órgãos que não têm competência são nulos. 29 Segundo ensina HUMBERTO THEODORO JUNIOR (2006, p. 138) “se todos os juízes têm jurisdição, nem todos, porém, se apresentam com competência para conhecer e julgar determinado litígio”. Cada Estado, no contexto internacional, é detentor de soberania, razão pela qual a jurisdição, como expressão do poder decorrente dela, encontra natural barreira na jurisdição dos demais Estados. Por isso, há regras que disciplinam a necessidade de convivência da jurisdição, ou seja, da atividade jurisdicional de um Estado diante de atividade de mesma índole nos demais Estados. No caso do Brasil, o legislador criou um sistema de normas para disciplinar essa matéria, com base em critérios capazes de definir, em razão da opção legislativa, os limites de jurisdição estrangeira em face da jurisdição nacional. Temos competência exclusiva e competência concorrente. O art. 89 do CPC dispõe a respeito de algumas ações em que o juiz brasileiro (Poder Judiciário Brasileiro) é o único competente para conhecer e julgar, ou seja, competência exclusiva. I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional. Mas, com a Lei nº 11.447/07, se todos os herdeiros forem capazes e não tiverem divergências quanto ao inventário e à partilha, esses atos podem ser realizados junto a tabelião, mediante escritura pública (art. 982, acrescido ao CPC pela referida lei). Mesmo nessas hipóteses que ora são de competência extrajudicial, continua existindo a proibição de que o inventário e a partilha de bens aqui localizados, faça-os por autoridade estrangeira. Na prática, isso quer dizer que o Brasil não reconhece sentença acerca destas matérias proferidas por juiz estrangeiro (WANBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). O art. 88 do CPC trata da competência concorrente, dispondo sobre casos em que não houve a exclusão do juiz estrangeiro, tanto podendo ser instaurada a ação a respeito desses casos perantejuiz brasileiro quanto de juiz estrangeiro. 30 Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil. Art. 90. A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que Ihe são conexas. No âmbito interno, o legislador definiu critérios para a determinação da competência dos diversos órgãos da jurisdição, ou seja, organizou um sistema de critérios para que se possa saber, diante de um caso concreto, que juízo, dentre todos aqueles igualmente investidos na função jurisdicional, tem competência para processar e julgar determinada causa. A distribuição da atividade jurisdicional entre os órgãos do Poder Judiciário é realizada em diversos instrumentos normativos (Constituição Federal, Lei de Organização Judiciária, Código de Processo Civil, etc.), segundo os seguintes critérios: • Funcional (em razão da matéria) – da hierarquia (grau de jurisdição) e da pessoa litigante ou interessada; • Valor da causa; • Territorial. 31 UNIDADE 5 – NOÇÃO PRELIMINAR DE TIPOS DE PROCESSO Como já sabido, o exercício da função jurisdicional do Estado se dá mediante ao concurso de diversos órgãos, que dela são encarregados, nos termos previstos pelas Constituições federal, estaduais e normas de organização judiciária e temos nas normas do Direito Processual Civil, o disciplinamento dos mecanismos de acesso a tais organismos pelas partes envolvidas em conflito. Assim, após definida a parcela do conflito que reclama solução do direito, esta será levada ao conhecimento do Poder Judiciário, passando a submeter-se às regras que disciplinam o processo. Em vista do resultado desejado pela parte, é possível classificar os processos em três tipos distintos, conforme disposição expressa do Código de Processo Civil que pode ser: processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar. Como o processo está diretamente ligado a um conceito teleológico, ou seja, com o alcance da tutela jurisdicional, classificou-se o processo em tantos tipos quantos fossem os tipos de tutela jurisdicional pretendida pelo autor. Temos, pois, processos de cognição (Livro I do CPC), processo de execução (Livro II do CPC) e processo cautelar (Livro III do CPC) (RODRIGUES, 2003, p. 29). ANTONIO CARLOS ARAÚJO CINTRA; ADA PELLEGRINI GRINOVER E CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (2006, p. 320) mencionam a existência de corrente doutrinária que acrescenta às três espécies de processo, a ação mandamental, que objetiva a obtenção de ordem do Poder Judiciário a órgão estatal, exemplificando com a sentença de mandado de segurança. Os mesmos autores também fazem referência à ação executiva lato sensu, destacando que essa expressão designa a ação voltada a uma sentença de mérito, que em substância é uma condenação e vale como título executivo, mas é também provida de uma especial eficácia consistente em legitimar a execução sem necessidade de novo processo. 32 Cada um desses processos tem reservado um momento especial para estudo, ou seja, uma apostila específica, dado a complexidade, contendo inúmeros elementos e passos de cada um. Por ora, é preciso entender que para cada um deles existe um procedimento específico. O processo de conhecimento é aquele em que a parte realiza afirmação de direito, demonstrando sua pretensão de vê-lo reconhecido pelo Poder Judiciário, mediante a formulação de um pedido, cuja solução será ou no sentido positivo ou no sentido negativo, conforme esse pleito da parte seja resolvido por sentença de procedência ou de improcedência. O processo de conhecimento (ou declaratório em sentido amplo) provoca o juízo, em sentido mais restrito e próprio: através de sua instauração, o órgão jurisdicional é chamado a julgar, declarando qual das partes tem razão. O objeto do processo de conhecimento é a pretensão ao provimento declaratório da sentença denominado sentença de mérito. Essa sentença concluirá pela procedência, quando acolher a pretensão do autor; pela improcedência quando a rejeitar (GOMES, 2007). No processo de conhecimento, as partes têm oportunidade de realizar ampla produção de provas que levem a demonstrar a existência do direito ou a existência de fato que o impeça, modifique ou extinga. Enfim, nessa modalidade de processo, o juiz realiza ampla cognição, analisando todos os fatos alegados pelas partes, aos quais deverá conhecer e ponderar para formar sua convicção e sobre eles aplicar o direito decidindo, através de sentença de mérito, pela procedência ou pela improcedência do pedido formulado pelo autor (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). No processo de execução, o autor pretende fazer cumprir um direito já determinado por uma sentença anterior ou firmado em um título executivo extrajudicial; o juiz não faz, aqui, análise do mérito da questão, pois esta já foi resolvida no processo de conhecimento. Quando desenvolve a atividade de conhecimento, o juiz investiga fatos ocorridos anteriormente e define qual a norma que está incidindo no caso concreto. É uma atividade lógica, e não material. Já a atuação executiva é prevalentemente material: busca-se um resultado prático, fisicamente concreto (ex: tirar um bem de um devedor e entregar ao credor). 33 Além de servir de meio para a efetivação de determinados títulos executivos judiciais, o processo de execução também serve para, com os mesmos meios executórios, atuar concretamente comandos existentes em documentos firmados entre as partes, aos quais a lei confere a mesma força executiva atribuída à sentença condenatória. São os chamados títulos executivos extrajudiciais (ex: nota promissória, cheques, contratos) (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). O processo cautelar é acrescido ao conhecimento e à execução, sendo auxiliar e subsidiário, visando assegurar o êxito das primeiras etapas: trata-se da atividade cautelar, desenvolvido através do processo que toma o mesmo nome. Seu resultado específico é um provimento acautelatório (GOMES, 2007). O provimento cautelar funda-se antecipadamente na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor: verificando-se os pressupostos do fummus bonis iuris e do periculum in mora, o provimento cautelar opera imediatamente, como instrumento provisório e antecipado do futuro provimento definitivo, para que este não seja frustrado em seus efeitos. Pode ser requerido de forma autônoma, ou por via incidental, no curso do processo, quando este já houver iniciado. Em outras palavras, a atividade jurisdicional, quer seja aquela desenvolvida no seio do processo de conhecimento, quer a que se realiza no processo de execução, se destina, sempre, ao sucesso. Isso quer dizer que o espírito que norteia o sistema processual é o da efetividade, no sentido de que todo aquele que invoca a tutela do Estado, por meio da jurisdição, deve receber uma resposta satisfatória, pouco importando, para esse fim, que seja uma resposta de procedência ou de improcedência. Se a jurisdição é, em princípio, inafastável e indelegável, ela deve, a todos quantos da função jurisdicional precisem, uma resposta efetiva, isto é, que resolva a lide no sentido jurídico e prático (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). 34 Quadro resumo dos tipos de processo Processo de conhecimento Processo de execução Processo cautelar Atividade típica da jurisdição; Fim: dizer o direito aplicável; Atividade do juiz: julgar; Característica:dialeticidade; Terminologia: autor e réu; Base: afirmação de direito subjetivo. Atividade complementar da jurisdição; Fim: modificar a realidade; Atividade do juiz: executar; Característica: índole não contraditória; Terminologia: exequente e executado; Base: título executivo. Atividade complementar da jurisdição; Fim: preservar a realidade; Atividade do juiz: acautelatória; Característica: cognição sumária; Base: alegação de fumus e periculum Fonte: WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI (2007, p. 119). 35 UNIDADE 6 – AÇÕES 6.1 Teoria sobre o direito de ação Num primeiro momento, a ação foi tida como um fenômeno abrangido pelo direito material reclamado em juízo. A teoria civilista ou imanentista3 postulava que a ação seria o direito que o titular de determinado direito tinha de pedir em juízo exatamente aquilo que lhe era devido em função de normas materiais. Nessa situação dizia-se que a ação seria uma qualidade agregada ao próprio direito material. Essa teoria não é mais aceita em virtude do argumento de que, se fosse essa a concepção correta, só haveria “ações” julgadas procedentes, pois não se poderia falar em improcedência da ação decorrente de um direito efetivamente existente. Depois, surgiram outras teorias pós-separação entre direito material e direito processual, sendo duas as mais importantes: a teoria da ação como direito autônomo e concreto e a teoria da ação como direito autônomo e abstrato. A teoria da ação como direito autônomo e concreto, como explicam LUIZ RODRIGUES WAMBIER; FLÁVIO RENATO CORREIA DE ALMEIDA e EDUARDO TALAMINI (2007), também não logrou êxito no sistema brasileiro, justamente porque somente admitia a efetiva existência da ação se e quando se tratasse de hipótese em que a sentença fosse favorável ao autor. Prevalece a teoria da ação como direito autônomo e abstrato, segundo a qual a ação é o direito de que qualquer um é titular, e por meio do qual pode pedir a atuação jurisdicional, tenha ou não razão naquilo que pede, detenha ou não o direito que afirma deter. Assim, se o juiz julga improcedente o pedido, isso significa que o autor não tinha o direito material alegado. No entanto, tanto tinha como exerceu, o direito da ação, tanto que pediu a atuação jurisdicional e a recebeu. Existe ainda outra vertente, aliás, uma teoria eclética (adotada por Enrico Tullio Liebman4), lembrada pelos autores acima, segundo a qual a ação é abstrata, 3 Imanente ao direito material. 4 Eminente jurista italiano, nascido em 1903, um dos maiores influenciadores da processualística pátria. Veio para o Brasil em 1939. Seu pensamento influenciou inúmeros juristas brasileiros, tais como Alfredo Buzaid, Moacir Amaral dos Santos, José Frederico Marques, Cândido Rangel 36 mas condicionada. Por esta teoria, todos têm direito a pedir atuação jurisdicional, mas nem todos têm o direito de receber uma sentença de mérito (ainda que desfavorável), para tanto, é preciso preencher as condições da ação. 6.2 Conceito e elementos identificadores Ação é definida como direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício). Mediante o exercício da ação provoca-se a jurisdição, que por sua vez se exerce através daquele complexo de atos que é o processo (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2006, p. 265). Para EDUARDO ARRUDA ALVIM (2006, p. 440) ação é: o direito constante da lei processual civil, cujo nascimento depende de manifestação de nossa vontade. Tem por escopo a obtenção da prestação jurisdicional do Estado, visando, diante da hipótese fático-jurídica nela formulada, à aplicação da lei (material). Essa conceituação compreende tanto os casos referentes a direitos subjetivos, quanto, também, as hipóteses de cogitação mais recente, referentes a interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. HUMBERTO THEODORO JUNIOR (2006, p. 60) sustenta ser, atualmente, ação: Direito público subjetivo, exercitável pela parte para exigir do Estado a obrigação da prestação jurisdicional, pouco importando seja esta de amparo ou desamparo à pretensão de quem o exerce. É, por isso, abstrato. E, ainda, é autônomo, porque pode ser exercitado sem sequer relacionar-se com a existência de um direito subjetivo material, em casos como o da ação declaratória negativa. É, finalmente, instrumental, porque se refere sempre a decisão a uma pretensão ligada ao direito material (positiva ou negativa). Num universo extraordinariamente extenso e expressivamente conflituoso, a atividade jurisdicional está disponível para conhecer e julgar todos os pedidos que ao Poder Judiciário sejam feitos, por meio do caminho previsto na ordem jurídica, ou seja, no bojo de processo, instaurado por força do exercício do direito de ação. Dinamarco e Kazuo Watanabe. Em virtude disso, costuma-se dizer que Liebman fundou uma verdadeira Escola - a Escola Processual de São Paulo, faleceu em 1986, na cidade de Milano, Itália. 37 Como são muitos os casos, surgem muitas lides, para as quais deve haver soluções específicas, portanto, cada ação levada a juízo, deve ser particularmente observada, para que dela se extraiam elementos identificadores, de forma que possa ser considerada separadamente e distinguida das outras ações que também tenham sido propostas ou que possam vir a ser propostas futuramente (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). Como elementos identificadores da ação nós temos as partes (autor e réu); o pedido (mediato e imediato) e a causa de pedir (próxima e remota). 6.3 Condições da ação O direito de ação faz parte do sistema constitucional de garantias, próprias do Estado de Direito, razão pela qual alguns autores preferem denominá-lo de direito constitucional de ação, enquanto outros optam por enquadrá-lo no direito de petição. O exercício de direito da ação resulta na instauração do processo e, a partir disso, as normas processuais é que regulam tudo quanto se refira à ação. São três as condições que permitem regular admissibilidade da ação: interesse processual, legitimidade das partes e possibilidade jurídica do pedido. O interesse processual está presente sempre que a parte tenha a necessidade e exercer o direito de ação para alcançar o resultado que pretende, relativamente à sua pretensão e, ainda mais, sempre que aquilo que se pede no processo seja útil sob o aspecto prático. Artigo 3º do CPC, necessidade mais utilidade. Quanto à legitimidade, evidentemente que autor e réu devem ser partes legítimas! Isso quer dizer que, quanto ao primeiro, deve haver ligação entre ele e o objeto do direito afirmado em juízo. O autor, para que detenha legitimidade, em princípio deve ser o titular da situação jurídica afirmada em juízo (art. 6º do CPC). Quanto ao réu, é preciso que exista relação de sujeição diante da pretensão do autor. Como regra geral, é parte legítima para exercer o direito de ação aquele que se afirma titular de determinado direito que precisa da tutela jurisdicional, ao passo que será parte legítima, para figurar no polo passivo, aquele a quem caiba a 38 observância do dever correlato àquele hipotético direito (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2007). Por fim temos a possibilidade jurídica do pedido. A impossibilidade é associada com uma macroimprocedência do pedido, ou seja, o pedido seria juridicamente impossível quando o juiz pudesse constatar de plano a sua inviabilidade. EDUARDO ARRUDA ALVIM (2006, p. 389) sustentaque as condições da ação são categorias lógico-jurídicas, existentes na doutrina e, muitas vezes, na lei, como em nosso Direito positivo, que, se preenchidas, possibilitam que alguém chegue à sentença de mérito. As condições da ação, em nosso ordenamento jurídico, são o interesse de agir, a legitimação para a causa e a possibilidade jurídica do pedido. OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA (2003, p. 108), embora admita as três condições, sustenta que “se tratam de condições que envolvem o mérito da ação, razão pela qual a sentença que extingue o processo pela falta de qualquer das condições da ação, em seu sentir, é sentença de improcedência do mérito”. 6.4 Classificação das ações Os processualistas costumam proceder à classificação das ações tendo em vista o tipo de provimento jurisdicional pedido pelo autor, quando do exercício do direito de ação, forma esta, que tem origem no pressuposto de que, se toda ação implica determinado pedido de provimento jurisdicional e, ainda mais, se entre as ações é possível estabelecer diferenças, exatamente na medida da distinção entre os possíveis provimentos pedidos em juízo, é justificável classificá-las de acordo com esse critério. Segundo o tipo de provimento requerido ou pedido pelo autor, as ações podem ser de conhecimento, de execução e cautelares. Segundo o tipo de tutela pedida no processo de conhecimento podem ser: pela doutrina clássica (meramente declaratória, constitutiva, condenatória); classificadas segundo as cinco eficácias (declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva lato sensu). 39 HUMBERTO THEODORO JUNIOR (2006, p. 69) critica as classificações “impregnadas de preconceito civilísticos que merecem ser abolidos frente ao estágio moderno dos estudos processualísticos de nossos tempos”. Mais adiante veremos em seus pormenores os tipos de tutelas e suas características. 40 UNIDADE 7 – PROCESSO E PROCEDIMENTO Durante a fase em que o Direito Processual Civil não era visto como uma ciência autônoma, mas um simples apêndice do Direito Civil, a distinção entre processo e procedimento não existia (RODRIGUES, 2003). LUÍS MACHADO GUIMARÃES (1969, p. 58) explica que o fim desta fase, denominada de procedimentalista, pelo simples fato de que dava mais ênfase e importância aos aspectos exteriores do processo, a sua forma e modo de exercício data da obra “Teoria dos pressupostos processuais e exceções dilatórias” de Oskar Vin Bullow (1868) quando demonstrou a distinção entre uma coisa e outra. Etimologicamente, processo e procedimento tem mesma origem, derivam do latim procedere (ir adiante, andar para frente, prosseguir), mas na linguagem forense, o significado é diferente, conforme o entendimento de vários dos estudiosos e doutrinadores que se seguem: “Processo é a soma de atos que se realizam para a composição do litígio e o procedimento é apenas o modo e forma com que estes atos se sucedem e encadeiam” (MARQUES, 1971, p. 60). “Processo é o método pelo qual se opera a jurisdição, com vistas à composição dos litígios. É instrumento de realização da justiça; é relação jurídica, portanto, é abstrato e finalístico” (NUNES, 2004). “Processo é o sistema de compor a lide em juízo através de uma relação jurídica vinculativa de direito público” (THEODORO JÚNIOR, 2005) “Procedimento é o modus operandi do processo” (CARREIRA ALVIM, 2004). “Procedimento é o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; é a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomenológica perceptível” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2006). Assim, é uma sucessão de atos coordenados a partir da iniciativa da parte e direcionada a um provimento. É o modo como os atos processuais se manifestam e desenvolvem para revelar o processo. 41 Após a obra de Bulow, que marca a distinção entre processo e procedimento, o processo passou então a ser o meio, o instrumento através do qual se obtém a prestação jurisdicional, o caminho formado por atos processuais que obedecem uma regra e que vão culminar em uma sentença. Já o procedimento configurou-se como o modo em que se executam estes atos processuais. O que caracteriza o processo não é ser um procedimento. O que o caracteriza é ser um procedimento em contraditório. Nem todo procedimento em contraditório é processo, mas todo processo é procedimento em contraditório. O contraditório deve ser previsto em abstrato para que a parte possa se defender. Apenas a possibilidade de defesa já caracteriza o contraditório. Processo é a relação jurídica entre três sujeitos que criam obrigações e deveres para ambos. Essa relação é desenvolvida progressivamente mediante atos processuais. Norma processual e norma procedimental se distinguem conforme o conteúdo, apesar de não haver mais interesse nessa distinção teórica, já que todas são normas processuais. Contudo, de forma ampla, pode-se dizer que se o conteúdo da norma é regular os direitos, os deveres e as obrigações dos sujeitos, a norma é processual strictu sensu e se a norma se destina a controlar a sequência de atos, a norma é procedimental. 42 UNIDADE 8 – RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL – AUTOR, JUIZ E RÉU Entende-se como relação jurídica processual aquela que se estabelece entre autor, juiz e réu. Se concebermos tal relação numa forma triangular, o juiz ocupa o vértice de cima, localizando-se equidistantemente de ambas as partes (autor e réu). JUIZ AUTOR RÉU Não podemos esquecer que existem outros participantes (os assistentes, por exemplo) no processo, embora estes não integrem a relação processual. A formação da relação processual se dá em duas etapas distintas. A primeira é a propositura da ação, ou seja, a proposta da ação pelo autor que tem início na formação da relação jurídica processual. Aqui a relação ainda é linear (art. 263 do CPC). Na segunda etapa, ocorre efetivamente a relação jurídica processual, ou seja, ocorre a citação do réu (art. 219 do CPC). Até que ocorra a citação do réu, a relação processual não está formada, ou seja, não está triangularizada. Segundo ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (2006, p. 277) não se pode negar que o Estado e as partes estão, no processo, interligados por uma série muito grande e significativa de liames jurídicos, sendo titulares de situações jurídicas em virtude das quais se exige de cada um deles a prática de certos atos do procedimento ou lhes permite o ordenamento jurídico essa prática. Esses autores sustentam que a relação jurídica se constitui precisamente nesse nexo que une dois ou mais sujeitos, atribuindo-lhes poderes, direitos, faculdades, e os correspondentes deveres, obrigações, sujeições, ônus. É através da relação jurídica que o direito regula não só os conflitos de interesse entre as pessoas, mas também a cooperação que estas devem desenvolver em benefício de determinado objetivo comum. 43 Para EDUARDO ARRUDA ALVIM (2006, p. 476), o conceito de relação jurídica processual traduz-se, em última análise, como sendo aquela relação jurídica formada entre o autor e o juiz, entre o juiz e o réu e entre o autor e o réu, confirmando ser uma relação trilateral. HUMBERTO THEODORO JUNIOR (2006, p. 328) sustenta que o processo é uma relação jurídica, pois apresenta tanto o seu elemento material (o vínculo entre as partes e o juiz) como o formal (regulamentação pela norma jurídica), produzindo uma nova situação,
Compartilhar