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Vladmir Safatle Curso Sobre Hegel Aula 16

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Curso Hegel 
Última aula 
 
 
Hoje, terminamos a primeira parte do nosso curso. Continuaremos no semestre que vem a 
leitura da Fenomenologia do Espírito no ponto em que paramos, ou seja, o estoicismo e o 
ceticismo como figuras da experiência fenomenológica em direção à fundamentação 
absoluta do saber. Nosso projeto é completar a leitura do texto hegeliano servindo-se 
sempre de um duplo movimento que articula apreensões de esquematização geral e 
comentário pontual de texto. No semestre que vem, discutiremos pois o encaminhamento 
da experiência fenomenológica nas seções posteriores (“Razão”, “Espírito”, “Religião” e 
“Saber absoluto”). Isto nos levará a apreender a especificidade de conceitos centrais para a 
dialética hegeliana, como: irredutibilidade do princípio de subjetividade, racionalidade do 
movimento histórico, interversões de processos de racionalização dependentes da posição 
normativa de critérios de justificação. Retomaremos ainda o problema das relações entre 
ontologia e teoria das negações tendo em vistas certos desdobramentos da dialética no 
pensamento do século XX. 
 Neste sentido, gostaria de primeiramente comentar os tópicos que servirão de eixo 
de discussão para o próximo semestre e que estão apresentados na ementa do curso: 
 
 Razão categorial e razão dialética: sobre a natureza das distinções entre o transcendental 
e o especulativo e da crítica hegeliana às dicotomias do conceito kantiano de 
entendimento. A seção “Razão” e a crítica hegeliana ao processo de modernização em 
suas dimensões: cognitivo-instrumental, prático-finalista e jurídica. 
 A seção “Espírito” e a primeira apresentação de um conceito positivo de razão. Geist 
como práticas sociais legitimadas de maneira auto-reflexiva. Razão, história e a 
natureza da Erinnerung hegeliana. Deleuze, crítico de Hegel: a diferença entre a 
repetição e a rememoração. 
 Sobre o fracasso da polis grega como espaço de realização da substância ética. Antígona 
entre Hegel e Lacan: duas leituras sobre o conflito entre aspirações da singularidade, 
norma familiar e ordenamento jurídico. 
 Os impasses da norma na dimensão prática da razão. Hegel como teórico das 
interversões da moralidade: a linguagem do dilaceramento de O sobrinho de Rameau, a 
análise das clivagens da Gewissen e o advento da palavra de reconciliação. Ironia e 
dialética ou Por que não rir da filosofia? 
 A teoria hegeliana do reconhecimento como abandono de uma teoria da 
intersubjetividade. Habermas, crítico de Hegel e a incompreensão a respeito da critica 
hegeliana a um processo de racionalização pensado a partir da posição a priori de 
critérios normativos de justificação da dimensão práticaFilosofia e teologia em Hegel. 
 O conceito hegeliano de “religião” nos fornece uma teleologia da razão? Sobre o 
problema da contingência em Hegel ou Por que as feridas do Espírito são curadas sem 
deixar cicatrizes? O espírito do cristianismo e seu destino na modernidade. 
 “O ser do Eu é uma coisa” enquanto julgamento infinito e palavra de reconciliação. 
Retorno ao problema dos destinos das noções de contingência, de sensível e de 
temporalidade na posição do Saber Absoluto. Que tipo de síntese o Saber Absoluto 
opera ou O que é exatamente um conceito? Adorno, crítico da noção hegeliana de 
totalidade sistêmica. Teoria das negações e ontologia em Hegel e Adorno. 
 
Mas eu gostaria de usar a aula de hoje para realizar dois objetivos. Primeiro, trata-se de 
fornecer, principalmente àqueles que, por alguma razão, não acompanharão o 
desdobramento deste curso no segundo semestre, uma avaliação parcial do que foi objeto 
do nosso trajeto até agora. Segundo, trata-se de avançar mais um pouco em nossa leitura e 
apresentar o que está em jogo na figura da consciência apresentada por Hegel sob o nome 
de “ceticismo”. 
 
O fim e o início 
 
“Vivemos aliás numa época em que a universalidade do espírito está fortemente 
consolidada, e a singularidade, como convém, tornou-se tanto mais insignificante; época 
em que a universalidade se aferra a toda a sua extensão e riqueza acumulada e as reivindica 
para si. A parte que cabe à atividade do indivíduo na obra total do espírito só pode ser 
mínima. Assim, ele deve esquecer-se, como já o implica a natureza da ciência. Na verdade, 
o indivíduo deve vir-a-ser, e também deve fazer o que lhe for possível; mas não se deve 
exigir muito dele, já que tampouco pode esperar de si e reclamar para si mesmo”1. 
 Foi com esta frase de Hegel que iniciamos nosso curso. Partimos desta frase porque 
ela parecia sintetizar tudo aquilo que várias linhas hegemônicas do pensamento filosófico 
do século XX imputaram a Hegel. Filósofo da totalidade do Saber Absoluto, incapaz de dar 
conta da irredutibilidade da diferença e das aspirações de reconhecimento do individual às 
estratégias de síntese do conceito. Teórico de uma modernidade que se realizaria no 
totalitarismo de um Estado Universal que se julga a encarnação da “obra total do espírito”. 
Expressão mais bem acabada da crença filosófica de que só seria possível pensar através da 
articulação de sistemas fortemente hierárquicos e teleológicos, com o conseqüente desprezo 
pela dignidade ontológica do contingente, deste contingente que “tampouco pode esperar de 
si e reclamar para si mesmo”. Mas o que podemos dizer a respeito destes diagnósticos 
agora, depois de uma leitura atenta das partes iniciais desta que é, juntamente com a 
Ciência da Lógica e da Enciclopédia, uma das três grandes obras de Hegel? 
 È claro que uma resposta absolutamente segura exigiria a compreensão não só da 
integralidade da nossa obra, mas também de sua articulação com as outras obras, o lugar 
correto da Fenomenologia no interior do sistema,. assim como a apreensão do 
desenvolvimento temporal do pensamento hegeliano. Mas, por um lado, sabemos que 
Hegel nunca recusou esta obra que inaugura seu período de maturidade. Ela fornece a base 
para a constituição de um programa filosófico (a crítica ao primado do entendimento 
através da reflexividade unificadora do conceito, crítica extensiva a todos os processos de 
racionalização na modernidade) e de um procedimento de encaminhamento de questões (a 
dialética renovada através da reconsideração de categorias como “contradição”, “oposição” 
e “negação”) que nunca será abandonado por Hegel. Ou seja, a Fenomenologia oferece um 
modo de pensar e articular problemas filosóficos que será a marca da experiência 
intelectual hegeliana. Neste sentido, a compreensão do que está em jogo em seus primeiros 
capítulos já nos fornece um quadro seguro das questões que preocuparão Hegel desde 
então. 
 
1 HEGEL, Fenomenologia I, p. 62 
Lembremos ainda, para reforçar nossa hipótese, que a decisão hegeliana de realizar 
uma nova edição da Fenomenologia, trabalho que não foi realizado devido à morte de 
Hegel, apenas demonstrava que a Fenomenologia do Espírito continuava como peça 
fundamental do projeto filosófico hegeliano. E se sabemos da intenção de Hegel em retirar 
do título : “Sistema da ciência. Primeira parte” é porque a Fenomenologia já nos fornece 
um sistema de apresentação da ciência que é autônomo em relação a um “sistema 
enciclopédico”. Podemos continuar na idéia de uma dupla figura do sistema e afirmar que 
o saber fenomenológico não se deixa absorver completamente pelo saber enciclopédico, 
mas estabelece uma experiência filosófica autônoma. Neste sentido, devemos leva a sério 
estas palavras de Heidegger: “Na concepção hegeliana da Fenomenologia do Espírito, o 
espírito não é o objeto da fenomenologia, nem „fenomenologia‟ é o título de uma pesquisa e 
de uma ciência sobre algo, como o espírito, por exemplo, mas a Fenomenologia é a 
modalidade (e nãoapenas um modo dentre outros) segundo a qual o espírito é. A 
fenomenologia do espírito designa a entrada em cena, o aparece verdadeiro e integral do 
espírito”2. 
 Mas antes de retornar a uma interpretação do empreendimento hegeliano, agora a 
partir do saldo de nossas leituras dos primeiros capítulos da Fenomenologia, gostaria de 
lembrar como tal operação nos permite adiantar uma resposta provisória para uma questão 
que havia posto na primeira de nossas aulas: “O que significa ler Hegel hoje?”. Pois 
deveríamos ter nos restringido à economia interna dos textos e ignorado como a auto-
compreensão filosófica da contemporaneidade afirmou-se insistentemente como “anti-
hegeliana”? Como se nosso tempo exigisse não se reconhecer no diagnóstico de época e 
não permitisse deixar-se ler através das categorias fornecidas por Hegel. Ou seja, é possível 
ler Hegel hoje sem levar em conta como nosso momento filosófico organizou-se, entre 
outras estratégias, através dos múltiplos regimes de contraposição à filosofia hegeliana? 
Não estaríamos assim perdendo a oportunidade de entender como a auto-compreensão de 
um tempo depende, em larga escala, da maneira com que se decide o destino de textos 
filosóficos de gerações anteriores? Compreender como um tempo se define, entre outras 
operações, através da maneira com que os filósofos lêem os filósofos: prova maior de que a 
história da filosofia é, em larga medida, figura da reflexão filosófica sobre o presente? 
 Dito isto, podemos retornar a nossa leitura a fim de ver em que ela nos permite 
reorientarmos nas estratégias contemporâneas de compreensão do hegelianismo. Partamos 
desta crítica várias vezes repetida contra Hegel: filósofo da totalidade do Saber Absoluto, 
incapaz de dar conta da irredutibilidade da diferença e das aspirações de reconhecimento do 
individual às estratégias de síntese do conceito. Uma crítica que levou, por exemplo, 
Heidegger a falar, a respeito da figura do “para nós” que comenta a experiência 
fenomenológica, de um sintoma claro da orientação prévia da experiência em direção a um 
conceito já decidido de Absoluto: “O objeto para nós, nosso objeto, é o objeto para estes 
(nós) que, desde o início, sabem, comportando-se de maneira mediatizante, ou seja, a partir 
do modo da superação já caracterizada”3. Como se o recurso à perspectiva do “para nós” no 
interior do nosso texto demonstrasse a necessidade de que o trajeto fenomenológico já 
fosse, desde o início traçado na segurança de um dispor que esvazia toda possibilidade de 
reorientação de uma experiência previamente traçada. 
 
2 HEIDEGGER, A “Fenomenologia do Espírito”, de Hegel, 
3 HEIDEGGER, A “Fenomenologia do Espírito” de Hegel 
 No entanto, vimos como a afirmação de que “a consciência é para si mesma sua 
própria medida” implicava na idéia de que o ritmo da experiência deveria ser determinado 
pela própria experiência. Tentem lembrar se, em algum momento, o recurso à perspectiva 
do “para nós” foi necessário para o desdobramento da experiência fenomenológica. Ao 
contrário, vimos como as interversões e inversões que guiam o desdobramento da 
Fenomenologia do Espírito são resultantes do próprio processo de tentativa de indexação 
direta da efetividade às representações naturais do que é “mero” conceito. Vimos como a 
saber fenomenológico deve operar com uma perspectiva internalista que praticamente não 
faz uso de nenhum saber pressuposto – o que demonstra como a noção de que o saber 
absoluto está lá posto desde o início é supérflua, desnecessária. 
É verdade que, como vimos, Hegel lembra que o trajeto fenomenológico só pode ser 
configurado se a Fenomenologia aceitar abandonar uma gramática filosófica da finitude, 
própria ao entendimento. Mas lembremos que, até agora, os descaminhos da experiência da 
consciência não foram, em momento algum, marcados pelo peso da conjugação forçada de 
outra gramática filosófica. O ponto do qual Hegel parte é, digamos, pragmático. Ele 
consiste em dizer que os termos fundamentais do saber só poderão definir suas 
significações através do uso que deles faremos no interior do campo fenomenológico. 
Ou seja, a verdadeira tarefa filosófica não consiste em tentar esclarecer previamente 
a significação de conceitos primeiros para a estruturação de todo saber possível. A 
verdadeira tarefa filosófica consiste em partir do uso ordinário desses conceitos para 
mostrar como sua significação não é universalmente conhecida, como poderia parecer 
primeiramente. No entanto, a filosofia não deve ser uma crítica à “representação natural” 
do saber a partir da crença de já possuir uma representação adequada do saber. Ao 
contrário, ela deve mostrar que a produção dos conceitos que norteiam o saber é o resultado 
de um processo, e não a pressuposição de uma evidência. A dialética deve começar sem 
conceitos próprios, apenas conjugando os conceitos do entendimento em outra gramática. 
Na verdade, esta afirmação não está totalmente correta. Há ao menos duas 
pressuposições que guiam Hegel. A primeira diz respeito à compreensão de que identidades 
são produzidas através de relações configuradas a partir da noção de “negação 
determinada”, e não através de oposições. Mas,de fato, não se trata totalmente de um 
pressuposto porque Hegel quer mostrar a inconsistência lógica da noção de “extensão” que 
sustenta as operações de determinação de identidades a partir de oposição. Mas há de fato 
um pressuposto: “Só o absoluto é verdade, ou só o verdadeiro é absoluto”. Esta afirmação 
não é demonstrada, mas apenas postulada. E., de fato, a perspectiva hegeliana é uma 
perspectiva holista. O absoluto pressupõe uma perspectiva holista do saber. Isto implica em 
dizer que o saber só será assegurado em seu fundamento se ele for absolutamente 
fundamentado. Falar em Saber absoluto não implica em falar em uma absolutização do 
saber que implicaria na crença em uma dedução integral da efetividade a partir das 
categorias do saber. Falar em Saber Absoluto implica em dizer que o único saber objetivo é 
aquele que pode ser absolutamente fundamentado, ou seja, assegurado em um fundamento 
incondicional, universal e concreto (no sentido de algo que tem, em si, a norma de sua 
determinação concreta). É claro, podemos ter conhecimento de situações condicionadas e 
regionais. A partir de tais situações, podemos procurar generalizações que nos permita 
esboçar quadros de previsões, nos orientar em ações cotidianas, entre outros. Mas, para 
Hegel, só poderemos falar em um saber verdadeiro se o que determina a verdade deste 
saber for reconhecido em toda e qualquer condição e em todo e qualquer contexto. O que 
constitui o campo do saber é aquilo que pode aspirar validade incondicional, universal e 
concreta. 
Mas várias questões se põem a partir desta pressuposição holista. A primeira é: 
quem fala a partir desta perspectiva “meta-contextual”? Segundo, poderia parecer que 
Hegel entraria aí necessariamente nesta crítica da contemporaneidade a uma figura do 
pensar que aniquila as singularidades puras, a contingência, a não-identidade e o sensível 
em prol de uma hipóstase do Absoluto e do Universal. Ou seja, uma figura que aniquila a 
independência da coisa em prol da absolutização das estruturas cognitivas do sujeito. Como 
dirá Adorno: “Se Hegel tivesse levado a doutrina da identidade entre o universal e o 
particular até uma dialética no interior do próprio particular, o particular teria recebido 
tantos direitos quanto o universal. Que este direito – tal como um pai repreendendo seu 
filho: “Você se crê um ser particular” -, ele o abaixe ao nível de simples paixão e 
psicologize o direito da humanidade como se fosse narcisismo, isto não é apenas um 
pecado original individual do filósofo”4.Mas lembremos mais uma vez do que vimos no interior do nosso trajeto filosófico. 
Hegel partia das expectativas da consciência em fundamentar o saber a partir do que lhe 
aparece de maneira imediata enquanto certeza sensível. Ela julga ter diante de si a 
particularidade que determinaria a essencialidade da coisa mesma. No entanto, ela faz a 
experiência de que não há nenhuma designação ostensiva possível da particularidade, de 
que a “linguagem só enuncia o universal”. Daí porque: “O falar tem a natureza divina de 
inverter imediatamente o visar, de torna-lo algo diverso, não o deixando assim aceder à 
palavra”5. 
O que acontece então a partir daí? Como a consciência acredita que a medida da 
verdade é dada pelo objeto, ela procura então um saber capaz de dar conta de uma coisa que 
é, ao mesmo tempo, aquilo que suporta atribuições predicativas universais que me 
permitiriam apreender a singularidade. Na verdade, Hegel apela aqui à estrutura categorial 
das propriedades, um pouco como Aristóteles lembrava que as categorias eram os gêneros 
mais gerais do ser que permitia a individualização de substâncias Em relação à certeza 
sensível, a percepção procura convergir a estrutura universalizante da linguagem com a 
particularidade da experiência do mundo através da compreensão dos universais como 
propriedades gerais de objetos. A coisa aparece assim como um individual capaz de ser 
descrito e apreendido por universais, ou ainda, como uma coisa com múltiplas 
propriedades. Notamos que a exigência de pensar o que resiste ao conceito é o que move a 
consciência. 
Vimos ainda como isto levava a consciência a estruturar o objeto da percepção a 
partir da dicotomia entre Um e múltiplo. Uma dicotomia que nos levava diretamente para 
fora da percepção enquanto operação que fundamentaria o saber. Entrávamos assim 
diretamente nas considerações hegelianas sobre o primado do entendimento. 
Na passagem em direção ao entendimento, vimos que o motor continuava sendo a 
exigência de pensar o que resiste ao conceito. No entanto, a consciência assumia a 
humildade de uma certa figura do saber que compreende a crítica como determinação dos 
limites do que funciona como expectativa da razão. A coisa que aparecia clivada na 
percepção entre Um e múltiplo era cindida entre a essencialidade de uma coisa-em-si, 
 
4 ADORNO, Negative Dialektik, p. 323 {tradução modificada] 
5 HEGEL, Fenomenologia, par. 110 
incondicional indeterminado, e a coisa enquanto aquilo que é para-um-outro, ou seja, como 
fenômeno, “ser que imediatamente é em si mesmo um não-ser (Nischtsein)”6.. 
Diante da distinção entre fenômeno e coisa-em-si, Hegel procurava demonstrar que 
se tratava do resultado de uma compreensão do sentido como o que se dá na integralidade 
do dispor diante do sujeito (Vor-sich-stellen). .Por se aferrar a uma noção de presença como 
o que se dá na integralidade do que se dispõe diante da consciência, uma presença como 
visibilidade da representação, o entendimento não enxerga a negatividade do fenômeno 
como o que permite a passagem em direção à essência, mas como o que a exilava da 
essência: “Fascinado pelo obstáculo, o entendimento não adivinha que este encontro já é a 
promessa deum ajuste, de uma reconciliação”7. A consciência ainda estava aferrada a 
finitude e à fixidez do pensar representativo, ela não tinha para si um modo de pensar capaz 
de dar conta do que não se coloca integralmente em uma determinação fixa. O passo 
fundamental da dialética consistia exatamente em abandonar este conceito de presença 
próprio a uma gramática da finitude. 
No entanto, Hegel não apresentava a exigência de tal abandono como um postulado 
exterior ao trajeto fenomenológico. Vimos através da temática do mundo invertido como 
Hegel procurava mostrar que o pensar aferrado às dicotomias do entendimento entrava 
necessariamente em contradição ao tentar fundamentar operações cognitivas que tomavam 
o que é finito (fenômeno) de maneira absoluta, ou seja, que absolutizava a finitude. O passo 
em direção à compreensão do objeto como infinitude, passo que implicava em entrar no 
domínio do pensar especulativo, implica em uma recompreensão da essencialidade da 
contradição. Daí porque o conceito de infinito era reconstruído a partir do conceito de 
contradição: “A infinitude, ou essa inquietação absoluta do puro mover-se-a-si-mesmo, faz 
com que tudo o que é determinado de qualquer modo – por exemplo, como ser – seja antes 
o contrário dessa determinidade‟8. Daí a noção central: infinito é o que porta em si mesmo 
sua própria negação e conserva-se em uma determinidade, ao invés de produzir um objeto 
vazio de conceito. 
Notemos como nada disto implicava em esvaziar a dignidade ontológica do que não 
se submete ao sujeito. Ao contrário, se Hegel poderia afirmar que quando a infinitude é 
objeto para a consciência ela é necessariamente consciência-de-si, isto significava que a 
experiência de confrontação entre sujeito e objeto servirá de parâmetro para a estruturação 
das relações a si. Daí porque insisti que a verdadeira fórmula hegeliana era: a estrutura do 
objeto duplica a estrutura do Eu, e não:o Eu submete o objeto ao seu primado. A infinitude 
que consiste em ter em si mesmo um Outro que o nega enquanto identidade fixa ao mesmo 
tempo em que o constitui enquanto estrutura social, eis no que consiste a experiência da 
consciência-de-si. 
 Por fim, vimos como a estrutura de formação da consciência-de-si apresentava, ao 
mesmo tempo, o princípio da infinitude através de uma consciência que, por só ser 
consciência-de-si enquanto reconhecida por uma outra consciência-de-si, trazia em si 
mesma seu próprio oposto, e o princípio de universalidade, já que este Outro não era apenas 
outra singularidade, mas Outro com valor absoluto, que a levava a ser reconhecida para 
além de todo contexto e situação determinada. Ainda não vimos onde isto nos levará. Mas, 
 
6 HEGEL, Fenomenologia, par. 143 
7 LEBRUN, Vivre dans l´universel, p. 85 
8 HEGEL, Fenomenologia par. 163 
para tanto, devemos esperar o próximo semestre e a análise da figura da “consciência 
infeliz”. 
 
Saber absoluto e terra pátria da verdade 
 
 Mas antes de terminar este curso, gostaria de abordar alguns aspectos do problema 
do Saber Absoluto, isto a fim de mostrar a inadequação deste diagnóstico contemporâneo 
que vê, aí, a prova máxima de uma figura totalizante de uma razão centrada no sujeito. 
 Sabemos que o Saber Absoluto não é um absoluto de saber, isto no sentido, de uma 
figura do saber capaz de deduzir de si tudo o que é da ordem da contingência e da 
efetividade. Neste sentido, basta lembrarmos da famosa „querela da pena de Krug‟. Este 
último acusava o idealismo transcendental de tentar deduzir o sistema completo de nossas 
representações a partir da noção de Absoluto. De onde seguia seu desafio em exigir que o 
idealismo transcendental deduzisse a pena com a qual ele escrevia naquele momento. A 
este respeito, Hegel afirmava que a exigência de dedução da contingência a partir do 
Absoluto era o mais completo contra-senso. Longe de procurar produzir uma dedução 
transcendental da contingência, o idealismo transcendental reconhecia o contingente 
exatamente como contingente; ou seja, como o que aparece como negatividade 
necessariamente fora de sentido. O contigente (zufällig) é o que está destinado a cair (zu 
fallen) para fora do conceito, o que Hegel não cessa de nos lembrar. 
 Na verdade, a temática do Saber Absoluto implica no reconhecimento da 
necessidade de um saber que seja fundamentado de maneira incondicional, universal e 
concreta, isto se quiser aspirar validade como base para os processosde racionalização e 
para o estabelecimento dos critérios de racionalidade. Lembremos do diagnóstico de época 
que anima o programa filosófico hegeliano: vivemos em uma época na qual o espírito 
perdeu a imediatez da sua vida substancial, ou seja, nada lhe aparece mais como 
substancialmente fundamentado em um poder capaz de unificar as várias esferas de valores 
sociais. Ao contrário, a modernidade pode ser compreendida como este momento que está 
necessariamente às voltas com o problema da sua auto-certificação. Ela não pode mais 
procurar em outras épocas os critérios para a racionalização e para a produção do sentido de 
suas esferas de valores. Ela deve criar e fundamentar suas normas a partir de si mesma. Isto 
significa que a substancialidade que outrora enraizava os sujeitos em contextos sociais 
aparentemente não-problemáticos está fundamentalmente perdida. Como dirá, cem anos 
depois, Max Weber: “O destino de nossos tempos é caracterizado pela racionalização e 
intelectualização e, acima de tudo, pelo desencantamento do mundo. Precisamente, os 
valores últimos e mais sublimes retiraram-se da vida pública, seja para o reino 
transcendental da vida mística, seja para a fraternidade das relações humanas e pessoais”9. 
Ou seja, aquilo que fornecia o enraizamento dos sujeitos através da fundamentação das 
práticas e critérios da vida social não é mais substancialmente assegurado. 
 Este fundamento que fornece o solo da unidade da razão e de seus processos de 
racionalização em todas as esferas da vida social é o princípio de subjetividade. Quando 
Hegel afirma que o saber absoluto é capaz de apreender a substância como sujeito [como o 
que tem a estrutura do sujeito], isto apenas demonstra como a apreensão do que é essencial 
encontra sua forma no sujeito. Durante toda a seção consciência, vimos como a consciência 
 
9 WEBER, Ciência como vocação in Ensaios de sociologia, p. 182 
perdia-se a procurar o fundamento do saber no objeto através da tentativa de conformar 
representações mentais a estados de coisas. 
 Mas, ao entrar na seção consciência-de-si, vimos que o fundamento do saber, este 
fundamento que fornece o solo da terra pátria da verdade, não era um sujeito assegurado em 
sua identidade através de deduções transcendentais ou intuições imediatas. Ele era um 
sujeito social, desde o início engajado em práticas de interação social formadoras de sua 
própria condição. Hegel irá pois transformar este sujeito que se constitui através de práticas 
de interação social em fundamento absoluto do que pode ter validade objetiva para o saber. 
Isto ao ponto da noção de Espírito não ser outra coisa do que um campo de práticas sociais 
de interação reflexivamente fundamentadas, ou seja> “Um Eu que é Nós, um Nós que é 
Eu”. 
 Ficava então a questão: o que significava para Hegel pensar o sujeito enquanto 
sujeito social? Significava inicialmente compreender que, através da centralidade das 
dinâmicas do desejo e do trabalho, revela-se que: “os indivíduos são eles mesmos de 
natureza espiritual e, nisto, contém neles o duplo momento do extremo da singularidade 
que sabe e quer para si e o extremo da universalidade que sabe e quer o substancial”10. Ou 
seja, “indivíduo” é o nome desta contradição entre exigências de reconhecimento da 
singularidade e posição de relações constitutivas com um Outro que encarna a 
universalidade. 
Hegel nos oferece um exemplo a respeito destes indivíduos que o locus da 
contradição entre singular e universal. Retornemos, por exemplo, a certos exemplos que 
Hegel nos fornece no momento de explicar como algo poderia conter em si a contradição. 
Notemos a importância da afirmação de Hegel a respeito da presença imediata da 
contradição nas determinações de relação: “Pai é outro do filho e filho é outro do pai, cada 
termo é apenas como outro do outro (...). [No entanto] O pai, para além da relação ao filho 
também é algo para si (etwas für sich); mas assim ele não é pai, mas homem em geral 
(Mann überhaupt)”. Hegel se serve do mesmo raciocínio em outro exemplo que toca de 
maneira direta o problema da designação: “Alto é o que não é baixo, alto é determinado 
apenas a não ser baixo, e só é na medida em que há baixo; e inversamento, em uma 
determinação encontra-se seu contrário". Mas : "alto e baixo, direita e esquerda, também 
são termos refletidos em si, algo fora da relação [itálico meu]; mas apenas lugares em 
geral" 
11
. 
Os dois exemplos convergem em uma intuição maior: as determinidades são, ao 
mesmo tempo, algo em uma oposição real e algo para si, fora do sistema reflexivo de 
determinações opositivas. Elas têm um modo particular de subsistir próprio irredutível. 
Hegel já tinha sublinhado este ponto ao comentar a oposição entre o positivo e o negativo 
enquanto determinações-de-reflexão autônomas: "o negativo também tem, sem relação ao 
positivo [itálico meu], um subsistir próprio"
12
. Ou seja, o negativo não é simples privação 
de determinação ou um positivo em si que aparece como negativo apenas no interior de 
uma relação. Ele é também um negativo em si, fora de sua oposição ao positivo, e está é a 
base da operação de restituição da dimensão ontológico do negativo. 
Tais frases são muito importantes para a compreensão do verdadeiro caráter da 
contradição hegeliana. A identidade sempre é enunciada com seu contrário não porque, por 
 
10 HEGEL, Princípios da filosofia do direito, par. 264 
11 HEGEL, Science de la logique II, op.cit, p. 84 
12 HEGEL, ibidem, p. 77 
exemplo, o pai é o contrário do filho e sempre que pomos o pai deveríamos pressupor o 
filho. A contradição encontra-se no fato de que o pai é, ao mesmo tempo, determinação 
para os outros (enquanto significante „pai‟ que se determina através de oposições entre 
outros significantes: „mãe‟, „filho‟, „tio‟) e indeterminação para si (enquanto ele pode 
sempre se identificar com a negatividade da indeterminação do homem em geral). Como 
nos indicou Zizek: “não sou apenas „pai‟, esta determinação particular, mas para além de 
seus mandatos simbólicos, não sou nada mais do que o vazio que deles escapam (e que 
como tal é um produto retroativo)"
13
. Como se a inscrição da individualidade em um 
sistema estrutural de oposições produzisse sempre uma espécie de resto, de fracasso 
reiterado da inscrição que Hegel teria reconhecido através desta maneira de conceber a 
contradição. 
Pode parecer estranho que termos como „homem em geral‟ e „lugar em geral‟ sejam 
vistos como pontos de excesso da tentativa de inscrever a singularidade em um sistema 
estrutural. Pode parecer, por exemplo, que Hegel queira simplesmente mostrar como os 
sujeitos são, ao mesmo tempo, singulares individualizados em um universo estrutural de 
identidades e diferenças (pai de..., filho de...), e pessoa em geral que tem em comum com 
outras pessoas propriedades essenciais. No entanto, se assim fosse, não haveria sentido 
algum em falar de “contradição” neste caso. Se Hegel vê aqui um exemplo privilegiado de 
contradição é porque “homem em geral” é um lugar vazio que aparece como excesso às 
determinações relacionais e nos envia à dialética do fundamento (Grund), que se segue às 
reflexões de Hegel sobre a contradição. Assim, servindo-se de um witz famoso do 
idealismo alemão, Hegel dirá: “Estas determinações-de-reflexão se superam e a 
determinação que vai ao abismo (zu Grunde gegangene) é a verdadeira determinação da 
essência"
14
. Ou ainda: "A essência, enquanto se determina como fundamento, determina-se 
como o não-determinado, e é apenas o superar de seu ser-determinado que é seu 
determinar"
15. Ou seja, isto nos permite deduzir que “homem em geral” apenas indicao que 
não se determina através de predicações e individualizações, mas permanece indeterminado 
e negativo. Isto nos explica a razão pela qual, do ponto de vista fenomenológico, a operação 
de ir ao abismo e pôr o fundamento apareça como medo da morte. 
Podemos criticar esta estratégia hegeliana afirmando que ele reduz o que está fora 
do sistema a um ponto vazio, a uma presença pura desprovida de individualidade 
predicável. Neste sentido, não seria um acaso o fato de Hegel comparar o horror habitual do 
pensamento representativo diante da contradição ao horror da “natureza diante do vácuo”16. 
Mas tal estratégia pode ser explicada se aceitamos que, do ponto de vista do 
conceito, o sensível e o contingente aparecem necessariamente como pura opacidade que 
resiste a toda determinidade. O que é contingente no objeto da experiência só se manifesta 
no interior do saber como o que é vazio de conceito. Se Hegel foi capaz de fazer um jogo de 
palavras para afirmar que contingente (zufällig) é o que deve cair (zu fallen), é porque o 
contingente é o que cai do conceito, uma queda no vazio do que não é conceito. 
Sendo assim, o problema hegeliano consiste em saber como apresentar o que é 
vazio de conceito em uma determinidade conceitual, e não como anular o não-conceitual 
através do império total do conceito. É possível conservar o não-conceitual sem entrar em 
 
13 ZIZEK, Subversions du sujet.,op.cit, p. 136 
14 HEGEL, Science de la logique II, op.cit, p. 88 
15 idem, p. 89 
16 HEGEL, Science de la logique II, p. 85 
sua hipóstase? Eis uma problemática hegeliana por excelência. Como bem sublinhou 
Mabille, há, no interior mesmo da ontologia hegeliana, um risco de indeterminação que 
sempre devemos inicialmente assumir para poder após conjurar. Pois: “Cada vez que 
Hegel chega a um momento de perfeição no qual a identidade parece fechar-se em si 
mesmo para um gozo autárquico, é a negação desta identidade que salva o Absoluto da 
abstração e da indeterminação”17. 
Neste sentido, o Saber absoluto, fundamentado de maneira incondicional, universal 
e concreta é o saber que reconhece a racionalidade do que nega o conceito. A unidade do 
conceito é unidade negativa com seu limite. Certamente, tal limite pode ser posto de 
maneira reflexiva e então se dissolver enquanto tal. Hegel sempre insiste no fato de que 
aquilo que o conceito deixa escapar é um limite seu e, conseqüentemente, nada o impede de 
reparar a divisão que ele próprio produziu. E o próprio movimento de reabsorção infinita do 
negativo no interior do conceito (movimento pensado como pulsação infinitamente repetida 
entre alienação - Entfremdung – e rememoração - Erinnerung) já é a síntese conceitual e a 
realização do sentido. Rememorar, para Hegel, lembremos mais uma vez, não é uma 
reminiscência do que já ocorreu e não encontrou compreensão reflexiva adequada. 
Rememorar não é dispor o acontecimento na forma de representações. Rememorar é 
internalizar o negativo, transformá-lo em ser, dotando-o de determinação objetiva. Este é o 
verdadeiro trabalho do pensar. A respeito do qual muito ainda teremos o que dizer no 
próximo semestre. 
 Fica aqui, ao final, a pergunta sobre o que significa, depois deste nosso trajeto, ler 
Hegel hoje. Se é certo que Hegel foi, em larga medida, aquele que marcou o ponto de 
diferenciação a partir do qual a contemporaneidade procura pensar-se a si mesma, se é bem 
possível que não estaremos incorrendo em erro ao afirmar que nossa época é 
profundamente anti-hegeliana, talvez seja porque ela tenha medo do exílio. Refiro-me a 
este exílio no qual a dialética hegeliana parece nos colocar: ao mesmo tempo longe do 
imediato, longe de uma crítica à modernidade calcada no retorno a alguma forma de pré-
reflexividade que nos asseguraria no cerne da imanência; imanência do ser, das 
multiplicidades não estruturadas e das singularidades puras. Não. A reflexividade do 
conceito deverá fazer seu trabalho e operar suas sínteses. O que aspira validade racional 
deve fundamentar-se na reflexão. Não devemos abandonar as exigências do universal. 
No entanto, esta reflexão não encontra suas diretrizes asseguradas em 
procedimentos de fundamentação transcendental. O que é válido incondicionalmente e 
universalmente para um sujeito, ele só descobrirá através da experiência, no campo da 
pragmática do desejo, do trabalho e da linguagem. Mas uma experiência na qual nossas 
intenções parecem a todo momento se voltar contra nós mesmos, onde nossos atos teimam 
em produzir o que não esperávamos, onde nossa linguagem desmente o que visávamos, 
onde o trabalho não é expressão prometéica das potencialidades expressivas de eus 
assegurados em suas identidades, onde a experiência do negativo acaba por se manifestar 
como o caminho para alcançar o que é essencialmente determinado. 
 Quanto ao nosso tempo e seus impasses, poderíamos terminar lembrando Foucault, 
o mesmo Foucault que à ocasião de sua nomeação para o Collège de France, no lugar de 
Jean Hyppolite, não pode deixar de reconhecer: “Toda nossa época, que seja pela lógica ou 
pela epistemologia, que seja através de Marx ou através de Nietzsche, tenta escapar de 
 
17 (MABILLE, Idéalisme spéculatif, subjectivité et négations, in GODDARD (org.) Le transcendantal, 
Paris:Vrin, 1999, p. 170) 
Hegel (...) Mas realmente escapar de Hegel supõe apreciar de maneira exata quanto custa se 
desvincular dele; isto supõe saber até onde Hegel, talvez de maneira insidiosa, aproximou-
se de nós; supõe saber o que é ainda hegeliano naquilo que nos permite pensar contra Hegel 
e de medir em que nosso recuso contra ele ainda é uma astúcia que ele mesmo nos opõe e 
ao final da qual ele mesmo nos espera, imóvel”18. Este talvez seja o sentido do retorno aos 
clássicos; descobrir, como dizia Lacan, que a verdade é sempre nova. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
18 FOUCAULT, L´ordre du discours, pp. 74-75

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