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Livro-Texto Unidade III

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66
Unidade III
Unidade III
7 INTRODUÇÃO A KANT 
Figura 9
O pensamento de Immanuel Kant é um marco na filosofia moderna, sobretudo na teoria do 
conhecimento. Tal revolução é uma resposta ao antagonismo presente nas proposições elaboradas pelos 
racionalistas, que são analíticas a priori, e nas elaboradas pelos empiristas, sintéticas a posteriori. Com o 
juízo sintético a priori, Kant moveu o sujeito da periferia para o centro do conhecimento. 
Essa transferência permitiu o desenvolvimento das ciências e dos seus princípios. Isso é relatado na 
principal obra de Kant, Crítica da razão pura. Ele discorre sobre a fundamentação das ciências e sobre 
a possibilidade de a metafísica ser considerada ciência. Essa obra inaugura o período crítico de seu 
pensamento e tenta comprovar o idealismo transcendental, que é a afirmação de que o sujeito é central 
para a busca do conhecimento. 
Essa teoria abre um novo caminho para a possibilidade do conhecer, contrapondo-se ao realismo 
reinante em sua época. Pautado pela razão, o ser humano poderia seguir seus próprios pensamentos. 
Todavia, quando Kant traz o sujeito para o centro de seu sistema, não volta ao subjetivismo ou ao 
relativismo. Sua filosofia transcendental evidencia uma estrutura que estaria acessível a todos os sujeitos 
que podem alcançar o conhecimento. A obra Crítica da razão pura nos leva a valorizar a capacidade que 
nossa razão tem, sem deixar de lado a experiência e o objeto do conhecimento. 
67
IDEALISMO
Não por acaso o idealismo crítico tem como referência a obra de Kant, ou melhor, é a denominação 
da obra desse filósofo. O criticismo kantiano tem como ponto central de investigação exatamente as 
análises do conhecimento a partir da organização do mundo pelas ideias, isto é, pela razão.
A concepção do idealismo subjetivo é por excelência uma das formas mais bem estabelecidas de 
idealismo e tem como referência a obra filosófica de Berkeley. O idealismo subjetivo vez ou outra é 
apontado como a ideia imaterialista, pois, segundo Berkeley, o existir é ser percebido (dois pontos), 
conforme destaca Blackburn, ao afirmar que o idealismo subjetivo corresponde à posição mais 
precisamente denominada imaterialista, associada a Berkeley, “de acordo com o qual existir é ser 
percebido” (BLACKBURN, 1997, p. 191).
Para o idealismo subjetivo, toda a realidade estava contida na consciência do sujeito que a conhece. 
Portanto, toda a realidade era um conteúdo da consciência. Berkeley dizia que ser é ser percebido. As 
coisas consistiriam apenas de suas apercepções dos conteúdos presentes na consciência. 
Qualquer fenômeno expressaria simples representações dos meios de conhecimento que temos na 
mente. Já o idealismo objetivo tinha como princípio que a consciência objetiva da ciência transcendia 
(estava além) o indivíduo (ABBAGNANO, 2007, p. 523). Para o idealismo objetivo, a ideia é o que se 
conhece apenas como objeto direto e imediato do conhecimento. 
O único problema que poderíamos compreender consistiria em saber se o que existe fora do 
sujeito que conhece está de acordo com a ideia que fazemos dele. Se um objeto fosse diferente 
do que conseguimos pensar dele, ele não existiria. O idealismo objetivo não reduz o ser à apercepção 
através dos sentidos como o faz o idealismo subjetivo. Distingue aquilo que é percepção dos dados dela 
mesma. A realidade fica reduzida a elementos lógicos, pois não existiria nada psicologicamente real, 
apenas logicamente ideal (ABBAGNANO, 2007, p. 523-524). Foi isso que Kant modificou e facilitou ao 
entendimento humano.
 Observação
A apercepção é a ação pela qual a mente amplia, intensifica ou plenifica 
a consciência de seus próprios estados internos e representações. Também 
pode ser entendida como a percepção bruta e imediata de um todo, que 
antecede a percepção minuciosa e analítica que revela seus componentes 
e conexões internas.
7.1 Contexto histórico
Immanuel Kant nasceu em 1724 em Königsberg, na Alemanha, onde viveu a maior parte dos seus 
80 anos. Lá ele cursou a universidade e depois lecionou no local durante 50 anos. Contudo, a vida de Kant 
foi plena de interesses intelectuais. Ele foi o ideólogo da burguesia alemã progressista do século XVIII. 
Procurou conciliar o idealismo e o materialismo, assim como a ciência e a religião.
68
Unidade III
O desenvolvimento da filosofia de Kant é dividido em dois períodos: pré-crítico e crítico. Em ambos 
ele tentou conciliar o materialismo e a ciência com o idealismo e a religião. No primeiro período de 
sua atividade filosófica, Kant dedicou-se às ciências naturais, assumindo uma posição materialista 
em sua filosofia. No segundo período, desenvolveu a teoria do conhecimento, e foi então que começou 
a predominar a base idealista em sua filosofia (ABBAGNANO, 2007, p. 527). 
Na fase pré-crítica, sua grande obra é História geral da natureza e teoria do céu (1755). Destaca a 
experiência sobre a construção e a origem mecânica do cosmos. Faz tal exame sob um ponto de vista apoiado 
nos princípios fundamentais da teoria de Newton. A interpretação newtoniana da natureza, apoiada na 
matemática e na mecânica, era considerada como o ideal da ciência exata (LANG DA SILVEIRA, 2002). 
Todavia, Newton abriu mão de tentar explicar a origem do universo. Para ele, a existência do universo 
era fruto da intervenção direta de Deus. Kant sugeriu que o sistema solar nasceu por via natural, como 
consequência da rotação de uma nebulosa primitiva caótica. Por isso, continua se ampliando no futuro 
e tende a acabar. Não havia nenhum impulso divino à força motriz desse processo, mas a ação recíproca 
de forças opostas, através de movimentos de atração e repulsão. Para Kant, qualquer matéria seria a 
unidade dessas forças. Foram essas ideias que abriram a primeira brecha na concepção metafísica do 
mundo nos séculos XVIII e XIX. A histórica crença de que a natureza não tem nenhuma história no 
tempo foi questionada pela primeira vez por Kant. Para o filósofo, a Terra e todo o sistema solar são 
coisas situadas no tempo e sujeitas à evolução.
 Lembrete
Kant procurava conciliar suas conclusões materialistas com as exigências 
da religião. Assim, segundo ele, a ordem e as leis que regem o universo 
seriam a demonstração da existência de Deus.
Kant passou da filosofia naturalista para a teoria do conhecimento. Pensava que para entender o 
problema do conhecimento do mundo era preciso investigar a própria faculdade que temos de conhecer. 
Então, era necessário fazer uma análise crítica a respeito da razão humana. Logo de início, ele percebeu 
que não era possível aceitar a separação metafísica entre o processo do conhecimento e a coisa que está 
sendo pesquisada. A crítica de Kant à metafísica e à lógica formal pressupunha sua adaptação a novas 
condições. Essa adaptação foi chamada por ele de sistema do idealismo transcendental.
O tempo todo ele se perguntava quais são os limites da razão humana. Kant chegou a uma conclusão 
dualista que de fato é falsa, pois ele separa os fenômenos da essência das coisas. No mundo objetivo, 
Kant acredita que uma coisa em si (noumenon), mesmo que possa existir, não pode ser conhecida pelo 
ser humano. Para ele, nosso conhecimento limita-se a perceber os fenômenos.
Como Platão e Leibniz, Kant distingue os conhecimentos adquiridos pela experiência daqueles que 
não dependem desta. Os que precisam da experiência são os conhecidos a posteriori, os que independem, 
a priori. Diz que o conhecimento começa na experiência. 
69
IDEALISMO
Entretanto, a experiência nos confere o conhecimento de fenômenos singulares. Desse modo, 
a experiência não poderia nos trazer o conhecimento universal e indispensável que constitui a base 
de toda a ciência. O mundo dos fenômenos seria caótico em si mesmo. Segundo Kant, é preciso que a 
nossa consciência estabeleça as leis e a relação universal e ideal para organizar o caos dos fenômenos. 
Para tal, seriam imprescindíveis leis universais pensadas com a razão, portanto, apriorísticas. Issoseria independente da experiência e construiria as categorias. É por isso que não seria o nosso 
conhecimento que deveria se adaptar aos objetos, mas, ao contrário, são os objetos que têm de se 
acomodar ao nosso entendimento.
O apriorismo de Kant é a base de sua filosofia idealista. Para ele, a capacidade de introduzir 
a universalidade e a necessidade no caos do mundo dos fenômenos demonstra sua separação da 
experiência concreta. Para demonstrar essa possibilidade do apriorismo, ele sugere a existência dos 
chamados juízos sintéticos, que são julgamentos que ampliam e enriquecem nossos conhecimentos. 
Eles nos são fornecidos pela razão como princípios a priori. Kant via a matemática pura como um 
modelo desse apriorismo livre de toda a experiência sensível. Todavia, esse exemplo da matemática 
foi um engano de Kant, porque a matemática nasceu da ação prática e da experimentação 
(SHCHEGLOV, 1945).
Em Crítica da razão pura, Kant expôs melhor sua teoria idealista do conhecimento. Afirmou 
que a experiência fornece o conteúdo ao conhecimento. Esse conteúdo se compõe das percepções 
sensíveis que temos quando conseguimos acesso às coisas em si através dos nossos órgãos dos 
sentidos. Para ele, só o entendimento seria capaz de estabelecer uma relação de causa para conferir 
alguma unidade aos fenômenos da natureza. O entendimento, segundo Kant, não extrai suas leis 
da natureza, mas, ao contrário, ele as prescreve. Assim, manifesta-se de forma clara o idealismo 
subjetivo de seu sistema filosófico.
Para conhecer uma coisa, Kant diz que seriam vitais a sensibilidade, o entendimento e a razão. 
É por esse motivo que o livro Crítica da razão pura é dividido em três partes principais: a estética 
transcendental, a analítica transcendental e a dialética transcendental.
A estética transcendental discorre sobre a teoria do espaço e do tempo. Para o materialismo, o espaço 
e o tempo seriam formas de existência da matéria. Contudo, para Kant, espaço e tempo só existem 
na consciência do observador. São formas apriorísticas da sensibilidade e de toda a intuição visível. 
Nossa consciência introduz a ordem no caos das sensações unindo-as num todo íntegro e utilizando 
como instrumentos as formas a priori que conhecemos de espaço e tempo.
A analítica transcendental trata da teoria das categorias apriorísticas do entendimento. Segundo 
Kant, seria necessário que o entendimento se relacionasse com os dados sensíveis. Independentes do 
entendimento, as percepções sensíveis não conseguem conhecer nada. A ação do entendimento é 
que unifica e põe ordem no conteúdo caótico que se percebe com a experiência dos sentidos. Só o 
entendimento conseguiria ordenar os fenômenos da natureza e introduzir neles a unidade e as leis que 
os regem. Depois, Kant organizou uma tabela com 12 categorias que definem na natureza as leis que a 
regem. As principais são as categorias de quantidade, qualidade, relação e modalidade. Cada uma delas 
tem três subcategorias.
70
Unidade III
Kant afirmava que essas categorias são apenas condições de nossa consciência. Quando percebemos 
que um fenômeno aparece como causa e outro como efeito, isso não é assim no mundo real, mas 
entendemos dessa forma através da nossa consciência, pois usamos a categoria causalidade para 
estabelecer essa relação entre os dois fenômenos. Nesse momento a filosofia de Kant se torna uma 
forma de idealismo (SHCHEGLOV, 1945).
Esse caminho do idealismo se desenvolveu porque Kant sabia que há variações quando percebemos 
os diversos fenômenos pelas sensações. As nossas sensações não acontecem sempre da mesma forma, 
e mesmo os fenômenos que parecem iguais têm variações entre si. Entretanto, Kant queria encontrar as leis 
do entendimento, que seriam simultaneamente leis da natureza, portanto deveriam exibir alguma constância 
e estabilidade. Além disso, elas precisavam ser válidas para todos os seres humanos, passados ou presentes. 
 Saiba mais
Conheça a principal obra de teoria do conhecimento de Immanuel Kant:
KANT, I. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção 
Os Pensadores.)
Para efetivar seu trabalho, Kant inventou em seu sistema o conceito da consciência idêntica, única, 
sempre igual a si mesma e individual. Essa consciência hipotética foi chamada por Kant de unidade 
transcendental da percepção. Para ele, esta confirmaria a identidade do eu, da consciência individual. 
Também serviria como uma suposta garantia da universalidade do conhecimento.
Além disso, Kant estabeleceu metafisicamente uma diferença entre o entendimento e a razão pura. 
O entendimento referia-se diretamente às representações visíveis. Já a razão unificaria as diversas formas 
do entendimento em princípios gerais. A razão alcançaria a unidade na experiência de tudo o que se 
pode conhecer. Ela procuraria ultrapassar as fronteiras dos fenômenos acessíveis apenas ao conhecimento 
humano. Com isso, seria capaz de alcançar o mundo das coisas em si. Todavia, a tentativa constante da 
razão para julgar as coisas em si, que são para ela incognoscíveis, leva-a à contradição, à antinomia e 
à ilusão. Kant chamou essas ilusões de dialéticas. Concebeu quatro antinomias da razão pura:
• O mundo tem um princípio no tempo e é limitado no espaço; o mundo não tem princípio no 
tempo e é infinito no espaço.
• Só existe o simples e o que está composto do simples; no mundo não há nada simples.
• Existe não só a causalidade de acordo com a lei da natureza, mas também a liberdade; não existe 
nenhuma liberdade; tudo se realiza de acordo com a lei da natureza.
• Existe irrecorrivelmente um ser necessário, ou seja, Deus, como causa do mundo; não existe 
nenhum ser absolutamente necessário como causa do mundo (KANT, 1980). 
71
IDEALISMO
Essas contradições são, para Kant, insolúveis. Para ele, cada uma das duas afirmações contraditórias 
pode ser demonstrada logicamente. Kant chega à conclusão de que essas antinomias eram subjetivas e 
ilusórias, e mesmo insolúveis. Tais raciocínios de Kant não eram dialéticos, mas seguiam a lógica formal. 
Aqui o mérito de Kant foi ter percebido o problema das contradições. Ele destacou que essa 
contrariedade dialética é inerente ao pensamento racional. Isso foi depois trabalhado por Fichte e por Hegel.
A dificuldade de lidar com a ideia de Deus apareceu como uma contradição para ser tratada de forma 
dialética. Kant decidiu que Deus e todas as características referentes a ele, tais como ele ser a causa 
do mundo, o provedor do livre-arbítrio e o fiador da imortalidade da alma, não poderiam ser objeto de 
estudo da razão teórica da ciência. Seriam coisas que pertencem às coisas em si e seriam incognoscíveis, 
ou seja, que não temos como conhecer com a razão. Dizendo isso, Kant pôs um ponto-final na forma 
antiga de se pensar metafisicamente.
Para não entrar em maiores atritos, não deixou de reconhecer o enorme valor das ideias metafísicas 
sobre a existência de Deus no terreno da filosofia moral. Se não se pode entender Deus teoricamente, 
é preciso acreditar na sua existência prática. Kant simplesmente explicou que é preciso ter fé. 
Quando Kant passou da Crítica da razão pura para a Crítica da razão prática, buscou a conexão que 
existe entre a razão e a moral. A razão prática seria a ordem da moral. Kant retornou ao dualismo para 
primeiro situar o ser humano à lei da causalidade, pois ele pertence à natureza, e na natureza tudo 
acontece na forma de causa e consequência. 
Entretanto, o ser humano como ser moral estaria livre do egoísmo, pois se subordinaria apenas ao 
dever moral. Então, Kant estabeleceu um princípio básico ético e lógico formal, que deu o nome de 
imperativo categórico. Isso seria uma norma abstrata de conduta do ser humano: “Age de maneira 
tal que a norma suprema de tua vontade possa ao mesmo tempo e sempre considerar-se lei geral”. 
Percebemos que Kant está voltando à ideia de viver para dar o exemplo de como viver, uma antiga 
sugestão de Sócrates.
Para alguns, neste momento, Kant teria sugerido,através da adoção do imperativo categórico, 
a fórmula moral da burguesia. A liberdade moral e a boa vontade de Kant seriam expressões ideológicas 
das aspirações da burguesia alemã no século XVIII. 
 Lembrete
Essas duas obras citadas foram completadas com a Crítica da faculdade 
do juízo, livro no qual são examinadas as relações estéticas do homem 
comum com o mundo e com o belo. Esta teoria, assim como a razão prática, 
foi construída utilizando as ideias do apriorismo e do formalismo.
Dos vários méritos de Kant, para o idealismo alemão, o mais importante foi ter fundado a dialética 
idealista, desenvolvida posteriormente. O conhecimento para Kant não era um processo. Ele não propôs 
72
Unidade III
de fato um sistema que evoluísse da sensação ao pensamento, que explicasse como a substância aparece 
como fenômeno, como a forma de conhecer está ligada ao conteúdo do conhecimento (SHCHEGLOV, 
1945). O sistema dualístico de Kant é muito próximo do idealismo subjetivo. 
A noção de Kant sobre as ideias a priori foi adotada pela filosofia moderna. O idealismo romântico 
admitiu que todo o saber é apriorístico, pois é inteiramente produzido pelo eu. Essa foi a posição de 
Fichte e Schelling. Hegel pensava que o pensamento é essencialmente a negação de tudo o que se 
baseia na experiência. O a priori seria a reflexão e a mediação da universalidade, pois o pensamento 
existe por si mesmo (KANT, 1980). 
 Observação
O noumenon em Kant é o real tal como existe em si mesmo. Esse real 
se apresenta de forma independente da perspectiva subjetiva e parcial 
necessária ao conhecimento humano. O noumenon indica, seguindo a 
tradição platônica, a coisa em si.
7.2 Idealismo transcendental
A filosofia idealista denominada transcendental tem por referência a obra de Kant, particularmente 
pelas análises desse filósofo em relação ao significado de transcendente de inúmeras categorias 
fundamentais para o conhecimento, a compreensão e interpretação do mundo. Assim, idealismo 
transcendental é:
Termo usado por Kant para caracterizar um aspecto de sua filosofia. Kant 
tenta combinar o realismo empírico, preservando a independência e a 
realidade habituais dos objetos do mundo, com o idealismo transcendental, 
que admite que, num certo sentido, os objetos só têm suas propriedades 
habituais (sua posição espacial e temporal e seus poderes causais) porque 
nossas mentes estão estruturadas de modo a impor essas categorias à 
multiplicidade empírica (BLACKBURN, 1997, p. 191).
O sujeito transcendental de Kant é aquele que tem a possibilidade de conhecer, ou seja, é uma 
pessoa capaz de alcançar o entendimento das coisas. É através de sua mente consciente que ela é capaz 
de encontrar as regras para conceber como os objetos podem ser conhecidos. Não adianta tentar pensar 
essas regras a partir do mundo exterior, pois o sentido das coisas precisa ser organizado. Tal organização 
não nasce do modo pelo qual os sentidos apreendem a realidade, mas na forma pela qual pensamos a 
respeito dos fenômenos. 
Em outras palavras, nada faz sentido para o ser humano se ele não consegue identificar, com 
estruturas que já tem na mente, aquilo que percebe como realidade. Por isso Kant afirma que existem 
ideias a priori, ideias que o sujeito já possui antes que perceba alguma coisa acontecendo à sua frente. 
Logo, o sentido do mundo é construído pelo sujeito. Não adianta tentar pensarmos o que é uma coisa 
73
IDEALISMO
em si, pois isso é impossível. As coisas que identificamos são sempre assimiladas porque temos estruturas 
mentais que permitem que elas sejam interpretadas dentro de determinados parâmetros.
Assim, a metafísica proposta por Kant não é uma forma de crer na existência de qualquer coisa, mas 
é um método simples de evoluir através do raciocínio as estruturas que permitem entender cada vez 
melhor os fenômenos do mundo. Quanto mais evoluímos essas estruturas do pensamento, mais fácil é 
conceber o que existe.
O caminho mais seguro para isso seria buscar na matemática as regras e as formas de pensar para 
podermos perceber cada vez melhor a realidade. Nas palavras de Kant, “a Matemática desde os tempos 
mais remotos alcançados pela história da razão humana [...] já encetou o caminho seguro de uma 
ciência” (KANT, 1980, p. 39).
Dessa maneira, a pesquisa empírica, aquela realizada através da experiência, precisa ser guiada por 
ideias que precisam ser encontradas nos objetos e nos fenômenos. Usamos a matemática e a física 
como modelo de pensamento para descobrirmos as regras que existem para “procurar na natureza, 
em conformidade com aquilo que ela própria nela coloca, aquilo que se deve apreender dela” (KANT, 
1980, p. 75). Em outras palavras, podemos olhar e sentir por milhares de anos o mundo, mas através 
dos simples sentidos nós nunca vamos conseguir sintetizar regras e fórmulas que consigam prever o 
que vai acontecer.
Uma maneira simples de assimilar o que Kant tenta ensinar é lembrar da qualidade da previsão do 
tempo. Sempre choveu, sempre ventou e em princípio sabemos como se formam as nuvens e quando 
deve chover. Usamos os computadores mais avançados para registrar o tempo e temos uma coleta 
de dados sobre o que aconteceu em determinada região dia a dia, hora a hora, em relação ao tempo. 
Contudo, quando ouvimos a previsão do tempo, os próprios meteorologistas nos informam que há uma 
previsão provável do que irá acontecer durante o dia. Às vezes eles dizem que vai chover e não chove, 
outrora dizem que não vai chover, mas chove. 
Pela explicação de Kant, nós ainda não conhecemos de fato todas as regras que precisam ser 
consideradas para entendermos como o tempo se comporta. Não adianta ficarmos olhando para o céu 
ou tomando chuva a vida inteira se não formulamos uma ideia precisa, uma fórmula matemática que 
permita que a razão humana calcule se as condições atmosféricas se encontram no momento certo para 
que a chuva caia. Portanto, não é possível reconhecermos a coisa em si, as nuvens, o vento, a água da 
chuva, mas temos como perceber os fenômenos, que é como o vento empurra as nuvens carregadas de 
água até que elas, muito pesadas, promovam a chuva. Isso é a percepção do fenômeno!
Para ensinarmos esse fenômeno, é vital utilizarmos a matemática e a física. Essa matemática 
não vai surgir do nada, vai surgir da matemática que já conhecemos. Portanto, se um dia 
conseguirmos fazer sempre corretamente a previsão do tempo é porque podemos desenvolver 
apenas com nossos pensamentos organizados uma fórmula matemática para entendermos o 
comportamento do tempo. Entretanto, a matemática e a física não existem na natureza, são 
puras criações da mente consciente.
74
Unidade III
7.2.1 Kant e as hipóteses 
Importante, agora, em nossas reflexões apontar a seguinte marca da filosofia kantiana: 
terminar por completo a ideia do ser em si, isto é, que na relação de conhecimento não há um ser 
em si, mas sempre um ser objeto, portanto um objeto para ser conhecido, enfim um ser colocado 
pelo sujeito cognoscente:
Era necessário que viesse um pensador capaz de dar fim, de concluir e rematar 
por completo as possibilidades contidas na atitude idealista. Este pensador 
foi Emmanuel Kant. Emmanuel Kant trata de terminar definitivamente 
– e essa é sua tarefa fundamental – com a ideia de ser em si. Kant vai 
esforçar-se para mostrar como, na relação do conhecimento, aquilo que 
chamamos de ser é não um ser “em si”, mas um ser objeto, um ser “para” ser 
conhecido, um ser posto logicamente pelo sujeito pensante e cognoscente, 
como objeto de conhecimento, mas não “em si” nem por si, como uma 
realidade transcendente (MORENTE, 1970, p. 217).
O mesmo aconteceu com os primeiros pensamentos de Copérnico. Este, depois das complicações 
para a explicação do movimento dos corpos celestes, “tentou ver se não seria mais bem-sucedido se 
deixasse o expectador mover-se e [...] os astros em repouso” (KANT, 1980, p. 79). 
Assim, depois que temos uma boa ideia de como as coisas ocorrem na natureza, seu funcionamentopassa a ser encaixado perfeitamente nas ideias se descobrimos o princípio que as rege. 
Até então, admitia-se que todo o nosso conhecimento se devia regular pelos objetos, mas todas as 
tentativas de estabelecer em torno deles alguma coisa a priori, por meio de conceitos, com os quais se 
teria podido ampliar nosso conhecimento, assumindo tal pressuposto, não conseguiram nada. Portanto, 
[...] faça-se a prova de ver se não seríamos mais afortunados nos problemas 
da Metafísica, formulando a hipótese de que os objetos devem se regular 
pelo nosso conhecimento a priori, que estabeleça alguma coisa em relação 
aos objetos antes que eles nos sejam dados (KANT, 1980, p. 39).
Nesse contexto, fica claro que as boas hipóteses vão acabar sendo comprovadas pelas experiências 
através do empirismo e dos sentidos. Todavia, antes que isso aconteça, é preciso haver uma hipótese 
que levará à formulação de uma teoria. Caso a teoria esteja correta, automaticamente o que estiver 
acontecendo na natureza poderá ser interpretado pela mente de acordo com as estruturas de ideias de 
que a mente dispõe. 
Essa é uma posição idealista, pois afirma que somente através das ideias claras e distintas, ou seja, 
das ideias bem concebidas, é que conseguimos assimilar o que se passa no mundo. Não é a realidade que 
nos impõe o conhecimento, somos nós que impomos à realidade as ideias que temos dela.
75
IDEALISMO
Dessa maneira, a filosofia deixou de ser apenas uma discussão sobre a realidade e o mundo, e passou 
a ser uma construção lógica de ideias que o explicam. Essa discussão lógica na filosofia de Kant recebe 
o nome de especulação. A especulação é uma hipótese que precisa ser comprovada quando a utilizamos 
para explicar a realidade. Tais hipóteses nascem, segundo Kant, de uma intuição que só pode acontecer 
no pensamento, portanto ela é pura.
Kant criou uma tabela com categorias para que o raciocínio se guie quando estiver construindo 
uma elaboração mental sobre um fenômeno. Seguindo tal preceito, conseguimos desenvolver a 
ciência. O pior estado mental, para Kant, é acreditar nas ideias de forma dogmática, como se o que foi 
pensado anteriormente seja sempre considerado uma verdade absoluta (KANT, 1980, p. 99). Dizia que 
o conhecimento sobre as coisas nunca termina, pois sempre conseguimos entender mais e melhor os 
fenômenos e as coisas que compõem um fenômeno. Não há limites para o conhecimento! 
Por Kant considerar o conhecimento como fato que não se circunscreve em esferas limitadas, 
mas, muito pelo contrário, que tende ao infinito, é sempre importante ter em mente que há uma 
distinção entre as coisas de fato e o conhecimento que temos dessas coisas mesmas. Assim, é possível 
apreender a distinção entre a experiência mesma e o pensamento dessa experiência. Portanto, segundo 
Kant, a consciência é formada por uma determinada unidade que já tem como pressuposição uma 
experiência organizada do mundo:
Um dos passos centrais de Kant é argumentar que a unidade da consciência 
pressupõe uma experiência organizada segundo leis universais e necessárias. 
É esta parte de sua obra que constitui a tentativa de resposta ao ceticismo 
indutivo e à subjetividade da causalidade, ambos deixados por Hume 
(BLACKBURN, 1997, p. 215).
De um modo geral, é reconhecida a dificuldade não só da leitura como também da filosofia kantiana, 
particularmente pela sua sistematização e pelos termos que utiliza para expor suas ideias. No entanto, 
sua obra é um marco na filosofia moderna:
Apesar da dificuldade notória de ler Kant, tornada mais aguda por sua 
tendência para a sistematização escolástica e para a terminologia obscura, 
seu lugar como o maior filósofo dos últimos três séculos é inquestionável. 
Foi ele que rompeu pela primeira vez e decisivamente com o empirismo 
sensacionalista que prevalecia no século XVIII, mas sem, no entanto, se 
refugiar num racionalismo indefensável. Apesar de sua confiança no a priori 
e na estrutura do seu idealismo terem sido amplamente rejeitados, não 
estaremos exagerando se dissermos que toda a epistemologia, metafísica e 
até a ética modernas foram implicitamente afetadas pela estrutura criada 
por Kant (BLACKBURN, 1997, p. 215).
A obra de Kant é considerada um marco na história do pensamento filosófico. De um modo geral, 
considera-se que sua filosofia encerrou um período iniciado com o pensamento de Descartes. Ademais, 
entende-se que, justamente por encerrar um período da filosofia, Kant enriqueceu o pensamento da 
filosofia idealista, com concepções denominadas de idealismo transcendental:
76
Unidade III
Assim, pois, Kant encerra um período da história da filosofia. Encerra o 
período que começa com Descartes. E, ao encerrar este período, nos dá a 
formulação mais completa e perfeita do idealismo transcendental. Mas, de 
outra parte, Kant abre um novo período. Tendo estabelecido Kant um novo 
sentido de ser, que não é o ser “em si”, mas o ser “para” o conhecimento, 
o ser no conhecimento, abre Kant um novo período para a filosofia, que 
é o período do desenvolvimento do idealismo transcendental que chega até 
nossos dias (MORENTE, 1970, p. 216).
Pode-se acrescentar, ainda, que a obra de Kant foi fundamental para firmar o significado das categorias 
e, sobretudo, para a compreensão do sujeito e do objeto na relação de conhecimento, particularmente 
no interior das reflexões filosóficas da escola idealista. Enfim, pela obra de Kant é possível apreender que 
o conhecimento é um determinado fenômeno filosófico que não apresenta nem o sujeito nem o objeto 
em si, mas em relação:
A pretensão de todos os anteriores filósofos idealistas foi considerar que, de 
algum modo, poder-se-ia penetrar no “em si”, no eu em si, independentemente 
de ser sujeito cognoscente; ou na coisa em si, independentemente de 
ser objeto a conhecer. Examinavam, pois, as coisas os filósofos anteriores 
e descobriram nelas a objetividade, a essencialidade, a causalidade, 
a unidade, a pluralidade, a ação recíproca, a totalidade, todas as categorias. 
E acreditavam que as categorias eram propriedades das coisas em si mesmas. 
Todavia, são propriedades das coisas enquanto se tornam objeto a conhecer, 
mas não em si mesmas. Dirigiam-se depois ao sujeito e diziam: eu existo. 
Para Kant, o eu se torna unidade, sujeito cognoscente, quando recebe ele 
também essas categorias de unidade, de pluralidade, de causa e substância, 
e entra na relação do conhecimento. Nem o sujeito cognoscente, nem o 
objeto conhecido ou para conhecer são em si senão fenômenos, no dizer de 
Kant. Com isso estamos já plenamente no autêntico e verdadeiro idealismo 
transcendental (MORENTE, 1970, p. 244).
7.3 Soluções filosóficas que permitiram o avanço da ciência 
Vimos até agora como a questão das ideias inatas e o entendimento do empirismo se modificaram 
para poder promover o avanço da ciência. Quando Leibniz estabeleceu a distinção entre o que é a 
verdade de razão e as verdades de fato, ele propôs que uma verdade de razão explica como uma coisa é, 
de forma que essa coisa não pode ser diferente do que ela é e de como ela é. 
O exemplo mais simples de uma verdade de razão abrange as ideias matemáticas. É possível que 
um triângulo não tenha três lados? É possível que a soma de seus ângulos não seja igual à soma de 
dois ângulos retos? É possível que 2 + 2 não seja igual a 4? É possível que o todo não seja maior do 
que as partes? 
77
IDEALISMO
Para Leibniz, as verdades de razão são inatas. Não que uma criança nasça sabendo matemática, 
mas nascemos com a capacidade racional e intelectual para conhecermos ideias que não dependem 
da experiência. 
Por outro lado, as verdades de fato são aquelas que dependem da experiência, pois suas ideias são 
obtidas através dos sentidos, da percepção e da memória (CHAUI, 2000, p. 93). As verdades de fato para 
Leibniz são empíricas. As coisas são como são porque há uma causa para que sejam assim. Quando digo 
que “essa pedra é redonda”, nada impede que ela tenha outro formato, mas, se elaé redonda, é porque 
alguma causa a fez assim. Outra causa poderia fazer a pedra ser pontiaguda, mas não foi um acidente 
ou o acaso que a fez redonda, foi uma causa. 
As verdades de fato funcionam pelo princípio da razão suficiente. Esse princípio determina que tudo 
o que existe, tudo o que percebemos e tudo aquilo que vivenciamos tem uma causa determinada. Essa 
causa pode ser conhecida. Dessa maneira, quando a razão suficiente conhece as causas pelas quais 
alguma coisa é como é, as verdades de fato podem se tornar verdades da razão. Para Leibniz, o princípio 
da razão suficiente ou a ideia de causalidade universal e necessária permitiria a convivência entre as 
ideias inatas e as ideias empíricas.
O princípio da causalidade foi questionado por David Hume. Ele dizia que o princípio da razão 
suficiente seria um hábito adquirido pela experiência como o resultado da repetição, que causaria 
uma determinada frequência constante em nossas impressões sensoriais. É essa crítica de Hume que é 
respondida por Kant.
Kant pensou que essa disputa entre as ideias inatistas e empiristas estava perdendo tempo com uma 
falsa busca. Para Kant, era necessário estudar o que é a razão e quais são seus limites para conhecer as 
coisas. Os filósofos tinham começado por dizer o que era a realidade; afirmaram que ela era racional e 
que devíamos tentar conhecê-la através da razão. Ele preferiu inverter o raciocínio, e, em vez de colocar 
no centro da questão a realidade objetiva ou os objetos do conhecimento, preferiu tentar entender o 
que é a própria razão (CHAUI, 2000, p. 94). 
O que a razão pode conhecer? Como ela pode ter condições de alcançar o conhecimento verdadeiro? 
Qual é o limite do conhecimento humano? Como a razão se relaciona com a experiência? 
Para efetivar sua teoria, o primeiro passo de Kant foi demonstrar que existe uma diferença entre o 
que eu e você pensamos e o sujeito do conhecimento, que seria a razão universal. Essa razão seria uma 
estrutura vazia, uma forma pura sem conteúdo. Essa estrutura é universal, pois é a mesma para todos 
os seres humanos; é inata e não pode ser aprendida através da experiência. Como nascemos com a 
capacidade de usar essa estrutura, a razão é, do ponto de vista do conhecimento, anterior à experiência, 
portanto a estrutura da razão é a priori (CHAUI, 2000, p. 95).
Entretanto, os conteúdos que a razão consegue conhecer e nos quais ela pensa dependem da 
experiência. Sem eles, a razão seria sempre vazia, incapaz de conhecer. Desse modo, a experiência fornece 
os conteúdos do conhecimento para a razão. Por sua vez, a razão os organiza na forma de conhecimento. 
Como isso acontece nessa ordem, o conhecimento fornecido pela experiência vem depois, por isso Kant 
disse que acontece a posteriori. 
78
Unidade III
Assim, a experiência não é causa das ideias, mas é o momento que a razão, percebendo a matéria ou 
o conteúdo, formule suas ideias. A estrutura da razão é inata e universal. Os conteúdos são empíricos 
e podem variar no tempo e no espaço, podendo evoluir com novas experiências, ou até mesmo serem 
comprovados como falsos.
O que é então o conhecimento racional? É a síntese que a razão realiza entre uma formulação 
universal inata e um conteúdo específico resultado de uma experiência. A estrutura da razão 
é constituída por três estruturas a priori: a forma da percepção através dos sentidos; a forma do 
entendimento e a forma da razão propriamente dita. A forma da razão pode ser percebida quando 
pensamos em alguma coisa a partir das regras racionais, sem necessidade de sua presença física nem 
de qualquer experiência.
Para Kant, só há conhecimento quando a experiência oferece os conteúdos à sensibilidade e ao 
entendimento. Não é função da razão conhecer nada. Sua função é a de regular e controlar a sensibilidade 
e o entendimento (CHAUI, 2000, p. 96).
Percebemos as coisas como realidades temporais. Não percebemos o próprio tempo, mas temos 
experiência para saber as diferenças entre o passado, o presente e o futuro. A razão sabe que existem 
o tempo e o espaço; por causa das condições a priori, a razão não precisa de nenhuma experiência 
para conhecê-los.
Os sentidos nos informam os conteúdos da experiência e organizam racionalmente esses conteúdos 
no espaço e no tempo. Essa possibilidade de disposição espaçotemporal dos objetos do conhecimento 
é que é inata.
Essa organização transforma as percepções que temos das coisas, os fenômenos, em conhecimento 
intelectual ou em conceitos. Para isso, o entendimento possui, a priori, um conjunto de elementos que 
ordenam os conteúdos empíricos, que são chamados de categorias. Com as categorias a priori, o sujeito 
do conhecimento formula os conceitos. 
As categorias dispõem os dados da experiência segundo a qualidade, a quantidade, a causalidade, 
a finalidade, a verdade, a falsidade, a universalidade e a particularidade. Esses são os instrumentos 
racionais com os quais o sujeito do conhecimento projeta a realidade. As categorias são as mesmas em 
toda época e em todo lugar, para todos os seres racionais. Assim, as categorias permitem o avanço da 
ciência (CHAUI, 2000, p. 97). 
A razão não está nas coisas, mas dentro de nós. Portanto, a razão é sempre subjetiva, e não consegue 
conhecer a realidade que poderia existir por si mesma. O erro cometido pelos inatistas e empiristas era 
supor que nossa razão poderia alcançar a realidade em si. 
Para um inatista como Descartes, a realidade em si seria espacial, temporal, qualitativa, quantitativa 
e causal. Para um empirista como Hume, ela poderia ou não repetir fatos sucessivos no tempo, bem 
como repetir fatos contíguos no espaço. Contudo, eventualmente, ela poderia ou não repetir as mesmas 
sequências de acontecimentos. 
79
IDEALISMO
Para Kant, jamais vamos saber se a realidade em si é espacial, temporal, causal, qualitativa 
ou quantitativa. Mas sabemos que nossa razão é dotada de uma estrutura necessária e a priori, 
que consegue organizar a realidade com as formas da sensibilidade e dos conceitos e categorias 
do entendimento. 
Hegel, por sua vez, criticou o inatismo, o empirismo e a solução de Kant. Segundo ele, seus antecessores 
não tinham compreendido que o que existe de mais fundamental à razão é seu componente histórico. 
Até Hegel, a filosofia considerou que as ideias só seriam racionais e verdadeiras se fossem eternas, 
em qualquer tempo e em todo lugar. Uma verdade que mudasse com o tempo seria uma opinião, 
seria enganosa, e não seria verdade. Como a razão é a fonte e a condição da verdade, ela teria de ser 
intemporal (CHAUI, 2000). 
Quando Hegel afirmou que a razão é histórica, ele não queria dizer que a razão é relativa, que algo 
que vale hoje não vale amanhã ou o que serve aqui não serve ali. Para ele, as mudanças da razão e de 
seus conteúdos são consequência da própria razão. Como escreveu Marilena Chaui, “a razão não está na 
História; ela é a História. A razão não está no tempo; ela é o tempo. Ela dá sentido ao tempo” (CHAUI, 
2000, p. 98). 
Para Hegel, Kant também teria se enganado por acreditar que o conhecimento racional 
dependeria exclusivamente do sujeito do conhecimento, das estruturas da sensibilidade e do 
entendimento. A razão para Hegel não é nem exclusivamente razão objetiva, quando a verdade 
está nos objetos, nem exclusivamente subjetiva, quando a verdade está no sujeito. Ela é a unidade 
necessária entre o objetivo e o subjetivo. A razão é o conhecimento da harmonia entre as coisas 
e as ideias, entre o mundo exterior e a consciência, entre o objeto e o sujeito, entre a verdade 
objetiva e a verdade subjetiva (CHAUI, 2000).
Hegel dizia que essa unidade entre o objetivo e o subjetivo não é uma coisa que sempre 
existiu; é uma conquista da razão, e essa conquista se efetiva no tempo. Toda razão alcança 
a harmonia entre a verdade objetiva e a verdade subjetiva como resultado de um percurso histórico 
que ela mesma realiza. Para ele, os conflitos filosóficos são a história da razão buscando conhecer 
a simesma. Graças às contradições entre as filosofias é que se chegou à descoberta da razão como 
síntese, que, como vimos, é a unidade ou a harmonia das teses opostas ou contraditórias (CHAUI, 
2000, p. 100).
Foi por causa da História que a razão produziu uma tese a respeito de si mesma e depois 
uma tese contrária à primeira. Cada tese e cada antítese foram verdadeiras em seu tempo, 
mas parciais. Sem elas, a razão nunca teria conhecido a si mesma. Contudo, como a razão não 
pode ficar estacionada nessas contradições que ela própria criou, produz sínteses que une as 
teses contrárias. Assim, ela mantém a verdade de cada etapa, e por esse motivo é que a razão é 
histórica (CHAUI, 2000).
80
Unidade III
7.4 A beleza é a percepção do infinito no infinito (F. Schelling)
Figura 10
O idealismo alemão foi para a filosofia o período de transição entre o Iluminismo e o Romantismo. 
Seu centro foi a Universidade de Jena, na Alemanha. O idealismo alemão iniciou-se com as ideias de 
Kant sobre a solução das antinomias. Na sua terceira antinomia, Kant escreveu que existe não só a 
causalidade de acordo com a lei da natureza, mas também a liberdade; não existe nenhuma liberdade; 
tudo se realiza de acordo com a lei da natureza.
Johann Gottlieb Fichte trabalhava na Universidade de Jena. Esse filósofo estudou a seguinte 
antinomia de Kant: se uma proposição condicionada é dada, também são dados os conceitos relacionados 
à totalidade de sua condição. Portanto, seu inverso, o incondicionado, também é dado. Então, Fichte 
destacou que, se há causalidades por liberdade, só há causas naturais. Se objetos dos sentidos são dados 
como condicionados, eles também poderiam ser incondicionados. Isso permite inferir a possibilidade de 
a liberdade existir de fato. Fichte percebeu que havia uma ideia plausível acerca da liberdade. 
De uma forma geral, o idealismo alemão foi uma pesquisa para desenvolver ideias de Kant que 
poderiam ser mais bem explicadas. No âmbito teórico, esse foi o pretexto para esse movimento filosófico. 
Os problemas evidentes diziam respeito à junção entre a razão prática e a razão teórica. Qual dessas 
razões era mais considerável do que a outra? Qual vinha primeiro? Para Fichte, assim como todos os 
filósofos dessa corrente, a razão prática possui uma precedência sobre a razão teórica. Era essencial 
demonstrar que a razão está ligada ao agir, pois isso seria mais significativo do que aceitar que a razão 
teórica é mais importante, pois esta só acontece na consciência.
O motivo crucial dessa escolha é que a razão prática está ligada à possibilidade da liberdade. Como 
forma de agir, a liberdade poderia ser concretizada. 
81
IDEALISMO
O conhecimento para Fichte era uma relação entre a sensação e a razão. Outra questão pertinente 
nesse período refere-se à noção da coisa em si. Era preciso dissolver idealisticamente a coisa em si. 
No âmbito teórico, isso não seria plausível. Mesmo que o sujeito precise do plano teórico para poder 
resolver esse problema, é necessário utilizar a razão prática para alcançar um resultado plausível no 
âmbito racional.
Johann Gottlieb Fichte nasceu em 1762 em Berlim. Em 1794, graças ao escritor Johann Wolfgang 
von Goethe, foi convidado a lecionar na Universidade de Jena. Lecionou na Universidade de Berlim, 
tornando-se reitor. Faleceu em 1814, vítima de cólera.
Fichte não era apenas um filósofo e um professor, era um político ativo que militava a favor da 
democracia burguesa. Acusado de ateísmo, foi dispensado da Universidade de Jena. Mais tarde atuou 
como ideólogo do movimento de libertação germânica e como um dos organizadores da guerra nacional 
contra a dominação napoleônica. Na obra Discursos à nação alemã, que retrata a devastação do país em 
1807-1808, Fichte convocou o povo germânico à unificação política e ao renascimento moral.
Fichte levou a filosofia de Kant para uma posição de idealismo subjetivo mais consequente. 
Condenava a teoria das coisas em si. Chamou seu sistema de doutrina científica. Seu ponto de partida 
era a consciência, ou eu.
A consciência humana que conhecemos aparece em Fichte como autossuficiente, separada do 
homem e transformada num ser absoluto. Segundo Fichte, todo o mundo exterior – o não eu – seria o 
resultado da atividade criadora do eu. 
Fichte afirmava que a ação é o caráter ativo da consciência. Contudo, esse aspecto da ação é abstrato. 
O eu produziria o não eu como seu oposto para encontrar um ponto de aplicação para sua ação. 
A autoconsciência do ser humano surgia sobre essa oposição entre o eu e o não eu. 
Em um processo da evolução histórica, seria alcançado o objetivo supremo do movimento de avanço, 
que seria a organização da vida humana de acordo com as exigências da razão.
Essa teoria do desenvolvimento dialético apareceu no sistema filosófico de Fichte como a teoria 
idealista da autoconsciência do indivíduo. 
Fichte considerava a liberdade moral e a autoconsciência da atividade livre e originária do eu como 
o primeiro princípio da razão. Determinou assim o primado da razão prática sobre a razão teórica. Então, 
organizou o que deveria ser o agir ideal.
Entretanto, para o ideal ser aceito, antes, deve ser pensado como não sendo possível. Isso porque 
as coisas nem sempre são o que parecem ser. Recusando o agir ideal, podemos criar a noção da ilusão 
necessária. Uma ilusão necessária é a ideia de que a razão enquanto consciência faz um movimento que 
nasce do eu, no domínio do para si, para o campo do em si, que é percebido como o não eu, ou seja, 
que é um objeto em si. 
82
Unidade III
Devido a essa ilusão, por exemplo de que as pessoas não são livres, a razão teórica obriga sua 
adoção pela razão prática. Portanto, quando se inverte o raciocínio, com a razão prática suplantando a 
razão teórica, acontece um movimento dialético de superação entre o eu (sujeito) e o não eu (objeto). 
Finalmente, as pessoas percebem que são livres, pois a liberdade passa a ser um objeto que sua razão 
pode entender. 
7.5 Friedrich Schelling e o sistema do idealismo transcendental
Figura 11
O próximo passo do desenvolvimento da filosofia clássica alemã foi proposto pela filosofia de 
Friedrich Schelling (1775-1854). Ele estudou com Hegel na Universidade de Tübingen. Nesse período, 
eles se sentiram atraídos pelas ideias libertadoras da Revolução Francesa. Schelling começou seu trabalho 
filosófico sob a influência direta de Fichte. 
Todavia, a filosofia de Schelling modificou o idealismo subjetivo ativo, voluntário, de Fichte, passando 
a ser um idealismo objetivo intuitivo. Schelling transferiu o centro dos interesses filosóficos da sociedade 
para a natureza.
Na filosofia naturalista, o jovem Schelling fez uma síntese idealista do desenvolvimento das 
ciências naturais dos fins do século XVII. Mesmo mistificando a natureza, Schelling concebia todos 
os fenômenos como um processo dialético único, conforme os princípios da evolução dialética de 
Fichte. A natureza seria produto da consciência, porém não do eu subjetivo, da razão humana, mas 
do espírito mundial absoluto, e este se manifestaria como um espírito em evolução. A natureza 
representaria uma fase do progresso do espírito absoluto e, como resultado dele, o espírito absoluto 
conseguiria adquirir a autoconsciência.
83
IDEALISMO
O idealismo concordava de uma forma geral com Berkeley, de que não há matéria no sentido 
materialista, e que o espírito é a essência e o todo da realidade. Entretanto, Schelling argumentou que 
havia um perfeito paralelo entre o mundo da natureza e a estrutura da consciência que temos dela. Embora 
isso não possa ser verdadeiro para um ego individual, pode ser verdadeiro para uma consciência absoluta. 
Ele também se opôs à ideia de que Deus estaria separado do mundo, argumentando que a realidade 
é uma mente única, absoluta, inclusiva, que ele e Hegel chamaram de espírito absoluto.
A filosofia naturalista de Schelling exerceu grande influência nas ciências naturais. Ele predisse que 
havia uma ideia de unidadee de evolução da natureza, sugerindo a teoria eletromagnética da matéria 
e a teoria da evolução da natureza inorgânica e orgânica. 
Schelling foi aluno de Fichte e, em 1799, quando Fichte foi despedido da Universidade de Jena, 
assumiu sua posição. Convivendo com os escritores românticos da época, em 1800 publica O sistema 
do idealismo alemão. 
Fichte pensava que o idealismo não conseguira vencer o realismo no plano teórico, apenas no 
plano prático. Schelling acreditava que até mesmo no plano prático o idealismo era mais convincente. 
Schelling serviu de ponte entre o idealismo subjetivo de Fichte e o idealismo objetivo de Hegel.
Parte de sua teoria é uma espécie de complementação da filosofia de Fichte. Para ele, o eu expressava 
a razão prática, que conferia ao mundo um ponto de vista ético, enquanto o não eu, a natureza, teria 
um ponto de vista estético.
Schelling defendia que a atividade inteligente e consciente progride até alcançar a natureza, 
expressando tal conceito em O sistema do idealismo transcendental (1800). Ele se perguntou o seguinte: 
“De que modo, ao mesmo tempo, as representações podem ser pensadas como determinadas pelos 
objetos e os objetos podem ser pensados como determinados pelas representações?”. Para Schelling, 
esta seria a tarefa da filosofia transcendental, e a resposta apenas vem à luz se combinarmos o eu 
e o não eu. 
A priori, essa visão é inalcançável em um mundo objetivo. Ela só se tornaria possível se houvesse um 
mundo preestabelecido. Esse mundo somente poderia ser pensado se houvesse a suposição de que as 
atividades desse mundo preestabelecido fossem idênticas ao mundo objetivo e vice-versa.
Toda ação livre produz alguma coisa. Podemos supor que todo princípio de uma ação consciente 
tenha também um princípio inconsciente, criando a dualidade consciente e não consciente. Suponhamos 
ainda que a identidade fundamental da ação do querer seja exibida como atividade da consciência; para 
tal, ela deve necessariamente coexistir no plano do não consciente.
A concordância entre o mundo ideal da arte e o mundo realista dos objetos é que torna possível, com 
a ausência da consciência, o mundo real e, com a presença da consciência, o mundo estético. Partindo 
dessa premissa é que Schelling percebeu que é a partir das atividades estéticas que podemos compreender 
a junção entre a razão prática e a razão teórica, ou seja, o espírito com a natureza (SHCHEGLOV, 1945). 
84
Unidade III
É nas atividades estéticas que encontramos a compreensão de uma atividade simultaneamente 
consciente e inconsciente. A forma de expressão estaria intrinsecamente ligada à moralidade e à ciência. 
É a natureza que proporcionaria a intuição absoluta entre o ideal e o real, fazendo que reconheçamos o 
processo pelo qual o espírito percorre, pois ele também seria parte da natureza.
Sua filosofia transcendental analisa o conhecimento, e tentou encontrar a certeza absoluta por 
meio da qual todas as outras certezas são mediadas. Essa filosofia nos levaria à comprovação de que os 
objetos representados correspondem às expressões que fazemos deles através da inteligência.
Acrescenta-se, ainda, que a concepção filosófica de Schelling considera o absoluto no sentido de 
unidade e, no interior de tal unidade, está pelo menos em germe a diversidade do mundo:
O absoluto para Schelling é a unidade vivente, espiritual, dentro da qual 
estão como em germes todas as diversidades que conhecemos no mundo. 
E assim essa unidade vivente se põe primeiro, afirma-se primeiro como 
identidade. Em tudo quanto é e quanto existe, há para Schelling uma 
fundamental identidade; tudo é uma e a mesma coisa; todas as coisas, por 
diferente que pareçam, vistas de um certo ponto, vêm fundir-se na matriz 
idêntica de todo ser, que é o absoluto (MORENTE, 1970, p. 267).
8 GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL
Figura 12
Hegel está na origem de tudo de importante que se tem feito na filosofia desde há um século 
— por exemplo, na origem do marxismo, de Nietzsche, da fenomenologia e do existencialismo alemão, 
da psicanálise — e inaugura a tentativa de exploração do irracional e de sua incorporação a uma razão 
ampliada que segue sendo a tarefa do nosso século. Hegel é o inventor desta razão mais compreensiva 
85
IDEALISMO
que o entendimento, desta razão que, capaz de respeitar a variedade e a singularidade dos psiquismos, 
dos métodos de pensamento, das civilizações e da contingência da história, não renuncia, no entanto, 
a dominá-los para conduzi-los a sua própria verdade. Se não renunciamos a esperança de uma verdade, 
mais além das tomadas de posição divergentes, e se, com o sentimento mais vivo da subjetividade, 
seguimos desejando um novo classicismo e uma civilização orgânica, não existe, na ordem da cultura, 
tarefa mais urgente do que a de retomar com sua origem hegeliana as doutrinas ingratas que tentam 
esquecê-lo. Só assim puderam encontrar uma linguagem comum e poderá fazer-se uma confrontação 
decisiva. Como Merleau-Ponty afirma: “não é que Hegel seja a verdade que buscamos, senão justamente 
porque nesta única vida e nesta obra única encontramos todas as nossas oposições” (Apud MORAES, 
2015, p. 71).
Hegel nasceu em 1770 em Stuttgart, na Alemanha. Seu pai era funcionário público. 
Ele foi professor na Universidade de Tübingen por quase dez anos. Em 1801 mudou-se para Jena, 
onde conheceu Goethe e Schiller. 
A filosofia de Hegel é o ápice e o fim do idealismo alemão, e ele foi precedido por importantes 
filósofos dos quais foi contemporâneo, como Schelling e Fichte. Sua filosofia dialoga com a deles, 
sobretudo com a de Kant, que é indiscutivelmente a maior figura alemã da área. 
Hegel trabalhou durante a transição do século XVIII para o século XIX. Como todo idealismo, está 
inserido na corrente platônica de pensamento. Seu sistema refere-se às ideias, e não ao concreto. 
Contudo, como veremos adiante, nada é tão dicotômico em Hegel, e em sua obra há uma concretude 
manifesta, que dialoga com as ideias. Por esse motivo é que Marx a utiliza como fundamento filosófico 
para a construção de seu modelo acerca da História.
Podemos entender a obra de Hegel de duas maneiras: pela cronologia dos escritos ou pelos temas. 
Ainda jovem, Hegel frequentava a Universidade de Tübingen, lia avidamente Rousseau e apoiava os 
ideais da Revolução Francesa. Era fortemente influenciado por dois colegas, os jovens filósofos Hölderlin 
e Schelling. Seus anos de formação continuaram em Berna e Frankfurt, quando escreveu sobre o conceito 
de positividade e religião, em especial sobre o cristianismo e o povo judeu. Seus dois escritos principais 
são: A vida de Jesus e A positividade da religião cristã.
Sua carreira acadêmica começa com a ajuda de seus antigos companheiros, que lhe conseguem 
um cargo na Universidade de Jena, em 1801. Os desenrolares políticos de Napoleão marcaram Hegel 
profundamente, que desertou a cidade com o seu manuscrito da Fenomenologia do espírito, que só foi 
publicado mais tarde em Nuremberg. 
Foi reitor da Universidade de Berlim, deixando uma vasta obra. Em 1811 casou-se com Marie Helena 
Susanna von Tucher, filha de um senador e parte da elite alemã. Desde então, Hegel experimentou um 
conforto material, o que permitiu que escrevesse com maior estabilidade até o fim de sua vida. Hegel 
faleceu em Berlim em 1831, deixando dois filhos.
Quando seguimos a obra de Hegel, verificamos que ela examina as grandes áreas da filosofia. Ele 
escreveu sobre lógica, ética, estética, filosofia da história, filosofia da religião e dialética.
86
Unidade III
 Saiba mais
Conheça a obra em que Hegel apresenta sua teoria do conhecimento:
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do espírito. 5. ed. São Paulo: Vozes, 2008.
8.1 Alicerces do idealismo absoluto
De um modo geral o idealismo absoluto considera que a realidade do mundo tem profunda e íntima 
identidade com a reflexão objetiva, ou, melhor ainda, verifica-se de forma absoluta tal identidade 
ideia/concretude do mundo. A versão do idealismo absolutotem profundas marcas nas obras de 
Parmênides, Espinosa e Kant. O que significa tal identidade? O idealismo passa a apreender a realidade 
de modo absoluto, isto é, a ideia por ela mesma, e não pela percepção pessoal ou individual:
Versão oitocentista do idealismo na qual o mundo se identifica com o 
pensamento objetivo ou absoluto, e não com o fluxo pessoal da experiência, 
como no idealismo subjetivo. A doutrina deriva de várias antecessoras, 
entre elas o Uno de Parmênides, a tradição teológica de um ser necessário, 
incondicionado e imutável, a fecunda crença de Espinosa de que há apenas 
um mundo caracterizado por fatos e coisas, por um lado, e por ideias, 
por outro, o idealismo transcendental de Kant e a emergência da ação e 
da vontade como os fatores decisivos para o desenvolvimento histórico 
(BLACKBURN, 1997, p. 191).
8.1.1 O espírito do povo
Ao longo de sua vida, o caminho trilhado por Hegel para construir o sistema denominado de idealismo 
absoluto começou com reflexões acerca dos espíritos. E o primeiro conceito importante foi desenvolvido 
a partir de uma ideia de Schelling. 
Para Schelling, a obra de arte seria a intuição absoluta, conciliadora do objetivo e subjetivo. Hegel 
transporta essa ideia para uma nova formulação, e sugere que a vida de um povo seria a intuição absoluta, 
conciliadora do objetivo e subjetivo. Portanto, para Hegel, o indivíduo em si é somente uma abstração. 
O povo seria para ele o universal concreto, a expressão do absoluto.
A complexidade dessa unidade orgânica real abrange as necessidades materiais básicas dos homens 
até o ápice desta organização: o Estado e a religião. A estrutura básica de convivência, a família, é um 
prelúdio do povo, mas ainda limitada pela diferença natural. A família seria um componente do povo. 
A diferença é que um povo permite o surgimento de uma realidade ética, que não se confunde com a 
ética filosófica. Essa realidade ética ocorre para um povo, quando a moralidade perde seu caráter de 
ideal intangível e passa a ser realidade praticada.
87
IDEALISMO
Como a obra de arte para Schelling, para Hegel, o povo é uma contradição em si, é verdadeira, pois 
é a unidade de uma multiplicidade. Essa ideia já apresenta o caminho dialético que Hegel começa a 
elaborar. Ela ilustra a diferença epistemológica de sua obra com as ciências humanas atuais, pois ainda 
utiliza Kant e Descartes para definir sujeito e objeto e criar a dicotomia indivíduo-sociedade.
Hyppolite define espírito do povo da seguinte forma: “o espírito do povo é, assim, aquilo que 
reconcilia o ‘dever-ser’ e o ser. É uma realidade histórica que ultrapassa infinitamente o indivíduo, mas 
que lhe permite encontrar-se a si mesmo sob uma forma objetiva” (HYPPOLITE, 1983, p. 12).
Há, portanto, nesse conceito, uma ruptura com a concepção kantiana de virtude. A virtude em Kant 
se apresenta de maneira individual, numa ação que opõe o indivíduo ao povo, pois a moral, no idealismo 
de Kant, é a força corregedora que atua sobre o que não é, para torná-lo o que deve ser. 
Hegel discorda, pois pressupõe, a partir de suas leituras dos gregos, que a virtude consistia em viver 
conforme os costumes de seu povo.
Com essa diferente definição de virtude, podemos perceber que Hegel pensa a moral, e sua relação 
com a ordem religiosa, de maneira divergente de Kant. Para ele, não há que se falar em um puro ideal, 
moral, pois Hegel recusa tanto o ideal estático como a naturalização das ideias. A religião deve ser 
pensada historicamente, a partir do espírito dos povos, pois é nesta sucessão de diversos povos com 
diversas organizações que a humanidade exprime seu aspecto universal. Aí reside uma contradição 
hegeliana importante para a compreensão de seu idealismo: no interior de um povo fechado, reside o 
infinito (absoluto), o aberto.
Entretanto, em que consiste afirmar que a religião deve ser pensada historicamente e que ela 
exprime, junto com o Estado, o espírito de um povo? A imagem mais adequada a ilustrar o peso dessa 
afirmação é a polis grega. A noção de indivíduo não se realiza na polis, uma vez que esta se encontra 
em harmonia e feliz, perfeitamente pertencente a uma realidade supraindividual que ali se configura.
Hegel vive um mundo moderno no qual o racionalismo francês, o empirismo inglês e o idealismo 
alemão alicerçam rupturas e desagregam oficialmente essa harmonia da polis. Antes dessa ruptura, ele já 
tinha declarado o fim dessa felicidade antiga, que aconteceu com o surgimento do cristianismo, que teria 
sido uma revolução sutil, quando inaugurou uma religião privada. Segundo Hegel, o desconhecimento 
de tais transformações internas, no corpo social, na vida e nos costumes, torna surpreendentes essas 
revoluções, que, em aparência, explodem subitamente na cena do mundo.
A característica principal dessa religião privada, inaugurada essencialmente pela figura de Jesus, 
é sua configuração como religião positiva. O cristianismo impõe a lei exterior à vontade do homem e 
sua razão. Cristo funda a positividade cristã, pois ele é a individualidade concreta, que fala de si, age no 
mundo, passa ensinamentos e opera milagres. Sob a sua figura, são postuladas novas exigências para a 
razão prática.
Como decorrência dessa revolução, a liberdade transforma-se em livre-arbítrio. Isso criou limites 
teóricos, pois a liberdade tornou-se desde Santo Agostinho um conjunto de possibilidades de ação 
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Unidade III
do indivíduo. É por isso que pensamos a liberdade até hoje a partir da expressão individual, tanto de 
pensamento quanto da mobilidade, bem como as demais formas contemporâneas de liberdade. 
Todavia, Hegel não estava investigando, nessa transição de religiões, a liberdade individual. Para 
ele, o cidadão antigo trabalhava para uma ideia de pátria, que era a finalidade última do seu mundo. 
Portanto, era homem livre porque obedecia às leis que criou; sacrificaria sua propriedade e paixões 
por uma realidade que era a sua liberdade, e isso significava a integração do homem em seu todo 
(MOHR, 1907). 
Com isso, a positividade que imperou posteriormente nas formas dos impérios e do 
imperialismo gerou um Estado no qual o cidadão não se reconhece como fruto de seu trabalho. 
Então, o cidadão passou a trabalhar para si e perdeu a antiga consciência, realizada enquanto 
ação e sentimento. Nesse momento, a atividade do indivíduo encontra limites claros, pois é 
sempre referida ao próprio indivíduo.
Para exemplificar, podemos pensar no soldado que é forçosamente enviado para uma guerra, 
receoso de morrer, pois não acredita que haja algo neste evento que valha o sacrifício de sua vida. Seu 
individualismo supera o ideal.
O indivíduo agora se debruça sobre tudo que lhe traga prazer. Como escreve Hyppolite, “é o gosto 
pela propriedade privada que traduz esta transformação”. Nas palavras dele: “Cada um trabalha para si 
ou, por constrangimento, para outro indivíduo”, e a consequência: “é o direito, que substitui a ética da 
vida na polis, é o direito à segurança da propriedade, esta que agora encerra o mundo do indivíduo” 
(Apud MOHR, 1907, p. 223, tradução nossa). 
Hegel sugeriu que foi com essa descoberta da individualidade que as religiões antigas são suplantadas 
pelo cristianismo. Este, por sua vez, se adapta à exigência e ao sentimento da infelicidade geral dos 
indivíduos. Isso identifica para o indivíduo a razão do mal-estar que eventualmente esteja sofrendo. 
Portanto, nesse contexto, a religião privada se estabelece, e sua dinâmica é imperativa: o indivíduo, em 
sua angústia, busca uma fuga do mundo para um absoluto externo (Deus).
O contraste entre o pagão, um religioso ativo perante os deuses, e o cristão, um servo e passivo 
(que permanece passivo, inclusive na forma de mártir), ilustra o que Hegel chamará de consciência 
infeliz. É o homem moderno, dilacerado, pois encontra separado o que nas religiões antigas existia como 
uma só forma: o finito e o infinito. A morte para o sujeito moderno é aterrorizante, porque nada de si 
permanece vivo;tudo desaparece por completo. Em oposição, o homem antigo sabia que sua pátria e 
sua cidade sobreviveriam.
Para Hegel, entretanto, essa cisão é necessária para seu projeto filosófico e é dela que parte para 
sustentar uma reconciliação futura. Assim, destaca-se a seguinte questão: Como este novo homem, 
com sua consciência infeliz, se reencontrará com sua polis?
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IDEALISMO
8.2 A consciência infeliz
A consciência infeliz é um conceito de extrema importância para entendermos não somente a 
obra de Hegel, mas de todos aqueles que a utilizaram como base, em especial os fenomenólogos e 
existencialistas posteriores, que abordarão, com diversos outros conceitos, a angústia humana, sempre 
relacionada, invariavelmente, à condição moderna do sujeito.
Hegel não delimitava em sua obra essa distinção tão forte, mas nem por isso menos arbitrária, de 
homem moderno. Apesar de usar outros termos, pensadores como Nietzsche, Freud e Heidegger, mais 
influenciados por essa divisão histórica, tomam essa condição do indivíduo infeliz como princípio. 
Hegel assistiu a eventos históricos que determinaram o escopo das possibilidades que a burguesia, 
uma vez no poder, teve que administrar. Por esse motivo é que não é incorreto estabelecer relações 
com o conceito de consciência infeliz, que indica o drama do indivíduo burguês, com o mal-estar da 
civilização de Freud e a angústia de Heidegger.
Primeiramente, devemos entender a construção que leva o indivíduo à consciência infeliz. Hegel 
inicia essa ideia com o escravo cristão, que, pela falta de valor social, está essencialmente excluído e se 
vê isolado. Seu senhor pagão vê-se inserido na universalidade, à qual o escravo cristão não pertence. 
Agora esse escravo se vê como uma particularização do universal (por meio da percepção da Trindade, 
quando o Espírito Santo o alcança).
O segundo deslocamento do indivíduo escravo para dentro de si está na desvinculação com seu 
lugar geográfico e social. Longe das suas raízes, percebe-se liberto da sua condição de apoiador de um 
paganismo, que desde seu nascimento estabelecia o destino da sua vida através da sua função e da 
sua condição social. O escravo nasce sempre em condição de igualdade, pois não encontra no percurso 
da vida nenhuma posição, mas com a aspiração de um mundo após a vida percebe que seu lugar não 
depende da vontade dos homens.
Nessa condição, o escravo sujeita-se somente ao seu Deus, e não ao patrão ao qual está preso 
materialmente. Por outro lado, a libertação após a morte não o liberta: embora se encontre igualado ao 
patrão diante de Deus, é eterno escravo desse Deus, que, em sua condição de crente, julga como autor. 
Logo, ele é escravo em si, por si e de si mesmo, e sua única possibilidade de libertação é libertar-se de si 
próprio, deixando de ser o que é.
Desse modo, está dada a sentença ao escravo. Ele é escravo em vida, inclusive por sua fé nesse 
senhor externo absoluto. Contudo, também é escravo dessa fé na religião cristã, que o sujeita enquanto 
escravo. Essa escolha de crença foi causada por uma escolha dele próprio. Na religião, da qual Hegel 
sugere que o escravo deve se libertar, fica conservada essa característica do paganismo de seu antigo 
patrão, como se houvesse apenas uma troca entre um senhor e outro. 
Relembramos aqui a dualidade que fundamenta a religião cristã. A fonte desse dualismo é dupla, 
o que significa que a infelicidade dessa consciência nasce de uma fonte dupla, elaborada a partir da 
cisão entre o eu finito e infinito. 
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Unidade III
Há uma oposição entre o desejo da imortalidade individual, constituído em conjunto com o medo 
da morte (que é escravizante). A consequência de sua infelicidade aqui é a fonte de sua sujeição ao 
que o subjuga: o escravo prefere fugir da morte, ou conservar-se vivo se aliando a quem o oprime, 
ao seu senhor humano que lhe é adverso. O mesmo ocorre quando ele busca Deus, que é uma alma 
imortal, o senhor que lhe garante uma vida após a morte. 
Em oposição ao desejo de imortalidade, temos a vontade daquele que não pode conquistar 
sua liberdade na Terra durante a vida. Cede sua alma para aquele senhor Deus, que providenciará sua 
liberdade no além. O escravo renuncia à sua liberdade na Terra, no seu eu finito, diferenciado de seu 
eu infinito, que estará após a morte junto com o senhor Deus. Essa renúncia e cisão, segundo Hegel, 
é a própria vida religiosa cristã. O problema nesse contexto é: ao esperar sua liberdade no pós-vida, 
torna-se cada vez mais escravo, pois continuará sendo de maneira eterna e imortal do senhor Deus.
Vemos que de qualquer modo o escravo não repele o medo da morte do lado terreno nem alcança 
sua almejada liberdade. Ele se tiraniza de uma forma ou de outra. Assim, há uma cisão do eu infinito e 
finito, e sempre a sujeição ao senhor, seja ele humano, seja divino. Como não poderia ser diferente, sua 
servidão gera sua infelicidade, e ele jamais alcançará sua felicidade.
Esse elemento fundamental da filosofia hegeliana demonstra o seguinte: se um homem está completo 
por sua ação enquanto cidadão de um Estado, o homem religioso cristão jamais poderá vivenciar essa 
completude pela ação devido à escolha da transcendência. Hegel entende que uma sociedade religiosa 
cristã como a Igreja Católica não pode ser a mesma coisa que um Estado.
Qualquer ação dos servos de Deus tem sua norma e eficácia determinadas por Deus. Por isso jamais 
sua ação é verdadeiramente um exercício da liberdade. O religioso só pode almejar uma salvação, que é 
estritamente individual. Isso cria seu isolamento, pois na sua busca da ação determinada por Deus o outro 
não pode lhe ajudar nem ser ajudado por ele, criando uma completa ausência de interação social. Dessa 
maneira, o homem religioso aceita sua sina porque espera sua salvação não de suas mãos, mas da graça 
divina. A sina de sua infelicidade é se resignar justamente diante dessa impotência de estar nas mãos de 
Deus, pois esta aceitação torna-se causa e consequência de sua religiosidade e de sua própria essência.
8.3 Jesus e Abraão: a dialética na gênese das religiões
Quando Hegel analisou determinadas figuras históricas e a forma pela qual elas impactaram seus 
tempos, tinha o propósito de estudar essencialmente a História. Não havia o interesse em manter as 
narrativas dos vencedores. Nesse sentido, para Hegel, era irrelevante se a história de Abraão é verídica, 
assim como a de Napoleão, quando se deseja construir o sentido de um caminho histórico. Em Hegel, 
essas pessoas ou figuras ganham uma nova dimensão.
Napoleão, contemporâneo de Hegel, invadiu Jena e, numa cena descrita em carta para seu amigo 
F. I. Niethammer, anotou suas impressões acerca do espírito do mundo. 
Seu interesse no povo judaico pode ser mais bem entendido como uma pesquisa para compreender o 
papel da religião para um povo. Um povo que, sem Estado, sobreviveu na diáspora e sofreu discriminação 
por onde se estabeleceu. Isso intrigou Hegel em sua concepção da teoria acerca do espírito do povo.
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IDEALISMO
Hegel se debruça na história de Abraão para interpretar o povo judaico. O início da história de 
Abraão é um rompimento que Freud entende como umbilical (referência). Abraão abandona sua pátria e 
família, desatando os laços de amor. Ele faz isso para abandonar as relações que o impedem de tornar-se 
senhor de si próprio, por si. Para Hegel, é essa separação total de Abraão dos homens e da natureza que 
constitui a gênese do espírito judaico.
Seu espírito hostil ao mundo e aos homens fez com que ele não tomasse terra e caminhasse pelo 
mundo combatendo, pois Abraão não queria amar. Hegel julgava que o amor é o que precede toda a 
reflexão e o que engendra toda a unidade da vida. Por sua recusa, Abraão não considera as coisas vivas, 
e limita-se às coisas que saciam suas necessidades. Entre ele e o mundo, não há amor, somente relações 
de reflexão.
Qual o resultado disso? Não há mais vida em Deus para Abraão nem finitude. Deus é puramente 
infinito e inacessível. Dessamaneira, o povo judeu descobre valores intelectuais e espirituais, pois há um 
universo abstrato e um Deus inacessível e único. Essa transição crucial do politeísmo ao monoteísmo 
embasa, para Hegel, sua imperativa afirmação: “o povo judeu é o mais reprovado porque é o que está 
mais próximo da salvação” (HEGEL, 2008, p. 281).
Portanto, se a origem do Deus judaico aconteceu nesse rompimento, com um sentimento de 
hostilidade para com o mundo, é evidente que o povo judeu haveria de ser o povo eleito, o povo 
de Deus. Ele é, portanto, ciumento, tomando o infinito para Si e exigindo Sua unicidade.
Hegel percebe nessa característica do Deus judaico o nascimento de uma forma legalista de se 
relacionar com Ele. Se Deus pertence ao infinito, e não ao seio da vida judaica, é a partir de sua lei escrita 
que o homem, escravo de Sua vontade, deve obedecer. De modo similar, as relações entre os homens só 
podem ser de senhor e escravo, pois a vida e o amor não podem estar mais presentes. O destino do povo 
judeu, cuja ideia de destino vamos estudar, é viver cindido dos homens e de Deus, uma vez que, através 
da reflexão, colocou seu ideal fora de si e da vida.
Para Hegel, Jesus parece se constituir numa figura histórica, com sentido diverso. Jesus reconcilia 
seu povo com a vida através do amor. Não é possível imaginar que desse processo não venha surgir uma 
moralidade. Contudo, Jesus desiste de salvar seu povo, uma vez que a tarefa se torna impossível, e assim 
recorre, unicamente, ao indivíduo. Jesus deixa de seguir o destino do seu povo, e dessa maneira está 
cumprindo o destino do cristianismo.
O Estado o matou e o suprimiu, restando ao cristianismo separar-se dele, e por tal razão afirma-se 
que o Reino de Deus não pertence a este mundo, ou como teria dito Jesus: “Dai a César o que é de César, 
e a Deus o que é de Deus”.
A tese hegeliana de que o cristianismo está no epicentro da transformação do antigo para o moderno 
nasce justamente com essa cisão, pois o destino do cristianismo foi tornar-se uma religião privada. 
Assim, o espiritual não é temporal, e a liberdade individual, que é o exercício (passivo) da súplica, nada 
mais pode ser que não uma forma de fuga do mundo. 
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Unidade III
No mundo cristão, nada pode coincidir: Estado e religião; coisas mundanas e espirituais; Deus e a vida 
etc. Logo, o perdão dos pecados é uma forma presente, expoente da verdadeira conciliação no pós-vida.
Jesus afirma que a fuga diante do destino é o maior de todos os destinos. Desse modo, a recusa de 
Jesus em unir-se ao seu povo e transformá-lo por dentro é seu verdadeiro destino, que se revela na sua 
escolha pelo amor. Sua cisão fica evidente em uma passagem do evangelho de Mateus: “Quem ama seu 
pai ou sua mãe, seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim”.
Nesse contexto, percebemos quando acontece a cisão entre os dois espíritos, tornando a religião 
judaica oposta à religião cristã. O espírito judaico não foge das realizações objetivas feitas a partir de seu 
modo de vida, pois são dádivas do Senhor. Já o cristão só pode aceitá-las pelo crivo do amor por Cristo, 
pois a objetividade da realidade é sua grande inimiga. É daí que se tem a causa da aceitação da riqueza 
pelo judeu, e sua recusa pelo cristão. A liberdade do cristão é separada da finitude das coisas, pois tem 
em seu coração o infinito, o amor, do qual o judeu não tem, pois Abraão o refutou.
Essa separação entre o finito e o infinito cristão culmina, de certa maneira, com a proposição lógica 
de que toda escolha é uma exclusão e toda afirmação traz em si uma negação. A partir dessa formulação, 
abordaremos a dialética e as concepções de positividade, destino e direito em Hegel.
8.4 Formulações de Hegel para o direito
Como destacamos, Hegel se posiciona de modo a ressaltar as qualidades de uma religião orgânica, 
sempre se referenciando ao período helênico, da mesma forma que Nietzsche e outros filósofos alemães. 
O direito de Hegel seguirá por um caminho parecido.
Em meio aos debates acerca do direito em sua época, Hegel discordava das correntes vigentes, 
porque, após a Revolução Francesa, foi necessária uma nova teoria do direito. Tanto os monarquistas 
como os não monarquistas tinham ideias próprias sobre o direito natural. O direito positivo moderno se 
constituiu à feição de outros filósofos, por exemplo Kant e Kelsen.
Hegel não concebia, como outros em seu tempo, o direito natural como um sistema racional, 
universal e igualitário. Esses adjetivos frequentemente atribuídos ao direito fundamentam uma visão 
liberal que o próprio direito construiu para conviver com o Estado. Nessas características está presente 
o espírito científico, que a seu modo transforma o sistema jurídico num maquinário de apoio ao Estado.
A expressão última desse sistema seria o próprio direito das pessoas, atomizado, cujo principal alicerce 
seria o Estado, que, por sua vez, seria reduzido à única e importante função de garantir o exercício desse 
direito absoluto individual. Essa função estava inserida nas teorias iluministas, era independente das 
reais disposições humanas e da discussão sobre o comportamento natural dos homens.
Para os iluministas, o Estado é sempre a figura que nasce para assegurar a liberdade e o direito natural 
último das pessoas. É nesse Estado erguido por indivíduos e para indivíduos em que está construída 
a ideia de Estado democrático servidor: ele existe para nós, mas nós não existimos para ele.
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IDEALISMO
Portanto, teoricamente, o direito racionalista estará construído sobre as limitações propostas por 
Kant, pois este constantemente separa, com seu pensamento crítico, os juízos da realidade. Kant constrói 
um saber sobre os saberes em si mesmo e isso promove um afastamento do objeto do direito. Esse 
principal aspecto do pensamento crítico, que também influenciava o empirismo da época, acabou por 
distanciar, cindir as coisas, o que só pode levar ao inorgânico, ao acabado (e estático).
É nesse ponto que começa a originalidade de Hegel. Apoiando-se no pensamento de Schelling, ele 
buscou reconciliar o que foi separado pela forma de pensar de Kant. Hegel tentou aproximar as posições 
a priori e a posteriori, pois lhe interessava essa reunião entre pensamento puro e empiria. Podemos dizer 
que Hegel estava atraído pela distância entre a abstração e a intuição.
Com essa discussão é que Hegel aborda a questão da prática e da teoria. Sua posição é clara: 
a prática não é suficiente para exprimir-se em razão na forma de um conceito absoluto. Essa afirmação 
sugere o seguinte: quando pretendemos teorizar, com base nas experiências empíricas acerca da vida 
dos homens e de seus costumes, somos enganados pela generalização, ou mesmo pela artificialidade da 
explicação e do modelo.
A distância normalmente atribuída à moral, opondo o que é ao que deveria ser, não pode ser válida 
pelo mesmo motivo da generalização ou pela artificialidade do modelo de explicação. Essa distância entre 
a prática e a teoria, o que a prática pode oferecer, e quando acontece a sua impotência em se tornar teoria, 
acaba opondo, por exemplo, a tese do estado natural de Hobbes, e sua solução contratualista, o Estado. 
Essa oposição acontece porque na forma de um estado natural ou de natureza, do homem, um estado não 
consegue ser um estado social nem uma realidade histórica. Hegel afirma que apenas um estado social e 
histórico pode se constituir no Estado em suas diversas formas.
Todas as teorias que Hegel buscou transcender, com sua proposta de reconciliação das distâncias 
entre a ideia e a realidade, revelaram um organismo espiritual que sempre opõe o Estado à natureza. 
É por tal motivo que não se pode separar a moral de povo, nem a pensar de maneira isolada, como se 
pudesse anteceder ou preceder um povo.
Hegel utiliza o mesmo mecanismo proposto por Kant. Quando Kant pensa o direito, pressupõe 
na origem um sujeito absolutamente livre, que faz com que o direito e o dever coincidam em sua 
consciência. Esse é o ponto

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